- Raul Silva
- há 14 horas
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A sustentação oral da defesa de Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF, revelou uma estratégia defensiva que, embora tecnicamente elaborada, apresenta vulnerabilidades significativas diante do robusto conjunto probatório reunido pela Procuradoria-Geral da República no processo que apura a tentativa de golpe de Estado.

A controvérsia das passagens aéreas
Um dos pontos centrais da defesa, apresentada pelo advogado Dr. Novac, concentrou-se na polêmica viagem de Torres aos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2023, véspera dos atos antidemocráticos. O defensor atacou frontalmente a versão da PGR, que sugeriu uma "ausência deliberada" do então secretário.
"Essas passagens foram juntadas no processo em janeiro de 2023. O Ministério Público passa todo esse tempo sem fazer um questionamento sequer e na sua última manifestação formal traz ainda uma ameaça de abrir novo procedimento investigatório para apurar a possível fraude", argumentou Dr. Novac, exibindo documentos que, segundo ele, comprovam que os bilhetes foram emitidos em 21 de novembro de 2022.
A defesa foi enfática ao afirmar que "nesta data sequer havia qualquer cogitação em relação aos atos do 8 de janeiro", uma alegação que encontra respaldo no depoimento do governador Ibanês, citado pelo advogado:
"Ele havia me comunicado de uma primeira reunião que nós tivemos quando eu convidei ele para ser secretário, que ele tinha uma viagem com a família".
Contudo, esta linha argumentativa encontra fragilidades quando confrontada com o conjunto probatório da PGR. A denúncia revela que:
"a última esperança da organização estava na manifestação de 8 de janeiro", e que "os integrantes da estrutura criminosa conheciam o intuito de criação do cenário de comoção social".
O timing da viagem, portanto, ganha contornos mais suspeitos quando inserido no contexto maior da trama golpista.

A participação nas reuniões ministeriais
Outro pilar da defesa foi a tentativa de minimizar a participação de Torres na reunião ministerial de julho de 2022, onde, segundo a denúncia, houve "concitação expressa de ataques às urnas e à difusão de notícias infundadas" sobre o adversário político de Bolsonaro.
Dr. Novac argumentou que Torres foi "desconfortável com o tema, porque não conhecia bem do assunto" na live sobre urnas eletrônicas, e citou perícia que concluiu: "não se observou manifestação opinativa ou juízo de valor na fala do ex-ministro".
Sobre a reunião ministerial, a defesa destacou que Torres teria dito: "Depois que der merda, não muda nada não", interpretando isso como "espírito de aceitação em relação aos resultados da eleição". Diversas testemunhas foram citadas negando caráter golpista ao encontro.
No entanto, a PGR apresenta uma versão substancialmente diferente. A denúncia relata que na reunião:
"um dos generais denunciados" disse: "o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições".
O contexto descrito pela acusação sugere um ambiente muito mais conspiratório do que a defesa admite.

A questão da minuta golpista
Um dos pontos mais delicados da defesa refere-se à minuta de decreto encontrada na residência de Torres. O advogado argumentou que o documento:
"estava circulando na internet" e que "vinha sendo distribuída para várias pessoas".
Citou depoimento de Valdemar Costa Neto:
"aquela proposta que tinha na casa do ministro da justiça, isso tinha na casa de todo mundo".
A defesa também destacou perícia que concluiu pela "ausência total de compatibilidade formal, textual e estrutural" entre a minuta apreendida e o documento atribuído a Mauro Cid, sugerindo tratarem-se de textos distintos.
Entretanto, a PGR apresenta uma narrativa mais comprometedora. A denúncia detalha que:
"de atos de formalização de quebra da ordem constitucional" e que "o Presidente da República à época chegou a apresentar uma delas".
O fato de Torres possuir uma dessas minutas, mesmo que amplamente circulada, ganha significado criminal quando inserido no contexto da organização criminosa descrita pela acusação.

A omissão no 8 de Janeiro
Talvez o ponto mais frágil da defesa seja a explicação para a ausência de Torres no dia dos ataques às sedes dos Três Poderes. Dr. Novac argumentou que o ex-secretário:
"convoca o general Dutra" e a secretária Marra "para desmobilizar os acampamentos em frente aos quartéis", citando testemunha que confirmou discussões sobre "expedição de mandato de prisão para os líderes do acampamento".
A defesa sustentou que Torres assinou protocolo de segurança antes de viajar, que previa que
"não seria permitido o acesso à praça dos três poderes" e contenção de pessoas portando instrumentos que pudessem causar "baderna generalizada".
Contudo, a versão da PGR é devastadora para esta linha defensiva. A denúncia afirma que:
"três dos personagens envolvidos" na manipulação da PRF durante as eleições "tornaram ao proscênio do golpe em 8 de janeiro de 2023, quando atuavam na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e facilitaram o movimento insurrecionista violento".

Fragilidades estruturais da defesa
A estratégia defensiva de Anderson Torres, embora tecnicamente competente, apresenta vulnerabilidades significativas quando confrontada com o volume e a consistência das provas reunidas pela PGR.
Primeiro, a defesa adota uma abordagem fragmentária, contestando episódios isolados sem enfrentar adequadamente a tese central da acusação: a existência de uma organização criminosa estruturada. A PGR descreve Torres como integrante do "núcleo crucial da organização criminosa", atuando em "ação coordenada" com outros denunciados.
Segundo, muitas das explicações oferecidas pela defesa dependem de coincidências ou interpretações benévolas de comportamentos que, no contexto da conspiração descrita pela PGR, ganham significado criminal. A viagem aos EUA, por exemplo, pode ter sido planejada antes, mas sua execução às vésperas dos atos extremistas é, no mínimo, suspeita.
Terceiro, a defesa não consegue explicar satisfatoriamente a convergência de ações: por que Torres participou de reuniões onde se discutiu "uso da força", possuía minuta golpista, coordenou ações da PRF que favoreciam Bolsonaro e estava ausente justamente no momento crítico?
Questionamentos dos ministros
Durante a sustentação, o ministro Luís Fux fez questionamento que revelou preocupação com lacunas na versão defensiva: "alguma tese para o dia da eleição", referindo-se ao segundo turno e às ações da PRF. A resposta do advogado foi evasiva, limitando-se a dizer que "todo o planejamento operacional de emprego, tanto do efetivo da PRF quanto da PF, foi institucional".
Este questionamento vai ao cerne das acusações: a PGR demonstra que houve:
"mobilização de aparatos de órgãos de segurança para mapear lugares em que o candidato da oposição obtivera votação mais expressiva" e que a "Polícia Rodoviária Federal foi levada a realizar operações, visando a dificultar o acesso tempestivo dos eleitores".

A defesa de Anderson Torres, embora elaborada com competência técnica, parece insuficiente para desconstruir a narrativa de organização criminosa apresentada pela PGR. Os argumentos defensivos, quando isolados, podem até soar plausíveis, mas perdem força quando confrontados com o conjunto probatório que aponta para uma ação coordenada e sistemática contra a ordem democrática.
A estratégia de negar participação direta nos atos mais graves, minimizar o significado de reuniões e documentos, e apresentar explicações alternativas para comportamentos suspeitos pode não ser suficiente diante da gravidade das acusações e da robustez das provas reunidas ao longo de mais de dois anos de investigação.
O julgamento ainda está em andamento, mas as sustentações iniciais sugerem que as defesas enfrentarão um desafio considerável para desconstruir a tese acusatória, especialmente quando o Supremo Tribunal Federal já reconheceu, em diversos precedentes relacionados ao 8 de janeiro, a ocorrência de tentativa de golpe de Estado.