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Por Raul Silva para o Radar Literário


No coração pulsante do Recife, entre o burburinho urbano e o ritmo acelerado da vida moderna, uma tradição literária resiste ao tempo: os livreiros de calçada. Esses guardiões da cultura transformam as ruas centrais da cidade em verdadeiras bibliotecas a céu aberto, oferecendo aos transeuntes a oportunidade de descobrir tesouros literários em meio ao cotidiano agitado. Há mais de meio século, as calçadas da Avenida Guararapes e arredores abrigam bancas de livros usados, cuidadosamente organizadas por livreiros dedicados. Atualmente, cerca de 20 profissionais, em sua maioria homens, mantêm viva essa tradição, enfrentando desafios impostos pela modernidade e pelas mudanças nos hábitos de consumo.


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Entre os livreiros mais antigos está Oliveiros Souza, conhecido como seu Souza, de 72 anos, dos quais 50 são dedicados à venda de livros. Há mais de três décadas, ele ocupa a calçada de um prédio histórico no centro do Recife, onde, de segunda a sábado, oferece uma vasta seleção de obras aos passantes. "Nunca larguei os livros, porque sempre gostei de ler, já li muita coisa boa, muitos autores bons", afirma seu Souza, destacando a paixão que o mantém na profissão. A chegada da tecnologia e a popularização dos dispositivos digitais impactaram as vendas, mas não abalaram o compromisso desses livreiros com a difusão da leitura. "Depois que a tecnologia avançou, veio o celular, veio o computador, aí diminuíram as vendas. A gente já teve ocasiões de vender muitos livros aqui, anteriormente, sabe? Agora, a gente vende mais devagar. Mas sempre vende, porque quem gosta de livro não quer saber de outra coisa", reforça seu Souza.


A tradição dos livreiros de calçada também se renova com iniciativas como a de Elizeu Espíndola, educador social de 47 anos, que criou o Seborreia Recife em 2018. Diferente dos modelos tradicionais, o Seborreia atua de forma itinerante, realizando intervenções culturais literárias pela cidade e adaptando-se às circunstâncias impostas pela pandemia, com uma presença significativa no ambiente virtual. "Para mim, o sebo guarda uma semelhança com os ambulantes, com o comércio de rua, e tá dentro de uma particularidade que eu chamo de agentes culturais do asfalto", explica Elizeu, ressaltando a importância desses trabalhadores para o desenvolvimento cultural urbano.


Um dos pontos mais emblemáticos dessa tradição é a chamada Praça do Sebo, que há mais de 40 anos pulsa com cultura e história no coração do Recife. Localizada na Rua da Roda, no bairro de Santo Antônio, a praça abriga diversos sebistas que oferecem uma variedade de livros, desde didáticos até obras raras. "Tem variedade, porque tem livros didáticos, paradidáticos, tem livros de nível superior. Eu mesmo estou sempre procurando coisas que me interessem por aqui", comenta Marcelo Wilson dos Santos, técnico de enfermagem e frequentador assíduo do local. Para celebrar o aniversário de 40 anos, os livreiros fizeram um requerimento à Câmara dos Vereadores do Recife para que a praça receba o nome do escritor pernambucano Liêdo Maranhão, frequentador do local e defensor da cultura popular. "Ele sempre vinha aqui, era: 'Augusto, Augusto'. Me tratava muito bem, e ele divulgava: 'quer algum livro, meu livro, vá lá em Augusto, Augusto tem'", relembra Severino Augusto, o mais antigo livreiro da praça.


Apesar da rica história e da importância cultural, os livreiros de calçada enfrentam desafios significativos, como a falta de infraestrutura adequada, segurança e divulgação. "Tem gente que passa e não conhece. Tem gente que: 'mas, rapaz, não sabia que tinha isso aqui não'. E já tem 40 anos. A gente precisa muito disso, mais atenção da Prefeitura, de reforma, de mais segurança", apela Augusto, evidenciando a necessidade de políticas públicas que valorizem e preservem esses espaços. A resiliência dos livreiros de calçada do Recife é um testemunho vivo da paixão pela literatura e da importância da cultura na vida urbana. Seus esforços contínuos não apenas mantêm viva uma tradição, mas também oferecem à comunidade um acesso democrático ao conhecimento, transformando as ruas da cidade em corredores literários que inspiram e educam gerações.


Em um mundo cada vez mais digital, a presença física desses livreiros e de suas bancas de calçada serve como um lembrete tangível do valor insubstituível do livro físico e do contato humano na difusão da cultura. Eles são, sem dúvida, guardadores de histórias que, dia após dia, revitalizam o centro do Recife com páginas que narram o passado, interpretam o presente e imaginam o futuro.


 
 
 
  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • 17 de ago. de 2024
  • 3 min de leitura

Por: Raul Silva

- Professor de Língua Portuguesa, Colunista do Teoria Literária, Especialista em Literatura, Estudante de Jornalismo e Apresentador do podcast Teoria Literária.


Ariano Suassuna, um dos maiores expoentes da literatura e cultura brasileira, sempre foi um incansável defensor do legado cultural pernambucano.


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Ele não apenas deixou sua marca em obras memoráveis, mas também foi celebrado oficialmente no dia 17 de agosto de 2014, quando a Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) o declarou Patrono da Cultura Pernambucana. Esta homenagem é uma prova da imensa contribuição de Suassuna para a preservação e promoção da identidade cultural do estado.


Nascido em 16 de junho de 1927, na cidade de João Pessoa, Paraíba, Suassuna escolheu Pernambuco como sua casa e ponto de criação artística. Sua obra literária e trajetória pessoal sempre buscaram destacar as tradições do Nordeste, com ênfase no folclore, nas histórias populares e na cultura oral. Sua peça mais celebrada, O Auto da Compadecida, não apenas revolucionou o teatro brasileiro, mas, como ele mesmo afirmou, é uma “defesa do homem nordestino, suas lutas e sua fé”. Através dessa obra, Suassuna mergulha nas raízes culturais da região, dando visibilidade ao sertanejo e ao seu imaginário.


O reconhecimento da ALEPE veio em um momento simbólico, pois a data de 17 de agosto tornou-se um marco não só para Pernambuco, mas para todos os que valorizam a cultura nordestina. Como ressaltou o estudioso Durval Muniz de Albuquerque Júnior:


“Suassuna sempre conseguiu transitar entre a erudição e o popular com maestria, sem nunca perder de vista a necessidade de tornar a cultura acessível ao povo”.

Além de ser um renomado escritor, Suassuna foi um grande ativista pela educação e pela valorização da cultura popular. Ele lutou para que as tradições regionais fossem ensinadas nas escolas e defendia que “o povo deve conhecer sua própria história e valorizar suas origens”. Seus textos misturam o teatro de cordel, a literatura popular e elementos clássicos, criando um estilo único. Como bem observou o crítico literário Antônio Cândido:

“Suassuna é o grande tradutor da alma nordestina, unindo o trágico ao cômico, o popular ao erudito, de maneira magistral.”

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A declaração de Suassuna como Patrono da Cultura Pernambucana vai além de uma homenagem. Ela serve como um lembrete constante da importância de preservar nossas raízes culturais em um mundo cada vez mais globalizado, onde, como ele mesmo afirmou, “as tradições correm o risco de desaparecer se não forem defendidas”. Para Suassuna, a cultura era o que definia uma sociedade, e foi através dela que ele ajudou a recriar histórias e valores que conectam gerações.


Em sua obra, ele imortalizou a essência do povo nordestino, como se observa na peça O Santo e a Porca, onde o humor e a sabedoria popular se misturam à crítica social. Ariano Suassuna acreditava que “a cultura popular é a chave para entendermos quem somos”, e essa crença está enraizada em tudo o que produziu.


Neste 17 de agosto, ao celebrarmos Ariano Suassuna, celebramos também a literatura, a música, a dança e, acima de tudo, a oralidade tão querida por ele. Como bem disse sua filha, Mariana Suassuna:

“meu pai via na cultura do povo uma força transformadora, capaz de unir gerações e de perpetuar o que há de mais belo em nossa história”. 

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Pernambuco, com sua vasta tradição cultural, reflete em cada canto a influência de Suassuna. Ao ser declarado Patrono da Cultura Pernambucana, a ALEPE reafirma o compromisso de preservar esse patrimônio, reconhecendo que a cultura é um bem coletivo. Suassuna deixou um legado que ultrapassa a literatura, alcançando artistas, escritores e intelectuais que seguem inspirados por sua visão.


Que o dia 17 de agosto seja, para sempre, um símbolo da resistência cultural nordestina, onde, como ele próprio dizia, “as vozes do povo sejam sempre ouvidas e celebradas”.


Celebrar Ariano Suassuna é celebrar a identidade cultural do Brasil, a força das narrativas populares e a beleza eterna das tradições nordestinas, que, como em suas palavras, “são a alma vibrante e eterna de nossa nação”.

 
 
 
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