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Da redação do Radar Literário


O Mercado Livre, reconhecido como o maior marketplace da América Latina, anunciou recentemente a criação de sua própria loja de livros, marcando uma expansão significativa em sua atuação no mercado editorial. Até então, a plataforma operava no modelo de marketplace (3P), servindo como intermediária entre vendedores e compradores. Nesse formato, diversas livrarias e editoras, como a Livraria Leitura e A Página, utilizavam o Mercado Livre para comercializar seus produtos. No entanto, com a nova iniciativa, a empresa passa a vender livros diretamente aos consumidores, assumindo um papel de revendedora oficial.


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Essa mudança estratégica ocorre em um momento de transformações no setor. No início de janeiro de 2025, o jornal O Globo noticiou que o Mercado Livre implementaria um "custo fixo" para vendedores de livros, uma categoria que, até então, era isenta dessa taxa. Anteriormente, apenas a "tarifa de venda" por produto comprado era aplicada. Com a nova política, a venda de livros com preço de até R$ 79 passou a ser taxada entre R$ 3 e R$ 4.


A entrada direta do Mercado Livre na venda de livros não é uma iniciativa isolada. Em 2021, a Câmara Brasileira do Livro (CBL), em parceria com distribuidoras como Catavento, Inovação, Loyola e Disal, lançou o projeto Conexão Livraria. O objetivo era auxiliar o comércio eletrônico de livros em todo o Brasil, tendo o Mercado Livre como plataforma piloto. A ideia central era utilizar a estrutura, os processos e a tecnologia do Mercado Livre, juntamente com o apoio logístico das distribuidoras, para conectar estoques e facilitar a venda online de livros.


Além disso, em 2023, o Mercado Livre firmou um acordo com a MVB Brasil para utilizar o banco de metadados da Metabooks. Essa parceria visa otimizar os processos relacionados à gestão de metadados de livros, melhorando a precisão e a eficiência na catalogação e distribuição de informações sobre os títulos disponíveis na plataforma.


A decisão do Mercado Livre de operar sua própria loja de livros reflete uma tendência observada em outras grandes empresas do varejo digital. Por exemplo, em outubro de 2024, a Natura estreou no Mercado Livre com sua loja própria, ampliando sua presença no comércio eletrônico e alcançando um público ainda maior.


Com essa iniciativa, o Mercado Livre não apenas diversifica suas operações, mas também fortalece sua posição no mercado editorial, oferecendo aos consumidores uma experiência de compra mais integrada e eficiente. A expectativa é que essa movimentação traga benefícios tanto para os leitores, que terão acesso facilitado a uma ampla variedade de títulos, quanto para o mercado editorial como um todo, que ganha uma nova dinâmica com a entrada direta de um dos maiores players do comércio eletrônico na venda de livros.

 
 
 

Da redação do Radar Literário.


Nos últimos anos, os vestibulares das principais universidades brasileiras têm passado por uma transformação significativa, refletindo uma mudança cultural e social que busca valorizar a representatividade feminina na literatura. Autoras brasileiras, antes relegadas a um segundo plano, agora ocupam um espaço central nas listas de leituras obrigatórias, trazendo à tona narrativas que exploram temas como identidade, gênero, raça e desigualdade social. Essa tendência não apenas enriquece o repertório literário dos estudantes, mas também resgata vozes que foram historicamente silenciadas.


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A Fuvest, responsável pelo vestibular da Universidade de São Paulo (USP), deu um passo ousado ao anunciar que, a partir de 2026, sua lista de obras obrigatórias será composta exclusivamente por autoras mulheres. Essa decisão, que abrange os vestibulares de 2026 a 2028, inclui nomes como Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Rachel de Queiroz, Conceição Evaristo, Nísia Floresta, Narcisa Amália, Julia Lopes de Almeida, Paulina Chiziane e Djaimilia Pereira de Almeida. A iniciativa visa não apenas corrigir uma lacuna histórica, mas também destacar a importância das mulheres na construção do cânone literário brasileiro.


Clarice Lispector, uma das mais celebradas escritoras do século XX, está presente na lista com sua obra "A Paixão segundo G.H." (1964), um romance introspectivo que mergulha nas profundezas da psique humana. Já Lygia Fagundes Telles, conhecida por sua habilidade em retratar personagens complexos, é representada por "As Meninas" (1973), um livro que explora a vida de três jovens em meio à repressão política dos anos 1970. Rachel de Queiroz, pioneira na literatura regionalista, traz à lista "Caminho de Pedras" (1937) e "João Miguel" (1932), obras que refletem as lutas e desafios do Nordeste brasileiro.


Conceição Evaristo, uma das vozes mais importantes da literatura contemporânea, é destaque com "Canção para Ninar Menino Grande" (2018), uma obra que aborda as complexidades da masculinidade negra e suas interseções com gênero e raça. Sua presença nos vestibulares da USP, Unicamp e outras universidades reforça o papel da literatura como ferramenta de reflexão social.


Nísia Floresta, considerada a primeira feminista brasileira, é lembrada por suas obras "Opúsculo Humanitário" (1853) e "Conselhos à Minha Filha" (1842), que defendem os direitos das mulheres e a educação feminina. Narcisa Amália, por sua vez, é representada por "Nebulosas" (1872), uma coletânea de poemas que mescla temas íntimos com críticas sociais e políticas.


A Unicamp, outra instituição de prestígio, também tem ampliado a presença de autoras em suas listas de leituras obrigatórias. Para o vestibular de 2025, a universidade incluiu "Olhos D’Água" (2014), de Conceição Evaristo, e "Niketche: Uma História de Poligamia" (2002), da moçambicana Paulina Chiziane, que aborda questões de gênero e tradição em Moçambique. Em 2026, a lista ganha mais uma obra internacional: "No Seu Pescoço" (2017), da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que explora temas como migração, identidade e desigualdade.


Outras universidades, como a UFPR, UFSC, UFRGS e UESB, também têm seguido essa tendência, incluindo obras de autoras como Ruth Guimarães, Eliana Alves Cruz e Pagu (Patrícia Galvão) em suas listas. Ruth Guimarães, por exemplo, é destaque com "Água Funda" (1946), um romance que retrata a decadência das fazendas de café no Vale do Paraíba.


Essa mudança nos vestibulares reflete um movimento mais amplo de valorização da diversidade e da representatividade na literatura. Segundo Gustavo Monaco, diretor executivo da Fuvest, a escolha por autoras mulheres não nega a importância dos autores homens, mas busca trazer à luz obras que, por muito tempo, foram negligenciadas. "Trata-se de destacar a importância das mulheres no cânone literário, em diferentes períodos históricos e gêneros", afirma.


Além disso, a inclusão de obras que abordam temas contemporâneos e globais, como as de Chimamanda Ngozi Adichie e Paulina Chiziane, amplia o repertório cultural dos estudantes, incentivando uma leitura crítica e contextualizada. José Alves de Freitas Neto, diretor da Comvest, ressalta que o objetivo é "fugir da superficialidade e mergulhar no universo da literatura".


Essa transformação nos vestibulares não apenas prepara os estudantes para os desafios acadêmicos, mas também os convida a refletir sobre questões sociais e culturais que continuam relevantes hoje. Ao dar visibilidade a autoras brasileiras e estrangeiras, as universidades estão reescrevendo a história da literatura, mostrando que as mulheres sempre estiveram presentes, mesmo que suas vozes tenham sido silenciadas por séculos.


Em um país onde a desigualdade de gênero e raça ainda é uma realidade, essa mudança nos vestibulares é um passo importante para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. As autoras brasileiras, com suas narrativas poderosas e transformadoras, estão finalmente recebendo o reconhecimento que merecem, inspirando uma nova geração de leitores e escritores.

 
 
 

Enquanto o mundo celebra sua atuação brilhante em Ainda Estou Aqui (2024), filme que lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama, Fernanda Torres consolida outro legado: o de escritora. Desde 2013, quando lançou seu primeiro romance, Fim, a artista carioca expandiu sua voz para além dos palcos e telas, conquistando leitores com narrativas que exploram a fragilidade humana, o tempo e as contradições da vida moderna. Sua trajetória literária, composta por três obras até o momento, revela uma autora que domina tanto a ironia afiada quanto a profundidade emocional, tecendo histórias que dialogam com a alma brasileira e universal.


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A estreia literária: Fim (2013), um retrato cru do envelhecer

Publicado pela Companhia das Letras, Fim é um marco na carreira de Torres. O romance acompanha cinco amigos cariocas — Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro — em suas últimas décadas de vida, entrelaçando memórias de festas, casamentos fracassados e frustrações. Cada personagem carrega uma carga existencial única: Álvaro, hipocondríaco e solitário; Sílvio, viciado em drogas e sexo; Ribeiro, que prolonga sua virilidade com Viagra; Neto, o marido fiel; e Ciro, o Don Juan que sucumbe ao câncer. A trama, ambientada no Rio de Janeiro entre 1968 e 2012, não apenas critica o machismo enraizado nas relações sociais, mas também expõe a melancolia de quem enfrenta a finitude sem encontrar redenção.


O livro, aclamado por sua maturidade narrativa, vendeu mais de 150 mil cópias e foi indicado ao Prêmio Jabuti em 2014. Em 2018, ganhou o Jabuti de Livro Brasileiro Publicado no Exterior, consolidando Torres como uma voz relevante na literatura contemporânea. Uma década após seu lançamento, Fim ganhou vida nova como série do Globoplay (2023), adaptada com ajustes que ampliaram o protagonismo feminino, reflexo das transformações sociais que a própria autora observou ao revisitar a obra.


Crônicas e confissões: Sete Anos (2014), o humor como espelho social

Se Fim é um mergulho na ficção, Sete Anos revela a Fernanda Torres cronista. A coletânea reúne textos publicados em veículos como a revista Piauí, a Folha de S.Paulo e a Veja Rio entre 2007 e 2014. Com humor ácido e olhar perspicaz, a autora discute cinema, teatro, política e cotidiano, como em No Dorso Instável de um Tigre, crônica sobre o medo de subir ao palco, ou Dercy, perfil irreverente da atriz Dercy Gonçalves. O livro inclui ainda Despedida, texto inédito e comovente sobre a morte do pai, onde Torres equilibra luto e ironia, mostrando sua capacidade de transitar entre o pessoal e o universal.


O teatro como metáfora da vida: A Glória e seu Cortejo de Horrores (2017)

Em seu segundo romance, Torres constrói uma alegoria sobre a fugacidade da fama através de Mário Cardoso, ator sessentão que tenta ressuscitar a carreira encenando Rei Lear. A narrativa percorre décadas da cultura brasileira — do Cinema Novo às telenovelas dos anos 1980 — enquanto expõe a decadência de um artista que vê seus ideais artísticos serem engolidos pela superficialidade do mercado. A obra é tanto uma crítica ao culto à juventude quanto uma homenagem ao teatro, com referências a Tchékhov e ao movimento hippie. A prosa de Torres brilha na ironia com que descreve as trapalhadas de Mário, transformando sua queda em um espelho das ilusões de toda uma geração.


Literatura como extensão da arte: uma autora multifacetada

Fernanda Torres não separa suas facetas de atriz e escritora. Em entrevistas, ela afirma que a escrita a ajuda a compreender melhor os personagens que interpreta, numa simbiose entre palavra e ação. Seus livros, assim como seus papéis no cinema, são marcados por personagens complexos e diálogos precisos, herança de sua formação nas artes cênicas. Essa conexão fica evidente em A Glória..., onde o protagonista Mário Cardoso parece ecoar suas próprias reflexões sobre o envelhecimento no meio artístico.


Além disso, a autora mantém um canal literário no TikTok com mais de 260 mil seguidores, onde discute obras clássicas e compartilha dicas de leitura — prova de que sua relação com a literatura é tão dinâmica quanto sua carreira.


Reconhecimento e legado: além das fronteiras do Brasil

A trajetória literária de Torres transcende prêmios. Seus livros são estudados em universidades e adaptados para outras mídias, como o teatro — caso de A Casa dos Budas Ditosos, monólogo que interpretou por mais de uma década, baseado na obra de João Ubaldo Ribeiro. Internacionalmente, Fim foi traduzido para o francês, espanhol e italiano, levando a literatura brasileira a novos públicos. Para críticos, seu maior mérito está em humanizar temas como a velhice e o fracasso, transformando-os em narrativas que ressoam em qualquer latitude.


Enquanto aguardamos seu próximo projeto literário, Fernanda Torres segue provando que a arte não conhece limites. Seja nas telas ou nas páginas, ela continua a desafiar expectativas, unindo a força da interpretação à delicadeza da escrita — uma verdadeira mestra das emoções humanas.

 
 
 
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