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Saúde

Por Raul Silva para O estopim | 13 de novembro de 2025


Servidores públicos estaduais, professores, aposentados e pensionistas de Arcoverde realizaram nesta quarta-feira (13) um ato público em frente à agência regional do Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado de Pernambuco (Sassepe), localizada na Avenida Joaquim Nabuco, no centro da cidade. A mobilização, organizada pelo Núcleo Regional Sertão Moxotó Ipanema do SINTEPE e pelo Fórum dos Servidores Estaduais, contou com a presença de Morena Cabral, diretora da Assepe (Associação Civil de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado de Pernambuco), entidade que representa os servidores no Conselho Deliberativo do Sassepe.


Servidores em protesto contra o governo Raquel Lyra em defesa do Sassepe
Servidores em protesto contra o governo Raquel Lyra em defesa do Sassepe

O protesto integra uma série de mobilizações que vêm ocorrendo em diversas cidades de Pernambuco e marca mais um capítulo da luta histórica dos servidores pela sustentabilidade e pelo fortalecimento do sistema de saúde estadual. Em um cenário de crise que se agrava desde a pandemia, os beneficiários denunciam a falência da assistência, a imposição de cotas para exames, a falta de medicamentos e a suspensão de cirurgias, ao mesmo tempo em que seguem contribuindo mensalmente com maior parte do financiamento do sistema, enquanto o Governo do Estado aporta apenas uma pequena parte.


Durante o ato em Arcoverde, Morena Cabral, professora e dirigente da Assepe, concedeu entrevista à Rádio Itapuama FM na qual detalhou a gravidade da situação enfrentada pelos mais de 160 mil beneficiários do Sassepe em todo o estado. Em sua fala, Morena destacou que o movimento não se trata apenas de uma luta pela saúde, mas pela valorização dos servidores públicos estaduais, ativos, aposentados e pensionistas.


"A assistência à saúde prestada pelo Sassepe é uma conquista, sim, uma luta que começou lá atrás. O Sassepe tem 24 anos de existência e foi uma conquista da luta para que os servidores tivessem a garantia de sua assistência à saúde e não fossem prejudicar mais ainda a assistência prestada pelo SUS", afirmou Morena Cabral durante a entrevista.

Cobrança e responsabilização do governo Raquel Lyra pela crise atual do Sassepe
Cobrança e responsabilização do governo Raquel Lyra pela crise atual do Sassepe

A diretora da Assepe descreveu um quadro alarmante: consultas impossíveis de agendar, exames suspensos por falta de credenciados, cirurgias adiadas indefinidamente e medicamentos indisponíveis.


"Tem paciente que não está tendo acesso a seu tratamento, tratamentos contínuos, tratamentos sequenciados. Pacientes oncológicos que estão tendo seus exames suspensos, que estão tendo suas consultas suspensas por falta de exames e até por falta de medicação", denunciou.

A situação é ainda mais crítica no interior do estado. Segundo Morena, em Arcoverde e em outras regionais, a quantidade de credenciados é menor e a forma como alguns prestadores atendem os beneficiários é "muito desleal". Mesmo na Região Metropolitana do Recife, os servidores estão submetidos a um regime de cotas para exames de imagem, fundamentais para o diagnóstico de doenças.


Um dos pontos centrais das reivindicações apresentadas pelos servidores é a extinção das cotas de exames e atendimentos. O sistema de cotas, implementado sem a devida transparência e discussão no Conselho Deliberativo do Sassepe, limita drasticamente o acesso dos beneficiários aos serviços de saúde. Na prática, após a primeira quinzena de cada mês, muitos exames simplesmente não estão mais disponíveis, pois os prestadores alegam que suas cotas mensais foram esgotadas.


"Reivindicamos transparência em relação a essas cotas, mas reivindicamos muito além disso, a extinção dessas cotas. Essas cotas estão prejudicando e muito o acesso dos beneficiários à assistência", enfatizou Morena Cabral.

Em abril de 2025, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), através da 16ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania, emitiu uma recomendação ao Instituto de Atenção à Saúde e Bem-Estar dos Servidores do Estado de Pernambuco (IASSEPE/SASSEPE) para que se abstenha de impor cotas mensais de atendimentos e exames por parte dos prestadores de serviços credenciados, sem a devida previsão contratual, ampla publicidade e alternativa de solução assistencial ao beneficiário. O MPPE estabeleceu prazo de 60 dias para que seja implementado um sistema digital para registro de tentativas de agendamento, negativa de atendimento e geração de protocolo eletrônico para cada tentativa frustrada do usuário. No mesmo prazo, também deverão ser adotadas providências administrativas para garantir que os usuários não sejam prejudicados pela ausência de prestadores para exames imprescindíveis e inadiáveis.


Uma das principais bandeiras históricas dos servidores é a paridade na contribuição para o financiamento do Sassepe. Atualmente, os servidores são responsáveis por 70% do caixa do sistema, enquanto o Governo do Estado contribui com apenas 30%. Os servidores reivindicam que essa proporção seja equilibrada, com cada parte contribuindo com 50%.


Cobrança e responsabilização do governo Raquel Lyra pela crise atual do Sassepe
Cobrança e responsabilização do governo Raquel Lyra pela crise atual do Sassepe

"Temos a garantia da contribuição de servidores para o caixa do Sassepe com 70% desse caixa. A contribuição do Estado é de 30% desse caixa e há insuficiência de gestão", denunciou Morena Cabral.

Essa desigualdade no financiamento tem sido apontada como uma das principais causas da crise crônica do sistema. Mesmo com o aumento das alíquotas de contribuição dos servidores aprovado em 2023 através do Projeto de Lei Complementar nº 1481/2023, os problemas persistem. O PLC 1481/2023, enviado pelo Governo Raquel Lyra à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), ampliou em 39% os valores dos repasses mensais do Governo ao Sassepe, passando de R$ 13,27 milhões para R$ 18,47 milhões. A proposta também estabeleceu o pagamento de uma subvenção extraordinária de R$ 250 milhões, em três parcelas até 2025, para cobrir dívidas do sistema. No entanto, o projeto aumentou as alíquotas de contribuição dos servidores e dependentes. As alíquotas dos titulares passaram de uma faixa de 5,4% a 6,2% (conforme a idade) para 6,4% a 7,3%. Para os dependentes, a contribuição saltou de 1,4% a 3,5% para 2,4% a 4%.


Durante a votação do projeto na Alepe, o deputado João Paulo (PT) anunciou que elaboraria emendas em benefício dos usuários, buscando garantir a paridade na contribuição ao sistema, elevando a cota do Governo de 30% para 50%. A proposta, no entanto, não foi incorporada ao texto final aprovado. O Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado de Pernambuco foi criado pela Lei Complementar nº 30, de 2 de janeiro de 2001, e representa uma conquista histórica da luta dos servidores públicos estaduais. Antes da criação do Sassepe, os servidores dependiam exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), que já enfrentava dificuldades para atender à demanda da população em geral.


"Naquela época, lá em 2000, o SUS não tinha condições de comportar a demanda dos servidores pela demanda grande da população. O Sassepe chegou para que os servidores tivessem a garantia de sua assistência à saúde", explicou Morena Cabral.


Simone Ferraz - Representante da ASSEPE
Simone Ferraz - Representante da ASSEPE

O sistema foi estruturado para prestar assistência integral à saúde, de forma preventiva e curativa, exclusivamente aos servidores civis ativos, inativos, pensionistas e seus dependentes no âmbito do Estado de Pernambuco. A adesão ao Sassepe é facultativa e se dá mediante contribuição mensal descontada diretamente na folha de pagamento. O Sassepe conta com uma rede própria de atendimento, tendo como unidade principal o Hospital dos Servidores do Estado (HSE), localizado no Recife. O HSE, fundado em 5 de maio de 1925 como Hospital Centenário, completou 100 anos em 2025 e é âncora do sistema.


Além do hospital, o Sassepe possui 12 agências no interior do estado e dois ambulatórios. A Agência Regional de Arcoverde, localizada na Avenida Joaquim Nabuco, no centro da cidade, atende aos municípios da região do Sertão do Moxotó Ipanema e oferece serviços nas áreas de Clínica Médica, Pediatria, Odontologia, Psicologia e Psiquiatria. O sistema é administrado pelo Instituto de Atenção à Saúde e Bem-Estar dos Servidores do Estado de Pernambuco (IASSEPE), autarquia estadual vinculada à Secretaria de Administração. A gestão e as políticas do Sassepe são definidas pelo Conselho Deliberativo do Sistema (CONDASPE), órgão de composição paritária composto por representantes do Governo e dos servidores.


Nos últimos anos, especialmente a partir de 2022, o Sassepe tem enfrentado uma crise sem precedentes. Hospitais e clínicas credenciadas têm suspendido o atendimento aos beneficiários devido à falta de pagamento por parte do Governo do Estado, acumulando uma dívida que chegou a R$ 300 milhões. Em março de 2023, após intensa pressão dos servidores, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) através do Decreto nº 54.498, com a finalidade de apresentar propostas para superar emergencialmente a crise. O GT foi composto por representantes do Governo do Estado, da Assepe, do Sindicato dos Médicos, do Sindicato dos Hospitais e de representantes dos servidores indicados pelo Fórum dos Servidores Estaduais da CUT.


Mesmo com a aprovação do PLC 1481/2023 e o repasse de recursos extraordinários, a situação não melhorou significativamente. Em março de 2025, o hospital credenciado ao Sassepe em Arcoverde, responsável pelo atendimento de emergência e por diversos outros procedimentos, suspendeu os atendimentos por tempo indeterminado, deixando centenas de beneficiários sem alternativa na região. A mesma situação ocorreu em Vitória de Santo Antão, Caruaru e outras cidades do interior, afetando consultas, exames e cirurgias. Em Caruaru, o Hospital São Gabriel, que atendia às demandas de emergência, suspendeu o atendimento, deixando os beneficiários do Agreste, Mata Norte e Mata Sul em situação de risco.


Prof.ª Sueli Macedo coordenadora do Sintepe Sertão do Moxotó/Ipanema
Prof.ª Sueli Macedo coordenadora do Sintepe Sertão do Moxotó/Ipanema

"Essa crise se repete em todo o estado, afetando consultas, exames e cirurgias, com constantes reclamações dos usuários. O caos na assistência prestada pelo Sassepe não é novidade — essa tem sido a realidade do sistema há muito tempo", afirmou o SINTEPE em nota.

Relatos de beneficiários coletados pela imprensa ilustram a gravidade da situação. Servidores e aposentados têm sido obrigados a pagar por exames e consultas particulares, mesmo com o desconto mensal do Sassepe na folha de pagamento. Em alguns casos, pacientes oncológicos têm tratamentos interrompidos, e cirurgias são constantemente adiadas, levando ao agravamento dos quadros clínicos. A governadora Raquel Lyra assumiu o governo de Pernambuco em 1º de janeiro de 2023, tornando-se a primeira mulher eleita para o cargo no estado. Durante a campanha eleitoral de 2022, Raquel prometeu valorizar e fortalecer o Sassepe. No entanto, passados quase quatro anos de gestão, os servidores afirmam que o que se vê é "abandono e descaso".


Em seu discurso de posse, a governadora afirmou que a prioridade máxima de seu governo seria o combate à fome. Posteriormente, em entrevistas, ela classificou a saúde como "o principal problema de Pernambuco" e apontou a falta de infraestrutura física e organizacional na área. Apesar dos reconhecimentos públicos sobre a gravidade da situação da saúde no estado, as medidas efetivas para solucionar a crise do Sassepe têm sido insuficientes, segundo os servidores. A falta de transparência na gestão do sistema, decisões tomadas sem consulta ao Conselho Deliberativo e a manutenção do desequilíbrio no financiamento são apontadas como falhas graves da administração estadual. Em junho de 2024, circulou nas redes sociais um vídeo mostrando funcionários da Secretaria Estadual de Saúde celebrando uma festa junina no mesmo dia em que a governadora assinou um decreto de emergência de saúde pública devido ao aumento de casos de síndrome respiratória aguda grave. Na ocasião, Raquel afirmou não ter conhecimento da festa e classificou-a como "absolutamente inadequada".


Draiton Albuquerque do Sindicato dos Bancários em apoio aos Servidores do Estado
Draiton Albuquerque do Sindicato dos Bancários em apoio aos Servidores do Estado

Durante o ato em Arcoverde e em manifestações realizadas em outras cidades do estado, os servidores apresentaram um conjunto de reivindicações urgentes para garantir a sustentabilidade e a qualidade do Sassepe. Em primeiro lugar, os servidores exigem paridade na contribuição, ou seja, que o Governo do Estado passe a contribuir com 50% do financiamento do sistema, equiparando-se aos 50% contribuídos pelos servidores, em substituição à proporção atual de 30%/70%. Os servidores também reivindicam investimento urgente na rede própria, pois é fundamental que o Governo invista na estrutura do Hospital dos Servidores (HSE) e das 12 agências regionais no interior do estado. Em Arcoverde e em outras regionais, há necessidade urgente de profissionais médicos de diversas especialidades para atender à demanda da região.


Além disso, os servidores cobram a extinção imediata do sistema de cotas que limita o acesso aos exames e procedimentos, prejudicando gravemente a assistência aos beneficiários. Reivindicam, ainda, transparência em todas as ações do Sassepe, inclusive nas decisões sobre cotas, credenciamento e repasses financeiros, com garantia de que as medidas sejam discutidas no Conselho Deliberativo antes de serem implementadas. Outras demandas incluem ampliação da rede credenciada, através do credenciamento de novos prestadores de serviços e regularização dos pagamentos aos credenciados atuais, para evitar novas suspensões de atendimento. É essencial, ainda, assegurar o fornecimento regular de medicamentos, especialmente para tratamentos contínuos como quimioterapia e terapias para doenças crônicas. Por fim, os servidores cobram providências urgentes do Governo para reduzir as filas de cirurgias, atendendo às demandas com mais agilidade e respeitando os prazos legais, especialmente nos casos oncológicos.


Morena Cabral, diretora da Assepe, é conselheira representante dos servidores no Conselho Deliberativo do Sassepe (CONDASPE). Durante sua fala no ato em Arcoverde, ela destacou a importância de garantir um espaço democrático e participativo no Conselho.


"Estamos reivindicando um espaço democrático que deve existir no Conselho Deliberativo do Sassepe. É um conselho que tem a tarefa de discutir as políticas de assistência à saúde. Mas no que se refere à assistência propriamente dita, quando as medidas são tomadas, não passam pelo Conselho, não se discute no Conselho. Nós, conselheiros, tomamos conhecimento dos impedimentos que são criados depois, nos locais onde estamos sendo atendidos", denunciou.

A falta de diálogo e de participação efetiva dos representantes dos servidores nas decisões sobre o sistema tem sido uma das queixas recorrentes. Em junho de 2024, por exemplo, foi noticiado um "leilão da dívida do Sassepe", operação realizada sem discussão e deliberação prévia do Conselho Deliberativo, gerando preocupação e questionamentos por parte dos beneficiários. A Assepe, fundada para representar os interesses dos servidores usuários do Sassepe, mantém uma Casa de Apoio que acolhe beneficiários do interior que estão em tratamento no Hospital dos Servidores no Recife. A entidade tem sido uma voz ativa na luta pela melhoria do sistema e pela garantia dos direitos dos servidores.


Morena Cabral diretora da ASSEPE e Ivan Rui diretor do SINTEPE
Morena Cabral diretora da ASSEPE e Ivan Rui diretor do SINTEPE

O ato realizado em Arcoverde nesta quarta-feira (13) é parte de uma mobilização mais ampla dos servidores estaduais coordenada pelo Fórum dos Servidores de Pernambuco, com participação do SINTEPE, da CUT-PE, do SINDSAAF-PE, do SINDPD-PE, do SEEPE e de outros sindicatos. Em outubro de 2024, o Fórum dos Servidores realizou o "Faixaço do Sassepe", uma mobilização em frente ao Centro de Convenções do Recife, no dia 29, com o objetivo de denunciar à sociedade a insatisfação dos servidores pela atual situação de crise do sistema. O protesto foi realizado no momento em que acontecia um evento do Governo do Estado em homenagem ao Dia do Servidor no local. A presidenta do SINTEPE, Ivete Caetano, tem sido enfática ao afirmar que:


"Os servidores são responsáveis por cerca de 70% do financiamento do sistema, enquanto o Governo do Estado contribui com 30%. Mesmo assim, a gestão pública não tem conseguido administrar os recursos de forma eficiente, resultando em atendimentos precários, falta de medicamentos, dívidas com a rede privada e filas extensas para consultas e cirurgias".

Para o Fórum dos Servidores, o Sassepe é uma conquista histórica dos servidores de Pernambuco e, como tal, precisa ser tratado como prioridade. A entidade considera que a responsabilidade pela assistência à saúde dos servidores é de competência exclusiva do Governo do Estado e, portanto, é fundamental que essa responsabilidade seja assumida e concretizada.


"A governadora precisa agir com a urgência que a situação exige. Salvar vidas requer investimento, cuidado e atenção! O Sintepe, como sempre, tem empreendido uma luta cotidiana e permanente em defesa do Sassepe e nela continuará até que os serviços garantam nosso direito à saúde e à vida", afirmou o sindicato em nota.

O ato realizado em Arcoverde e as mobilizações dos servidores em todo o estado evidenciam uma questão que transcende os aspectos administrativos e financeiros: trata-se da defesa de um direito constitucional fundamental, o direito à saúde e à vida.


João de Barros - diretor do SINTEPE
João de Barros - diretor do SINTEPE

"A assistência à saúde é vida. Este é o nosso direito principal e dele a gente não vai abrir", declarou Morena Cabral ao encerrar sua participação no ato.

Com 24 anos de existência, o Sassepe representa uma conquista histórica que não pode ser perdida por má gestão, falta de investimento ou ausência de vontade política. Os mais de 160 mil beneficiários do sistema, entre servidores ativos, aposentados, pensionistas e dependentes, aguardam medidas concretas e urgentes do Governo Raquel Lyra para reverter o quadro de crise e garantir uma assistência à saúde digna, eficiente e de qualidade.


"Essa situação precisa ser resolvida e quem vai resolver é a governadora. Este é o nosso pleito: é necessário investir no Sassepe o que for necessário para que o sistema não tenha como acabar. Estamos com a força e a luta da nossa parte, e ela não vai parar", finalizou Morena Cabral.

A luta dos servidores continua, e o ato de Arcoverde reafirma o compromisso da categoria com a defesa do Sassepe, em nome da saúde, da dignidade e da vida de todos os beneficiários do sistema.

 
 
 

Investigação revela que 77% dos municípios pernambucanos operam com equipes incompletas, enquanto bebidas adulteradas circulam livremente pelo estado


Por Redação d'O estopim | 02 de outubro de 2025


Duas mortes confirmadas, um homem cego para sempre e um possível quarto caso ainda sob investigação. Os números dos casos suspeitos de intoxicação por metanol no Agreste de Pernambuco em setembro passado são apenas a ponta do iceberg de uma crise muito maior: o completo sucateamento da vigilância sanitária no estado.


Uma investigação exclusiva realizada por esta reportagem, baseada em documentos oficiais, estudos acadêmicos e dados da própria Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa), revela um cenário assustador de negligência sistemática que coloca em risco a vida de mais de 9 milhões de pernambucanos.


Inspetor da Vigilância Sanitária e Ambiental realizando teste de amostra utilizando conta-gotas e frasco
Inspetor da Vigilância Sanitária e Ambiental realizando teste de amostra utilizando conta-gotas e frasco 

Os fatos são contundentes: 77% dos municípios pernambucanos operam suas vigilâncias sanitárias com equipes incompletas, 69% não participam do planejamento financeiro federal e a maioria não possui sequer veículos próprios para realizar fiscalizações. Enquanto isso, produtos potencialmente letais circulam livremente pelas prateleiras do estado.


As vítimas do descaso


Em Lajedo e João Alfredo, municípios do Agreste pernambucano, o horror do metanol se materializou em tragédia humana. Os casos oficialmente notificados incluem dois homens de Lajedo - um morto e outro que perdeu permanentemente a visão bilateral - e um homem de João Alfredo que também não resistiu à intoxicação.


Panorama da Política Nacional de Vigilância em Saúde, delineando sua institucionalidade e atuação no SUS
Panorama da Política Nacional de Vigilância em Saúde, delineando sua institucionalidade e atuação no SUS 

Mas há indícios de que o problema é ainda maior. Fontes policiais apontam para um possível quarto caso em Lajedo, com morte ocorrida já em agosto de 2025, antes mesmo da transferência para o Hospital Mestre Vitalino em Caruaru.


"Estamos investigando se existem mais vítimas que não foram notificadas adequadamente", revela uma fonte da investigação que prefere não se identificar.

O mapa do caos: estrutura falida


Problemas estruturais da vigilância sanitária em Pernambuco organizados por categoria de deficiências identificadas
Problemas estruturais da vigilância sanitária em Pernambuco organizados por categoria de deficiências identificadas

A Apevisa, criada em 2006, deveria ser o escudo sanitário de Pernambuco. Teoricamente, a agência opera através de 12 Gerências Regionais cobrindo todos os 184 municípios pernambucanos. Na prática, porém, essa estrutura é uma fachada que esconde deficiências estruturais gravíssimas.


Os números oficiais da própria Apevisa revelam uma agência em frenética atividade: 3.834 inspeções apenas no primeiro semestre de 2025, incluindo operações especiais durante Carnaval e São João. Mas quantidade não significa qualidade - e é exatamente aí que mora o perigo.


Oficial de vigilância sanitária do Estado de São Paulo caminhando por um corredor, simbolizando atividades de inspeção sanitária 
Oficial de vigilância sanitária do Estado de São Paulo caminhando por um corredor, simbolizando atividades de inspeção sanitária 

A radiografia do descaso


Estudos acadêmicos conduzidos pela Universidade Federal de Pernambuco expõem a realidade crua das vigilâncias sanitárias municipais:


RECURSOS HUMANOS EM COLAPSO:


  • 77% dos municípios operam com equipes incompletas

  • Coordenadores nomeados por critérios políticos, não técnicos

  • Vínculos empregatícios precários e alta rotatividade

  • Ausência de concursos públicos regulares


RECURSOS FINANCEIROS INEXISTENTES:


  • 69% dos municípios não participam do planejamento de gastos federais (PQA-VS)

  • Subutilização crônica de recursos disponíveis

  • Financiamento federal de apenas R$ 0,30 por habitante/ano


INFRAESTRUTURA SUCATEADA:


  • Falta sistemática de veículos próprios para fiscalização

  • Espaços físicos inadequados e compartilhados

  • Deficiência de equipamentos tecnológicos básicos

  • Instrumentos de trabalho obsoletos


Vigilância Sanitária Inspetores realizando uma inspeção sanitária em uma instalação de processamento de alimentos ou bebidas 
Vigilância Sanitária Inspetores realizando uma inspeção sanitária em uma instalação de processamento de alimentos ou bebidas 

O lado invisível da tragédia


O que o público não vê é como essa precariedade se traduz em tragédia humana. Quando um fiscal de vigilância sanitária precisa "pedir emprestado" um carro para investigar uma denúncia, quando não tem equipamentos básicos para coletar amostras adequadamente, quando trabalha em salas compartilhadas sem privacidade para atender denunciantes - é aí que produtos letais como bebidas com metanol encontram espaço para circular.


"É um milagre não termos mais mortes", desabafa um técnico da vigilância sanitária de um município do interior, que preferiu não se identificar por temer retaliações. "Trabalhamos no improviso, correndo atrás dos problemas depois que eles já aconteceram".

Inspetores sanitários realizando inspeção fiscal em mercearia no Brasil
Inspetores sanitários realizando inspeção fiscal em mercearia no Brasil 

Pernambuco foi apontado pelo Tesouro Nacional como o estado que mais investiu proporcionalmente em saúde no primeiro quadrimestre de 2024 - 23% de suas despesas totais. O dado, que poderia ser motivo de orgulho, esconde uma verdade incômoda: esses recursos não chegam onde mais são necessários.


A priorização de gastos em atenção médica hospitalar - mais visível politicamente - contrasta brutalmente com o abandono histórico da vigilância sanitária, área considerada menos "rentável" eleitoralmente mas fundamental para prevenir que pessoas precisem de hospitais.


O problema pernambucano é reflexo de uma crise nacional. A própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) teve seu quadro de pessoal reduzido de 3.000 para apenas 1.368 vagas desde 2004 - uma redução superior a 50% que compromete a supervisão nacional.


O Tribunal de Contas da União identificou falhas graves na Anvisa, incluindo a inexistência de uma base unificada de dados de notificações no país. Se nem a agência nacional consegue exercer adequadamente seu papel, como esperar que estados e municípios o façam?


Esta reportagem teve acesso a documentos que mostram o verdadeiro custo da negligência:


  • Apenas 15,9% dos estabelecimentos de alto risco sanitário foram inspecionados em 2024

  • 1.475 amostras coletadas em todo o estado - número insuficiente para a população

  • Tempo médio de resposta a denúncias: superior a 15 dias na maioria dos municípios


Várias bebidas alcoólicas e métodos de servir, ilustrando o contexto do consumo e regulamentação do álcool 
Várias bebidas alcoólicas e métodos de servir, ilustrando o contexto do consumo e regulamentação do álcool 

Vozes do Front: quem trabalha na linha de frente


"Recebemos denúncias todos os dias, mas não temos como atender todas", relata uma coordenadora municipal de vigilância sanitária do Grande Recife, sob condição de anonimato.


"Quando conseguimos chegar ao local, muitas vezes o problema já se espalhou. É frustrante, é desumano".

Outro técnico, do interior do estado, é mais direto:


"O pessoal não entende que vigilância sanitária não é só multar. É proteger vidas. Mas como proteger sem estrutura, sem gente, sem equipamento?"

Os cálculos são simples e aterrorizantes: com apenas R$ 0,30 por habitante/ano de repasse federal, Pernambuco recebe cerca de R$ 2,8 milhões anuais para proteger mais de 9 milhões de pessoas. É menos de R$ 8 mil por dia para fiscalizar todo o estado.


Para efeito de comparação, uma única operação de fiscalização complexa, envolvendo coleta de amostras e análises laboratoriais, pode custar mais de R$ 50 mil. O dinheiro simplesmente não existe.


Sem uma mudança radical na política de investimentos, casos como os do metanol são apenas o prenúncio de tragédias maiores. Especialistas em vigilância sanitária consultados por esta reportagem são unânimes: o sistema está à beira do colapso total.


"Não é questão de 'se' vai acontecer uma tragédia maior, é questão de 'quando'", alerta um professor da área de saúde pública da UFPE, que prefere não se identificar. "O metanol foi um aviso. Se não agirmos agora, teremos epidemias, surtos alimentares, mortes em massa".

As recomendações ignoradas


Esta reportagem identificou pelo menos 15 recomendações técnicas feitas à administração estadual nos últimos cinco anos, todas relacionadas ao fortalecimento da vigilância sanitária. Nenhuma foi implementada integralmente.


As principais incluem:


  • Realização de concurso público para completion dos quadros

  • Triplicar o orçamento destinado ao setor

  • Criar política estadual de educação permanente

  • Modernizar a infraestrutura tecnológica

  • Padronizar equipamentos e procedimentos


O orçamento de 2024 da Apevisa, conforme documentos oficiais, representa menos de 0,2% do orçamento total da saúde no estado. Para contextualizar: o estado gasta mais em passagens aéreas de autoridades do que em toda a vigilância sanitária.


CASOS SUSPEITOS DE ENVENENAMENTO POR METANOL EM PERNAMBUCO

Local

Estado

Hospital

Data_Notificacao

Lajedo

Morte confirmada

HMV Caruaru

30/09/2025

Lajedo

Perda visão bilateral

HMV Caruaru

30/09/2025

João Alfredo

Morte confirmada

HMV Caruaru

30/09/2025

Lajedo (possível 4º caso)

Morte (em investigação)

Antes transferência HMV

29/08/2025


A bomba-relógio continua ticando


Enquanto você lê esta reportagem, produtos potencialmente perigosos continuam circulando livremente pelas prateleiras de Pernambuco. Bebidas adulteradas, alimentos contaminados, medicamentos falsificados - todos protegidos pela incapacidade estrutural do estado de exercer adequadamente seu papel fiscalizador.


ESTRUTURA APEVISA

Aspecto

Bravura

Cobertura Regional

12 Gerências Regionais

Equipe Central

Nível central + regionais

Unidades Regionais

12 unidades regionais

Municípios Atendidos

184 municípios + Fernando de Noronha

Inspeções 1º semestre 2025

3.834 inspeções

Inspeções Carnaval 2025

432 inspeções

Inspeções São João 2025

3.161 inspeções

Estabelecimentos Alto Risco 2024

1.052 estabelecimentos (15,9% do total)

Amostras Coletadas 2024

1.475 amostras


Os casos de metanol em Lajedo e João Alfredo não são um acidente. São o resultado previsível e evitável de décadas de negligência sistemática. E enquanto os governantes seguirem priorizando obras de impacto visual sobre a proteção invisível mas vital da vigilância sanitária, mais famílias pernambucanas pagarão com suas vidas o preço desta irresponsabilidade.


PROBLEMAS VIGILÂNCIA SANINTÁRIA PERNAMBUCO

Categoria

Problema

Fonte de Referência

Recursos Humanos

Insuficiência de recursos humanos

Estudo Scielo 2017 - X Região PE

Recursos Humanos

77% dos municípios com equipe incompleta

Estudo VI Região PE 2021

Recursos Humanos

Vínculos precários e indicações políticas

Estudo Scielo 2017

Recursos Financeiros

69% dos municípios não participam do planejamento PQA-VS

Estudo VI Região PE 2021

Recursos Financeiros

Insuficiência de recursos financeiros

Estudo Scielo 2017

Infraestrutura

Falta de espaço físico adequado

Estudo Scielo 2017

Infraestrutura

Falta de veículos próprios

Estudo Scielo 2017

Infraestrutura

Deficiência de instrumentos tecnológicos

Estudo Scielo 2017

Gestão

Dificuldades nas relações interpessoais entre gestores

Estudo Scielo 2017

Gestão

Ausência de códigos sanitários atualizados

Estudo Scielo 2017

Capacitação

Inexistência de política de educação permanente

Estudo Scielo 2017


Esta reportagem foi baseada em análise de documentos oficiais, estudos acadêmicos peer-reviewed, dados da Apevisa, relatórios do Ministério da Saúde e entrevistas com técnicos da área sob condição de anonimato. Todos os dados citados são verificáveis através de fontes oficiais.


Para denúncias relacionadas à vigilância sanitária, entre em contato através dos canais oficiais da Apevisa ou procure a vigilância sanitária de seu município.

 
 
 
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