top of page

Por: Raul Silva, Jornalista do Teoria Literária


Cineasta palestino é sequestrado por soldados israelenses, diz diretor | Foto: Reprodução
Cineasta palestino é sequestrado por soldados israelenses, diz diretor | Foto: Reprodução

O sequestro e a detenção do cineasta palestino Hamdan Ballal, tal como amplamente relatado, transcendem a mera conjuntura de um episódio isolado de repressão estatal. Este evento insere-se em um panorama mais amplo de dominação colonial, apagamento cultural e violência estrutural que caracterizam a ocupação da Palestina. Através de uma análise histórico-crítica, podemos traçar paralelos inquietantes entre as ações do Estado de Israel e processos históricos de violência sistemática, tais como o Holocausto e outras formas de segregação racial institucionalizada. Esse fenômeno de violência estrutural perpetua-se não apenas por meio de intervenções militares, mas também por uma arquitetura institucional que busca consolidar a ocupação como um fato consumado, impossibilitando qualquer processo de autodeterminação palestina.


A violência exercida contra Ballal, cineasta e ativista, não apenas busca suprimir uma voz dissidente, mas também se insere em um continuum de práticas de opressão que encontram eco no conceito freireano de "Pedagogia do Oprimido". Segundo Paulo Freire, a dialética da opressão muitas vezes leva o oprimido, ao conquistar um espaço de poder, a reproduzir as mesmas estruturas de dominação que outrora o subjugaram. O sionismo político, que emergiu como uma resposta à perseguição antissemita na Europa, paradoxalmente deu lugar a uma estrutura de ocupação que impõe sobre os palestinos um regime de controle e desumanização sistemática. A partir dessa perspectiva, a política israelense pode ser vista como um reflexo da internalização de estruturas de poder que foram, no passado, utilizadas contra a própria comunidade judaica.


A brutalidade do ataque a Ballal e sua subsequente detenção evidenciam a forma como o Estado israelense instrumentaliza tanto seus aparatos militares quanto os colonos extremistas como agentes de repressão. O fato de Ballal ter sido atacado por colonos antes de ser entregue às forças militares ilustra a conivência entre o Estado e os atores não estatais na perpetuação da violência contra os palestinos. Relatórios de organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, reiteram que tais ataques são cada vez mais frequentes e sistematicamente negligenciados pelo sistema judiciário israelense, que raramente responsabiliza os colonos por seus atos. Essa relação de cumplicidade entre forças estatais e colonos é um componente fundamental da política de expansão territorial israelense, onde a população civil é utilizada como força paramilitar para reforçar as dinâmicas de ocupação.


O aparato de repressão implementado por Israel guarda notáveis semelhanças com estruturas históricas de exclusão e genocídio. A imposição de um regime de segregação física, manifestado nos checkpoints militarizados e no sistema de passes que restringe a liberdade de movimento dos palestinos, remete aos métodos empregados pelos regimes de apartheid na África do Sul e à segregação imposta pelos nazistas aos judeus nos guetos da Europa. O enclave de Gaza, uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, funciona como uma prisão a céu aberto, onde as condições de vida são deliberadamente precarizadas para enfraquecer a resistência popular. O deslocamento forçado de comunidades palestinas, frequentemente justificado sob o pretexto de necessidades militares ou arqueológicas, reflete a lógica de engenharia demográfica voltada para o apagamento da identidade nacional palestina. Esse processo é complementado pela destruição sistemática de infraestruturas essenciais, como escolas e hospitais, que tornam a vida dos palestinos cada vez mais inviável.


O documentário "No Other Land", dirigido por Ballal, é um testemunho eloquente dessas realidades. Ao denunciar a destruição sistemática de aldeias palestinas e a militarização cotidiana da Cisjordânia, a obra evidencia as contradições do discurso oficial israelense que busca justificar a ocupação sob o prisma da segurança nacional. O sequestro de Ballal é uma tentativa explícita de silenciar uma narrativa que desestabiliza a hegemonia discursiva israelense no cenário internacional. Esse controle narrativo, que se manifesta na censura de produções culturais palestinas e na perseguição de jornalistas, é um elemento crucial da estratégia colonial de Israel, que compreende a informação como um campo de batalha. A repressão à cultura palestina não se limita ao silenciamento de vozes individuais, mas se estende a políticas educacionais que visam obliterar a memória coletiva da resistência palestina.


A repressão contra jornalistas e cineastas palestinos insere-se em um contexto mais amplo de criminalização da resistência cultural. Relatórios indicam que, nos últimos anos, dezenas de jornalistas palestinos foram assassinados ou detidos, muitas vezes sob pretextos frágeis e sem direito a um julgamento justo. Essa censura estatal busca não apenas impedir a circulação de informações sobre os crimes cometidos na Cisjordânia e em Gaza, mas também desumanizar a população palestina aos olhos do público internacional, justificando assim a continuidade das operações militares e das políticas de ocupação. A manipulação da narrativa internacional por meio de think tanks e lobbies políticos nos Estados Unidos e na Europa desempenha um papel crucial para garantir que a repressão sistemática contra os palestinos permaneça impune.


A comunidade internacional, embora ciente dessas dinâmicas, mantém uma postura ambígua e, muitas vezes, conivente. A ONU, apesar de suas reiteradas resoluções condenando a ocupação israelense e a expansão de assentamentos ilegais, carece de mecanismos efetivos para aplicar sanções concretas. As potências ocidentais, notadamente os Estados Unidos e alguns países da União Europeia, continuam a fornecer suporte militar e diplomático a Israel, garantindo que este atue com impunidade. A inércia dessas potências revela o papel que os interesses geopolíticos e econômicos desempenham na perpetuação do status quo. A lógica da Guerra Fria, onde Israel se consolidou como um aliado estratégico do Ocidente, ainda se faz presente nas decisões políticas contemporâneas, tornando qualquer condenação efetiva improvável.


O pensamento freireano nos convida a uma reflexão mais profunda sobre a possibilidade de rompimento com esse ciclo de violência e opressão. A libertação autêntica, segundo Freire, só ocorre quando o oprimido se recusa a reproduzir a lógica de seu opressor, optando por uma práxis que emancipa não apenas a si mesmo, mas toda a sociedade. O caso de Hamdan Ballal é um testemunho da necessidade urgente de uma resistência organizada e de uma solidariedade internacional efetiva em prol da justiça e do direito à autodeterminação dos palestinos. Essa solidariedade não pode se limitar a manifestações simbólicas, mas deve se traduzir em ações concretas, como boicotes econômicos e a exigência de sanções contra Israel.


A luta palestina não é apenas uma questão geopolítica, mas um imperativo ético e moral. Os registros históricos demonstram que nenhum regime de ocupação é eterno e que a resistência popular, quando respaldada por uma mobilização global, pode reverter mesmo as estruturas de dominação mais arraigadas. Cabe à comunidade internacional decidir se continuará a perpetuar o silêncio conivente ou se posicionará ao lado da justiça, reconhecendo a autodeterminação palestina não como uma concessão, mas como um direito inalienável. A história julgará as escolhas feitas neste momento crítico, e a omissão de hoje poderá ser lembrada como cumplicidade na perpetuação de um sistema de violência e segregação. O caso Ballal, portanto, não é apenas uma questão de liberdade individual, mas um microcosmo de uma luta histórica pela dignidade e pelo reconhecimento da humanidade palestina.


 
 
 

Por: Raul Silva para o Radar Literário do Teoria Literária


Gigante do streaming aposta em audiolivros e abre espaço para autores independentes


O Spotify, gigante do streaming de música, está expandindo sua atuação no mercado de audiolivros com o lançamento de uma nova plataforma voltada para autores independentes nos Estados Unidos. A iniciativa visa democratizar a produção e distribuição de audiolivros, oferecendo aos autores uma nova via para alcançar o público e monetizar suas obras.


Fonte: Divulgação Spotify
Fonte: Divulgação Spotify
Spotify Publishing

O projeto, que faz parte da estratégia do Spotify de se tornar um hub completo de conteúdo de áudio, envolve a criação de um selo editorial próprio. O Spotify irá selecionar obras de autores independentes, produzir os audiolivros e distribuí-los em sua plataforma e em outras varejistas do setor. Essa iniciativa representa um movimento estratégico do Spotify para consolidar sua posição no mercado de audiolivros, que tem apresentado um crescimento significativo nos últimos anos. Ao criar um selo editorial próprio, o Spotify busca não apenas ampliar seu catálogo de títulos, mas também atrair novos públicos e fortalecer sua marca como um destino completo para conteúdo de áudio. A empresa pretende investir na produção de audiolivros de alta qualidade, com narração profissional, design de som e outros elementos que possam enriquecer a experiência auditiva dos ouvintes. Além disso, o Spotify planeja utilizar sua expertise em marketing e distribuição digital para promover os audiolivros e alcançar um público amplo e diversificado.


Inicialmente, o foco estará em histórias curtas, com duração entre 10.000 e 20.000 palavras, nos gêneros de romance adulto, mistério/suspense e ficção científica/fantasia. O Spotify busca obras escritas especificamente para o formato de áudio, que explorem as possibilidades narrativas do som e da voz. A escolha por histórias curtas reflete a tendência do mercado de audiolivros, que tem visto um aumento na popularidade de obras mais concisas e fáceis de consumir. Além disso, o Spotify acredita que esse formato é ideal para atrair novos ouvintes, que podem estar mais dispostos a experimentar um audiolivro curto antes de se comprometer com uma obra mais longa. A seleção dos gêneros de romance adulto, mistério/suspense e ficção científica/fantasia também é estratégica, pois são categorias que atraem um grande número de leitores e ouvintes, com um público fiel e engajado. O Spotify espera encontrar obras originais e inovadoras, que utilizem o som e a voz de forma criativa para construir narrativas envolventes e imersivas.


Democratização do mercado

Com essa iniciativa, o Spotify pretende reduzir as barreiras de entrada no mercado de audiolivros, que historicamente tem sido dominado por grandes editoras. Autores independentes muitas vezes enfrentam dificuldades para produzir audiolivros com qualidade profissional e para distribuí-los em larga escala. O modelo tradicional de publicação de audiolivros envolve altos custos de produção, que incluem o pagamento de narradores, engenheiros de som, estúdios de gravação e outros profissionais. Além disso, a distribuição dos audiolivros geralmente é feita por meio de grandes editoras, que cobram taxas elevadas e impõem contratos desfavoráveis aos autores. Essa situação cria uma barreira de entrada para autores independentes, que muitas vezes não têm os recursos financeiros ou o conhecimento necessário para produzir e distribuir seus audiolivros de forma eficaz. O Spotify busca mudar esse cenário, oferecendo aos autores uma alternativa mais acessível e transparente.


O Spotify se compromete a financiar a produção dos audiolivros selecionados, incluindo a narração, a edição e a masterização. Além disso, a empresa oferecerá um adiantamento aos autores e pagará royalties pelas vendas. Ao assumir os custos de produção, o Spotify elimina um dos principais obstáculos enfrentados pelos autores independentes. Isso permite que eles se concentrem na criação de suas obras, sem se preocupar com os aspectos técnicos e financeiros da produção do audiolivro. Além disso, o Spotify oferece um modelo de pagamento justo e transparente, com adiantamentos e royalties competitivos. Isso garante que os autores sejam adequadamente remunerados pelo seu trabalho e que possam obter uma renda sustentável com a venda de seus audiolivros.


Parceria com Findaway Voices

Para autores que preferem autopublicar seus audiolivros, o Spotify também está incentivando o envio de obras já existentes através da Findaway Voices, plataforma de distribuição de audiolivros que o Spotify adquiriu em 2022. Essa opção permite que os autores mantenham o controle sobre o processo criativo e alcancem um público ainda maior. A aquisição da Findaway Voices pelo Spotify foi um passo importante na estratégia da empresa de se consolidar no mercado de audiolivros. A Findaway Voices é uma plataforma que oferece ferramentas e serviços para autores independentes e pequenas editoras produzirem e distribuírem seus audiolivros em diversas plataformas, incluindo o Spotify. Ao integrar a Findaway Voices à sua plataforma, o Spotify ampliou sua oferta de opções para os autores, permitindo que eles escolham o modelo de publicação que melhor se adapta às suas necessidades.


Mercado em expansão

O investimento do Spotify no mercado de audiolivros reflete o crescente interesse dos consumidores por esse formato. Segundo dados da Grand View Research, o mercado global de audiolivros deve atingir US$ 15,8 bilhões em 2024, com uma taxa de crescimento anual composta de 24,4% entre 2020 e 2024. Esse crescimento é impulsionado por diversos fatores, como a popularidade dos smartphones e outros dispositivos móveis, que facilitam o acesso aos audiolivros, a crescente oferta de títulos disponíveis e a conveniência de consumir conteúdo enquanto se realizam outras atividades, como dirigir, se exercitar ou fazer tarefas domésticas.


O Spotify aposta que sua base de usuários, acostumada a consumir conteúdo de áudio, também se interessará por audiolivros. A empresa espera atrair novos públicos para o formato e diversificar a oferta de títulos disponíveis. Com milhões de usuários em todo o mundo, o Spotify tem um enorme potencial para popularizar os audiolivros e torná-los um formato de entretenimento主流. A empresa pretende utilizar sua expertise em personalização e recomendação para conectar os ouvintes aos títulos que mais lhes interessam, criando uma experiência de consumo fluida e envolvente.


Oportunidade para autores

Para os autores independentes, a iniciativa do Spotify representa uma oportunidade de expandir sua audiência e gerar novas fontes de renda. Ao ter seus livros transformados em audiolivros com produção profissional e distribuição global, eles podem alcançar leitores que preferem ouvir a ler, além de pessoas com deficiência visual ou que consomem conteúdo enquanto realizam outras atividades. Os audiolivros têm se tornado um formato cada vez mais popular entre os consumidores, especialmente entre aqueles que têm pouco tempo para ler ou que preferem consumir conteúdo enquanto realizam outras atividades. Ao oferecer seus livros em formato de áudio, os autores podem atingir um público mais amplo e diversificado, incluindo pessoas que talvez nunca tivessem tido contato com suas obras em formato impresso ou digital. Além disso, os audiolivros podem gerar uma nova fonte de renda para os autores, que receberão royalties pelas vendas e poderão aumentar sua visibilidade no mercado literário.


O Spotify ainda não divulgou detalhes sobre o processo de seleção das obras e os critérios de avaliação. No entanto, a empresa afirma que está comprometida em descobrir novos talentos e em oferecer uma plataforma inclusiva para autores de diversas origens e estilos. O Spotify pretende realizar seleções periódicas de obras, com base em critérios como originalidade, qualidade da escrita, potencial narrativo e adequação ao formato de áudio. A empresa busca diversificar seu catálogo de audiolivros, incluindo obras de diferentes gêneros, estilos e perspectivas.

 
 
 

Por: Raul Silva para o Radar Literário do Teoria Literária.

A escritora Igiaba Scego ilumina as complexas relações entre Itália e Somália em sua obra

Igiaba Scego, renomada escritora italiana de origem somali, tem se destacado no cenário literário por sua habilidade em tecer narrativas que exploram as intrincadas e muitas vezes dolorosas relações entre Itália e Somália. Em suas obras, Scego investiga as memórias silenciadas do colonialismo italiano na Somália, revelando as histórias ocultas e as feridas não cicatrizadas que persistem até os dias atuais.

Igiaba Scego é uma das vozes mais significativas da literatura contemporânea
Igiaba Scego é uma das vozes mais significativas da literatura contemporânea

Nascida em Roma em 1974, filha de pais somalis que buscaram refúgio na Itália após um golpe de Estado em seu país natal, Scego cresceu imersa em duas culturas distintas. Essa experiência bilíngue e bicultural moldou sua identidade e sua escrita, conferindo-lhe uma perspectiva única sobre as questões de identidade, migração e pertencimento. A infância de Scego em Roma foi marcada pela ausência física da Somália, um lugar que existia principalmente em memórias familiares e relatos orais. Essas narrativas construíram um imaginário rico e complexo sobre a Somália, que contrastava fortemente com a realidade da vida na Itália e com as representações estereotipadas que circulavam na sociedade italiana. A jovem Igiaba cresceu nutrindo uma profunda curiosidade sobre suas raízes e sobre a história de seu povo, uma busca que se tornaria um dos motores de sua produção intelectual e artística.

Em seus romances, ensaios e artigos, Scego aborda temas como o racismo, a discriminação e a violência que marcaram a história da presença italiana na Somália. Ela resgata vozes esquecidas e dá visibilidade às experiências de somalis que foram marginalizados e oprimidos durante o período colonial e além. Scego utiliza a literatura como um espaço de resistência e de denúncia, no qual ela pode dar voz aos que foram silenciados pela história oficial. Suas obras nos confrontam com as atrocidades do colonialismo italiano, com a violência do regime fascista e com as injustiças que continuam a ser cometidas contra os imigrantes e refugiados somalis na Itália. A escrita de Scego é um ato de memória e de justiça, uma tentativa de reparar as feridas do passado e de construir um futuro mais humano e igualitário.

Uma das obras mais aclamadas de Scego, o romance "Oltre Babilonia" (Além de Babel), publicado em 2008, narra a história de três gerações de mulheres somalis que vivem na Itália. O livro explora as complexidades da identidade diaspórica, as dificuldades de integração e os desafios de conciliar diferentes heranças culturais. A narrativa de Scego mergulha nas profundezas da experiência feminina, revelando a força, a resiliência e a capacidade de superação dessas mulheres diante de adversidades como o exílio, a perda e o preconceito. Ao traçar um paralelo entre o passado colonial e o presente da diáspora somali na Itália, a autora nos convida a refletir sobre as continuidades e rupturas na história das relações entre os dois países. Além disso, a obra destaca a importância da memória e da transmissão oral na preservação da identidade cultural e na luta contra o apagamento histórico.

Em "La mia casa è dove sono" (Minha casa é onde estou), uma coletânea de ensaios publicada em 2010, Scego investiga as memórias de sua infância em Roma e suas viagens à Somália. Ela reflete sobre a história do colonialismo italiano, a violência do regime fascista e o impacto duradouro desses eventos nas relações entre os dois países. A autora nos leva a uma viagem pessoal e histórica, na qual memórias familiares se entrelaçam com relatos de figuras importantes da resistência somali ao colonialismo italiano. Scego examina criticamente o papel da Itália na Somália, desde a imposição do domínio colonial até a exploração dos recursos naturais e a repressão cultural. Ela também aborda as contradições e ambiguidades da identidade italiana, questionando a narrativa oficial que busca minimizar ou apagar os crimes do passado. Ao fazê-lo, a autora nos desafia a confrontar as feridas não cicatrizadas do colonialismo e a reconhecer as responsabilidades do presente.

A escrita de Scego é caracterizada por sua honestidade brutal, sua prosa poética e sua capacidade de combinar história pessoal e coletiva. Ela não hesita em confrontar os aspectos mais sombrios do passado colonial italiano, lançando luz sobre as atrocidades cometidas e as injustiças sofridas pelo povo somali. A autora utiliza uma linguagem evocativa e sensorial para descrever as paisagens da Somália, os sons e os cheiros dos mercados, as cores e os sabores da culinária local. Ao mesmo tempo, ela não se furta em denunciar a violência do regime fascista, os massacres de civis, a pilhagem do patrimônio cultural e a imposição de uma ideologia racista e discriminatória. Scego nos mostra como o passado colonial continua a assombrar o presente, manifestando-se nas desigualdades sociais, na marginalização dos imigrantes e na persistência do racismo na sociedade italiana.

Além de seu trabalho literário, Scego também é uma ativa defensora dos direitos dos imigrantes e refugiados na Itália. Ela participa de debates públicos, escreve artigos e concede entrevistas para aumentar a conscientização sobre as questões da migração e do racismo. A autora utiliza sua visibilidade como intelectual e escritora para dar voz aos que não têm vez, para denunciar as injustiças e para propor soluções para os problemas que afligem a sociedade italiana contemporânea. Scego critica as políticas migratórias restritivas e xenófobas da Itália, que transformam o país em um lugar hostil e perigoso para os imigrantes e refugiados. Ela defende a necessidade de uma abordagem mais humana e solidária, baseada no respeito aos direitos humanos e na promoção da integração intercultural. Além disso, a autora questiona o racismo estrutural que permeia a sociedade italiana, manifestando-se em diversas formas de discriminação e violência contra os negros e outras minorias étnicas.

A obra de Igiaba Scego é de fundamental importância para a compreensão das complexas relações entre Itália e Somália. Ao revelar as histórias ocultas da presença italiana na Somália, ela contribui para a construção de uma memória mais completa e honesta do passado colonial, além de promover o diálogo intercultural e a reflexão sobre as questões do presente. Scego nos convida a revisitar a história da colonização italiana na Somália, a reconhecer as responsabilidades da Itália e a reparar as injustiças do passado. Ela nos mostra como o passado colonial continua a moldar o presente, influenciando as relações entre os dois países e as experiências dos somalis na diáspora. Ao fazê-lo, a autora nos desafia a construir um futuro mais justo e igualitário, baseado no respeito à diversidade cultural e na promoção do diálogo intercultural. A obra de Scego é, portanto, um instrumento poderoso de transformação social e um testemunho da capacidade da literatura de iluminar as sombras do passado e de inspirar a construção de um futuro melhor.

 
 
 
bottom of page