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Ontem (19), foi instalada na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) a CPI da Publicidade — apelidada de CPI do Bilhão — proposta pela deputada Dani Portela (PSOL) para apurar a execução, os critérios de contratação e a efetividade de gastos vultosos com comunicação institucional do governo estadual. Nas horas seguintes à abertura, Dani Portela tornou-se alvo de uma denúncia anônima e de um dossiê disseminado ao TCE e à imprensa, que a acusavam de contratar empresa fantasmaligada a parente de seu marido; ela repudiou as insinuações, afirmou que os contratos de seu gabinete passaram por análise jurídica, relatou que até os filhos menores foram citados e anunciou boletim de ocorrência e pedido de investigação.


Hoje (20), o presidente da Alepe, Álvaro Porto (PSDB), levou à tribuna um conjunto de acusações que conectam a guerra de narrativas ao núcleo do Poder Executivo: segundo ele, o secretário‑executivo de Informações Estratégicas, Manoel Pires Medeiros Neto — assessor especial do gabinete da governadora Raquel Lyra (PSD) — organizou uma estrutura de difusão anônima de conteúdo com o objetivo de difamar parlamentares, especialmente a própria proponente da CPI. A denúncia sustenta que o material contra Portela foi produzido de forma deliberadamente clandestina, usando lan house, pendrive e anonimato, com indícios de uso da estrutura pública para fins político‑partidários.


A tese de Porto é direta: a máquina palaciana teria reagido à CPI por meio de uma milícia digital concebida para deslocar o foco do debate. Em vez de responder aos questionamentos sobre contratos e métricas de desempenho de campanhas, teria sido fabricado um factoide para reduzir a credibilidade de quem puxou o fio. Dani Portela, por sua vez, nega qualquer irregularidade em contratações de seu gabinete, afirma que os serviços foram submetidos a crivos jurídicos e classifica o ataque como cortina de fumaça. O choque de versões inaugura uma disputa que é, ao mesmo tempo, jurídica, institucional e eleitoral.


Linha do tempo resumida

  • 19/8 — Instalação da CPI da Publicidade na Alepe, com foco em contratos, subcontratações, metas e distribuição de verbas de mídia.

  • 20/8 — Álvaro Porto leva à tribuna elementos que atribui ao assessor Manoel Medeiros: uso de estruturas privadas para elaborar denúncia anônima contra Dani Portela e difusão de conteúdo em redes sociais com traços de financiamento e coordenação.

  • Dias seguintes — A base do governo ressalta que a governadora não teria conhecimento prévio; a oposição questiona a plausibilidade de um assessor estratégico agir isoladamente. Manoel admite a autoria da denúncia, alegando motivação cívica e atuação fora do expediente. O governo, até aqui, evita posicionamento conclusivo sobre exoneração, afastamento cautelar ou sindicância independente.


INSTALAÇÃO – Reunião marcou início dos trabalhos e escolha de presidente, vice e relator. Foto: Gabriel Costa
INSTALAÇÃO – Reunião marcou início dos trabalhos e escolha de presidente, vice e relator. Foto: Gabriel Costa

CPI de publicidade não é novidade no país, mas quase sempre esbarra nas mesmas perguntas: quem escolhe as agências? Como se definem públicos‑alvo, meios e formatos? Qual a régua de desempenho? Existe concentração em poucas empresas? A subcontratação é transparente? Em que medida o gasto público com propaganda informa, educa e presta contas — ou vira instrumento de autopromoção e perseguição a críticos? Em Pernambuco, o que está em jogo é a coerência entre o discurso de eficiência e a prática na alocação de recursos que deveriam sustentar campanhas de utilidade pública, e não a blindagem política da gestão.


Ao levar o tema à CPI, Dani Portela desloca o debate para onde ele deve estar: processos, contratos, critérios e resultados. Se, em reação, um assessor do primeiro escalão recorre ao anonimato para tentar desqualificar a voz que pediu transparência, a discussão muda de patamar. Não se trata apenas de uma queixa moral; é uma questão de governança: quem controla os controladores dentro do governo? Há segregação de funções entre comunicação oficial, comunicação política e atuação de agentes públicos nas redes?


As denúncias e a reação do governo


Na tribuna, Álvaro Porto descreveu uma engrenagem com três componentes: (1) produção de conteúdos com aparência de denúncia técnica, porém sem autoria identificável; (2) amplificação por perfis pagos e páginas que orbitam o ecossistema governista; (3) pressão sobre órgãos de controle por meio de peças anônimas. A acusação não é trivial: se confirmada, colide com princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa.


A resposta do entorno governista, até aqui, é mista. Parte dos aliados afirma, de boa‑fé, que a governadora não teria conhecimento do expediente. Outra parte pede apuração célere, lembrando que Manoel Medeiros ocupa posição sensível, historicamente próxima do núcleo decisório. O próprio assessor diz ter agido como cidadão, fora do horário de trabalho, e sustenta o direito de denunciar. Entre o “ato cívico” e o “aparelhamento do Estado” há uma linha tênue que só uma investigação independente pode traçar com clareza. O silêncio prolongado do Executivo — sem afastamento preventivo, auditoria externa e cronograma de esclarecimentos — tende a ser lido como tolerância.


Líder do Governo na Alepw, deputada Socorro Pimentel (União Brasil) - Foto: Roberto Soares / Alepe
Líder do Governo na Alepw, deputada Socorro Pimentel (União Brasil) - Foto: Roberto Soares / Alepe

O que está em risco do ponto de vista jurídico‑administrativo

  • Improbidade administrativa: uso de pessoal, informação ou estrutura do Estado para fins de perseguição política ou autopromoção.

  • Violação à impessoalidade: comunicação oficial desviada de sua finalidade pública.

  • Assédio institucional: pressão organizada contra parlamentares e órgãos de controle.

  • Fragilidade de compliance: inexistência (ou ineficácia) de controles internos para separar comunicação de governo, comunicação de Estado e comunicação de campanha.


Mesmo que nada disso se comprove ao final, o custo reputacional já está em curso. Em matéria de percepção pública, a dúvida prolongada pesa quase tanto quanto a culpa.


O que Raquel Lyra sabia? Três hipóteses e seus impactos

  1. Conhecimento prévio (ordem ou aval tácito). Seria o cenário mais grave. Atribuiria responsabilidade direta à chefe do Executivo por omissão qualificada ou ação. Impacto: erosão imediata de autoridade moral, sangue novo para a oposição e pressão por responsabilização política.

  2. Desconhecimento por falha de controle. É o cenário invocado pela base: um assessor teria passado do ponto sem ciência da governadora. Impacto: ainda desgasta, porque revela deficiência de governança e supervisão. Requer resposta visível: afastamento, correição e redesenho de processos.

  3. Conduta individual atípica e autônoma. Mesmo aqui, resta ao governo demonstrar que seus sistemas detectam e neutralizam desvios. Impacto: menor no curto prazo, mas só se a reação for firme, documentada e transparente.


Em todos os cenários, cabe à governadora assumir o comando da solução. Se a premissa do governo é técnica e ética, a coerência se prova na crise: transparência ativa, diligência e prestação de contas.


Prefeitos aliados vs. intenção de voto: o paradoxo que persiste


Raquel Lyra construiu, nas eleições municipais de 2024, uma base robusta no interior e em parte da Região Metropolitana. Prefeituras alinhadas fornecem capilaridade, quadros e palanque. Mas isso não tem se convertido, até aqui, em intenção de voto para 2026. Levantamentos de opinião divulgados ao longo de 2025 mantêm João Campos (PSB), prefeito do Recife, com vantagem folgada em cenários de primeiro turno.


Há razões estruturais para esse descompasso:

  • Geografia do voto. A Região Metropolitana do Recife concentra um contingente decisivo do eleitorado e é o reduto natural de João Campos. O capital municipal pesa em agenda, comunicação e entrega de serviços visíveis.

  • Percepção de desempenho. No interior, obras e programas estaduais são mais tangíveis; na RMR, a comparação cotidiana é com a prefeitura. Quando a pauta estadual vira publicidade e crise política, a vantagem do incumbente municipal aumenta.

  • Tradução do apoio institucional. Prefeitos mobilizam máquinas locais, mas voto não é transferência automática. Em contextos de polarização leve e alto uso de redes, o eleitor decide mais por percepção de agenda e resultados do que por alinhamentos de elite.

  • Cansaço com comunicação oficial. Quando a crítica pública associa gasto em publicidade a autopromoção, campanhas institucionais perdem eficácia — e podem até produzir efeito reverso em nichos urbanos informados.


Em síntese: a governadora tem as prefeituras, mas não necessariamente tem os votos. E a crise em torno da suposta milícia digital reforça a narrativa de desconexão entre comunicação e serviço público.


Prefeito de Recife, João Campos e a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra  • Reprodução/Redes Sociais
Prefeito de Recife, João Campos e a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra  • Reprodução/Redes Sociais

Cenários para 2026: como a crise reconfigura a disputa

  1. Cenário A — Contenção rápida. Afastamento preventivo do assessor, abertura de sindicância independente, entrega de relatórios públicos e cooperação integral com a CPI. Resultado provável: estabilização da base e redução do dano em segmentos moderados do eleitorado.

  2. Cenário B — Resposta parcial e tardia. Notas vagas, sem medidas estruturais, e tentativa de deslocar o assunto. Resultado provável: a pauta persiste, a oposição pauta a CPI e o caso vira símbolo de “velhas práticas”.

  3. Cenário C — Escalada. Novos elementos ligando o assessor a outros episódios, vazamentos, decisões judiciais. Resultado provável: comprometimento severo de credibilidade, fissuras na base e risco real de inviabilizar qualquer recuperação até o início oficial da campanha.


O que fazer agora — uma agenda mínima de integridade

  1. Afastamento cautelar de envolvidos e designação de comissão independente com prazo e transparência de atos.

  2. Auditoria externa nos fluxos de comunicação: contratação, veiculação, métricas e pagamentos, com publicação em dados abertos.

  3. Firewall institucional entre comunicação de governo e comunicação política, com protocolos escritos e responsabilização clara.

  4. Canal protegido de denúncias para servidores e fornecedores, com garantia de anonimato e apuração técnica.

  5. Relato público periódico: cronograma, achados preliminares, medidas corretivas e indicadores de cumprimento.


Sem essa agenda mínima, o governo entra em 2026 carregando uma interrogação que a oposição transformará em slogan.


Perguntas que a CPI precisa responder

  • Há concentração atípica de verbas em determinadas agências, veículos ou influenciadores? Qual a justificativa técnica?

  • As subcontratações foram devidamente publicizadas? Houve sobrepreço ou duplicidade de entregas?

  • Quais foram as metas de alcance, conversão e utilidade pública das campanhas? Foram cumpridas?

  • A Secom estadual operou com fronteiras claras entre comunicação institucional e promoção política?

  • Existem evidências de uso de estruturas públicas em ações de difamação, perseguição ou manipulação de pauta?


Responder a essas perguntas com fatos e documentos é do interesse do próprio governo, se quiser virar a página.


A crise que envolve a CPI da Publicidade e o “caso Dani Portela” não é apenas um escândalo episódico. Ela testa a coerência de um governo que se apresenta como técnico e ético e que precisa demonstrar controle sobre sua própria estrutura. No tabuleiro eleitoral, o episódio atua como multiplicador de um problema anterior: a dificuldade de transformar alianças municipais em intenção de voto estadual. Enquanto João Campos consolida vantagem em praças estratégicas, qualquer ruído sobre uso político da comunicação oficial amplia a sensação de desconexão entre o que o governo comunica e o que o cidadão percebe.


O caminho para reduzir danos é conhecido e objetivo: assumir o comando da apuração, separar o público do político, expor os processos à luz e corrigir rota em tempo hábil. Sem isso, 2026 tende a repetir o paradoxo: muitas prefeituras no palanque, poucos votos nas urnas. E a conta política, como sempre, chega mais cedo do que imagina quem confia demais no silêncio como estratégia.


 
 
 
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