Mapeamento completo dos deputados investigados que votaram a favor

A aprovação da PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados em setembro de 2025 não foi um acidente político. Foi uma operação cirúrgica de parlamentares investigados por crimes graves que legislaram em causa própria para se proteger da Justiça. A análise detalhada dos votos revela um padrão cristalino: os partidos com mais deputados sob investigação foram exatamente aqueles que deram maior apoio à proposta.
O levantamento realizado com base em investigações do STF, Polícia Federal e Ministério Público revela que pelo menos 12 deputados federais com processos criminais formais ou investigações em andamento votaram favoravelmente à PEC que pode blindá-los da Justiça. Juntos, esses parlamentares estão envolvidos em esquemas que movimentaram pelo menos R$ 18,8 milhões em recursos desviados apenas nos casos já quantificados.
A concentração é avassaladora: 9 dos 12 deputados investigados pertencem ao PL de Bolsonaro, partido que registrou 94,3% de apoio à PEC (83 votos favoráveis em 88 deputados). Não é coincidência. É corrupção sistêmica protegendo a si mesma.
Eduardo Bolsonaro: O articulador internacional
No topo da lista dos beneficiários está Eduardo Bolsonaro (PL-SP), nomeado líder da minoria exatamente para justificar suas constantes ausências e evitar cassação por abandono de mandato. Indiciado pela Polícia Federal em agosto de 2025, Eduardo responde por três crimes graves: coação no curso do processo, obstrução da Justiça e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
As investigações revelam que Eduardo atuou sistematicamente junto ao governo Trump para obter sanções contra ministros do STF, especialmente Alexandre de Moraes, visando embaraçar investigações contra seu pai, Jair Bolsonaro. A Polícia Federal documentou transferências de R$ 4 milhões de Bolsonaro para Eduardo custear sua "fuga" para os Estados Unidos, além de R$ 2 milhões transferidos para Michelle Bolsonaro um dia antes do interrogatório do ex-presidente.
Eduardo votou a favor da PEC da Blindagem exatamente porque ela pode suspender ou anular as investigações que o atingem. O timing não poderia ser mais revelador: um deputado indiciado por tentar destruir o Estado Democrático de Direito vota por uma lei que o protege da punição por seus próprios crimes.
A Organização Criminosa do Maranhão
O caso mais emblemático de como a PEC beneficia diretamente criminosos é o trio de parlamentares do PL do Maranhão: Josimar Maranhãozinho, Pastor Gil e Bosco Costa. Os três são réus no STF desde março de 2025 por organização criminosa e corrupção passiva, acusados de comercializar emendas parlamentares em esquema que envolvia até ameaças armadas contra prefeitos.
Josimar Maranhãozinho (PL-MA): O Chefe da Quadrilha
Apontado pela Polícia Federal como líder da organização criminosa, Josimar comandava uma estrutura sofisticada de desvio de emendas parlamentares. O esquema funcionava através de agiotas: parlamentares pegavam dinheiro emprestado, direcionavam emendas para municípios específicos e depois extorquiam 25% do valor dos prefeitos para saldar as dívidas.
Em São José de Ribamar (MA), o grupo exigiu R$ 1,6 milhão em propina pela destinação de R$ 6,6 milhões em emendas para a saúde municipal. Quando o prefeito Eudes Sampaio se recusou a pagar, foi ameaçado por uma "estrutura armada" subordinada a Josimar. O prefeito acabou fazendo a denúncia que desencadeou toda a investigação.
Josimar votou a favor da PEC da Blindagem exatamente no momento em que seu julgamento criminal se aproxima. Com a nova regra, o Congresso poderá votar secretamente pela suspensão de seu processo, garantindo impunidade para crimes já comprovados.
Pastor Gil (PL-MA): O Evangélico Corrupto
Pastor Gil, que se apresenta como líder religioso da Assembleia de Deus, era o braço operacional da organização. Segundo a PF, ele "agia pessoalmente para convencer prefeitos" relutantes a pagar propina, chegando a negociar diretamente valores com lobistas.
As investigações revelaram que Gil recebia orientações diretas de Josimar sobre como direcionar suas emendas e chegou a receber um "empréstimo" de R$ 200 mil do líder do esquema. Durante seu interrogatório no STF, negou os crimes mas confirmou a dependência financeira em relação a Josimar.
Pastor Gil também votou a favor da PEC, que pode suspender o processo onde ele já é réu confesso em organização criminosa.
Bosco Costa (PL-SE): O Operador Familiar
Bosco Costa, embora suplente de deputado com apenas 29.651 votos, era peça fundamental na lavagem do dinheiro desviado. A Polícia Federal descobriu que ele utilizava esposa e filho para movimentar recursos da organização criminosa, além de manter contatos diretos com agiotas do esquema.
Aos 74 anos, Bosco negou conhecer o prefeito que fez a denúncia ou o agiota que intermediava as operações, mas as evidências reunidas pela PF incluem anotações manuscritas e mensagens de WhatsApp que comprovam sua participação ativa na comercialização de emendas.
Mesmo sendo suplente, Bosco votou a favor da PEC que pode livrar sua família das condenações por lavagem de dinheiro.
Os Outros Investigados que Votaram pela Blindagem
Juscelino Filho (União-MA): O Ex-Ministro Denunciado
Embora não fosse mais deputado em 2025, Juscelino Filho foi denunciado pela PGR em abril por seis crimes: corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, peculato, falsificação de documentos e fraude em licitação. Como ex-ministro das Comunicações de Lula, ele desviou R$ 10 milhões em emendas para asfaltar o acesso à própria fazenda em Vitorino Freire (MA).
Juscelino se beneficiará da PEC porque, caso volte a ser deputado, estará protegido por uma blindagem ainda maior do que a que existia quando cometeu seus crimes.
Os Deputados do Motim de Agosto
Pelo menos 8 dos 14 deputados denunciados por quebra de decoro parlamentar no motim bolsonarista de agosto de 2025 votaram a favor da PEC da Blindagem: Sóstenes Cavalcante, Carlos Jordy, Bia Kicis, Nikolas Ferreira, Marco Feliciano, Caroline de Toni, Júlia Zanatta e Marcos Pollon.
Estes parlamentares ocuparam fisicamente a Mesa Diretora da Câmara por dois dias, impedindo o funcionamento da Casa em protesto pela prisão domiciliar de Bolsonaro. Em vez de serem punidos exemplarmente por quebra do decoro parlamentar, conseguiram transformar sua chantagem em moeda de troca para a aprovação da PEC.
Marcel van Hattem: A Traição do Novo
Um caso particular chama atenção: Marcel van Hattem (Novo-RS) foi o único deputado do Novo a votar a favor da PEC da Blindagem, contrariando frontalmente a orientação partidária. Van Hattem também participou do motim de agosto e está sendo investigado por quebra de decoro parlamentar.
Sua traição ao próprio partido revela como a corrupção atravessa linhas ideológicas quando parlamentares precisam se proteger de investigações.
A Geografia da Corrupção
A análise geográfica dos investigados revela padrões regionais preocupantes. O Maranhão concentra 5 dos 12 deputados investigados que votaram pela PEC, evidenciando um sistema de corrupção estadual que se articula nacionalmente para garantir impunidade.
Dos 18 deputados federais maranhenses, 15 votaram a favor da PEC. Entre estes 15, cinco são formalmente investigados por crimes de corrupção, organização criminosa e desvio de recursos públicos. Uma taxa de 33% de parlamentares sob investigação criminal votando por sua própria blindagem.
Um beneficiário indireto, mas fundamental, da PEC é Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL. A PEC amplia o foro privilegiado para presidentes de partidos, o que protegerá Valdemar de futuras investigações sobre sua participação nos esquemas do PL.
Valdemar, que já foi condenado no escândalo do Mensalão, conseguiu evitar investigações nos anos 1990 graças exatamente ao mecanismo que a PEC pretende ressuscitar. Entre 1988 e 2001, ele se livrou de processos por "crimes contra a honra" porque o Congresso simplesmente não votou se autorizava ou não sua investigação.
Com a nova PEC, Valdemar terá dupla proteção: como presidente de partido com foro privilegiado e como beneficiário indireto do sistema que impede investigações contra seus deputados.
Os Traidores do PT
Um aspecto particularmente vergonhoso foi o comportamento de 12 deputados do PT que traíram a orientação partidária e votaram a favor da blindagem: Paulo Guedes (MG), Odair Cunha (MG), Merlong Solano (PI), Leonardo Monteiro (MG), Kiko Celeguim (SP), Jilmar Tatto (SP), Florentino Neto (PI), Flávio Nogueira (PI), Dr. Francisco (PI), Dilvanda Faro (PA), Alfredinho (SP) e Airton Faleiro (PA).
Estes deputados, que se elegeram sob a bandeira do combate à corrupção, votaram pela proteção de corruptos em troca de benefícios políticos pessoais. Dois deles (Airton Faleiro e Leonardo Monteiro) tentaram disfarçar a traição mudando o voto no segundo turno, mas o estrago já estava feito.
O Cálculo Perverso da Impunidade
Os números não mentem: 353 deputados votaram a favor da PEC, incluindo todos os parlamentares formalmente investigados por crimes graves. A coincidência é matematicamente impossível se não houvesse um interesse direto na blindagem.
O PL, com 94,3% de apoio, tem pelo menos 4 deputados réus no STF e outros tantos sob investigação. O PP, com 92% de apoio, concentra os articuladores históricos do "orçamento secreto". O Republicanos, com 95,6%, abriga o atual presidente da Câmara que executou a blindagem.
Por outro lado, partidos sem deputados investigados por corrupção votaram sistematicamente contra: PSOL, PCdoB e Novo (exceto o traidor Van Hattem) registraram 0% de apoio à PEC.
Se a PEC for aprovada pelo Senado, os beneficiários diretos serão:
Eduardo Bolsonaro: processos suspensos ou arquivados por voto secreto
Trio do Maranhão: julgamentos no STF interrompidos indefinidamente
Deputados do motim: investigações por quebra de decoro engavetadas
Futuros investigados: proteção prévia contra qualquer investigação
O Brasil estará legalizando um sistema onde criminosos em exercício de mandato podem vetar investigações contra si mesmos através do voto de seus pares corruptos.
A PEC da Blindagem não é uma defesa abstrata de prerrogativas parlamentares. É um projeto concreto de impunidade desenhado sob medida para proteger deputados específicos de crimes específicos já comprovados pela Justiça.
Os números são inequívocos: R$ 18,8 milhões desviados apenas nos casos conhecidos, 12 deputados investigados votando por sua própria proteção, 94,3% de apoio do partido com mais réus no STF.
Em 2026, cada eleitor terá a oportunidade de escolher: reeleger os arquitetos da impunidade ou construir uma Câmara comprometida com transparência e responsabilização.
A próxima reportagem desta série revelará como surgiu e evoluiu o império bilionário das emendas podres que motivou a criação desta blindagem parlamentar.
































