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Opinião

Por: Raul Silva, Jornalista do Teoria Literária


Cineasta palestino é sequestrado por soldados israelenses, diz diretor | Foto: Reprodução
Cineasta palestino é sequestrado por soldados israelenses, diz diretor | Foto: Reprodução

O sequestro e a detenção do cineasta palestino Hamdan Ballal, tal como amplamente relatado, transcendem a mera conjuntura de um episódio isolado de repressão estatal. Este evento insere-se em um panorama mais amplo de dominação colonial, apagamento cultural e violência estrutural que caracterizam a ocupação da Palestina. Através de uma análise histórico-crítica, podemos traçar paralelos inquietantes entre as ações do Estado de Israel e processos históricos de violência sistemática, tais como o Holocausto e outras formas de segregação racial institucionalizada. Esse fenômeno de violência estrutural perpetua-se não apenas por meio de intervenções militares, mas também por uma arquitetura institucional que busca consolidar a ocupação como um fato consumado, impossibilitando qualquer processo de autodeterminação palestina.


A violência exercida contra Ballal, cineasta e ativista, não apenas busca suprimir uma voz dissidente, mas também se insere em um continuum de práticas de opressão que encontram eco no conceito freireano de "Pedagogia do Oprimido". Segundo Paulo Freire, a dialética da opressão muitas vezes leva o oprimido, ao conquistar um espaço de poder, a reproduzir as mesmas estruturas de dominação que outrora o subjugaram. O sionismo político, que emergiu como uma resposta à perseguição antissemita na Europa, paradoxalmente deu lugar a uma estrutura de ocupação que impõe sobre os palestinos um regime de controle e desumanização sistemática. A partir dessa perspectiva, a política israelense pode ser vista como um reflexo da internalização de estruturas de poder que foram, no passado, utilizadas contra a própria comunidade judaica.


A brutalidade do ataque a Ballal e sua subsequente detenção evidenciam a forma como o Estado israelense instrumentaliza tanto seus aparatos militares quanto os colonos extremistas como agentes de repressão. O fato de Ballal ter sido atacado por colonos antes de ser entregue às forças militares ilustra a conivência entre o Estado e os atores não estatais na perpetuação da violência contra os palestinos. Relatórios de organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, reiteram que tais ataques são cada vez mais frequentes e sistematicamente negligenciados pelo sistema judiciário israelense, que raramente responsabiliza os colonos por seus atos. Essa relação de cumplicidade entre forças estatais e colonos é um componente fundamental da política de expansão territorial israelense, onde a população civil é utilizada como força paramilitar para reforçar as dinâmicas de ocupação.


O aparato de repressão implementado por Israel guarda notáveis semelhanças com estruturas históricas de exclusão e genocídio. A imposição de um regime de segregação física, manifestado nos checkpoints militarizados e no sistema de passes que restringe a liberdade de movimento dos palestinos, remete aos métodos empregados pelos regimes de apartheid na África do Sul e à segregação imposta pelos nazistas aos judeus nos guetos da Europa. O enclave de Gaza, uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, funciona como uma prisão a céu aberto, onde as condições de vida são deliberadamente precarizadas para enfraquecer a resistência popular. O deslocamento forçado de comunidades palestinas, frequentemente justificado sob o pretexto de necessidades militares ou arqueológicas, reflete a lógica de engenharia demográfica voltada para o apagamento da identidade nacional palestina. Esse processo é complementado pela destruição sistemática de infraestruturas essenciais, como escolas e hospitais, que tornam a vida dos palestinos cada vez mais inviável.


O documentário "No Other Land", dirigido por Ballal, é um testemunho eloquente dessas realidades. Ao denunciar a destruição sistemática de aldeias palestinas e a militarização cotidiana da Cisjordânia, a obra evidencia as contradições do discurso oficial israelense que busca justificar a ocupação sob o prisma da segurança nacional. O sequestro de Ballal é uma tentativa explícita de silenciar uma narrativa que desestabiliza a hegemonia discursiva israelense no cenário internacional. Esse controle narrativo, que se manifesta na censura de produções culturais palestinas e na perseguição de jornalistas, é um elemento crucial da estratégia colonial de Israel, que compreende a informação como um campo de batalha. A repressão à cultura palestina não se limita ao silenciamento de vozes individuais, mas se estende a políticas educacionais que visam obliterar a memória coletiva da resistência palestina.


A repressão contra jornalistas e cineastas palestinos insere-se em um contexto mais amplo de criminalização da resistência cultural. Relatórios indicam que, nos últimos anos, dezenas de jornalistas palestinos foram assassinados ou detidos, muitas vezes sob pretextos frágeis e sem direito a um julgamento justo. Essa censura estatal busca não apenas impedir a circulação de informações sobre os crimes cometidos na Cisjordânia e em Gaza, mas também desumanizar a população palestina aos olhos do público internacional, justificando assim a continuidade das operações militares e das políticas de ocupação. A manipulação da narrativa internacional por meio de think tanks e lobbies políticos nos Estados Unidos e na Europa desempenha um papel crucial para garantir que a repressão sistemática contra os palestinos permaneça impune.


A comunidade internacional, embora ciente dessas dinâmicas, mantém uma postura ambígua e, muitas vezes, conivente. A ONU, apesar de suas reiteradas resoluções condenando a ocupação israelense e a expansão de assentamentos ilegais, carece de mecanismos efetivos para aplicar sanções concretas. As potências ocidentais, notadamente os Estados Unidos e alguns países da União Europeia, continuam a fornecer suporte militar e diplomático a Israel, garantindo que este atue com impunidade. A inércia dessas potências revela o papel que os interesses geopolíticos e econômicos desempenham na perpetuação do status quo. A lógica da Guerra Fria, onde Israel se consolidou como um aliado estratégico do Ocidente, ainda se faz presente nas decisões políticas contemporâneas, tornando qualquer condenação efetiva improvável.


O pensamento freireano nos convida a uma reflexão mais profunda sobre a possibilidade de rompimento com esse ciclo de violência e opressão. A libertação autêntica, segundo Freire, só ocorre quando o oprimido se recusa a reproduzir a lógica de seu opressor, optando por uma práxis que emancipa não apenas a si mesmo, mas toda a sociedade. O caso de Hamdan Ballal é um testemunho da necessidade urgente de uma resistência organizada e de uma solidariedade internacional efetiva em prol da justiça e do direito à autodeterminação dos palestinos. Essa solidariedade não pode se limitar a manifestações simbólicas, mas deve se traduzir em ações concretas, como boicotes econômicos e a exigência de sanções contra Israel.


A luta palestina não é apenas uma questão geopolítica, mas um imperativo ético e moral. Os registros históricos demonstram que nenhum regime de ocupação é eterno e que a resistência popular, quando respaldada por uma mobilização global, pode reverter mesmo as estruturas de dominação mais arraigadas. Cabe à comunidade internacional decidir se continuará a perpetuar o silêncio conivente ou se posicionará ao lado da justiça, reconhecendo a autodeterminação palestina não como uma concessão, mas como um direito inalienável. A história julgará as escolhas feitas neste momento crítico, e a omissão de hoje poderá ser lembrada como cumplicidade na perpetuação de um sistema de violência e segregação. O caso Ballal, portanto, não é apenas uma questão de liberdade individual, mas um microcosmo de uma luta histórica pela dignidade e pelo reconhecimento da humanidade palestina.


 
 
 

Por Raul Silva - Especialista em Literatura para o Radar Literário.


Fonte: GettyImages

É comum ouvirmos que a língua portuguesa apresenta desafios significativos para seu domínio. De fato, como herdeira do latim — assim como o espanhol e o italiano —, ela carrega em sua história transformações fonéticas, morfológicas e sintáticas que justificam parte de sua complexidade. Contudo, as dificuldades enfrentadas por estudantes e falantes não se restringem apenas às nuances estruturais. Elas estão entrelaçadas a fatores sociais, educacionais e até afetivos, que refletem a relação entre identidade, cultura e educação em nosso país.


Muitos alunos destacam a gramática normativa como um obstáculo intransponível, associando-a à incapacidade de escrever ou falar "corretamente". No entanto, a linguística contemporânea nos lembra que não há "erro" na fala espontânea, mas variações linguísticas legítimas, marcadas por contextos regionais, sociais e históricos. A escola, nesse sentido, tem o duplo papel de valorizar a diversidade linguística do aluno e introduzi-lo à norma padrão, mostrando que ambas coexistem em diferentes esferas: enquanto a linguagem informal permeia relações cotidianas, a norma culta abre portas em ambientes acadêmicos, profissionais e jurídicos.


Entretanto, reduzir o domínio da língua ao conhecimento gramatical é um equívoco. Basta observarmos falantes eloquentes que desconhecem regras formais, ou escritores que transcendem normas para criar obras-primas. Isso revela que a fluência linguística está menos vinculada à decoreba de regras e mais à imersão em práticas sociais de comunicação. Nesse contexto, emerge um problema estrutural: a crise de leitura no Brasil.


Apesar de vivermos na era da informação, com acesso gratuito a bibliotecas digitais, e-books e plataformas educacionais, o hábito de ler ainda é negligenciado. Livros físicos, embora mais acessíveis que no passado, continuam caros para muitos, mas a resistência à leitura vai além do fator econômico. Há uma cultura que prioriza o consumo imediatista — de redes sociais a entretenimento rápido — em detrimento do investimento no intelecto. Enquanto isso, famílias e escolas muitas vezes reproduzem a ideia de que ler é "entediante" ou "perda de tempo", ignorando seu potencial transformador.


O resultado é evidente: alunos com vocabulário limitado, dificuldade de interpretação de textos e pouca familiaridade com estruturas linguísticas complexas. A leitura, no entanto, é a chave para romper esse ciclo. Quando um jovem lê — seja um romance, uma notícia ou até posts bem elaborados —, ele internaliza naturalmente construções gramaticais, amplia seu repertório lexical e desenvolve a capacidade de articular ideias. Além disso, a leitura estimula o pensamento crítico, permitindo que ele compreenda nuances de diferentes discursos, identifique fake news e posicione-se de maneira consciente na sociedade.


Não se trata de romantizar a leitura como solução mágica, mas de reconhecer seu papel na formação integral. O aluno leitor não apenas domina melhor a língua: ele se torna capaz de transitar entre registros formais e informais, adaptando sua comunicação a cada contexto. Essa habilidade é crucial em um mundo onde a escrita ganhou novas dimensões — de e-mails profissionais a debates em redes sociais.


Portanto, o ensino de português precisa ir além da gramática descontextualizada. É urgente que as escolas integrem a leitura como eixo central, promovendo acesso a obras diversas (da literatura clássica à contemporânea), incentivando rodas de discussão e conectando textos à realidade dos alunos. Projetos interdisciplinares, por exemplo, podem mostrar como a língua dialoga com história, ciências e até com as artes. Paralelamente, é preciso combater estereótipos que associam livros a uma elite, destacando iniciativas públicas como bibliotecas comunitárias e acervos digitais gratuitos.


Em um país marcado por desigualdades, a leitura é mais que um instrumento linguístico: é uma ferramenta de emancipação. Ela permite que jovens compreendam seus direitos, questionem estruturas de poder e reescrevam suas próprias histórias. Ensinar português, portanto, é também ensinar cidadania — e isso só se concretiza quando as palavras saltam das páginas para ganhar significado na vida real.

 
 
 

Por: Raul Silva - Jornalista para o Atlas Político do Teoria Literária


Nos bastidores da democracia, onde as vozes se entrelaçam para compor o debate político, há um silêncio inquietante: o dos jovens. No momento em que a radicalização digital e os discursos de ódio ecoam pelos corredores virtuais, o que acontece quando a juventude se sente sufocada pelo ruído ensurdecedor da intolerância? Esta reportagem se propõe a explorar o impacto da ascensão dos discursos extremistas sobre a participação política dos jovens e a percepção deles em relação à democracia e à representatividade, investigando não apenas os impactos psicológicos e sociais, mas também os mecanismos institucionais que podem fomentar ou mitigar essa tendência preocupante.


Reprodução: SaferNet
Reprodução: SaferNet

O efeito cascata na participação política

A presença do neonazismo e de ideologias de extrema direita em plataformas digitais deixou de ser um fenômeno marginal para se tornar uma realidade alarmante, permeando cada vez mais os espaços de socialização e informação da juventude. Dados da SaferNet revelam que, nos últimos cinco anos, houve um aumento de 242% na propagação de conteúdo extremista em fóruns e redes sociais, mas esse número se torna ainda mais expressivo quando analisamos o crescimento do engajamento juvenil nesses conteúdos: relatórios indicam que 37% dos acessos a fóruns de extrema direita provêm de usuários entre 15 e 25 anos.


Esse fenômeno não acontece por acaso. O algoritmo das plataformas digitais prioriza engajamento e tempo de tela, favorecendo conteúdos que despertam reações emocionais intensas – indignação, raiva, medo –, fatores explorados por grupos extremistas que moldam narrativas sedutoras para jovens descontentes e em busca de pertencimento. O resultado é um ciclo perigoso: a falta de educação política e o consumo de desinformação sistemática tornam esses jovens mais vulneráveis à cooptação ideológica, ampliando a influência desses discursos na esfera pública digital.


Novo portal do Governo Federal vai ajudar sociedade a diferenciar discurso extremista ou propagador de ódio daquilo que é apenas opinião e expressão de liberdade
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Pesquisas indicam que o medo e a insegurança influenciam diretamente a disposição juvenil para o engajamento político. Um levantamento realizado pela Federação Mundial da Juventude Democrática aponta que 68% dos jovens brasileiros entre 16 e 24 anos acreditam que expressar opiniões políticas nas redes pode resultar em ataques virtuais e perseguição. Esse receio tem fundamentos concretos: estudos da Fundação Getulio Vargas - FGV, mostram que perfis progressistas ou pertencentes a grupos minoritários têm, em média, 4,7 vezes mais chances de sofrer assédio digital do que perfis alinhados a discursos conservadores.


Com a intensificação desse clima hostil, muitos jovens optam pelo silêncio, receosos das consequências de suas opiniões. O impacto desse fenômeno é profundo, reduzindo a presença de novas vozes nos debates essenciais para o futuro da sociedade e fortalecendo a hegemonia dos discursos extremistas que se tornam mais audíveis e normalizados. Esse cenário agrava um ciclo de despolitização, em que a ausência de uma cultura política consolidada na juventude facilita sua exclusão do processo democrático, além de abrir caminho para que narrativas antidemocráticas sejam naturalizadas sem contraposição crítica.


Espaços de fala e democracia em risco

A democracia se sustenta no diálogo, mas e quando esse diálogo é interrompido pelo medo? Os espaços de fala para grupos marginalizados – negros, indígenas, LGBTQIA+ e mulheres – são especialmente afetados pelos discursos de ódio. Jovens dessas comunidades relatam que, mesmo quando tentam participar do debate público, encontram barreiras intransponíveis. A interseccionalidade desses ataques se revela ainda mais cruel quando observamos que aqueles que pertencem a mais de um grupo socialmente vulnerável são ainda mais alvos de perseguições e silenciamentos. Essas barreiras não se limitam ao ambiente digital; elas se estendem ao espaço físico, onde discursos extremistas incitam atos de violência real, criando um ambiente de constante insegurança e intimidação para esses grupos.


Prefeitura realiza posse do primeiro Grêmio Escolar da rede municipal de São Cristóvão 
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Estudos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos apontam que países onde há um crescimento do discurso de ódio também registram aumento de agressões físicas e crimes motivados por intolerância. No Brasil, relatórios do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) mostram que, entre 2018 e 2023, houve um crescimento de 157% nos crimes de intolerância contra minorias. Isso reflete diretamente no sentimento de medo e exclusão que permeia os espaços de discussão política.


"Você começa a falar e, de repente, está sendo atacado de todos os lados. Parece que nossa existência é uma afronta para quem quer manter o status quo", afirma Maria Eduarda, estudante universitária e ativista pelos direitos das mulheres.

Essa percepção não é apenas anedótica, mas respaldada por dados concretos: o dossiê 2025 da ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais revela que 73% dos ataques online têm como alvo minorias sociais, sendo que mulheres negras e pessoas trans são os principais alvos de assédio e perseguição.


Para muitos jovens, a política se tornou um campo minado, onde um simples posicionamento pode significar uma enxurrada de ameaças e difamação digital. Além disso, há a preocupação com o impacto psicológico desse cenário: estudos da Universidade de São Paulo (USP) apontam que jovens ativistas vítimas de discursos de ódio e perseguição online apresentam níveis elevados de ansiedade e depressão, sendo que 42% deles relatam ter pensado em abandonar completamente o ativismo e a participação política.


Esse ciclo de silenciamento e desgaste emocional compromete a renovação democrática, afastando aqueles que têm potencial para trazer mudanças estruturais para a sociedade. O desafio, portanto, não é apenas criar mecanismos para combater a desinformação e o extremismo digital, mas também garantir que a juventude, em sua diversidade, encontre segurança e apoio para continuar lutando por seus direitos.


Quando a voz da juventude é abafada: os riscos de um futuro sem pluralidade

Especialistas alertam para o custo social dessa radicalização e da exclusão juvenil do debate público. O cientista político Ricardo Vasconcellos explica:


"A ausência de jovens no cenário político gera uma lacuna de representação. Sem participação ativa, os interesses dessa geração ficam à mercê de decisões alheias, muitas vezes desalinhadas com suas demandas reais."

Além disso, essa lacuna não se reflete apenas no campo legislativo, mas também na formulação de políticas públicas e na definição de prioridades governamentais. Estudos do Instituto de Democracia e Renovação indicam que países com maior participação juvenil na política tendem a ter políticas mais progressistas em relação a questões ambientais, educacionais e sociais, evidenciando o impacto direto dessa presença. Sem esse envolvimento, reformas essenciais para as futuras gerações podem ser adiadas ou simplesmente ignoradas.


Estudantes debatem principais temas da geração no 44º CONUBES
Estudantes debatem principais temas da geração no 44º CONUBES

A longo prazo, essa ausência compromete a renovação da democracia e pode levar a uma sociedade menos engajada na defesa dos direitos fundamentais. Dados do Fórum Global da Juventude apontam que jovens que não participam de discussões políticas em seus primeiros anos de vida adulta têm três vezes mais chances de se manter distantes do processo eleitoral ao longo da vida. Essa desconexão pode criar um ciclo vicioso em que a falta de representação leva a políticas desinteressantes para esse grupo, reforçando ainda mais sua alienação e perpetuando um cenário de baixa renovação política. A presença juvenil no cenário político não é apenas uma questão de inclusão, mas uma necessidade estratégica para a construção de um futuro democrático mais robusto e dinâmico.


A psicóloga social Ana Paula Martins reforça que a sensação de exclusão pode resultar em apatia e desesperança.


"Se um jovem não se sente ouvido, ele se desengaja. Quando não se identifica com os discursos dominantes, há um risco real de alienação política e social."

A falta de representação e identificação nos espaços políticos pode gerar um sentimento de impotência, em que os jovens deixam de acreditar que sua voz tem qualquer impacto sobre a realidade. Segundo um levantamento do Tribunal Superior Eleitoral - TSE, 72% dos jovens brasileiros entre 16 e 24 anos relatam sentir que suas opiniões não têm peso nas decisões governamentais, o que contribui para o afastamento progressivo dessa faixa etária do debate público.


Esse fenômeno, conhecido como desmobilização democrática, pode comprometer não apenas a participação política, mas também a capacidade dos jovens de construir redes de apoio e resistência contra forças autoritárias. Estudos indicam que sociedades com alto nível de desmobilização juvenil enfrentam maior dificuldade em reagir a ameaças institucionais contra a democracia.


Em países onde a participação jovem é baixa, como Hungria e Turquia, observou-se uma redução significativa na resistência popular frente a retrocessos democráticos. Já em nações onde a juventude é um agente ativo no cenário político, como Chile e Islândia, a renovação de lideranças tem sido um fator determinante na preservação de valores democráticos. Assim, a luta para manter os jovens engajados na política não é apenas uma questão de representatividade, mas uma barreira essencial contra o avanço de políticas autoritárias e antidemocráticas.


O papel das redes e a luta pela voz

O ambiente digital tem se mostrado um campo de batalha paradoxal para os jovens: ao mesmo tempo que oferece espaço para disseminação de ideologias extremistas, também se constitui em um território de resistência e mobilização política. Dados do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação revelam que 89% dos jovens brasileiros acessam redes sociais diariamente, sendo que 63% utilizam esses espaços como fonte primária de informação política. Esse cenário abre um leque de possibilidades para contra-narrativas que desafiem discursos de ódio e promovam o engajamento democrático.


Paradoxalmente, enquanto as redes sociais se tornam espaços de hostilidade, elas também podem ser instrumentos de resistência. Movimentos estudantis e coletivos juvenis têm utilizado estratégias de contra-narrativa para combater a desinformação e ampliar o diálogo político. Iniciativas de educação midiática têm crescido, ensinando jovens a identificar fake news, compreender discursos extremistas e utilizar a tecnologia a favor da democracia.


#8M | A voz das mulheres na luta pela igualdade de gênero!
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A campanha "Jovens Pela Democracia", lançada em 2024, conseguiu mobilizar mais de 2 milhões de jovens para o alistamento eleitoral, provando que, apesar das adversidades, ainda há espaço para participação ativa. Essa iniciativa utilizou uma abordagem inovadora, explorando desde influenciadores digitais até desafios virais para engajar o público jovem em um tema tradicionalmente tratado com distanciamento por essa faixa etária. A campanha também promoveu rodas de conversa, podcasts e conteúdos interativos para aproximar a juventude dos processos eleitorais e estimular o pensamento crítico.


Redes como TikTok e Instagram vêm sendo usadas para disseminar informação política de forma acessível, desmistificando temas complexos e incentivando um debate saudável. Um estudo do Observatório Digital da Política Jovem apontou que vídeos curtos explicativos sobre eleições e direitos civis tiveram um aumento de 312% no engajamento nos últimos três anos, evidenciando a demanda dos jovens por conteúdos que dialoguem com sua linguagem e dinâmica de consumo.


Contudo, especialistas alertam que é preciso um esforço maior por parte das plataformas para conter a disseminação de conteúdos extremistas e garantir um ambiente seguro para a discussão política. Pesquisas revelam que 47% dos jovens brasileiros já se depararam com fake news em redes sociais e que apenas 28% se sentem capacitados para identificar e contestar informações falsas. Isso indica a urgência de ações concretas, como regulamentação mais rígida das plataformas e iniciativas educacionais para reforçar a alfabetização midiática e digital dessa nova geração.


O silêncio não pode ser uma opção

A juventude é o motor da transformação social, mas, se suas vozes forem silenciadas pelo medo e pela intolerância, o futuro da democracia corre perigo. O combate ao discurso de ódio precisa ser visto como uma questão urgente, demandando ação conjunta da sociedade, das instituições e das próprias plataformas digitais. No Brasil, uma pesquisa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação revelou que 74% dos jovens entre 16 e 29 anos sentem que sua liberdade de expressão está ameaçada no ambiente digital, seja por repressão institucional, censura velada ou pelo medo de retaliação virtual. Isso demonstra que a limitação do espaço de fala juvenil não é apenas uma percepção subjetiva, mas uma realidade mensurável que afeta a participação cívica dessa geração.


Reprodução - IPAM
Reprodução - IPAM

A implementação de políticas públicas voltadas à educação midiática e ao fortalecimento do pensamento crítico deve ser prioridade, garantindo que os jovens tenham as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios da era digital. Iniciativas como o Programa Nacional de Alfabetização Midiática, proposto por especialistas em 2023, buscam capacitar estudantes a identificar fake news e reconhecer padrões de discurso extremista antes que sejam cooptados por narrativas manipuladoras. No entanto, sem uma adesão ampla das instituições e um compromisso real das plataformas digitais em combater a disseminação de ódio e desinformação, essas medidas podem ter impacto limitado. As big techs, que lucram com o engajamento gerado pelo conflito, precisam ser responsabilizadas e regulamentadas para que um ambiente democrático saudável possa florescer no meio digital.


Se os memes têm voz, por que a juventude deveria ser calada? Em meio ao caos informacional, é necessário garantir que o discurso jovem seja não apenas ouvido, mas valorizado. Pois um futuro sem pluralidade é um futuro onde a democracia deixa de existir.


O ativismo digital tem demonstrado seu potencial transformador, com campanhas como #JovensPelaDemocracia alcançando milhões de interações e incentivando o alistamento eleitoral de milhares de adolescentes. Mas essa luta não pode ser individual – é preciso uma estrutura social que garanta a continuidade desses esforços. Para impedir que essa geração seja marcada pelo silêncio, é fundamental que governos, educadores, ativistas e a própria sociedade civil se unam na construção de espaços democráticos mais inclusivos, onde todos possam exercer seu direito de falar e ser ouvidos. Só assim poderemos reverter a tendência de apagamento juvenil do debate público e resgatar o papel central da juventude na defesa dos princípios democráticos.


 
 
 
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