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    Radar Literário
  • 26 de set.
  • 5 min de leitura

Por Raul Silva para Radar Literário d'O estopim | 26 de setembro de 2025


Publicado em 2015, "Ainda Estou Aqui", de Marcelo Rubens Paiva, subverte a definição de um simples livro de memórias para se firmar como um artefato cultural de rara potência. É, na verdade, uma obra híbrida e multifacetada que se tece com os fios da biografia íntima, do testemunho histórico, do jornalismo investigativo e do ensaio filosófico. A genialidade de Paiva está em fundir esses gêneros de forma orgânica, criando um texto que é ao mesmo tempo documento e desabafo.


Confira nossa resenha em áudio

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Justiça, memória e a luta de Eunice Paiva contra a Ditadura e o AlzheimerRadar Literário

Capa do livro - Editora Alfaguara
Capa do livro - Editora Alfaguara

No seu cerne, o livro é um poderoso e comovente tratado sobre a memória e a luta desesperada contra o seu apagamento em duas frentes simultâneas e igualmente trágicas: a batalha de uma família contra o esquecimento deliberadamente imposto por um Estado autoritário e a batalha de um filho contra a dissolução da identidade de sua mãe pela névoa impiedosa do Alzheimer. Essas duas batalhas não correm em paralelo; elas se entrelaçam, dialogam e se espelham, mostrando que o esquecimento, seja ele forçado pela violência política ou pela falha da biologia, é sempre uma forma de aniquilamento.


A narrativa se constrói sobre um pilar duplo de perdas, erguendo um monumento à resiliência humana. De um lado, acompanhamos a saga incansável de Eunice Paiva, mãe do autor, em busca da verdade sobre o destino de seu marido, o deputado Rubens Paiva. Figura política proeminente e cassada pelo regime, ele foi sequestrado, torturado e assassinado por agentes da ditadura militar brasileira em 1971, tornando-se um dos mais emblemáticos "desaparecidos políticos" do país.


Por mais de quatro décadas, Eunice enfrentou a burocracia kafkiana, o silêncio cúmplice e a negação sistemática das Forças Armadas. Ela transformou seu luto pessoal em uma bandeira política, convertendo a dor da ausência em ação incessante pela memória e pela justiça. Sua luta não era apenas por um corpo para enterrar, mas pelo direito à verdade, tornando-se a personificação da resistência contra o projeto de esquecimento histórico que, sob o pretexto de uma "reconciliação", tentou varrer para debaixo do tapete os crimes e as feridas abertas do regime.


Em um espelhamento cruel e paradoxal do destino, enquanto Eunice luta para que a memória de seu marido não seja apagada da história do Brasil, seu filho, Marcelo, trava uma batalha inversa e igualmente dolorosa: ele luta para preservar as memórias de sua mãe, que começam a ser implacavelmente roubadas pelo Mal de Alzheimer.


Eunice Paiva e Rubens Paiva - Foto: Acervo pessoal da família Paiva
Eunice Paiva e Rubens Paiva - Foto: Acervo pessoal da família Paiva

A sobreposição dessas duas jornadas é o que confere ao livro sua força avassaladora e seu impacto universal. Paiva narra com uma honestidade brutal, que não poupa o leitor dos detalhes mais crus da degenerescência, e, ao mesmo tempo, com uma ternura infinita, o processo de desintegração cognitiva de Eunice. Ele descreve a perda progressiva das palavras, dos nomes dos filhos, dos rostos familiares e, por fim, da própria noção de si. Ele documenta não a morte física de sua mãe, mas a dolorosa metamorfose de uma das mentes mais brilhantes e ativas de sua geração — uma advogada combativa, uma mãe presente — em uma sombra de si mesma, presa em um labririnto interior. A crueza dessa descrição serve a um propósito maior: o de mostrar que a perda da memória é uma forma de desaparecimento em vida.


A genialidade da estrutura narrativa de Paiva reside em sua recusa a uma cronologia linear, optando por uma abordagem que reflete a própria desordem da memória. O livro é um mosaico, uma colagem de fragmentos que espelha a natureza caótica do trauma e do esquecimento. Capítulos que funcionam como um diário íntimo sobre o avanço da doença e os desafios práticos e emocionais do cuidado são intercalados com flashbacks vívidos da infância do autor, transcrições de documentos oficiais da Comissão da Verdade, cartas pessoais, reportagens da época e trechos da minuciosa investigação sobre o sequestro e assassinato de Rubens Paiva.


Essa polifonia de vozes e textos cria uma experiência de leitura imersiva e, por vezes, sufocante. Ao saltar de um laudo pericial frio para uma lembrança afetuosa, Paiva coloca o leitor diretamente no centro do caos emocional e histórico vivido pela família. Essa desorientação temporal, portanto, é uma escolha estética e política: ela não apenas espelha a mente fragmentada de Eunice, mas emula a própria memória fraturada de uma nação que ainda luta para montar o quebra-cabeça de seu passado.


Eunice Paiva, acompanhada do filho Marcelo Rubens Paiva, recebe a certidão de óbito de Rubens Paiva, seu marido desaparecido desde 1971 - Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress
Eunice Paiva, acompanhada do filho Marcelo Rubens Paiva, recebe a certidão de óbito de Rubens Paiva, seu marido desaparecido desde 1971 - Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

No centro de tudo, e a cada página, emerge a figura monumental de Eunice Paiva. O livro é, antes de mais nada, uma eloquente carta de amor e uma homenagem à sua força inabalável. Longe de ser retratada apenas como vítima passiva da história ou da doença, ela é a protagonista resiliente, uma mulher que, mesmo diante das maiores dores que um ser humano pode suportar — a perda do marido e a perda de si mesma —, se recusou a ser silenciada.


Advogada, mãe de cinco filhos, ela se tornou um símbolo de dignidade e coragem, não só para sua família, mas para inúmeras outras que passaram pela mesma tragédia do desaparecimento forçado. Ao registrar meticulosamente a história de sua mãe, da sua lucidez combativa à sua vulnerabilidade final, Marcelo cumpre a promessa contida no título: "Ainda Estou Aqui". Ele se torna a memória viva dela, o guardião de sua história e de sua luta, garantindo que nem a brutalidade da ditadura nem a crueldade da doença tenham a palavra final sobre quem foi Eunice Paiva.


"Ainda Estou Aqui" é, portanto, uma obra de importância capital, cuja relevância só cresce com o tempo. É um documento de denúncia que humaniza as estatísticas da ditadura, dando nome, rosto, história e uma complexidade de sentimentos a uma de suas vítimas e à família que foi permanentemente marcada pela violência de Estado. Mais do que isso, é uma reflexão universal sobre o amor filial, o luto, a identidade e a própria essência do que nos torna humanos.


Ao justapor a perda da memória coletiva e da memória individual, Marcelo Rubens Paiva nos força a confrontar o quão essencial e ativo é o ato de lembrar — para uma pessoa, para uma família e para uma nação inteira. Não é um livro fácil, mas profundamente necessário. É um testamento inesquecível que afirma, com clareza cortante, que o antídoto contra o desaparecimento — seja ele imposto por um regime ou por uma doença — é o ato de contar a história.


"Ainda estou aqui" tem sido destaque na imprensa nacional e estrangeira. Foto: reprodução.
"Ainda estou aqui" tem sido destaque na imprensa nacional e estrangeira. Foto: reprodução.

O eco dessa verdade literária encontrou sua mais potente caixa de ressonância na adaptação cinematográfica homônima dirigida por Walter Salles. O filme não apenas traduziu com maestria a complexidade da obra para as telas, mas amplificou sua mensagem a uma escala global, um fenômeno coroado com o histórico Oscar de Melhor Filme Internacional em março de 2025. Sete meses depois, o impacto do filme não diminuiu; pelo contrário, ele continua a acumular prêmios nos mais prestigiados festivais ao redor do mundo, de Cannes a Veneza.


Essa aclamação contínua demonstra que a história de Eunice Paiva transcendeu seu contexto brasileiro para se tornar um símbolo universal da luta por justiça e memória. O sucesso duradouro do filme potencializa a força da narrativa original, provando que a luta contra o esquecimento é uma pauta urgente e global. Cada novo prêmio não é apenas um reconhecimento artístico para Salles e sua equipe, mas uma vitória para a memória histórica, um lembrete contundente de que, enquanto houver quem conte essas histórias, as vozes silenciadas continuarão a ecoar.


Recentemente Raul Silva fez uma resenha especial para o quadro Literatura de Primeira na Rádio Itapuama FM confiram aqui:


 
 
 

Por: Raul Silva - Escritor, Especialista em Literatura, Jornalista e Professor.

Host do Podcast Teoria Literária.


Cena do Filme Ainda Estou Aqui - Divulgação Sony Pictures
Cena do Filme Ainda Estou Aqui - Divulgação Sony Pictures

A cultura brasileira está sob ataque, e não é de hoje. Desde que a extrema-direita bolsonarista ascendeu ao poder, em 2018, um projeto sistemático de desmonte das políticas públicas culturais ganhou força, disfarçado sob falácias econômicas, acusações ideológicas e uma retórica populista que confunde deliberadamente "elite" com "pluralidade". O objetivo é claro: silenciar as narrativas que desafiam a visão autoritária, branca e heteronormativa de Brasil que esse grupo deseja impor. Mas antes de mergulharmos nas entranhas desse projeto, preciso contextualizar uma verdade incômoda: o ódio à cultura nunca é sobre arte — é sobre controle.


Vamos começar pela falácia econômica, a mais repetida e a mais fácil de desmontar com dados concretos. A narrativa de que "investir em cultura é jogar dinheiro fora" ignora, de forma conveniente, que a Lei Rouanet — principal mecanismo de fomento cultural do país — não retira um centavo sequer do Tesouro Nacional. Ela permite que empresas destinem até 4% do Imposto de Renda devido a projetos aprovados por comissões técnicas. Em 2022, esse modelo captou R$ 1,5 bilhão, mas os críticos omitem que, para cada real investido, o setor audiovisual gerou R$ 3,20 na economia, segundo a Ancine. O filme Cidade de Deus (2002), por exemplo, recebeu R$ 18 milhões em incentivos e gerou R$ 50 milhões em retorno direto, além de transformar o Complexo do Alemão em ponto turístico internacional, criando empregos em guias locais, transporte e comércio. Enquanto isso, o Festival de Cinema de Gramado movimentou R$ 84 milhões na economia gaúcha em 2023, segundo a Fecomércio-RS, com hotéis e restaurantes lotados.


Mas a hipocrisia atinge seu ápice quando comparamos os supostos "gastos" com cultura aos subsídios bilionários destinados a outros setores. Em 2022, o agronegócio recebeu R$ 364 bilhões em incentivos fiscais e perdão de dívidas, segundo o Ministério da Economia. Isso inclui isenções para pesticidas como o glifosato — associado a câncer e destruição ambiental — e benefícios a latifundiários que desmatam ilegalmente. Enquanto a mídia bolsonarista transforma casos isolados de desvio na Rouanet (como os R$ 10 milhões da produtora Suspic em 2017) em espetáculo, ignora que, segundo o TCU, apenas 0,3% dos recursos da lei foram desviados entre 2013 e 2022. Para contrastar, o rombo da JBS no BNDES (R$ 10 bilhões em 2017) ou os R$ 33 bilhões sonegados por empresas em 2021 (Receita Federal) são tratados como "erros contábeis". A pergunta que fica é: por que um setor que emprega 1 milhão de pessoas — muitas delas jovens negros das periferias, como maquiadores, motoristas de set e técnicos de som — é chamado de "vagabundo", enquanto quem destrói biomas recebe benesses?


Cena do Filme Bacural
Cena do Filme Bacural

A segunda falácia, a ideológica, é ainda mais perversa. Acusar o Cinema Brasileiro de "doutrinação esquerdista" não apenas ignora a pluralidade da produção nacional, mas revela um projeto de censura disfarçado de moralismo. Dos 500 filmes analisados pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2020, apenas 12% abordavam temas explicitamente políticos. A maioria eram comédias como Minha Mãe É uma Peça 3 (R$ 150 milhões em bilheteria) ou dramas históricos como Getúlio (2014), que retrata Vargas sem panfletagem. Até mesmo Nada a Perder (2018), biografia de Edir Macedo financiada com R$ 30 milhões em incentivos, escapou das críticas da direita. O alvo preferencial, na verdade, são obras que dão voz a negros, indígenas, LGBTQIAPN+ e mulheres — grupos historicamente excluídos das telas. Bacurau (2019), que mostra um povoado resistindo a milicianos, foi chamado de "comunista", enquanto Marighella (2021), sobre o guerrilheiro assassinado pela ditadura, foi taxado de "lixo esquerdista". A ironia? Na ditadura, a Embrafilme (órgão estatal) produziu Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), com cenas de nudismo e críticas à moralidade burguesa, sem que ninguém a chamasse de "esquerdista".


O revisionismo histórico da extrema-direita, porém, atinge níveis surreais com produtoras como a Brasil Paralelo. Financiada por ruralistas e think tanks conservadores, essa empresa fatura R$ 40 milhões por ano (The Intercept, 2022) vendendo pacotes de streaming a R$ 997/ano, com "documentários" como 1964: O Brasil entre Armas e Livros, que distorce o golpe militar como "revolução redentora". Historiadores da USP identificaram 127 distorções factuais na trilogia Brasil: A Última Cruzada, incluindo a alegação de que a escravidão foi "benigna" no Brasil. Enquanto isso, filmes como Martírio (2016), que documenta o genocídio Guarani Kaiowá, são atacados como "vitimismo". A pergunta é: quem está doutrinando?


A falácia da "elite cultural", terceiro pilar desse ataque, é o ápice da hipocrisia. Enquanto a Brasil Paralelo vende revisionismo para classes altas em condomínios de luxo, projetos como o Cine Favela, no Complexo do Alemão, exibem Cidade de Deus e Bacurau de graça em barracões, formando cineastas como Maria Souza, 22 anos, hoje assistente de direção em novelas. Em 2023, 62% dos projetos audiovisuais financiados por editais públicos foram dirigidos por mulheres, negros ou indígenas (Ancine). Já a Brasil Paralelo, em 7 anos de existência, nunca teve uma diretora mulher ou roteirista negro, segundo seu próprio site. Ainda assim, em 2020, recebeu R$ 2,3 milhões em isenções fiscais via Lei do Audiovisual — a mesma lei que seus financiadores querem extinguir.


Cena do Filme Marighella
Cena do Filme Marighella

O verdadeiro motivo por trás desse ódio, porém, vai além da economia ou da ideologia: é medo da democracia cultural. O bolsonarismo sabe que, enquanto a arte pluralizar as narrativas, seu projeto de Brasil — um país subserviente ao agronegócio, à moralidade neopentecostal e ao capital internacional — estará ameaçado. Filmes como Medida Provisória (2022), que imagina um Brasil pós-abolição racial, ou Paloma (2023), sobre uma mulher trans no sertão, não são "lacração": são espelhos que devolvem ao povo sua própria imagem, diversa e potente. Quando jovens negros das periferias veem Cidade de Deus e percebem que suas histórias valem um filme, ou quando indígenas assistem Martírio e revivem a luta de seus ancestrais, algo perigoso acontece: a cultura vira ferramenta de emancipação.


Esse medo explica medidas como a extinção do Ministério da Cultura em 2019, os cortes de 93% no orçamento da Ancine e a tentativa de substituir a Lei Rouanet por um fundo privado controlado por bancos. É o mesmo medo que levou à queima de livros em Santa Catarina (2021) e às ameaças a professores que ensinam Guimarães Rosa. Mas a resistência persiste: em 2022, durante a ocupação do Ministério da Cultura por artistas indígenas, a cineasta Graciela Guarani declarou: "Não lutamos por dinheiro. Lutamos pelo direito de existir".


A cultura resiste porque é, antes de tudo, ato de sobrevivência. Enquanto houver um celular filmando nas favelas, um poeta declamando nos ônibus, ou um indígena registrando seus rituais ameaçados, o Brasil seguirá sendo um projeto inacabado — e é nesse inacabamento que mora a esperança. O bolsonarismo pode até censurar, mas não calará a pluralidade de vozes que, como escreveu Conceição Evaristo, "combinaram de não morrer".



 
 
 

Por: Raul G. M. Silva, Teoria Literária.


A noite do Globo de Ouro 2025 ficará marcada para sempre na história da dramaturgia brasileira. Foi uma ocasião em que o talento, a memória e a verdade triunfaram em um dos maiores palcos da arte cinematográfica mundial. Fernanda Torres, uma das mais icônicas e versáteis atrizes brasileiras, conquistou o prêmio de Melhor Atriz em Filme Dramático por sua interpretação monumental em Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. A vitória de Torres, em uma categoria tradicionalmente dominada por nomes consagrados de Hollywood, como Cate Blanchett e Saoirse Ronan, simboliza um marco não apenas para sua carreira brilhante, mas para o reconhecimento internacional do cinema brasileiro e de sua capacidade de contar histórias universais com raízes profundamente locais.


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Fernanda Torres é uma artista que transcende as barreiras do tempo e dos gêneros. Desde seu papel premiado no Festival de Cannes em 1986, com Eu Sei que Vou te Amar, até suas interpretações memoráveis em séries como Tapas & Beijos e peças teatrais que desafiam convenções, sua trajetória é marcada por escolhas ousadas e pela profundidade de seus personagens. Com Ainda Estou Aqui, Torres alcançou um novo ápice artístico. No filme, ela interpreta Eunice Paiva, uma mulher que revisita seu passado e enfrenta os traumas de uma história familiar entrelaçada aos horrores da ditadura militar brasileira. A interpretação de Torres é visceral, marcada por um realismo emocional que transcende a tela, conectando o público às dores e às verdades de um período que ainda reverbera na sociedade brasileira.


Dirigido por Walter Salles, cineasta de renome internacional conhecido por obras como Central do Brasil e Diários de Motocicleta, Ainda Estou Aqui adapta com maestria o livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva. O texto original é uma mistura pungente de memória e investigação histórica, expondo com detalhes pessoais e políticos o desaparecimento do pai do autor, Rubens Paiva, vítima das atrocidades cometidas pela ditadura militar brasileira. Salles, com sua sensibilidade e talento para transformar narrativas íntimas em reflexões universais, amplia a dimensão emocional e visual da obra literária, sem perder a essência de denúncia que permeia o livro. Sua direção cria uma atmosfera em que o íntimo e o histórico coexistem de forma poderosa, dando a Fernanda Torres a base ideal para entregar uma das atuações mais impactantes de sua carreira.


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A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro é carregada de significados. Em um contexto político e social em que a extrema-direita brasileira, impulsionada pelo bolsonarismo, tentou reescrever a história, negando crimes da ditadura militar e glorificando torturadores, o reconhecimento internacional de uma obra que confronta diretamente esses revisionismos é um ato de resistência. Nos últimos anos, vimos um esforço deliberado para descredibilizar narrativas como as de Marcelo Rubens Paiva, taxando-as de mentiras ou exageros. Nesse cenário, a aclamação de Ainda Estou Aqui e a premiação de Torres representam não apenas uma vitória artística, mas também um posicionamento político, reafirmando o compromisso do cinema como ferramenta de memória e verdade.


Esse prêmio coloca o cinema brasileiro novamente em destaque no cenário global, consolidando uma trajetória de conquistas recentes que inclui produções como Bacurau e Que Horas Ela Volta?. No entanto, a vitória de Fernanda Torres em uma categoria tão prestigiada como Melhor Atriz em Filme Dramático eleva essa presença a um novo patamar. Ela demonstra que nossas histórias, por mais locais que sejam, têm o poder de ressoar universalmente, tocando plateias ao redor do mundo e abrindo portas para futuras gerações de cineastas e artistas brasileiros.


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A performance de Fernanda Torres em Ainda Estou Aqui não é apenas tecnicamente impecável; é profundamente simbólica. Sua Eunice não é apenas uma personagem, mas um veículo para as dores, os traumas e as injustiças de toda uma geração. Torres consegue transmitir, em cada olhar, gesto e silêncio, a angústia de quem perdeu e de quem busca incessantemente por respostas. Sua entrega emocional é tamanha que torna impossível para o espectador não ser impactado. Não à toa, sua vitória no Globo de Ouro foi recebida com aplausos calorosos e emocionados, sinalizando um reconhecimento global de sua arte e de sua importância para o cinema contemporâneo.


Com essa conquista, as expectativas para o Oscar 2025 aumentam consideravelmente. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas tem mostrado, nos últimos anos, maior abertura para narrativas globais e diversificadas, e Ainda Estou Aqui possui todos os elementos para se destacar. Além de Fernanda Torres ser uma forte candidata na categoria de Melhor Atriz, o filme de Walter Salles pode ser indicado em outras categorias, como Melhor Filme Internacional, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado. A temática do filme, que aborda a luta pela memória e pela justiça, é mais relevante do que nunca, especialmente em um momento global de crescente autoritarismo e polarização política. A mensagem de Ainda Estou Aqui transcende fronteiras, conectando-se com plateias de diferentes países e contextos.


A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro e o reconhecimento de Ainda Estou Aqui são mais do que celebrações artísticas; são afirmações da importância de preservar a história, de confrontar verdades dolorosas e de usar a arte como uma ferramenta de transformação social. Para o Brasil, é uma oportunidade de reafirmar sua posição no mapa do cinema mundial, mostrando que temos histórias urgentes e talentos extraordinários. Para Fernanda Torres, é a coroação de uma carreira brilhante e a prova de que sua arte continua tão relevante e impactante quanto sempre foi. Em fevereiro, no Oscar, o Brasil pode escrever mais um capítulo dessa história. Mas, independentemente do que acontecer, a vitória de Torres já é um marco que ficará para sempre na memória do cinema brasileiro e mundial.



 
 
 
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