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Política

A sustentação oral da defesa de Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF, revelou uma estratégia defensiva que, embora tecnicamente elaborada, apresenta vulnerabilidades significativas diante do robusto conjunto probatório reunido pela Procuradoria-Geral da República no processo que apura a tentativa de golpe de Estado.


Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública  • Marcelo Camargo/Agência Brasil
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública  • Marcelo Camargo/Agência Brasil

A controvérsia das passagens aéreas


Um dos pontos centrais da defesa, apresentada pelo advogado Dr. Novac, concentrou-se na polêmica viagem de Torres aos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2023, véspera dos atos antidemocráticos. O defensor atacou frontalmente a versão da PGR, que sugeriu uma "ausência deliberada" do então secretário.


"Essas passagens foram juntadas no processo em janeiro de 2023. O Ministério Público passa todo esse tempo sem fazer um questionamento sequer e na sua última manifestação formal traz ainda uma ameaça de abrir novo procedimento investigatório para apurar a possível fraude", argumentou Dr. Novac, exibindo documentos que, segundo ele, comprovam que os bilhetes foram emitidos em 21 de novembro de 2022.

A defesa foi enfática ao afirmar que "nesta data sequer havia qualquer cogitação em relação aos atos do 8 de janeiro", uma alegação que encontra respaldo no depoimento do governador Ibanês, citado pelo advogado:


"Ele havia me comunicado de uma primeira reunião que nós tivemos quando eu convidei ele para ser secretário, que ele tinha uma viagem com a família".

Contudo, esta linha argumentativa encontra fragilidades quando confrontada com o conjunto probatório da PGR. A denúncia revela que:


"a última esperança da organização estava na manifestação de 8 de janeiro", e que "os integrantes da estrutura criminosa conheciam o intuito de criação do cenário de comoção social".

O timing da viagem, portanto, ganha contornos mais suspeitos quando inserido no contexto maior da trama golpista.


Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

A participação nas reuniões ministeriais


Outro pilar da defesa foi a tentativa de minimizar a participação de Torres na reunião ministerial de julho de 2022, onde, segundo a denúncia, houve "concitação expressa de ataques às urnas e à difusão de notícias infundadas" sobre o adversário político de Bolsonaro.


Dr. Novac argumentou que Torres foi "desconfortável com o tema, porque não conhecia bem do assunto" na live sobre urnas eletrônicas, e citou perícia que concluiu: "não se observou manifestação opinativa ou juízo de valor na fala do ex-ministro".


Sobre a reunião ministerial, a defesa destacou que Torres teria dito: "Depois que der merda, não muda nada não", interpretando isso como "espírito de aceitação em relação aos resultados da eleição". Diversas testemunhas foram citadas negando caráter golpista ao encontro.


No entanto, a PGR apresenta uma versão substancialmente diferente. A denúncia relata que na reunião:


"um dos generais denunciados" disse: "o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições".

O contexto descrito pela acusação sugere um ambiente muito mais conspiratório do que a defesa admite.


Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

A questão da minuta golpista


Um dos pontos mais delicados da defesa refere-se à minuta de decreto encontrada na residência de Torres. O advogado argumentou que o documento:


"estava circulando na internet" e que "vinha sendo distribuída para várias pessoas".

Citou depoimento de Valdemar Costa Neto:


"aquela proposta que tinha na casa do ministro da justiça, isso tinha na casa de todo mundo".

A defesa também destacou perícia que concluiu pela "ausência total de compatibilidade formal, textual e estrutural" entre a minuta apreendida e o documento atribuído a Mauro Cid, sugerindo tratarem-se de textos distintos.


Entretanto, a PGR apresenta uma narrativa mais comprometedora. A denúncia detalha que:


"de atos de formalização de quebra da ordem constitucional" e que "o Presidente da República à época chegou a apresentar uma delas".


O fato de Torres possuir uma dessas minutas, mesmo que amplamente circulada, ganha significado criminal quando inserido no contexto da organização criminosa descrita pela acusação.


Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

A omissão no 8 de Janeiro


Talvez o ponto mais frágil da defesa seja a explicação para a ausência de Torres no dia dos ataques às sedes dos Três Poderes. Dr. Novac argumentou que o ex-secretário:


"convoca o general Dutra" e a secretária Marra "para desmobilizar os acampamentos em frente aos quartéis", citando testemunha que confirmou discussões sobre "expedição de mandato de prisão para os líderes do acampamento".

A defesa sustentou que Torres assinou protocolo de segurança antes de viajar, que previa que


"não seria permitido o acesso à praça dos três poderes" e contenção de pessoas portando instrumentos que pudessem causar "baderna generalizada".

Contudo, a versão da PGR é devastadora para esta linha defensiva. A denúncia afirma que:


"três dos personagens envolvidos" na manipulação da PRF durante as eleições "tornaram ao proscênio do golpe em 8 de janeiro de 2023, quando atuavam na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e facilitaram o movimento insurrecionista violento".

Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

Fragilidades estruturais da defesa


A estratégia defensiva de Anderson Torres, embora tecnicamente competente, apresenta vulnerabilidades significativas quando confrontada com o volume e a consistência das provas reunidas pela PGR.


  1. Primeiro, a defesa adota uma abordagem fragmentária, contestando episódios isolados sem enfrentar adequadamente a tese central da acusação: a existência de uma organização criminosa estruturada. A PGR descreve Torres como integrante do "núcleo crucial da organização criminosa", atuando em "ação coordenada" com outros denunciados.

  2. Segundo, muitas das explicações oferecidas pela defesa dependem de coincidências ou interpretações benévolas de comportamentos que, no contexto da conspiração descrita pela PGR, ganham significado criminal. A viagem aos EUA, por exemplo, pode ter sido planejada antes, mas sua execução às vésperas dos atos extremistas é, no mínimo, suspeita.

  3. Terceiro, a defesa não consegue explicar satisfatoriamente a convergência de ações: por que Torres participou de reuniões onde se discutiu "uso da força", possuía minuta golpista, coordenou ações da PRF que favoreciam Bolsonaro e estava ausente justamente no momento crítico?


Questionamentos dos ministros


Durante a sustentação, o ministro Luís Fux fez questionamento que revelou preocupação com lacunas na versão defensiva: "alguma tese para o dia da eleição", referindo-se ao segundo turno e às ações da PRF. A resposta do advogado foi evasiva, limitando-se a dizer que "todo o planejamento operacional de emprego, tanto do efetivo da PRF quanto da PF, foi institucional".


Este questionamento vai ao cerne das acusações: a PGR demonstra que houve:


"mobilização de aparatos de órgãos de segurança para mapear lugares em que o candidato da oposição obtivera votação mais expressiva" e que a "Polícia Rodoviária Federal foi levada a realizar operações, visando a dificultar o acesso tempestivo dos eleitores".

Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

A defesa de Anderson Torres, embora elaborada com competência técnica, parece insuficiente para desconstruir a narrativa de organização criminosa apresentada pela PGR. Os argumentos defensivos, quando isolados, podem até soar plausíveis, mas perdem força quando confrontados com o conjunto probatório que aponta para uma ação coordenada e sistemática contra a ordem democrática.


A estratégia de negar participação direta nos atos mais graves, minimizar o significado de reuniões e documentos, e apresentar explicações alternativas para comportamentos suspeitos pode não ser suficiente diante da gravidade das acusações e da robustez das provas reunidas ao longo de mais de dois anos de investigação.


O julgamento ainda está em andamento, mas as sustentações iniciais sugerem que as defesas enfrentarão um desafio considerável para desconstruir a tese acusatória, especialmente quando o Supremo Tribunal Federal já reconheceu, em diversos precedentes relacionados ao 8 de janeiro, a ocorrência de tentativa de golpe de Estado.

 
 
 

A estratégia defensiva apresentada pelo advogado do Almirante Almir Garnier Santos no julgamento da tentativa de golpe de Estado revela uma aposta em questionamentos técnicos sobre cronologia dos fatos, numa tentativa de minimizar o que a Procuradoria-Geral da República caracteriza como adesão explícita ao projeto golpista. A análise dos argumentos apresentados, contudo, sugere fragilidades diante do conjunto probatório reunido nas investigações.


Almirante Almir Garnier Santos - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Almirante Almir Garnier Santos - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A estratégia da imprecisão temporal


O núcleo central da defesa de Garnier concentra-se em contestar o momento exato em que o comandante da Marinha teria manifestado apoio ao então presidente Jair Bolsonaro. Durante as sustentações orais, o procurador-geral Paulo Gonet Branco admitiu uma mudança de posicionamento:


"A defesa de Almir Garnier também procura alegar que a denúncia é omissa quanto ao momento exato em que o almirante declarou seu apoio", reconhecendo que "realmente o procurador geral da República disse que no dia 7 aconteceu isso e agora mudou de opinião, é direito".

Esta concessão da acusação, porém, não elimina a substância das imputações. Como o próprio Gonet Branco esclareceu:


"pouco importa nesse sentido, se a fala contundente Garnier foi proferida exatamente no dia 7 de dezembro de 2022 ou poucos dias depois. A imputação que ele recaiume a uma fala em um dia específico, mas sua adesão a todo processo criminoso de mobilização das forças armadas é em prol de uma ruptura eh internacional".

O peso das evidências contra a defesa temporal


A denúncia da PGR descreve com precisão o papel de Garnier no esquema golpista:


"O comandante da Marinha prontamente assentiu ao projeto e se dispôs a fornecer tropas".

Esta caracterização vai além de questões cronológicas, focando na essência da conduta - a disposição em participar da ruptura institucional.


O documento acusatório detalha ainda que


"quando um Presidente da República, que é a autoridade suprema das Forças Armadas (art. 142, caput, da Constituição) reúne a cúpula dessas Forças para expor planejamento minuciosamente concebido para romper com a ordem constitucional, tem-se ato de insurreição em curso".

A fragilidade da defesa diante do contexto


A tentativa de desqualificar a acusação por imprecisões temporais esbarra na robustez do conjunto probatório. A PGR fundamenta suas conclusões em depoimentos dos próprios comandantes militares:


"Os depoimentos prestados pelo general Freire Gomes e pelo tenente Brigadeiro Batista Júnior apontam que na reunião de 7 de dezembro no Palácio de Alvorado, então comandante Maria se colocou à disposição de Jair Bolsonaro".

O procurador-geral foi direto ao abordar a questão:


"Então, não existiu essa reunião. Foi afirmado que era dia 7 e isso não existiu. Então, eh, essa é a acusação principal". Contudo, mesmo reconhecendo imprecisões temporais, manteve o núcleo da acusação: a adesão de Garnier ao projeto golpista.

Limitações da estratégia defensiva


A defesa baseada em questionamentos cronológicos apresenta limitações evidentes diante da gravidade das acusações. A denúncia não se sustenta apenas em datas específicas, mas num conjunto de condutas que, segundo a PGR, caracterizam:


"tentativa de golpe de estado consistentes em tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído".

A própria natureza dos crimes imputados - organização criminosa e atentado contra o Estado Democrático de Direito - prescinde de precisão temporal absoluta, focando na participação consciente em projeto maior de ruptura institucional.


O desafio probatório


A estratégia de Garnier também enfrenta o desafio de explicar por que, diferentemente dos comandantes do Exército e da Aeronáutica que resistiram às pressões golpistas, ele teria se mostrado receptivo. A denúncia enfatiza que


"a resistência dos Comandantes custou-lhes o recrudescimento das campanhas de ódio por parte da organização criminosa", contrastando com a postura atribuída ao comandante da Marinha.

O documento acusatório é categórico ao afirmar que


"a situação mais se agravava, uma vez que um dos Comandantes militares, o da Marinha, se dispôs a acudir ao chamado", caracterizando esta conduta como elemento agravador da tentativa golpista.

Perspectivas do julgamento


A análise das sustentações revela que a defesa de Garnier optou por uma estratégia de questionamento técnico-processual, evitando enfrentar diretamente o mérito das acusações. Esta escolha pode refletir a dificuldade em contestar o conjunto probatório reunido, que inclui não apenas depoimentos, mas documentos e registros que evidenciam a participação na trama golpista.


O julgamento deverá avaliar se os questionamentos temporais são suficientes para desconstruir a narrativa acusatória ou se, como indicou o procurador-geral, "a adesão a todo processo criminoso" independe de precisões cronológicas específicas. A decisão final dos ministros dependerá da avaliação sobre qual versão - a da defesa técnica ou a da participação consciente - melhor se adequa ao conjunto probatório apresentado.


A estratégia defensiva de Garnier, embora legítima no exercício da ampla defesa, parece insuficiente diante da robustez das evidências apresentadas pela acusação, que vai muito além de questões temporais para caracterizar uma participação consciente e ativa no projeto de ruptura democrática.

 
 
 

A sustentação oral apresentada pelo advogado Dr. Paulo Renato Garcia Cintra Pinto em defesa de Alexandre Ramagem revela uma estratégia defensiva centrada principalmente em aspectos processuais e na tentativa de desqualificar provas, em contraste com o robusto conjunto probatório apresentado pela Procuradoria-Geral da República. A análise dos argumentos expostos no julgamento do núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado evidencia as fragilidades de uma defesa que enfrenta acusações lastreadas em documentos, mensagens e depoimentos detalhados.


Alexandre Ramagem - Foto: Metrópoles
Alexandre Ramagem - Foto: Metrópoles

A estratégia do contraditório insuficiente


O cerne da defesa de Ramagem concentrou-se em duas linhas principais: questionar a validade de provas constantes do relatório da PET 11108 e negar a transmissão de documentos ao então presidente Jair Bolsonaro.


"Os fatos, os elementos de informação que dão suporte a esses fatos, segundo a descrição apresentada pela autoridade policial, não foram objeto de contraditório nesta ação penal", argumentou Dr. Paulo Renato, alegando que "não houve assim momento hábil para que a defesa produzisse contraprova em relação a esses fatos".

Essa estratégia, contudo, esbarra na solidez das evidências apresentadas pela PGR. A denúncia detalha minuciosamente como Ramagem construiu e direcionou mensagens que foram sistematicamente replicadas por Bolsonaro a partir de 29 de julho de 2021. O documento "Presidente TSE informa.docx", encontrado em posse de Ramagem, continha metadados de criação em 10.7.2021 e modificação final em 27.7.2021, exatos dois dias antes da live presidencial que deflagrou os ataques sistemáticos ao sistema eleitoral.


Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

Documentos que falam por si


A defesa sustentou que


"não há elementos nos autos, elementos de informação, elementos de prova que demonstrem que esses documentos tenham sido transmitidos ou entregues ao então presidente da República".

No entanto, a PGR apresenta evidências contundentes do contrário. A convergência entre o arquivo de Ramagem e mensagens encontradas em diálogo com interlocutor identificado como "JB 01 8" - claramente o presidente Bolsonaro - desmonta essa linha argumentativa.


O próprio conteúdo dos documentos revela orientações diretas ao presidente.


"Por tudo que tenho pesquisado, mantenho total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018", escrevia Ramagem em primeira pessoa, acrescentando: "Resta somente trazê-la novamente e constantemente. A exposição do advogado dos peritos e técnicos já espanca qualquer credibilidade da urna."

Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

A questão do voto auditável como cortina de fumaça


Dr. Paulo Renato tentou legitimar as ações de Ramagem argumentando que:


"até então essa questão estava sendo discutida legitimamente no âmbito do Congresso Nacional e havia várias postagens públicas de Alexandre Ramagem em defesa do voto auditável".

O ministro Luiz Fux, durante a sessão, ofereceu uma perspectiva histórica valiosa, revelando ter sido ele próprio quem "sepultou o voto impresso no Brasil" como relator, demonstrando conhecimento técnico sobre as falhas do sistema.


A contextualização do ministro Fux expôs a fragilidade desse argumento defensivo:


"Eu era promotor na minha primeira cidade e aí naquela votação que marca, não era bem um voto impresso, mas apareceu uma pessoa dizendo para mim: 'Promotor, eu vou matar minha família. Por quê? Eu só tive um voto na urna'".

A experiência prática do magistrado evidencia que a defesa do voto impresso por Ramagem transcendia questões técnicas legítimas.


A "ABIN paralela" e suas implicações


A defesa tentou minimizar o papel de Ramagem na estruturação do que a PGR denomina "ABIN paralela", argumentando sobre a legitimidade de atividades de inteligência. Contudo, as evidências apresentadas na denúncia revelam um sistema coordenado de monitoramento ilegal e produção de desinformação. A PGR detalha como "o grupo se valia indevidamente da estrutura de inteligência do Estado" e que "os mesmos alvos apontados publicamente pelo então Presidente da República eram simultaneamente atingidos de forma virtual, com a criação e multiplicação de notícias falsas".


O sistema FIRST MILE, mencionado pela defesa como ferramenta legítima, era utilizado para "obter a localização dos personagens-alvo que, de alguma forma, contrariavam os interesses da organização criminosa", segundo a PGR. O usuário GCL, utilizado por subordinado de Ramagem, foi responsável por 887 pesquisas no sistema, muitas claramente sem justificativa de Estado.


Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

O equívoco estratégico da procuradoria


A defesa tentou capitalizar sobre um erro da PGR nas alegações finais, quando esta confundiu log de acesso ao sistema com acesso às dependências físicas da ABIN. Dr. Paulo Renato destacou que:


"o próprio Ministério Público Federal teve dificuldade em analisá-los", referindo-se aos elementos do relatório da PET 11108.

Embora o erro seja factual, representa estratégia arriscada, pois evidencia a vastidão das provas contra seu cliente - tanto que até a acusação teve dificuldades para processar todo o material probatório no tempo disponível.


Fragilidades estruturais da defesa


A estratégia defensiva de Ramagem revela fragilidades fundamentais quando confrontada com as evidências da PGR. Primeiro, concentra-se excessivamente em aspectos processuais enquanto as provas materiais permanecem sem refutação consistente. Segundo, a tentativa de negar a transmissão de documentos contrasta com evidências técnicas e rastros digitais detalhados na denúncia.


Terceiro, e mais importante, a defesa não oferece explicação plausível para a coincidência temporal entre a criação/modificação dos documentos de Ramagem e os pronunciamentos públicos de Bolsonaro. A PGR demonstra que o arquivo "Presidente TSE informa.docx" foi modificado pela última vez em 27.7.2021, exatos dois dias antes da live presidencial de 29.7.2021 que inaugurou os ataques sistemáticos ao sistema eleitoral.


As anotações encontradas com Augusto Heleno corroboram o papel central de Ramagem na articulação da estratégia. A agenda apreendida registra "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações" e "é válido continuar a criticar a urna eletrônica", demonstrando planejamento coordenado que transcende coincidências ou ações isoladas.


A convergência entre os documentos de Heleno e Ramagem, detalhada pela PGR,


"confirmam que os múltiplos ataques disseminados por JAIR MESSIAS BOLSONARO ao processo eleitoral e às instituições democráticas, a partir do dia 29.7.2021, não foram aleatórios e representavam a primeira etapa de um plano de permanência no poder com desprezo das estruturas constitucionais".


Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

Estratégia defensiva insuficiente


A defesa de Alexandre Ramagem, embora tecnicamente estruturada, mostra-se insuficiente diante da robustez probatória apresentada pela PGR. A tentativa de desqualificar provas por questões processuais não responde adequadamente às evidências materiais que demonstram participação ativa na construção de narrativas falsas contra o sistema eleitoral e na estruturação de aparato paralelo de inteligência para fins político-partidários.


A estratégia defensiva falha ao não oferecer explicações consistentes para as coincidências temporais, os metadados dos arquivos, os diálogos interceptados e a convergência documental com outros membros da organização criminosa. Diante de acusações de tamanha gravidade - tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito - argumentos centrados em aspectos processuais revelam-se manifestamente desproporcionais ao conjunto probatório apresentado.


O julgamento prossegue, mas as sustentações do primeiro dia evidenciam o desafio enfrentado pelas defesas: como refutar evidências documentais detalhadas, convergentes e cronologicamente organizadas que demonstram participação consciente em projeto de ruptura democrática. A resposta oferecida pela defesa de Ramagem sugere que essa tarefa pode ser mais árdua do que se antecipava.

 
 
 
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