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O banimento permanente do perfil de Jeferson Tenório no Instagram representa mais que uma simples "moderação de conteúdo". É o ápice de uma perseguição sistemática de quatro anos contra um dos mais importantes escritores brasileiros contemporâneos, cujo único "crime" foi escrever sobre racismo estrutural e violência policial no Brasil.


Capa do livro 'O Avesso da Pele', de Jefferson Tenório, retratando um homem negro se preparando para mergulhar, simbolizando temas explorados no romance
Capa do livro 'O Avesso da Pele', de Jefferson Tenório, retratando um homem negro se preparando para mergulhar, simbolizando temas explorados no romance

A perseguição a Jeferson Tenório começou em 2021, quando "O Avesso da Pele" ganhou o prestigioso Prêmio Jabuti na categoria romance literário. O reconhecimento, longe de protegê-lo, o transformou em alvo prioritário da extrema direita brasileira. As primeiras ameaças chegaram após ele escrever sobre Paulo Freire em sua coluna no jornal Zero Hora. Mas foi em 2022 que a violência digital escalou dramaticamente. Após anunciar uma palestra em uma escola de Salvador, Tenório recebeu ameaças de morte explícitas através do Instagram. O usuário anônimo @estudante_anonimo123 enviou mensagens dizendo que ele teria seu "CPF cancelado" caso comparecesse ao evento. "Eh mlhr vc meter o pé e sair do país. Se nn vc tá fudido irmão", dizia a mensagem. As ameaças foram tão específicas e credíveis que a escola optou por realizar o encontro virtualmente, reconhecendo sua incapacidade de garantir a segurança física do escritor. Tenório registrou boletins de ocorrência, mas as ameaças continuaram após a palestra.


O ano de 2024 marcou uma escalada qualitativa na perseguição quando múltiplas secretarias estaduais de educação - Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul - coordenaram ações para remover "O Avesso da Pele" das bibliotecas escolares. A justificativa oficial era sempre a mesma: "expressões impróprias para menores de 18 anos". Mas a hipocrisia era gritante. Como observou sarcasticamente o próprio Tenório: "O mais curioso é que as palavras de 'baixo calão' e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras". A diretora Janaina Venzon, da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira (RS), foi particularmente explícita em seu racismo estrutural. Em vídeo que depois apagou, ela declarou: "Lamentável o Governo Federal através do MEC adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível".


O banimento definitivo do perfil de Tenório no Instagram, ocorrido no início de junho de 2025, seguiu um padrão familiar: censura silenciosa, sem justificativa específica, sem direito de defesa. O escritor, que havia construído um diálogo direto com 80 mil seguidores, descobriu-se digitalmente aniquilado da noite para o dia. "No primeiro momento, achei que a minha conta havia sido hackeado, mas depois veio a confirmação de que o meu perfil foi banido pela empresa Meta sob a alegação de que não se enquadrava nas diretrizes da plataforma", relatou Tenório. Nenhuma explicação adicional foi fornecida.


A recusa sistemática da Meta em responder questionamentos sobre o banimento revela uma estratégia deliberada de censura por desgaste. Múltiplos veículos de imprensa - UOL, Estadão, G1, CNN Brasil - contataram a empresa. Nenhum recebeu resposta. Este silêncio não é passividade; é política ativa. Ao recusar-se a justificar suas decisões, a Meta transforma cada banimento em um ato de soberania corporativa absoluta, onde não há instância de recurso, transparência ou prestação de contas. A coincidência temporal entre o banimento de Tenório e casos similares - Jones Manoel, Manuela d'Ávila, diversos perfis progressistas - expõe o caráter sistêmico e coordenado desta operação de limpeza ideológica. Particularmente revelador é o timing: faltando pouco mais de um ano para as eleições de 2026, quando o debate sobre racismo, educação e violência policial - temas centrais da obra de Tenório - tende a se intensificar. Como ele próprio observou: "faltando um ano para as eleições no Brasil, uma eleição que promete ser bastante difícil, acho que tem um envolvimento político também".


Tenório revelou um detalhe crucial: dias antes do banimento, ele havia publicado uma crítica comparando Bolsonaro a Trump. Pouco depois, sua conta sofreu o que ele suspeita ter sido um "ataque em massa" - técnica onde grupos organizados reportam simultaneamente um perfil para forçar sua suspensão automática. Esta weaponização dos próprios mecanismos de moderação da Meta representa uma sofisticação táctica da extrema direita digital. Eles não apenas produzem ameaças diretas, mas manipulam os algoritmos para que a própria plataforma execute a censura, criando uma aparência de neutralidade técnica. "Se for isso que aconteceu comigo mostra que há uma grande falha na Meta de não conseguir fazer esse tipo de avaliação", observou Tenório. Mas esta "falha" pode ser, na verdade, uma feature funcionando perfeitamente conforme o design corporativo.


A obra de Tenório não é atacada por acaso. "O Avesso da Pele" narra a história de Pedro, jovem negro cujo pai professor foi assassinado por policiais que o confundiram com um bandido. É uma denúncia literária do genocídio da população negra brasileira através da violência estatal. O romance expõe três pilares do projeto político da extrema direita brasileira: o racismo estrutural, a brutalidade policial e a precariedade educacional como instrumentos de controle social. Por isso, atacar Tenório é atacar uma cosmovisão antirracista que ameaça as bases ideológicas do conservadorismo brasileiro. A capitulação das secretarias estaduais em 2024 revelou como instituições públicas podem ser instrumentalizadas para executar a agenda censória da extrema direita. O fato de que "O Avesso da Pele" faz parte do PNLD - programa federal que aprovou a obra após rigorosa avaliação técnica - não impediu governadores de desautorizar unilateralmente decisões pedagógicas. Esta hierarquização política sobre critérios técnicos representa um golpe na autonomia educacional e um precedente autoritário perigoso.


A campanha de solidariedade a Tenório conseguiu mobilizar personalidades como Chico Buarque e Drauzio Varela, além de mais de 6.400 assinaturas em um abaixo-assinado contra a censura. A Companhia das Letras, sua editora, emitiu notas de repúdio e acionou a Justiça contra as tentativas de censura. Contudo, esta resistência liberal tem limitações estruturais. Enquanto se concentra na defesa da liberdade de expressão em abstrato, evita confrontar diretamente o caráter racial e classista da censura. A branquitude intelectual progressista solidariza-se com Tenório, mas evita radicalizar o debate sobre como racismo e censura são fenômenos indissociáveis.


O banimento de Tenório no Instagram representa prejuízo econômico direto e mensurável. Como escritor contemporâneo, ele dependia da plataforma para divulgar agenda de palestras, lançamentos de livros e interação com leitores. A redução drástica de alcance - de 80 mil para 3,2 mil seguidores - equivale a uma amputação digital de sua capacidade de subsistência profissional. Seus advogados do escritório FFM são explícitos: "a exclusão arbitrária reduz drasticamente o alcance do trabalho de Tenório, prejudicando sua atuação como escritor, educador e figura pública". Esta é a violência econômica da censura digital: destruir meios de subsistência de intelectuais dissidentes.


O silêncio sistemático da Meta diante das ameaças de morte que Tenório recebeu através de sua própria plataforma revela uma cumplicidade ativa com a violência racista. A empresa que censurou imediatamente uma conta que denuncia racismo foi a mesma que protegeu contas que promovem racismo. Esta seletividade não é acidental, mas estrutural. A Meta opera como um mecanismo de apartheid digital, onde vozes negras críticas são sistematicamente silenciadas enquanto discursos supremacistas circulam livremente. A recente guinada explícita da Meta - encerrando a checagem de fatos, afrouxando regras contra discursos de ódio, nomeando republicanos para cargos-chave - institucionaliza o que já era prática clandestina. O caso Tenório demonstra que essa virada à direita não começou em 2025, mas vinha sendo testada e refinada há anos através de experimentos de censura seletiva.


O caso Jeferson Tenório expõe a brutal realidade do apartheid digital brasileiro: escritores negros que denunciam o racismo são sistematicamente perseguidos, censurados e economicamente estrangulados por uma aliança entre extrema direita política, instituições públicas cooptadas e corporações tecnológicas globais. Não se trata de um caso isolado, mas de uma operação coordenada de silenciamento que combina ameaças físicas, censura institucional e aniquilação digital. O sucesso desta perseguição - Tenório permanece banido enquanto seus perseguidores operam livremente - demonstra a eficácia desta nova forma de controle social. A luta pela reativação do perfil de Tenório é, portanto, muito mais que uma questão de liberdade de expressão. É uma batalha antirracista contra um sistema de dominação que usa a tecnologia para perpetuar estruturas de opressão racial sob uma fachada de neutralidade corporativa. A democracia brasileira será testada por sua capacidade de proteger intelectuais negros que ousam narrar as violências que estruturam nossa sociedade. Por enquanto, este teste está sendo reprovado com nota zero.

 
 
 

Por: Raul Silva - Jornalista para o Atlas Político do Teoria Literária


Nos bastidores da democracia, onde as vozes se entrelaçam para compor o debate político, há um silêncio inquietante: o dos jovens. No momento em que a radicalização digital e os discursos de ódio ecoam pelos corredores virtuais, o que acontece quando a juventude se sente sufocada pelo ruído ensurdecedor da intolerância? Esta reportagem se propõe a explorar o impacto da ascensão dos discursos extremistas sobre a participação política dos jovens e a percepção deles em relação à democracia e à representatividade, investigando não apenas os impactos psicológicos e sociais, mas também os mecanismos institucionais que podem fomentar ou mitigar essa tendência preocupante.


Reprodução: SaferNet
Reprodução: SaferNet

O efeito cascata na participação política

A presença do neonazismo e de ideologias de extrema direita em plataformas digitais deixou de ser um fenômeno marginal para se tornar uma realidade alarmante, permeando cada vez mais os espaços de socialização e informação da juventude. Dados da SaferNet revelam que, nos últimos cinco anos, houve um aumento de 242% na propagação de conteúdo extremista em fóruns e redes sociais, mas esse número se torna ainda mais expressivo quando analisamos o crescimento do engajamento juvenil nesses conteúdos: relatórios indicam que 37% dos acessos a fóruns de extrema direita provêm de usuários entre 15 e 25 anos.


Esse fenômeno não acontece por acaso. O algoritmo das plataformas digitais prioriza engajamento e tempo de tela, favorecendo conteúdos que despertam reações emocionais intensas – indignação, raiva, medo –, fatores explorados por grupos extremistas que moldam narrativas sedutoras para jovens descontentes e em busca de pertencimento. O resultado é um ciclo perigoso: a falta de educação política e o consumo de desinformação sistemática tornam esses jovens mais vulneráveis à cooptação ideológica, ampliando a influência desses discursos na esfera pública digital.


Novo portal do Governo Federal vai ajudar sociedade a diferenciar discurso extremista ou propagador de ódio daquilo que é apenas opinião e expressão de liberdade
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Pesquisas indicam que o medo e a insegurança influenciam diretamente a disposição juvenil para o engajamento político. Um levantamento realizado pela Federação Mundial da Juventude Democrática aponta que 68% dos jovens brasileiros entre 16 e 24 anos acreditam que expressar opiniões políticas nas redes pode resultar em ataques virtuais e perseguição. Esse receio tem fundamentos concretos: estudos da Fundação Getulio Vargas - FGV, mostram que perfis progressistas ou pertencentes a grupos minoritários têm, em média, 4,7 vezes mais chances de sofrer assédio digital do que perfis alinhados a discursos conservadores.


Com a intensificação desse clima hostil, muitos jovens optam pelo silêncio, receosos das consequências de suas opiniões. O impacto desse fenômeno é profundo, reduzindo a presença de novas vozes nos debates essenciais para o futuro da sociedade e fortalecendo a hegemonia dos discursos extremistas que se tornam mais audíveis e normalizados. Esse cenário agrava um ciclo de despolitização, em que a ausência de uma cultura política consolidada na juventude facilita sua exclusão do processo democrático, além de abrir caminho para que narrativas antidemocráticas sejam naturalizadas sem contraposição crítica.


Espaços de fala e democracia em risco

A democracia se sustenta no diálogo, mas e quando esse diálogo é interrompido pelo medo? Os espaços de fala para grupos marginalizados – negros, indígenas, LGBTQIA+ e mulheres – são especialmente afetados pelos discursos de ódio. Jovens dessas comunidades relatam que, mesmo quando tentam participar do debate público, encontram barreiras intransponíveis. A interseccionalidade desses ataques se revela ainda mais cruel quando observamos que aqueles que pertencem a mais de um grupo socialmente vulnerável são ainda mais alvos de perseguições e silenciamentos. Essas barreiras não se limitam ao ambiente digital; elas se estendem ao espaço físico, onde discursos extremistas incitam atos de violência real, criando um ambiente de constante insegurança e intimidação para esses grupos.


Prefeitura realiza posse do primeiro Grêmio Escolar da rede municipal de São Cristóvão 
Prefeitura realiza posse do primeiro Grêmio Escolar da rede municipal de São Cristóvão 

Estudos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos apontam que países onde há um crescimento do discurso de ódio também registram aumento de agressões físicas e crimes motivados por intolerância. No Brasil, relatórios do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) mostram que, entre 2018 e 2023, houve um crescimento de 157% nos crimes de intolerância contra minorias. Isso reflete diretamente no sentimento de medo e exclusão que permeia os espaços de discussão política.


"Você começa a falar e, de repente, está sendo atacado de todos os lados. Parece que nossa existência é uma afronta para quem quer manter o status quo", afirma Maria Eduarda, estudante universitária e ativista pelos direitos das mulheres.

Essa percepção não é apenas anedótica, mas respaldada por dados concretos: o dossiê 2025 da ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais revela que 73% dos ataques online têm como alvo minorias sociais, sendo que mulheres negras e pessoas trans são os principais alvos de assédio e perseguição.


Para muitos jovens, a política se tornou um campo minado, onde um simples posicionamento pode significar uma enxurrada de ameaças e difamação digital. Além disso, há a preocupação com o impacto psicológico desse cenário: estudos da Universidade de São Paulo (USP) apontam que jovens ativistas vítimas de discursos de ódio e perseguição online apresentam níveis elevados de ansiedade e depressão, sendo que 42% deles relatam ter pensado em abandonar completamente o ativismo e a participação política.


Esse ciclo de silenciamento e desgaste emocional compromete a renovação democrática, afastando aqueles que têm potencial para trazer mudanças estruturais para a sociedade. O desafio, portanto, não é apenas criar mecanismos para combater a desinformação e o extremismo digital, mas também garantir que a juventude, em sua diversidade, encontre segurança e apoio para continuar lutando por seus direitos.


Quando a voz da juventude é abafada: os riscos de um futuro sem pluralidade

Especialistas alertam para o custo social dessa radicalização e da exclusão juvenil do debate público. O cientista político Ricardo Vasconcellos explica:


"A ausência de jovens no cenário político gera uma lacuna de representação. Sem participação ativa, os interesses dessa geração ficam à mercê de decisões alheias, muitas vezes desalinhadas com suas demandas reais."

Além disso, essa lacuna não se reflete apenas no campo legislativo, mas também na formulação de políticas públicas e na definição de prioridades governamentais. Estudos do Instituto de Democracia e Renovação indicam que países com maior participação juvenil na política tendem a ter políticas mais progressistas em relação a questões ambientais, educacionais e sociais, evidenciando o impacto direto dessa presença. Sem esse envolvimento, reformas essenciais para as futuras gerações podem ser adiadas ou simplesmente ignoradas.


Estudantes debatem principais temas da geração no 44º CONUBES
Estudantes debatem principais temas da geração no 44º CONUBES

A longo prazo, essa ausência compromete a renovação da democracia e pode levar a uma sociedade menos engajada na defesa dos direitos fundamentais. Dados do Fórum Global da Juventude apontam que jovens que não participam de discussões políticas em seus primeiros anos de vida adulta têm três vezes mais chances de se manter distantes do processo eleitoral ao longo da vida. Essa desconexão pode criar um ciclo vicioso em que a falta de representação leva a políticas desinteressantes para esse grupo, reforçando ainda mais sua alienação e perpetuando um cenário de baixa renovação política. A presença juvenil no cenário político não é apenas uma questão de inclusão, mas uma necessidade estratégica para a construção de um futuro democrático mais robusto e dinâmico.


A psicóloga social Ana Paula Martins reforça que a sensação de exclusão pode resultar em apatia e desesperança.


"Se um jovem não se sente ouvido, ele se desengaja. Quando não se identifica com os discursos dominantes, há um risco real de alienação política e social."

A falta de representação e identificação nos espaços políticos pode gerar um sentimento de impotência, em que os jovens deixam de acreditar que sua voz tem qualquer impacto sobre a realidade. Segundo um levantamento do Tribunal Superior Eleitoral - TSE, 72% dos jovens brasileiros entre 16 e 24 anos relatam sentir que suas opiniões não têm peso nas decisões governamentais, o que contribui para o afastamento progressivo dessa faixa etária do debate público.


Esse fenômeno, conhecido como desmobilização democrática, pode comprometer não apenas a participação política, mas também a capacidade dos jovens de construir redes de apoio e resistência contra forças autoritárias. Estudos indicam que sociedades com alto nível de desmobilização juvenil enfrentam maior dificuldade em reagir a ameaças institucionais contra a democracia.


Em países onde a participação jovem é baixa, como Hungria e Turquia, observou-se uma redução significativa na resistência popular frente a retrocessos democráticos. Já em nações onde a juventude é um agente ativo no cenário político, como Chile e Islândia, a renovação de lideranças tem sido um fator determinante na preservação de valores democráticos. Assim, a luta para manter os jovens engajados na política não é apenas uma questão de representatividade, mas uma barreira essencial contra o avanço de políticas autoritárias e antidemocráticas.


O papel das redes e a luta pela voz

O ambiente digital tem se mostrado um campo de batalha paradoxal para os jovens: ao mesmo tempo que oferece espaço para disseminação de ideologias extremistas, também se constitui em um território de resistência e mobilização política. Dados do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação revelam que 89% dos jovens brasileiros acessam redes sociais diariamente, sendo que 63% utilizam esses espaços como fonte primária de informação política. Esse cenário abre um leque de possibilidades para contra-narrativas que desafiem discursos de ódio e promovam o engajamento democrático.


Paradoxalmente, enquanto as redes sociais se tornam espaços de hostilidade, elas também podem ser instrumentos de resistência. Movimentos estudantis e coletivos juvenis têm utilizado estratégias de contra-narrativa para combater a desinformação e ampliar o diálogo político. Iniciativas de educação midiática têm crescido, ensinando jovens a identificar fake news, compreender discursos extremistas e utilizar a tecnologia a favor da democracia.


#8M | A voz das mulheres na luta pela igualdade de gênero!
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A campanha "Jovens Pela Democracia", lançada em 2024, conseguiu mobilizar mais de 2 milhões de jovens para o alistamento eleitoral, provando que, apesar das adversidades, ainda há espaço para participação ativa. Essa iniciativa utilizou uma abordagem inovadora, explorando desde influenciadores digitais até desafios virais para engajar o público jovem em um tema tradicionalmente tratado com distanciamento por essa faixa etária. A campanha também promoveu rodas de conversa, podcasts e conteúdos interativos para aproximar a juventude dos processos eleitorais e estimular o pensamento crítico.


Redes como TikTok e Instagram vêm sendo usadas para disseminar informação política de forma acessível, desmistificando temas complexos e incentivando um debate saudável. Um estudo do Observatório Digital da Política Jovem apontou que vídeos curtos explicativos sobre eleições e direitos civis tiveram um aumento de 312% no engajamento nos últimos três anos, evidenciando a demanda dos jovens por conteúdos que dialoguem com sua linguagem e dinâmica de consumo.


Contudo, especialistas alertam que é preciso um esforço maior por parte das plataformas para conter a disseminação de conteúdos extremistas e garantir um ambiente seguro para a discussão política. Pesquisas revelam que 47% dos jovens brasileiros já se depararam com fake news em redes sociais e que apenas 28% se sentem capacitados para identificar e contestar informações falsas. Isso indica a urgência de ações concretas, como regulamentação mais rígida das plataformas e iniciativas educacionais para reforçar a alfabetização midiática e digital dessa nova geração.


O silêncio não pode ser uma opção

A juventude é o motor da transformação social, mas, se suas vozes forem silenciadas pelo medo e pela intolerância, o futuro da democracia corre perigo. O combate ao discurso de ódio precisa ser visto como uma questão urgente, demandando ação conjunta da sociedade, das instituições e das próprias plataformas digitais. No Brasil, uma pesquisa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação revelou que 74% dos jovens entre 16 e 29 anos sentem que sua liberdade de expressão está ameaçada no ambiente digital, seja por repressão institucional, censura velada ou pelo medo de retaliação virtual. Isso demonstra que a limitação do espaço de fala juvenil não é apenas uma percepção subjetiva, mas uma realidade mensurável que afeta a participação cívica dessa geração.


Reprodução - IPAM
Reprodução - IPAM

A implementação de políticas públicas voltadas à educação midiática e ao fortalecimento do pensamento crítico deve ser prioridade, garantindo que os jovens tenham as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios da era digital. Iniciativas como o Programa Nacional de Alfabetização Midiática, proposto por especialistas em 2023, buscam capacitar estudantes a identificar fake news e reconhecer padrões de discurso extremista antes que sejam cooptados por narrativas manipuladoras. No entanto, sem uma adesão ampla das instituições e um compromisso real das plataformas digitais em combater a disseminação de ódio e desinformação, essas medidas podem ter impacto limitado. As big techs, que lucram com o engajamento gerado pelo conflito, precisam ser responsabilizadas e regulamentadas para que um ambiente democrático saudável possa florescer no meio digital.


Se os memes têm voz, por que a juventude deveria ser calada? Em meio ao caos informacional, é necessário garantir que o discurso jovem seja não apenas ouvido, mas valorizado. Pois um futuro sem pluralidade é um futuro onde a democracia deixa de existir.


O ativismo digital tem demonstrado seu potencial transformador, com campanhas como #JovensPelaDemocracia alcançando milhões de interações e incentivando o alistamento eleitoral de milhares de adolescentes. Mas essa luta não pode ser individual – é preciso uma estrutura social que garanta a continuidade desses esforços. Para impedir que essa geração seja marcada pelo silêncio, é fundamental que governos, educadores, ativistas e a própria sociedade civil se unam na construção de espaços democráticos mais inclusivos, onde todos possam exercer seu direito de falar e ser ouvidos. Só assim poderemos reverter a tendência de apagamento juvenil do debate público e resgatar o papel central da juventude na defesa dos princípios democráticos.


 
 
 

Por: Raul Silva - Jornalista do Radar Literário


O fenômeno da ascensão da apologia ao nazismo no Brasil, evidenciado por um aumento de 242% nos últimos cinco anos, reflete um complexo conjunto de fatores sociopolíticos e culturais que demandam uma análise aprofundada. Dados da Polícia Federal e de organizações como a SaferNet indicam uma escalada preocupante no volume de ocorrências, predominantemente concentradas em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. O crescimento desse fenômeno não ocorre de maneira isolada, mas sim inserido em um contexto global de recrudescimento de movimentos ultraconservadores, impulsionados por discursos revisionistas e pela reinterpretação da liberdade de expressão como um salvo-conduto para a propagação do ódio.


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A Lei nº 7.716/89, criada para coibir manifestações que incitam o racismo e o neonazismo, enfrenta desafios imensos na contemporaneidade, especialmente no cenário digital. A multiplicação de conteúdos extremistas em plataformas como Twitter, Instagram e TikTok evidencia a ineficácia dos mecanismos de controle, exacerbada pela lógica algorítmica que privilegia o engajamento em detrimento da responsabilidade ética. Estudos da SaferNet demonstram que mais de 20 mil denúncias anuais envolvem crimes de ódio, dos quais uma parcela significativa está vinculada à difusão de símbolos e ideologias neonazistas. A fragilidade das regulações e a ambiguidade das diretrizes de moderação dessas plataformas contribuem para a consolidação desse cenário.


O crescimento exponencial das ocorrências, que saltaram de um patamar residual em 2020 para mais de 80 casos registrados formalmente em 2023, ilustra uma perigosa banalização de discursos racistas e antidemocráticos. O fenômeno apresenta variações regionais relevantes, com grandes centros urbanos despontando como epicentros da radicalização, exigindo políticas públicas que sejam tanto nacionais quanto localmente calibradas. Além disso, investigações apontam para a existência de redes organizadas que promovem encontros clandestinos e disseminam propaganda extremista em ambientes digitais subterrâneos, como fóruns na deep web e grupos de mensagens criptografadas.


A vulnerabilidade da juventude nesse processo é um dos aspectos mais alarmantes. Estudos indicam que jovens, em busca de pertencimento e identidade, são alvos preferenciais de grupos neonazistas que operam por meio de estratégias sofisticadas de recrutamento digital. Esses espaços promovem uma construção narrativa que mescla revisionismo histórico, teorias conspiratórias e um discurso de exclusividade, prometendo aos adeptos uma posição de distinção dentro de uma suposta elite racial e ideológica. O acesso precoce a essas comunidades, muitas vezes facilitado pela negligência institucional na educação digital, acelera processos de radicalização e dificulta intervenções preventivas.


No âmbito político, a ascensão de discursos extremistas reflete uma deterioração do debate público. Pesquisas da Fundação Getulio Vargas (FGV) indicam que, em anos eleitorais, há um aumento na circulação de simbologia nazista e discursos de ódio nas redes sociais, muitas vezes instrumentalizados por candidatos e grupos políticos que buscam deslegitimar adversários e amplificar divisões sociais. Essa instrumentalização revela a insuficiência da regulação digital e a necessidade de mecanismos mais eficazes de responsabilização de agentes públicos que, de forma deliberada ou negligente, fomentam discursos que relativizam ou normalizam manifestações neonazistas.


O enfrentamento dessa tendência requer um esforço multidimensional, que perpassa desde o fortalecimento das políticas de regulação digital até a implementação de estratégias educativas robustas, focadas no letramento crítico e na cidadania digital. A desconstrução do discurso neonazista deve ser conduzida por meio de uma abordagem interdisciplinar, que envolva historiadores, sociólogos, educadores e especialistas em segurança digital. Além disso, a cooperação entre organismos governamentais, instituições acadêmicas e sociedade civil se torna imprescindível para a criação de programas eficazes de monitoramento e intervenção.


O Brasil, ao longo de sua história, consolidou-se como uma nação plural e marcada por uma rica diversidade cultural. Entretanto, a crescente presença do neonazismo e a normalização do discurso de ódio representam um desafio crítico para a manutenção dos princípios democráticos. O combate a essa ameaça exige não apenas a repressão jurídica e o endurecimento das penalidades legais, mas também um compromisso coletivo com a educação para a cidadania, a preservação da memória histórica e a valorização da diversidade como fundamento de uma sociedade justa e equitativa.


A escalada da apologia ao nazismo no Brasil não pode ser subestimada. Cada ocorrência registrada deve ser compreendida não apenas como um evento isolado, mas como parte de uma conjuntura que, se não contida, pode corroer as bases democráticas do país. A sociedade brasileira precisa transformar cada dado alarmante em um chamado à ação, convertendo o enfrentamento ao extremismo em uma prioridade nacional, sustentada por políticas públicas eficazes, regulação digital responsável e um compromisso inegociável com os valores humanistas e democráticos.


Fontes:



 
 
 
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