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  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • 19 de jul.
  • 7 min de leitura

Um mergulho crítico na Pedagogia do Oprimido e na construção da imagem do “inimigo número um da educação” pela extrema-direita brasileira


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No cenário político brasileiro contemporâneo, poucos nomes concentram tanta controvérsia quanto o de Paulo Freire. Elevado ao posto de Patrono da Educação Brasileira em 2012, sua obra é reconhecida internacionalmente, traduzida em mais de 30 idiomas, discutida em universidades de referência e aplicada em projetos pedagógicos de transformação social em países como Moçambique, Nicarágua, Finlândia e África do Sul. Contudo, no Brasil — o mesmo país que lhe concedeu reconhecimento oficial —, Freire é frequentemente reduzido a um símbolo caricatural de doutrinação ideológica. 


A origem de uma pedagogia para libertar


Paulo Freire nasceu no Recife em 1921, num Brasil marcado pela desigualdade estrutural e pela exclusão sistemática das classes populares do processo educativo formal. A experiência direta com a fome, o analfabetismo e a marginalização social moldou sua visão de mundo e sua ética pedagógica. Desde cedo, compreendeu que o acesso à palavra escrita e à leitura crítica era também acesso ao mundo — e, por consequência, às possibilidades de transformação social. Seu trabalho nos anos 1950 e 60 com alfabetização de adultos, especialmente no Nordeste brasileiro, levou à criação de uma pedagogia fundamentada no diálogo, na escuta ativa e na transformação da realidade a partir da consciência crítica. Essa pedagogia não era uma mera técnica de ensino, mas uma filosofia política comprometida com a dignidade humana.


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Sua principal obra, Pedagogia do Oprimido (1968), escrita durante o exílio após o golpe militar de 1964, propõe uma educação centrada na conscientização — um processo dialético em que o indivíduo deixa de ser objeto e passa a ser sujeito da história. A crítica à “educação bancária”, que trata o aluno como um recipiente passivo a ser preenchido por um conteúdo unilateral, é substituída por uma pedagogia do diálogo, em que professor e estudante se reconhecem mutuamente como inacabados, em constante processo de construção e reconstrução do saber. O objetivo não é “ensinar conteúdos”, mas criar condições para que o educando possa ler o mundo, compreendê-lo e agir sobre ele.


Freire propõe uma revolução epistemológica na relação entre educador e educando, abandonando o modelo vertical e hierarquizado de ensino para propor um processo horizontal, fundado na escuta e na problematização do cotidiano. A pedagogia freireana, portanto, não é um método fechado, mas um gesto político e epistêmico. Trata-se de pensar a educação como prática da liberdade, como intervenção no mundo — e não como adaptação resignada a ele. Isso implica romper com estruturas autoritárias, patriarcais, coloniais e elitistas. Implica, também, reconhecer que toda educação carrega em si um projeto de mundo, e que a pretensa neutralidade, nesse contexto, é apenas o nome dado à adesão silenciosa à ordem vigente.


A construção do espantalho: do educador ao “doutrinador”


É nesse ponto que a figura de Freire se torna profundamente incômoda para determinados setores políticos e econômicos. Uma pedagogia que forma sujeitos críticos, capazes de problematizar a realidade social, é incompatível com modelos autoritários que se sustentam na obediência, na repetição e na despolitização do conhecimento. Ao contrário da falsa premissa de que Freire defendia a doutrinação, sua proposta é justamente antitética à imposição de ideias: ela parte do diálogo com a realidade vivida pelo educando, da leitura do mundo como ponto de partida para a leitura da palavra. Como afirmou em diversas entrevistas, “doutrinar é exatamente o oposto do que proponho”.


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Contudo, a partir dos anos 2000, especialmente com a ascensão de grupos como o movimento Escola Sem Partido, a figura de Paulo Freire passou a ser ressignificada por setores conservadores como símbolo máximo de uma suposta infiltração ideológica nas escolas. Essa narrativa ganhou contornos mais explícitos com a ascensão de Olavo de Carvalho como ideólogo da nova direita brasileira. Misturando teorias conspiratórias sobre “marxismo cultural”, revisionismo histórico e anticomunismo difuso, Olavo resgatou interpretações distorcidas da pedagogia freireana para sustentar a tese de que o sistema educacional brasileiro estaria sendo dominado por uma agenda gramsciana disfarçada de projeto pedagógico.


Freire, então, deixou de ser lido e passou a ser instrumentalizado como inimigo interno. Tornou-se um emblema a ser combatido nos discursos de campanha, nas falas ministeriais e nas redes sociais, sobretudo durante e após a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. A promessa de “expurgar Paulo Freire das escolas” foi um dos motes centrais da plataforma de governo bolsonarista, sustentada por vídeos virais, memes descontextualizados, frases apócrifas e uma mobilização coordenada de fake news em grupos de WhatsApp e canais de YouTube ligados à extrema-direita.


O mais grave, no entanto, é que essa construção não se deu por engano ou ignorância, mas por conveniência política. O chamado “espantalho freireano” foi erguido como parte de um projeto ideológico que visa substituir a escola crítica por uma escola conformista, esvaziada de pensamento e servil às pautas morais e econômicas da nova direita brasileira — pautas que incluem o revisionismo da ditadura militar, o negacionismo científico, a cruzada contra a discussão de gênero, o ataque ao movimento negro e a defesa de um nacionalismo cristão autoritário. O ataque a Freire é, portanto, apenas a face mais visível de um projeto mais amplo de apagamento da educação como ferramenta de emancipação social.


O que está em jogo: a pedagogia do silêncio


A guerra contra Paulo Freire, portanto, não é uma mera disputa de ideias sobre métodos pedagógicos. Ela é sintoma de algo maior: a recusa ao pensamento crítico como princípio educativo. A ofensiva contra a pedagogia freireana é, na verdade, uma ofensiva contra qualquer forma de educação que se proponha a formar cidadãos e não apenas trabalhadores dóceis. Quando se combate Freire, combate-se o direito de o aluno perguntar, de o professor propor caminhos fora do currículo engessado, de a escola ser um espaço de leitura do mundo — e não apenas de reprodução de conteúdos.


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E aqui reside o núcleo do problema. O que incomoda não é Freire em si, mas o que ele representa: a possibilidade de uma escola pública que emancipa, que forma sujeitos capazes de pensar contra os consensos impostos. Uma escola que, ao invés de formar para o mercado, forma para a vida em sociedade. Que questiona os privilégios, que desafia os dogmas, que não se curva ao poder — seja ele político, religioso ou econômico. Nesse sentido, Freire se torna não um doutrinador, mas um libertador — e exatamente por isso se torna perigoso para os que querem manter tudo como está.


A tentativa de apagar Freire é também a tentativa de apagar um horizonte possível de educação democrática. Uma educação que não se define apenas por resultados em exames internacionais ou por índices de produtividade, mas pela capacidade de formar sujeitos éticos, sensíveis, críticos e comprometidos com a transformação do mundo. Uma educação que reconhece que ensinar não é domesticar, mas libertar. Que compreende que toda prática pedagógica é, em última instância, um ato político — e que negar essa dimensão é entregar a formação das novas gerações às forças que lucram com a ignorância e o conformismo.


a permanência de uma pedagogia insubmissa


Diante do cenário atual, é urgente recuperar Paulo Freire não como fetiche ou mito, mas como pensador radicalmente comprometido com a justiça, a dignidade e a transformação social. Ler Freire hoje é um ato de resistência, não contra um governo ou partido específico, mas contra um projeto de sociedade que privilegia a apatia política, a desinformação e a indiferença diante das desigualdades. Sua pedagogia continua viva em cada sala de aula onde o diálogo é valorizado, onde o conhecimento é construído coletivamente, onde a escuta ativa é tão importante quanto a transmissão de conteúdo. Freire sobrevive onde há professores que recusam o papel de meros reprodutores de currículo e se afirmam como agentes históricos, capazes de intervir, transformar e humanizar a experiência educativa.


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No Brasil — um país marcado por uma desigualdade educacional histórica, onde 33 milhões de pessoas voltaram à insegurança alimentar, em que a evasão escolar cresce principalmente nas periferias urbanas e zonas rurais, onde professores são submetidos a censura institucional, violência simbólica e ameaças físicas e morais —, seguir Paulo Freire é, paradoxalmente, resistir à acusação de doutrinação. É insistir na radicalidade da esperança, como ele próprio definia. É defender que a educação pode e deve ser libertadora. Uma educação que, como ele escreveu, é “ato de amor, e por isso, ato de coragem”. E também um ato de justiça social, porque se recusa a naturalizar as estruturas de opressão que silenciam vozes, restringem horizontes e destroem o futuro de gerações inteiras.


Freire não propõe uma utopia ingênua. Ele oferece um projeto ético e político de formação que reconhece o ser humano como sujeito de direitos, de história e de cultura. Em tempos de ataques à liberdade de cátedra, ao pluralismo de ideias e à escola pública, seu pensamento se torna ainda mais necessário. Não se trata de erigir um altar ao patrono da educação brasileira, mas de resgatar a atualidade e a potência transformadora de seu legado. Ele continua sendo um guia para aqueles que acreditam que ensinar é um gesto de compromisso com a construção de uma sociedade mais justa, plural e democrática.


A resposta à pergunta que dá título a este artigo, portanto, não é ambígua nem relativizável. Freire não foi — e nunca será — doutrinador. Freire é, por essência, libertador. E é exatamente por isso que ele continua sendo temido por aqueles que se alimentam da ignorância como projeto de poder. Porque uma sociedade que pensa é uma sociedade que resiste. Uma sociedade que lê o mundo é uma sociedade que não aceita calar-se diante da injustiça. E uma educação que liberta é, sempre, o primeiro passo para o fim de qualquer tirania. Defender Paulo Freire hoje é defender o direito de sonhar com um país onde o conhecimento não seja mercadoria, mas um bem comum. Onde educar não seja apenas preparar para o trabalho, mas formar para a cidadania, para a convivência e para a emancipação coletiva.


Referências: Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido, 1968); Dermeval Saviani (Escola e Democracia, 1983); Miguel Arroyo (Ofício de Mestre, 2000); entrevista de Freire à Folha de S. Paulo (1987); Dicionário Paulo Freire (org. Walter Kohan); DW Brasil (2021); Intercept Brasil (2019); documentos do Escola Sem Partido; estudos de Daniel Cara, Gaudêncio Frigotto, Nita Freire, Henry Giroux, Noam Chomsky, e outros.


 
 
 

Como “1984” e “A Revolução dos Bichos” foram apropriados pela nova direita para atacar a esquerda — e por que isso é uma distorção


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Dizer que “estamos vivendo em 1984” se tornou uma das frases mais repetidas nas redes sociais e nos discursos públicos da nova direita, tanto no Brasil quanto em outros contextos ocidentais. Essa frase, que parece carregar um alerta legítimo, é frequentemente esvaziada de conteúdo e instrumentalizada de forma estratégica por discursos que, ironicamente, reproduzem as práticas que Orwell denunciava com veemência.


A obra de George Orwell, especialmente 1984 e A Revolução dos Bichos, foi ressignificada nas últimas décadas por vozes que buscam instrumentalizar sua crítica ao totalitarismo para sustentar narrativas antiprogressistas, anti-intelectuais e, muitas vezes, francamente antidemocráticas. Esse processo de apropriação simbólica, embora eficaz do ponto de vista retórico e midiático, constitui uma grave distorção — não apenas da obra de Orwell, mas de seu pensamento político, de sua trajetória pessoal e do contexto histórico em que produziu seus textos, especialmente no período pós-guerra. Para além do erro de leitura, estamos diante de uma operação ideológica que transforma um autor engajado em liberdade crítica num estandarte vazio e moldável ao sabor de interesses reacionários.


Orwell, nascido Eric Arthur Blair, foi um socialista democrático convicto. Sua filiação ao Partido Trabalhista Independente e sua atuação voluntária na Guerra Civil Espanhola ao lado do Partido Operário de Unificação Marxista (POUM), onde chegou a ser ferido em combate, não deixam margem para dúvidas quanto ao seu alinhamento político e sua coragem intelectual. Em seu célebre ensaio Por Que Escrevo, Orwell afirma categoricamente:


“Cada linha de trabalho sério que escrevi desde 1936 foi, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático.”

Essa frase, muitas vezes esquecida ou propositalmente omitida por seus detratores, é essencial para compreender a natureza de sua crítica. A crítica ao autoritarismo — seja ele de origem comunista, fascista ou capitalista — nunca foi, portanto, uma rejeição da esquerda em si, mas uma denúncia das formas como ideologias podem ser pervertidas quando se tornam dogmas e instrumentos de dominação. Não há espaço, em sua obra, para um niilismo político que iguale todas as formas de poder ou para um cinismo reacionário que instrumentalize sua denúncia como arma contra qualquer pensamento progressista.


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A nova direita, no entanto, sobretudo em sua expressão digital e memética, descontextualizou essa crítica e a reconverteu em ataque direto à esquerda como um todo. Como apontam estudiosos como Alex Woloch (Universidade de Stanford), John Rodden (autor de A Política da Reputação Literária) e Dorian Lynskey (autor de O Ministério da Verdade), Orwell foi convertido em símbolo conservador por meio de um processo de simplificação extrema e recorte seletivo.


Elementos como o Grande Irmão, o duplipensar e o Ministério da Verdade passaram a ser empregados como metáforas vagas para tudo aquilo que incomoda a sensibilidade da direita contemporânea: políticas públicas inclusivas, regulação da mídia, ações afirmativas, universidades, imprensa investigativa e movimentos sociais. Essa instrumentalização retórica se baseia em slogans fáceis, que dispensam leitura aprofundada e promovem uma falsa equivalência entre vigilância estatal e qualquer tipo de política pública progressista. E ao fazer isso, apagam-se os contextos históricos específicos que alimentaram as obras de Orwell, criando uma leitura superficial, despolitizada e profundamente anacrônica.


O que se vê, portanto, não é um esforço honesto de interpretação, mas sim uma estratégia deliberada de distorção. Essa apropriação não acontece apenas no plano simbólico, mas se traduz em práticas discursivas concretas: influenciadores bolsonaristas no Brasil, militantes da direita alternativa nos Estados Unidos e colunistas de extrema-direita europeus invocam Orwell como “patrono” da resistência conservadora contra o que chamam de “totalitarismo cultural da esquerda”.


Em fóruns como 4chan, Reddit, Gab, X (antigo Twitter) e outros espaços digitais, memes com frases retiradas de 1984 ilustram supostos abusos do “globalismo”, da “ideologia de gênero” e do “marxismo cultural” — expressões que, por si só, já operam como categorias fantasmáticas de uma guerra cultural paranoica e infundada. Esses memes são muitas vezes acompanhados de ilustrações que transformam Orwell em uma figura quase mitológica da liberdade individual, ignorando deliberadamente suas posições socialistas e seu compromisso com a justiça social. Esse processo cria uma espécie de fetichização do autor, que passa a existir mais como imagem do que como pensamento, como símbolo vazio do que como autor complexo.


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Mas há um problema central nessa leitura: Orwell nunca foi um libertário no sentido contemporâneo da palavra. Ele não defendia um Estado mínimo nem era contrário à ação estatal como promotora de igualdade e justiça social. Sua crítica à burocratização da vida e à manipulação ideológica visava salvaguardar o projeto democrático e igualitário da esquerda, não destruí-lo. A sua adesão ao socialismo democrático exigia a liberdade de imprensa, a transparência do discurso público e a autonomia da consciência individual — elementos que, aliás, são sistematicamente atacados pelos mesmos grupos que hoje se declaram “herdeiros” de Orwell. Sua crítica ao stalinismo jamais significou uma rejeição do socialismo; era, antes, um alerta sobre os riscos de sua degeneração autoritária. Orwell se opunha ao totalitarismo como forma de dominação baseada na mentira, na reescrita da história e na aniquilação da subjetividade humana — exatamente o que certos setores da nova direita têm promovido sob o manto de um anticomunismo reativo e dogmático.


A leitura orwelliana da nova direita também apaga outro aspecto crucial: a crítica à linguagem como ferramenta de poder. O conceito de “novilíngua” não se refere a mudanças linguísticas progressistas nem à busca por linguagem inclusiva, mas à destruição sistemática da complexidade vocabular para empobrecer o pensamento e domesticar a dissidência. Ao confundir propostas de justiça linguística com censura orwelliana, a nova direita inverte completamente o eixo da crítica de Orwell — um verdadeiro exemplo contemporâneo do duplipensar que ele tão agudamente denunciou.


É importante destacar, como argumenta o linguista David Crystal, que as tentativas de controlar a linguagem não são exclusividade de regimes progressistas, mas uma prática comum de qualquer governo autoritário que busca moldar a realidade pela imposição de palavras. O que Orwell denunciava era a imposição de um vocabulário mínimo, que apagava significados e limitava a imaginação — algo que se repete hoje em campanhas que tentam interditar termos como “racismo estrutural”, “feminicídio” ou “patriarcado”, acusando-os de serem expressões da “ideologia”.


É nesse ponto que a apropriação simbólica se torna uma forma de violência intelectual. Como afirmou a pesquisadora Helen Nissenbaum, especialista em ética da tecnologia e vigilância, a linguagem orwelliana foi esvaziada ao ponto de se tornar um “emblema vazio, útil a qualquer projeto ideológico que queira parecer subversivo”. O problema não está apenas em citar Orwell de forma superficial — está em reconfigurar seu legado para servir a um projeto político que ele combatia frontalmente. O uso distorcido de sua obra se converte em arma de guerra cultural, apagando sua complexidade crítica e transformando-o em instrumento de propaganda. A violência não está apenas na leitura errada, mas no fato de que ela substitui o pensamento crítico por slogans que reduzem, empobrecem e deseducam.


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E o caso brasileiro merece atenção especial. Desde as manifestações de 2013 até o bolsonarismo militante nas redes sociais, 1984 passou a ser citado como justificativa para ataques ao sistema educacional, à imprensa e às instituições democráticas. Professores universitários foram acusados de “doutrinação ideológica” sob a alegação de que estariam implantando uma realidade “orwelliana”.


Não se trata de simples ignorância interpretativa. Trata-se de uma campanha sistemática de deslegitimação da crítica e da complexidade, substituídas por slogans fáceis, memes simplistas e analogias desonestas. A frase “quem controla o passado, controla o futuro” passou a ser utilizada para justificar revisionismos históricos, enquanto a denúncia do Ministério da Verdade se converteu em ferramenta para desacreditar agências de checagem e veículos jornalísticos tradicionais. Orwell é invocado para atacar quem denuncia notícias falsas — uma ironia que, se não fosse trágica, seria absurda.


Ao fim, o que se revela é que George Orwell foi vítima de um sequestro semântico. Seu nome e suas obras foram instrumentalizados não por afinidade ideológica, mas por sua força simbólica. Como lembra Raymond Williams, crítico marxista britânico, Orwell era uma das vozes mais honestas de sua geração exatamente por se recusar a aceitar dogmas — inclusive os do seu próprio campo. Sua coragem estava na crítica implacável e autônoma, não na adesão cega a qualquer ideologia. Descontextualizar Orwell é, portanto, apagar o seu maior ensinamento: que a linguagem precisa ser clara, que a verdade precisa ser defendida, e que a liberdade só existe onde há espaço para pensar criticamente — mesmo contra as conveniências do seu próprio lado.


Orwell não era um mascote da direita. Era um pensador livre. E resgatar seu legado exige mais do que citações: exige leitura, contexto, crítica e, sobretudo, responsabilidade — especialmente num mundo em que a manipulação do discurso é cada vez mais sofisticada e amplificada por algoritmos e bolhas informacionais. Defender Orwell, hoje, é recusar o uso estratégico de sua obra como fetiche ideológico. É, em última instância, fazer da leitura um ato de resistência e da crítica literária um gesto profundamente político — capaz de atravessar a superfície dos memes e desvelar as estruturas de poder que se escondem por trás da linguagem.

 
 
 
IMAGEM DE NIETZSCHE
Friedrich Nietzsche

O retrato é célebre: em abril de 1931 Adolf Hitler, ainda a caminho do poder, inclina-se diante de um busto de Friedrich Nietzsche no Nietzsche-Archiv, em Weimar. A imagem — distribuída pela máquina de propaganda do futuro Führer — selava um casamento simbólico entre o filósofo que proclamara “Deus está morto” e o movimento que transformaria a Alemanha numa teocracia racial. Desde então, tornou-se quase senso comum dizer que o autor de Assim Falou Zaratustra foi a inspiração intelectual do nazismo, sobretudo pelo conceito de Übermensch (além-homem ou super-homem). O problema é que nada, nem na biografia nem na obra de Nietzsche, autoriza tal leitura: ele detestava o antissemitismo, ridicularizava o nacionalismo alemão e descreveu o Estado como “o mais frio de todos os monstros”. Como, então, ocorreu tão profunda distorção? A resposta atravessa a ação de sua irmã, Elisabeth Förster-Nietzsche, o uso que o Terceiro Reich fez de edições manipuladas, e a recente reciclagem digital dessa fraude por extremistas contemporâneos — fenômeno que exige hoje, mais do que nunca, um esforço de resgate filológico e crítico.


Do Arquivo ao Reich — a falsificação de Elisabeth


O golpe decisivo que vinculou Nietzsche ao nazismo não partiu de Berlim, mas de Weimar, onde sua irmã mais velha, Elisabeth Förster-Nietzsche, instalou em 1894 o Nietzsche-Archiv. Nacionalista ardorosa, antissemita confessa e viúva de um agitador que tentara fundar uma colônia “ariana” no Paraguai, Elisabeth assumiu a tutela legal do irmão logo após o colapso mental dele em 1889 e passou a gerir, sozinha, os manuscritos, cartas e cadernos deixados em desordem. Desde o início, o projeto tinha dupla face: preservar a memória familiar e refinar um Nietzsche politicamente útil à nova direita alemã. Ao mesmo tempo em que erguia a casa-museu Villa Silberblick, ela filiava-se ao Partido Nacional do Povo Alemão, um dos berços ideológicos do futuro nazismo, e cultivava relações com editores simpáticos ao pangermanismo.



IRMÀ DE NIETZSCHE
Elisabeth Förster-Nietzsche

Foi sob esse viés que Elisabeth realizou a intervenção mais profunda sobre a obra do irmão: a publicação, entre 1901 e 1906, de Der Wille zur Macht (A Vontade de Poder) como se fosse o “sistema filosófico” póstumo de Nietzsche. Na realidade, o livro não passava de uma colagem de fragmentos inéditos cujo ordenamento — títulos de seções, recortes, supressões — foi inteiramente produzido pela própria curadora, muitas vezes contraindicado pelo filósofo ainda em vida. Décadas depois, os filólogos Giorgio Colli e Mazzino Montinari, ao confrontar linha por linha os originais, demonstrariam que esse compêndio era uma construção artificial, invertendo a cronologia dos cadernos e amputando passagens em que Nietzsche atacava frontalmente o antissemitismo. A adulteração criava a impressão de um autor engajado numa filosofia da força, pronta para legitimar hierarquias biológicas e violência política — exatamente o que o nacional-socialismo buscaria alguns anos mais tarde.


Não por acaso, em 12 de abril de 1931 Adolf Hitler foi recebido com honras na Villa Silberblick. Fotografado ao lado do busto de Nietzsche, o futuro Führer empunhou a bengala do filósofo enquanto Elisabeth — então com 84 anos — lhe mostrava páginas escolhidas dos manuscritos. O registro foi reproduzido em jornais do partido e transformado em cartão-postal, selando o alinhamento simbólico entre pensamento e regime. Pouco depois, o Ministério da Propaganda encomendou novas reimpressões “oficiais” das obras, prefaciadas por intelectuais nazistas, nas quais o Super-homem aparecia como legitimação da supremacia racial germânica. Estudos recentes demonstram que o Archiv funcionou, na prática, como oficina de material propagandístico: trechos inconvenientes eram suprimidos, enquanto aforismos sobre poder, domínio e “rebanho” abasteciam folhetins ideológicos distribuídos em escolas e quartéis.


O efeito foi devastador e duradouro. Mesmo após 1945, quando o nazismo se tornou sinônimo de barbárie, a associação “Nietzsche = precursor fascista” já havia penetrado enciclopédias, colégios e até manuais de história da filosofia. Embora a edição crítica Colli-Montinari (1967-) tenha desmontado academicamente o mito, ele sobreviveu no senso comum — pronto para ser reciclado, décadas depois, por novas extremas-direitas digitais. Assim, a manipulação de Elisabeth comprovou quão longe uma distorção editorial pode ir quando encontra, primeiro, a passividade dos leitores e, depois, a vontade de poder de um regime disposto a transformar pensamento em slogan.


Memes, 4chan e Bolsonaro — o Super-homem 2.0


O século XXI abriu um novo front para a velha deturpação. Se no passado Elisabeth Förster-Nietzsche precisou manipular cadernos e editores, hoje basta um editor de imagens gratuito e um fórum anônimo para ressuscitar o “Nietzsche nazista”. O processo ganhou força em 4chan — sobretudo no board /pol/ — onde a alt-right (direita alternativa) norte-americana misturou animações de sapos, filtros neon e trilhas de trap para fabricar um Super-homem hipertrofiado, musculoso, branco, que encara o mundo com desprezo cínico. Pesquisadores da Vox já em 2017 apontavam que “a alt-right está bêbada de más leituras de Nietzsche” e que figuras como Richard Spencer se diziam “red-pilled” pelo filósofo, embora o citassem fora de contexto ou inventassem frases inexistentes. O padrão tornou-se claro: recorta-se meia linha sobre “a morte de Deus” ou um epigrama contra “moral de rebanho”, cola-se sobre a foto de um guerreiro viking desenhado por IA e o meme está pronto para circular como prova de que Nietzsche estaria do lado dos supremacistas.


EXEMPLO DE MEME
Memes bolsonaristas utilizando-se da figura do Super-homem

Esse ecossistema memético ganhou nova camada em 2024, quando a rede de pesquisas GNET mapeou o uso de geradores de imagem para sofisticar a estética da extrema-direita: avatars produzidos por IA ostentam runas nórdicas, referências ao “Grande Substituição” e, claro, slogans atribuídos a Nietzsche que ele jamais escreveu. A lógica — apontam os autores do relatório — é inundar o feed com símbolos de força e fatalismo, transformando a filosofia em linguagem gráfica digerível em segundos. Nesse ambiente, a distinção entre citação autêntica e frase inventada torna-se irrelevante; o que importa é o “efeito aura”, a sensação de se apoiar em um clássico para justificar misoginia, racismo ou violência política. O resultado é um “Nietzsche fast-food”: sem leitura, sem contexto, mas com alto teor calórico de ódio.


O Brasil entrou nesse circuito por vias bolsonaristas. A partir de 2018, páginas de apoio ao então candidato Jair Bolsonaro exportaram o template americano: o Super-homem vira o “cidadão de bem armado”, contraposto ao “NPC petista”. Estudo de doutorado da UFMG sobre dessubjetivação memética mostrou que perfis conservadores replicaram, em português, montagens de 4chan acrescentando legendas como “A virtude está com os fortes — Nietzsche” para defender fechamento do Congresso ou tiros em criminosos (os posts, claro, omitem que Nietzsche chamava o Estado de “monstro frio”). Paralelamente, investigações do Conselho Nacional de Direitos Humanos registram que células neonazistas no país cresceram 270 % entre 2019 e 2024; os monitoramentos identificaram grupos de Telegram onde trechos falsos de Nietzsche são usados para legitimar supremacismo branco e antissemitismo. Nesse ambiente, referências ao filósofo aparecem lado a lado com símbolos de SS, cruzes célticas e hashtags em defesa de “intervenção militar já”, reforçando a fusão entre culto à força e negacionismo histórico.


O fenômeno não se limita a nichos radicais: influenciadores com centenas de milhares de seguidores no YouTube e no Instagram citam supostos aforismos de Nietzsche — “os fracos devem servir aos fortes”, “pena é vício dos derrotados” — para vender cursos de masculinidade “alfa” ou comentar política nacional. Em editorial de 2018, a Los Angeles Times já alertava que a direita radical não está sozinha nessa apropriação simplista, mas certamente a dirige ao público mais vulnerável à retórica do ressentimento. No Brasil, o algoritmo das plataformas impulsiona esse conteúdo: quanto mais polêmica a frase, maior o engajamento; quanto mais engajamento, maior a difusão da distorção. Assim nasce o Super-homem 2.0 — um produto pop de consumo rápido, vitaminado por IA, traduzido em likes e compartilhamentos, que vende falsa erudição a serviço da intolerância. Desmontar esse ciclo exige devolver Nietzsche ao texto — e lembrar, como ressalta a ABC News australiana, que ele era crítico feroz de qualquer “política de sangue e ferro”. Até lá, a batalha seguirá não apenas nas bibliotecas, mas nas timelines onde o pensamento vira sticker em poucos pixels.


Leituras críticas e o retorno ao texto


O primeiro grande antídoto contra a fraude nazista surgiu nos anos 1960, quando Giorgio Colli e Mazzino Montinari decidiram reexaminar, folha a folha, os 5 000 manuscritos de Nietzsche guardados no Goethe-Schiller-Archiv, em Weimar. Eles descobriram não apenas cortes, inversões cronológicas e enxertos feitos por Elisabeth, mas também que o livro A Vontade de Poder — vendido por décadas como “testamento filosófico” — jamais existira no plano do autor. O resultado foi a Edição Crítica Colli–Montinari, publicada em italiano, francês, alemão e, desde 2023, em inglês pela Stanford University Press — “a primeira tradução completa, anotada e verificada a partir dos originais”, como sublinha a própria editora . Ao desmontar a montagem póstuma, Colli e Montinari recolocaram o Super-homem no seu leito de origem: não um soldado racial, mas a metáfora de uma humanidade que cria valores depois da “morte de Deus”.


PINTURA CARICATURA DE NIETZSCHE
Friedrich Nietzsche. Edvard Munch, 1906

Cinco décadas depois, o movimento filológico ganhou musculatura digital. O portal Nietzsche Source, coordenado pelo pesquisador italiano Paolo D’Iorio, disponibiliza online mais de 8 000 fac-símiles de cadernos, cartas e raridades, além de um aparato crítico comparável às edições impressas. Ali, qualquer leitor pode confrontar a frase duvidosa que viu num meme com a caligrafia original do filósofo em poucos cliques. A iniciativa conecta-se a projetos como “Nietzsche’s Library”, que digitaliza todos os livros anotados pelo autor, e a revistas acadêmicas em open access — a Nietzsche-Studien, por exemplo, migrou para acesso gratuito em 2022, difundindo pesquisas sem barreira de paywall (muro de pagamento). O efeito combinado é poderoso: pela primeira vez, o público leigo dispõe de ferramentas para verificar, em tempo real, se a suposta citação sobre “exterminar os fracos” existe ou é produto de má-fé.


Enquanto a filologia limpa a base textual, novas interpretações devolvem vitalidade filosófica ao Super-homem. No Brasil, o professor Oswaldo Giacoia Jr. — referência nacional em Nietzsche — insiste, em cursos e entrevistas, que o “super-homem” não é dono de escravos, mas artista de si: alguém que transforma a vida em obra inacabada, aberta ao devir. Na África, Achille Mbembe emprega a crítica nietzschiana ao ressentimento para compreender a violência colonial e imaginar “devenires” pós-hegemônicos Pesquisadoras feministas e queer, como Judith Butler, dialogam com a performatividade nietzschiana para pensar os corpos como palcos de criação de sentido; artigos recentes em New Nietzsche Studies mostram o quanto essa leitura desmonta pretensões essencialistas de gênero. Ao cruzarem Nietzsche com decolonialidade, estudos de raça e teoria de gênero, esses autores demonstram que o filósofo pode servir à emancipação — exatamente o oposto da narrativa supremacista que o reduz a porta-voz da brutalidade.


Por fim, cresce uma camada de extensão pública que envolve clubes de leitura, podcasts, canais de YouTube e perfis de TikTok dedicados a verificar “Nietzsche ou fake?”. Livrarias independentes promovem noites de leitura de aforismos com cotejo ao Nietzsche Source; o projeto “Café com Nietzsche”, por exemplo, transmite debates ao vivo para milhares de usuários de 18 a 60 anos, repassando passo a passo como checar um fragmento antes de repostá-lo. Essas iniciativas convergem com a cultura de fact-checking: coletivos de educação midiática já incluem “teste do fac-símile” entre as oficinas para o ensino médio, mostrando que a filosofia também precisa de letramento informacional. Ao mesmo tempo, a chegada das novas traduções críticas ao mercado de língua portuguesa promete reduzir a dependência de compilações duvidosas, oferecendo texto limpo, notas contextuais e índices que facilitam a navegação intergeracional.


Nesse cruzamento de filologia, humanidades digitais e engajamento público, o Super-homem recupera seu sentido original de “além-do-homem” — um convite a superar ressentimentos e criar futuros, não a regressar a hierarquias fósseis. E, quanto mais leitores tiverem acesso ao manuscrito tal como Nietzsche o escreveu, menor será o espaço para que a extrema-direita continue ventriloquizando o filósofo que, ironicamente, chamou o nacionalismo de “doença infantil dos povos modernos”.


Conclusão


A saga do super-homem que nunca foi nazista revela a facilidade com que a política sequestra conceitos filosóficos para vestir velhas certezas com roupa de ideia nova. Do arquivo manipulado por uma irmã ambiciosa aos laboratórios de memes da alt-right, o Super-homem virou logotipo ideológico — enquanto o Nietzsche real segue conclamando à criação de valores sempre provisórios, avessos a toda tirania.

Resgatá-lo não é apenas um exercício de justiça histórica; é defesa do pensamento crítico num tempo de slogans virais. Como o próprio Nietzsche avisou, “as convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras”. Entender quem deturpa essas palavras — e por quê — é o primeiro passo para que elas voltem a significar exatamente o que ele pretendia: liberdade diante de todas as servidões, inclusive as que falam em seu nome.

FONTES:

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