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Deputado Leur Lomanto Júnior (União-BA) será o responsável por analisar a representação por quebra de decoro parlamentar. O processo, que pode levar à cassação do mandato do filho do ex-presidente, entra agora em sua fase inicial.

Por Redação d'O estopim | 26 de setembro de 2025


Brasília – O presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, Julio Arcoverde (PP-PI), definiu nesta sexta-feira (26) o relator do processo disciplinar movido contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O escolhido para conduzir a análise inicial do caso foi o deputado Leur Lomanto Júnior (União-BA), um político experiente e membro de um partido que recentemente adotou uma postura de independência em relação ao governo.


Confira nossa análise em áudio

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Leur Lomanto Júnior, e os próximos passos rumo à possível cassaçãoO estopim

Leur Lomanto Júnior (União-BA) - Fonte: Portal da Câmara dos Deputados
Leur Lomanto Júnior (União-BA) - Fonte: Portal da Câmara dos Deputados

A definição do relator é um passo crucial e dá início formal à tramitação de um dos processos mais politicamente sensíveis da atual legislatura. A representação, protocolada em conjunto pelos partidos PSOL e Rede Sustentabilidade, acusa o parlamentar de quebra de decoro por supostamente ter feito ameaças a outros congressistas e por discursos que, segundo os autores, atentariam contra as instituições democráticas e o Estado de Direito.


Quem é o relator?


Leur Lomanto Júnior pertence ao União Brasil, partido que acaba de formalizar sua saída da base de apoio do governo Lula. Essa posição de "independência" coloca o relator em uma posição-chave, teoricamente menos suscetível às pressões diretas tanto do Palácio do Planalto quanto da oposição bolsonarista.


Membro de uma família com longa tradição na política baiana, Lomanto Júnior é visto como um parlamentar de perfil moderado, filiado ao chamado Centrão. Sua atuação será fundamental para ditar o ritmo e a direção do processo. A escolha de um nome do União Brasil para a relatoria é, por si só, um elemento de imprevisibilidade no desfecho do caso.


Quais os próximos passos?


Com a designação oficial, o rito processual começa a correr. Leur Lomanto Júnior terá agora um prazo de 10 dias úteis para apresentar um parecer preliminar. Neste documento, ele deverá decidir por uma de três vias:


  1. Arquivamento: Caso entenda que a denúncia não tem fundamento ou não constitui quebra de decoro, pode recomendar o arquivamento imediato do processo.

  2. Continuidade: Se considerar que há indícios de infração ética, ele recomendará a continuidade das investigações.

  3. Diligências: O relator pode ainda solicitar a realização de diligências para coletar mais informações antes de tomar sua decisão.


Se o parecer for pela continuidade, ele será votado pela maioria simples dos membros do Conselho de Ética. Aprovado, o processo entra na fase de instrução, na qual Eduardo Bolsonaro será notificado para apresentar sua defesa por escrito e arrolar até oito testemunhas. O relator, por sua vez, poderá ouvir as testemunhas de acusação e defesa, coletar provas e, ao final, elaborar um parecer de mérito, que também será submetido à votação no colegiado.


As possíveis punições e o cenário político


O processo no Conselho de Ética pode resultar em um leque de penalidades, que variam em gravidade, desde uma censura verbal ou escrita, passando pela suspensão temporária do mandato por até seis meses, até a punição máxima: a cassação do mandato parlamentar.


A instauração do processo e a escolha do relator elevam a temperatura política em Brasília. Para a base governista e partidos de oposição a Bolsonaro, o caso é um teste para a capacidade do Conselho de Ética de punir o que consideram "excessos" e reafirmar os limites da imunidade parlamentar. Já para os aliados do ex-presidente, o processo é visto como mais um capítulo de uma suposta "perseguição política" contra a família Bolsonaro e seus apoiadores.


A definição do relator marca o início de uma batalha jurídica e política que deve se estender pelos próximos meses no Congresso Nacional. O parecer de Leur Lomanto Júnior será o primeiro termômetro crucial sobre a força da representação e as chances reais de uma punição efetiva a um dos principais nomes e influenciadores do bolsonarismo no país.

 
 
 

Em uma das votações mais polêmicas dos últimos tempos no Congresso Nacional, a aprovação da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados expôs contradições profundas no cenário político pernambucano. O voto favorável do deputado Pedro Campos (PSB-PE) à proposta que dificulta investigações contra parlamentares não apenas chocou seus eleitores, mas também lançou uma sombra sobre as ambições governamentais de seu irmão, João Campos (PSB), prefeito do Recife. A pergunta que ressoa pelos corredores políticos de Pernambuco é cristalina: como o prefeito pretende se contrapor à governadora Raquel Lyra (PSD) nas eleições de 2026, quando seu próprio partido e família protagonizam o mesmo tipo de blindagem que beneficia os adversários políticos?


Pedro Campos, político do PSB pernambucano, vestido com traje formal e braços cruzados em retrato profissional
Pedro Campos, político do PSB pernambucano

A PEC da Vergonha e o voto familiar inconveniente


A aprovação da PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados, com 344 votos favoráveis contra 133 contrários, representou um dos episódios mais controversos da atual legislatura. A proposta, que restabelece regras vigentes entre 1988 e 2001, impõe que o Supremo Tribunal Federal (STF) necessite de autorização prévia do Congresso para abrir processos criminais contra parlamentares. Entre 1988 e 2001, período em que essa regra vigorou, apenas um dos 253 pedidos do STF para processar parlamentares foi aceito.


O voto de Pedro Campos a favor da medida causou revolta entre seus eleitores do Sertão do Pajeú, que lotaram suas redes sociais com críticas devastadoras. Mensagens como "Perdeu meu voto votando SIM à PEC da Blindagem" e "Confesso que foi o voto da PEC da Bandidagem que eu mais senti" demonstram o nível de decepção popular. Mais significativo ainda foi o comentário premonitório: "@joaocampos seu irmão vai acabar atrapalhando sua campanha".


João Campos em um cenário formal representando o contexto político do PSB em Pernambuco
João Campos PSB - Pernambuco 

 

A repercussão negativa do voto de Pedro Campos expõe uma contradição fundamental no discurso político da família Campos. Enquanto João Campos busca construir uma imagem de renovação política e combate aos privilégios estabelecidos, seu irmão vota para blindar parlamentares de investigações criminais. Essa incoerência familiar torna-se ainda mais problemática quando consideramos que João Campos lidera as pesquisas para governador com 55% a 57% das intenções de voto, posicionando-se como alternativa à atual governadora.


O PSB e a hipocrisia da vice-presidência


A situação torna-se ainda mais grave quando analisamos a posição do PSB no cenário nacional. O partido ocupa a vice-presidência da República com Geraldo Alckmin e integra oficialmente a base governista de Lula. No entanto, na votação da PEC da Blindagem, cinco dos seis deputados federais do PSB pernambucano votaram a favor da medida que contraria frontalmente os interesses do governo federal.


Esta contradição não é isolada. Em junho de 2025, durante a votação sobre o aumento do IOF, o PSB apresentou comportamento similar: nove deputados do partido votaram pela derrubada dos decretos do governo, enquanto apenas três mantiveram fidelidade à base governista. Dos 11 partidos com ministérios no governo Lula, 63,2% dos votos foram contrários ao governo, evidenciando o derretimento da base parlamentar.


O presidente nacional do PSB, João Campos, encontra-se em uma posição insustentável: como líder de um partido que ocupa a vice-presidência, mas cujos parlamentares sistematicamente votam contra o governo que ajudam a sustentar? Como explicar aos eleitores que, enquanto Alckmin representa o PSB no Palácio do Planalto, os deputados da legenda em Pernambuco blindam investigações que podem beneficiar opositores do governo federal?


Raquel Lyra: A Aproximação Perigosa com o Bolsonarismo


Por outro lado, a governadora Raquel Lyra também enfrenta contradições políticas significativas em sua trajetória. Após deixar o PSDB e migrar para o PSD em março de 2025, Lyra tem adotado uma postura ambígua que ora se aproxima do governo federal, ora flerta com setores bolsonaristas.


Durante seu governo, Raquel manteve o PL de Bolsonaro em sua base aliada, com indicações estratégicas como Ivaneide Dantas na Secretaria de Educação e Anselmo de Araújo Lima na Secretaria Executiva de Justiça. Esta aliança com o PL representa uma proximidade perigosa com o bolsonarismo, especialmente considerando que Pernambuco foi um dos estados que mais rejeitou Bolsonaro nas eleições de 2022, com 70% dos votos para Lula.


Governadora de Pernambuco
Governadora Raquel Lyra PSD - Pernambuco

A migração para o PSD, partido de Gilberto Kassab que tem como principais nomes os governadores Ratinho Júnior (Paraná) e Tarcísio de Freitas (São Paulo), posiciona Raquel Lyra em um campo político de centro-direita que pode lhe render dividendos eleitorais, mas também a afasta do governo federal que ela tanto buscou apoiar. Kassab deixou claro que o PSD terá candidato próprio à Presidência em 2026, contrariando os planos de Lyra de apoiar Lula.


Os números devastadores da violência em Pernambuco


Enquanto os principais candidatos ao governo estadual navegam entre contradições políticas e alianças questionáveis, Pernambuco vive uma situação de calamidade na segurança pública que expõe as fragilidades de ambas as gestões.


Os dados são alarmantes: entre janeiro e abril de 2025, foram registradas 35 mulheres mortas por feminicídio, o dobro do mesmo período do ano anterior. No primeiro semestre de 2025, 12 pessoas em situação de rua foram baleadas e mortas no Grande Recife, o maior número desde que o Instituto Fogo Cruzado iniciou o monitoramento há sete anos. Entre crianças e adolescentes, 52 pessoas com idades entre 4 e 17 anos perderam suas vidas por arma de fogo em Pernambuco.


SINPOL-PE alerta para aumento da violência na zona sul do Recife, destacando preocupações com a segurança pública em Pernambuco
SINPOL-PE alerta para aumento da violência na zona sul do Recife, destacando preocupações com a segurança pública em Pernambuco

Embora o governo estadual divulgue reduções percentuais nos índices de violência - alegando queda de 11% nas Mortes Violentas Intencionais no primeiro semestre de 2025 - a realidade nas ruas contradiz os números oficiais. O presidente da Assembleia Legislativa, Álvaro Porto (PSDB), denunciou que apenas em um fim de semana foram registrados 26 assassinatos.


A governadora Raquel Lyra, que prometeu reduzir 30% da violência armada letal até 2026, está cada vez mais distante de cumprir sua meta. Se a média atual se mantiver, 2024 fecharia com uma taxa de 43,3 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes, bem acima da meta de 26,5 estabelecida pelo governo.


João Campos: O prefeito entre o Marketing e os Problemas Reais


Por sua vez, João Campos, apesar de liderar as pesquisas eleitorais com aprovação de 80% a 82% no Recife, enfrenta questionamentos sobre a real efetividade de sua gestão municipal. O prefeito iniciou seu segundo mandato tendo que dar explicações ao Tribunal de Contas do Estado sobre um suposto superfaturamento de R$ 7,8 milhões na construção do Hospital da Criança.


  Police officers lined up next to police vehicles illustrating security presence in Pernambuco 

Além disso, João Campos é constantemente criticado por investir prioritariamente em marketing digital e promoção pessoal, sendo o "prefeito do Brasil mais seguido nas redes sociais", enquanto questões estruturais como saneamento básico e segurança pública permanecem sem soluções definitivas. Seus adversários o acusam de "investir em marketing e não enfrentar as questões urgentes da cidade".


A gestão de creches municipais também gerou controvérsias durante a campanha de 2024, com adversários apontando irregularidades nos contratos. Esta situação coloca em xeque o discurso de eficiência administrativa que João Campos pretende levar para o governo estadual.


A calamidade política: Autoritarismo disfarçado de Democracia


O cenário que se desenha em Pernambuco para 2026 é de uma disputa entre dois projetos que, cada um à sua maneira, flertam perigosamente com o autoritarismo. De um lado, temos João Campos, cujo partido sistematicamente vota contra o governo federal que afirma apoiar, e cuja família protagoniza episódios de blindagem parlamentar que contradizem o discurso de transparência.


Do outro lado, Raquel Lyra representa um projeto que se equilibra precariamente entre o apoio ao governo federal e alianças com setores bolsonaristas, em um estado que rejeitou massivamente Bolsonaro. Sua migração para o PSD, partido que já anuncia candidatura própria à Presidência contra Lula, evidencia o caráter oportunista de suas alianças políticas.


A aprovação da PEC da Blindagem, com votos decisivos tanto do PSB quanto do PSD, revela que ambos os partidos compartilham a mesma lógica corporativista que protege políticos de investigações. Esta convergência autoritária, disfarçada de debate democrático, expõe que a disputa de 2026 pode ser entre dois projetos que, fundamentalmente, defendem os mesmos privilégios estabelecidos.

 
 
 

Por: Raul Silva - Escritor, Especialista em Literatura, Jornalista e Professor.

Host do Podcast Teoria Literária.


Cena do Filme Ainda Estou Aqui - Divulgação Sony Pictures
Cena do Filme Ainda Estou Aqui - Divulgação Sony Pictures

A cultura brasileira está sob ataque, e não é de hoje. Desde que a extrema-direita bolsonarista ascendeu ao poder, em 2018, um projeto sistemático de desmonte das políticas públicas culturais ganhou força, disfarçado sob falácias econômicas, acusações ideológicas e uma retórica populista que confunde deliberadamente "elite" com "pluralidade". O objetivo é claro: silenciar as narrativas que desafiam a visão autoritária, branca e heteronormativa de Brasil que esse grupo deseja impor. Mas antes de mergulharmos nas entranhas desse projeto, preciso contextualizar uma verdade incômoda: o ódio à cultura nunca é sobre arte — é sobre controle.


Vamos começar pela falácia econômica, a mais repetida e a mais fácil de desmontar com dados concretos. A narrativa de que "investir em cultura é jogar dinheiro fora" ignora, de forma conveniente, que a Lei Rouanet — principal mecanismo de fomento cultural do país — não retira um centavo sequer do Tesouro Nacional. Ela permite que empresas destinem até 4% do Imposto de Renda devido a projetos aprovados por comissões técnicas. Em 2022, esse modelo captou R$ 1,5 bilhão, mas os críticos omitem que, para cada real investido, o setor audiovisual gerou R$ 3,20 na economia, segundo a Ancine. O filme Cidade de Deus (2002), por exemplo, recebeu R$ 18 milhões em incentivos e gerou R$ 50 milhões em retorno direto, além de transformar o Complexo do Alemão em ponto turístico internacional, criando empregos em guias locais, transporte e comércio. Enquanto isso, o Festival de Cinema de Gramado movimentou R$ 84 milhões na economia gaúcha em 2023, segundo a Fecomércio-RS, com hotéis e restaurantes lotados.


Mas a hipocrisia atinge seu ápice quando comparamos os supostos "gastos" com cultura aos subsídios bilionários destinados a outros setores. Em 2022, o agronegócio recebeu R$ 364 bilhões em incentivos fiscais e perdão de dívidas, segundo o Ministério da Economia. Isso inclui isenções para pesticidas como o glifosato — associado a câncer e destruição ambiental — e benefícios a latifundiários que desmatam ilegalmente. Enquanto a mídia bolsonarista transforma casos isolados de desvio na Rouanet (como os R$ 10 milhões da produtora Suspic em 2017) em espetáculo, ignora que, segundo o TCU, apenas 0,3% dos recursos da lei foram desviados entre 2013 e 2022. Para contrastar, o rombo da JBS no BNDES (R$ 10 bilhões em 2017) ou os R$ 33 bilhões sonegados por empresas em 2021 (Receita Federal) são tratados como "erros contábeis". A pergunta que fica é: por que um setor que emprega 1 milhão de pessoas — muitas delas jovens negros das periferias, como maquiadores, motoristas de set e técnicos de som — é chamado de "vagabundo", enquanto quem destrói biomas recebe benesses?


Cena do Filme Bacural
Cena do Filme Bacural

A segunda falácia, a ideológica, é ainda mais perversa. Acusar o Cinema Brasileiro de "doutrinação esquerdista" não apenas ignora a pluralidade da produção nacional, mas revela um projeto de censura disfarçado de moralismo. Dos 500 filmes analisados pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2020, apenas 12% abordavam temas explicitamente políticos. A maioria eram comédias como Minha Mãe É uma Peça 3 (R$ 150 milhões em bilheteria) ou dramas históricos como Getúlio (2014), que retrata Vargas sem panfletagem. Até mesmo Nada a Perder (2018), biografia de Edir Macedo financiada com R$ 30 milhões em incentivos, escapou das críticas da direita. O alvo preferencial, na verdade, são obras que dão voz a negros, indígenas, LGBTQIAPN+ e mulheres — grupos historicamente excluídos das telas. Bacurau (2019), que mostra um povoado resistindo a milicianos, foi chamado de "comunista", enquanto Marighella (2021), sobre o guerrilheiro assassinado pela ditadura, foi taxado de "lixo esquerdista". A ironia? Na ditadura, a Embrafilme (órgão estatal) produziu Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), com cenas de nudismo e críticas à moralidade burguesa, sem que ninguém a chamasse de "esquerdista".


O revisionismo histórico da extrema-direita, porém, atinge níveis surreais com produtoras como a Brasil Paralelo. Financiada por ruralistas e think tanks conservadores, essa empresa fatura R$ 40 milhões por ano (The Intercept, 2022) vendendo pacotes de streaming a R$ 997/ano, com "documentários" como 1964: O Brasil entre Armas e Livros, que distorce o golpe militar como "revolução redentora". Historiadores da USP identificaram 127 distorções factuais na trilogia Brasil: A Última Cruzada, incluindo a alegação de que a escravidão foi "benigna" no Brasil. Enquanto isso, filmes como Martírio (2016), que documenta o genocídio Guarani Kaiowá, são atacados como "vitimismo". A pergunta é: quem está doutrinando?


A falácia da "elite cultural", terceiro pilar desse ataque, é o ápice da hipocrisia. Enquanto a Brasil Paralelo vende revisionismo para classes altas em condomínios de luxo, projetos como o Cine Favela, no Complexo do Alemão, exibem Cidade de Deus e Bacurau de graça em barracões, formando cineastas como Maria Souza, 22 anos, hoje assistente de direção em novelas. Em 2023, 62% dos projetos audiovisuais financiados por editais públicos foram dirigidos por mulheres, negros ou indígenas (Ancine). Já a Brasil Paralelo, em 7 anos de existência, nunca teve uma diretora mulher ou roteirista negro, segundo seu próprio site. Ainda assim, em 2020, recebeu R$ 2,3 milhões em isenções fiscais via Lei do Audiovisual — a mesma lei que seus financiadores querem extinguir.


Cena do Filme Marighella
Cena do Filme Marighella

O verdadeiro motivo por trás desse ódio, porém, vai além da economia ou da ideologia: é medo da democracia cultural. O bolsonarismo sabe que, enquanto a arte pluralizar as narrativas, seu projeto de Brasil — um país subserviente ao agronegócio, à moralidade neopentecostal e ao capital internacional — estará ameaçado. Filmes como Medida Provisória (2022), que imagina um Brasil pós-abolição racial, ou Paloma (2023), sobre uma mulher trans no sertão, não são "lacração": são espelhos que devolvem ao povo sua própria imagem, diversa e potente. Quando jovens negros das periferias veem Cidade de Deus e percebem que suas histórias valem um filme, ou quando indígenas assistem Martírio e revivem a luta de seus ancestrais, algo perigoso acontece: a cultura vira ferramenta de emancipação.


Esse medo explica medidas como a extinção do Ministério da Cultura em 2019, os cortes de 93% no orçamento da Ancine e a tentativa de substituir a Lei Rouanet por um fundo privado controlado por bancos. É o mesmo medo que levou à queima de livros em Santa Catarina (2021) e às ameaças a professores que ensinam Guimarães Rosa. Mas a resistência persiste: em 2022, durante a ocupação do Ministério da Cultura por artistas indígenas, a cineasta Graciela Guarani declarou: "Não lutamos por dinheiro. Lutamos pelo direito de existir".


A cultura resiste porque é, antes de tudo, ato de sobrevivência. Enquanto houver um celular filmando nas favelas, um poeta declamando nos ônibus, ou um indígena registrando seus rituais ameaçados, o Brasil seguirá sendo um projeto inacabado — e é nesse inacabamento que mora a esperança. O bolsonarismo pode até censurar, mas não calará a pluralidade de vozes que, como escreveu Conceição Evaristo, "combinaram de não morrer".



 
 
 
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