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Opinião – A aprovação do requerimento de urgência do PL da Anistia na Câmara dos Deputados marca um momento vergonhoso na política brasileira, revelando o tamanho da chantagem orquestrada por figuras como Paulinho da Força, Eduardo Bolsonaro e os partidos do centrão contra as instituições democráticas.


Por Raul Silva, para O estopim | 26 de setembro de 2025


Arthur Lira (PP-SE) e políticos aliados do chamado Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Arthur Lira (PP-SE) e políticos aliados do chamado Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Com 70% de desaprovação ao trabalho da Câmara e clara rejeição popular à PEC da Blindagem, os parlamentares não apenas ignoram a vontade do povo, mas ainda ousam disfarçar seus crimes de anistia como "dosimetria" – um eufemismo covarde para perdoar golpistas. A manobra de Paulinho da Força deixa explícita a natureza chantagista da operação: se não aprovarem a "dosimetria", ele transformará tudo numa anistia ampla. O relator admite abertamente que "Bolsonaro vai ser beneficiado" e que o projeto "tem que beneficiar a todos", incluindo o ex-presidente condenado a 27 anos de prisão. Esta não é negociação – é extorsão pura contra a democracia brasileira.


Eduardo Bolsonaro, mesmo com o próprio partido rejeitando a PEC da Blindagem no Senado, continua atacando senadores que barraram a proposta, demonstrando o desespero da extrema-direita em blindar seus crimes. O deputado chama de "serviçais complacentes dos tiranos" justamente aqueles que defenderam as instituições democráticas contra suas investidas autoritárias.


A hipocrisia do centrão atinge níveis grotescos quando analisamos os votos na PEC da Blindagem e no PL da Anistia. O PP (Progressistas) teve 38 deputados votando a favor da PEC da Blindagem e 43 apoiando a urgência da anistia, com seu deputado Claudio Cajado sendo o próprio relator da blindagem. É um partido que se vende ao melhor ofertante, demonstrando absoluta falta de princípios democráticos. O União Brasil confirmou sua natureza oportunista com 54 votos pela blindagem e 49 pela anistia, mostrando coesão apenas na defesa dos interesses escusos. Mudaram de posição apenas quando sentiram a pressão das ruas, revelando oportunismo puro e total desrespeito pela coerência política.


O Republicanos manteve 42 votos pela blindagem e 40 pela anistia, sustentando fidelidade aos interesses anti-democráticos. Hugo Motta, do partido, escolheu Paulinho da Força como relator, demonstrando cumplicidade total com o projeto golpista. O PSD, partido da Governadora de Pernambuco Raquel Lyra, apareceu dividido na blindagem com 25 votos a favor e 18 contra, mas se unificou com 28 votos pela anistia, mostrando que a divisão interna não impediu o apoio majoritário aos golpistas quando realmente importava. O MDB, sempre fiel à tradição de apoiar qualquer medida que beneficie o poder estabelecido, contribuiu com 21 votos pela anistia.


A extrema-direita organizou-se de forma ainda mais disciplinada, com o PL sendo unânime em suas posições: 83 deputados votaram pela blindagem e 85 pela anistia. Zero votos contrários em ambas as ocasiões, demonstrando disciplina férrea na defesa dos interesses bolsonaristas. Mesmo quando seus próprios senadores recuaram no Senado por pressão popular, a bancada da Câmara manteve fidelidade absoluta ao projeto golpista. Outros partidos da extrema-direita como o PRD, com 5 votos pela anistia sem qualquer oposição interna, também se alinharam completamente aos interesses antidemocráticos.


Os números da pesquisa são cristalinos e reveladores da indignação popular: 70% de desaprovação ao trabalho da Câmara e clara rejeição à blindagem parlamentar. Mesmo assim, 311 deputados ignoraram solenemente a vontade popular para aprovar a urgência da anistia aos golpistas. A pesquisa Ipespe revela que a população brasileira não é ingênua: 58% dos eleitores rejeitam Bolsonaro entre eleitores de centro, 77% entre eleitores de Lula, e a avaliação é majoritariamente negativa entre pobres (52%) e classe média (51%). O povo sabe identificar quem são os verdadeiros inimigos da democracia, mas ainda precisa demonstrar essa consciência nas urnas.


Aqui reside a maior contradição brasileira: o mesmo eleitorado que desaprova essas medidas antidemocráticas continua votando nos mesmos partidos e políticos que as promovem. Não adianta se indignar hoje se amanhã voltaremos a eleger deputados do PP, União Brasil, Republicanos, PSD, MDB e PL. A população reclama da blindagem parlamentar mas elege os parlamentares que a aprovam. Protesta contra a anistia aos golpistas mas vota nos partidos que a defendem. Esta incoerência eleitoral é exatamente o que permite que a chantagem continue funcionando de forma eficaz.


A eleição de 2026 representa a oportunidade histórica de promover uma verdadeira limpeza no Congresso Nacional, mas isso exige consciência e coerência eleitoral do povo brasileiro. Cada voto dado aos partidos que apoiaram a blindagem e a anistia é, na prática, um voto contra a democracia brasileira. É preciso consciência eleitoral para não repetir os mesmos erros que nos trouxeram até este momento de chantagem institucional. Não se pode votar em candidatos do PL, partido que foi unânime na defesa da blindagem e da anistia, mantendo fidelidade absoluta aos interesses bolsonaristas mesmo com Bolsonaro condenado pela Justiça.


É necessário rejeitar completamente o Centrão: PP, União Brasil, Republicanos, PSD e MDB provaram ser absolutamente relativistas na defesa da democracia, mudando de posição apenas quando é conveniente politicamente. Deve-se identificar e rejeitar os políticos oportunistas que ora apoiam o governo, ora se alinham com golpistas, dependendo exclusivamente da conveniência do momento e dos interesses pessoais.


O Brasil não será verdadeiramente democratizado enquanto o eleitorado mantiver a esquizofrenia política de reprovar medidas antidemocráticas mas eleger sistematicamente seus promotores. A chantagem de Paulinho da Força, as investidas golpistas de Eduardo Bolsonaro e o oportunismo desenfreado do centrão só funcionam porque sabem que o povo brasileiro tem memória curta na hora do voto e não consegue estabelecer a necessária conexão entre indignação e ação eleitoral.


A verdadeira blindagem que o Brasil precisa não é a parlamentar – é a blindagem eleitoral contra políticos que atentam sistematicamente contra a democracia. Enquanto não tivermos a coragem coletiva de aplicar essa medicina amarga nas urnas, continuaremos eternamente prisioneiros do círculo vicioso que mantém no poder justamente aqueles que nos traem diariamente no Congresso Nacional. A responsabilidade é integralmente nossa: de cada eleitor que, indignado hoje com a chantagem parlamentar, precisa ser absolutamente coerente amanhã na urna eletrônica. Só assim quebraremos definitivamente a chantagem institucionalizada e começaremos a verdadeira limpeza democrática que o Brasil tanto necessita e merece para se tornar uma nação verdadeiramente livre e democrática.

 
 
 

Em uma das votações mais polêmicas dos últimos tempos no Congresso Nacional, a aprovação da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados expôs contradições profundas no cenário político pernambucano. O voto favorável do deputado Pedro Campos (PSB-PE) à proposta que dificulta investigações contra parlamentares não apenas chocou seus eleitores, mas também lançou uma sombra sobre as ambições governamentais de seu irmão, João Campos (PSB), prefeito do Recife. A pergunta que ressoa pelos corredores políticos de Pernambuco é cristalina: como o prefeito pretende se contrapor à governadora Raquel Lyra (PSD) nas eleições de 2026, quando seu próprio partido e família protagonizam o mesmo tipo de blindagem que beneficia os adversários políticos?


Pedro Campos, político do PSB pernambucano, vestido com traje formal e braços cruzados em retrato profissional
Pedro Campos, político do PSB pernambucano

A PEC da Vergonha e o voto familiar inconveniente


A aprovação da PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados, com 344 votos favoráveis contra 133 contrários, representou um dos episódios mais controversos da atual legislatura. A proposta, que restabelece regras vigentes entre 1988 e 2001, impõe que o Supremo Tribunal Federal (STF) necessite de autorização prévia do Congresso para abrir processos criminais contra parlamentares. Entre 1988 e 2001, período em que essa regra vigorou, apenas um dos 253 pedidos do STF para processar parlamentares foi aceito.


O voto de Pedro Campos a favor da medida causou revolta entre seus eleitores do Sertão do Pajeú, que lotaram suas redes sociais com críticas devastadoras. Mensagens como "Perdeu meu voto votando SIM à PEC da Blindagem" e "Confesso que foi o voto da PEC da Bandidagem que eu mais senti" demonstram o nível de decepção popular. Mais significativo ainda foi o comentário premonitório: "@joaocampos seu irmão vai acabar atrapalhando sua campanha".


João Campos em um cenário formal representando o contexto político do PSB em Pernambuco
João Campos PSB - Pernambuco 

 

A repercussão negativa do voto de Pedro Campos expõe uma contradição fundamental no discurso político da família Campos. Enquanto João Campos busca construir uma imagem de renovação política e combate aos privilégios estabelecidos, seu irmão vota para blindar parlamentares de investigações criminais. Essa incoerência familiar torna-se ainda mais problemática quando consideramos que João Campos lidera as pesquisas para governador com 55% a 57% das intenções de voto, posicionando-se como alternativa à atual governadora.


O PSB e a hipocrisia da vice-presidência


A situação torna-se ainda mais grave quando analisamos a posição do PSB no cenário nacional. O partido ocupa a vice-presidência da República com Geraldo Alckmin e integra oficialmente a base governista de Lula. No entanto, na votação da PEC da Blindagem, cinco dos seis deputados federais do PSB pernambucano votaram a favor da medida que contraria frontalmente os interesses do governo federal.


Esta contradição não é isolada. Em junho de 2025, durante a votação sobre o aumento do IOF, o PSB apresentou comportamento similar: nove deputados do partido votaram pela derrubada dos decretos do governo, enquanto apenas três mantiveram fidelidade à base governista. Dos 11 partidos com ministérios no governo Lula, 63,2% dos votos foram contrários ao governo, evidenciando o derretimento da base parlamentar.


O presidente nacional do PSB, João Campos, encontra-se em uma posição insustentável: como líder de um partido que ocupa a vice-presidência, mas cujos parlamentares sistematicamente votam contra o governo que ajudam a sustentar? Como explicar aos eleitores que, enquanto Alckmin representa o PSB no Palácio do Planalto, os deputados da legenda em Pernambuco blindam investigações que podem beneficiar opositores do governo federal?


Raquel Lyra: A Aproximação Perigosa com o Bolsonarismo


Por outro lado, a governadora Raquel Lyra também enfrenta contradições políticas significativas em sua trajetória. Após deixar o PSDB e migrar para o PSD em março de 2025, Lyra tem adotado uma postura ambígua que ora se aproxima do governo federal, ora flerta com setores bolsonaristas.


Durante seu governo, Raquel manteve o PL de Bolsonaro em sua base aliada, com indicações estratégicas como Ivaneide Dantas na Secretaria de Educação e Anselmo de Araújo Lima na Secretaria Executiva de Justiça. Esta aliança com o PL representa uma proximidade perigosa com o bolsonarismo, especialmente considerando que Pernambuco foi um dos estados que mais rejeitou Bolsonaro nas eleições de 2022, com 70% dos votos para Lula.


Governadora de Pernambuco
Governadora Raquel Lyra PSD - Pernambuco

A migração para o PSD, partido de Gilberto Kassab que tem como principais nomes os governadores Ratinho Júnior (Paraná) e Tarcísio de Freitas (São Paulo), posiciona Raquel Lyra em um campo político de centro-direita que pode lhe render dividendos eleitorais, mas também a afasta do governo federal que ela tanto buscou apoiar. Kassab deixou claro que o PSD terá candidato próprio à Presidência em 2026, contrariando os planos de Lyra de apoiar Lula.


Os números devastadores da violência em Pernambuco


Enquanto os principais candidatos ao governo estadual navegam entre contradições políticas e alianças questionáveis, Pernambuco vive uma situação de calamidade na segurança pública que expõe as fragilidades de ambas as gestões.


Os dados são alarmantes: entre janeiro e abril de 2025, foram registradas 35 mulheres mortas por feminicídio, o dobro do mesmo período do ano anterior. No primeiro semestre de 2025, 12 pessoas em situação de rua foram baleadas e mortas no Grande Recife, o maior número desde que o Instituto Fogo Cruzado iniciou o monitoramento há sete anos. Entre crianças e adolescentes, 52 pessoas com idades entre 4 e 17 anos perderam suas vidas por arma de fogo em Pernambuco.


SINPOL-PE alerta para aumento da violência na zona sul do Recife, destacando preocupações com a segurança pública em Pernambuco
SINPOL-PE alerta para aumento da violência na zona sul do Recife, destacando preocupações com a segurança pública em Pernambuco

Embora o governo estadual divulgue reduções percentuais nos índices de violência - alegando queda de 11% nas Mortes Violentas Intencionais no primeiro semestre de 2025 - a realidade nas ruas contradiz os números oficiais. O presidente da Assembleia Legislativa, Álvaro Porto (PSDB), denunciou que apenas em um fim de semana foram registrados 26 assassinatos.


A governadora Raquel Lyra, que prometeu reduzir 30% da violência armada letal até 2026, está cada vez mais distante de cumprir sua meta. Se a média atual se mantiver, 2024 fecharia com uma taxa de 43,3 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes, bem acima da meta de 26,5 estabelecida pelo governo.


João Campos: O prefeito entre o Marketing e os Problemas Reais


Por sua vez, João Campos, apesar de liderar as pesquisas eleitorais com aprovação de 80% a 82% no Recife, enfrenta questionamentos sobre a real efetividade de sua gestão municipal. O prefeito iniciou seu segundo mandato tendo que dar explicações ao Tribunal de Contas do Estado sobre um suposto superfaturamento de R$ 7,8 milhões na construção do Hospital da Criança.


  Police officers lined up next to police vehicles illustrating security presence in Pernambuco 

Além disso, João Campos é constantemente criticado por investir prioritariamente em marketing digital e promoção pessoal, sendo o "prefeito do Brasil mais seguido nas redes sociais", enquanto questões estruturais como saneamento básico e segurança pública permanecem sem soluções definitivas. Seus adversários o acusam de "investir em marketing e não enfrentar as questões urgentes da cidade".


A gestão de creches municipais também gerou controvérsias durante a campanha de 2024, com adversários apontando irregularidades nos contratos. Esta situação coloca em xeque o discurso de eficiência administrativa que João Campos pretende levar para o governo estadual.


A calamidade política: Autoritarismo disfarçado de Democracia


O cenário que se desenha em Pernambuco para 2026 é de uma disputa entre dois projetos que, cada um à sua maneira, flertam perigosamente com o autoritarismo. De um lado, temos João Campos, cujo partido sistematicamente vota contra o governo federal que afirma apoiar, e cuja família protagoniza episódios de blindagem parlamentar que contradizem o discurso de transparência.


Do outro lado, Raquel Lyra representa um projeto que se equilibra precariamente entre o apoio ao governo federal e alianças com setores bolsonaristas, em um estado que rejeitou massivamente Bolsonaro. Sua migração para o PSD, partido que já anuncia candidatura própria à Presidência contra Lula, evidencia o caráter oportunista de suas alianças políticas.


A aprovação da PEC da Blindagem, com votos decisivos tanto do PSB quanto do PSD, revela que ambos os partidos compartilham a mesma lógica corporativista que protege políticos de investigações. Esta convergência autoritária, disfarçada de debate democrático, expõe que a disputa de 2026 pode ser entre dois projetos que, fundamentalmente, defendem os mesmos privilégios estabelecidos.

 
 
 

Como surgiu a PEC da Blindagem e quem são seus verdadeiros beneficiários


Na madrugada de 16 de fevereiro de 2021, uma operação da Polícia Federal mudaria para sempre o curso da política brasileira. Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, agentes prenderam em flagrante o deputado federal Daniel Silveira (então PSL-RJ) em sua residência no Rio de Janeiro. O crime: ataques frontais, ameaças e incitação à violência contra ministros da mais alta Corte do país através de um vídeo publicado nas redes sociais.


Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, em Brasília, em 02/04/2025 — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, em Brasília, em 02/04/2025 — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

O que Silveira não imaginava é que sua prisão se tornaria o estopim para a criação da mais audaciosa tentativa de blindagem parlamentar da história republicana brasileira: a PEC da Blindagem. Uma proposta que, quatro anos e sete meses depois, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em setembro de 2025, com o objetivo explícito de proteger parlamentares corruptos das investigações da Justiça.


O nascimento de um Projeto de Impunidade



Arthur Lira - Sergio Lima / AFP
Arthur Lira - Sergio Lima / AFP

Apenas nove dias após a prisão de Daniel Silveira, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já articulava nos bastidores a resposta que se tornaria conhecida como "PEC da Blindagem". Em conversas na residência oficial da presidência da Câmara e em seu gabinete, Lira reuniu o grupo que o ajudou a se eleger para comandar a Casa e decidiu que a PEC seria uma forma de dar um "basta" no Supremo, sob o risco de outros deputados acabarem presos por ordem de Alexandre de Moraes.


A proposta original foi apresentada por Celso Sabino, deputado que era do PSDB-PA em 2021 e hoje é ministro do Turismo pelo União Brasil. Mas desde o início ficou claro que o verdadeiro articulador e mentor intelectual da blindagem era Arthur Lira, que transformou a reação corporativista em sua principal bandeira política.


O estratagema era simples e revelador: criar uma barreira legal intransponível entre os parlamentares corruptos e as investigações do STF. Na prática, a PEC tornaria quase nulos os caminhos para punir judicialmente um congressista, alterando dispositivos fundamentais da Constituição de 1988.


A farsa do "retorno à Constituição Original"


Um dos pontos mais desonestos da narrativa construída pelos defensores da PEC é a afirmação de que ela apenas "retoma o texto original da Constituição de 1988". Esta é uma mentira deliberada que precisa ser desmascarada com fatos históricos irrefutáveis.


A Constituição promulgada em 1988 não previa votação secreta para autorizar processos contra parlamentares. Este mecanismo foi criado posteriormente e revogado pelo próprio Congresso em 2001, devido às críticas sobre a impunidade que gerava. Entre 1988 e 2001, período em que vigorou a regra da autorização prévia, apenas um parlamentar foi processado criminalmente de 254 pedidos encaminhados ao Congresso - uma taxa de impunidade de 99,6%.


A PEC aprovada em 2025 não apenas ressuscita essa blindagem histórica, mas a amplia significativamente. O texto atual inclui:


  • Votação secreta obrigatória para autorizar processos (inexistente no texto original de 1988)

  • Foro privilegiado para presidentes de partidos (nova proteção que beneficia figuras como Valdemar Costa Neto)

  • Restrições ainda maiores à prisão de parlamentares

  • Prazo de 90 dias para análise dos pedidos, com possibilidade de engavetamento indefinido


O Centrão e sua Máquina de Corrupção


A aprovação da PEC da Blindagem não foi um acidente ou uma reação espontânea. Foi o resultado de uma operação meticulosamente planejada pelo Centrão - bloco de partidos conservadores formado principalmente por PP, União Brasil, Republicanos e MDB - para proteger um sistema de corrupção bilionário centrado no desvio de emendas parlamentares.


Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Arthur Lira, o principal arquiteto desta engenharia de impunidade, comandou a Câmara de 2021 a 2025 sob constante suspeita de irregularidades. Durante sua gestão, explodiram os escândalos das "emendas PIX" e do "orçamento secreto", esquemas que movimentaram dezenas de bilhões de reais sem transparência ou rastreabilidade.


Quando Hugo Motta (Republicanos-PB) assumiu a presidência da Câmara em 2025, herdou não apenas o cargo, mas também a missão de blindar o sistema criado por Lira. A escolha de Claudio Cajado (PP-BA) como relator da PEC não foi coincidência: Cajado é aliado histórico de Lira e representa os interesses do Centrão na proteção de seus esquemas.


O Motim de agosto: chantagem explícita


O episódio que precipitou a aprovação da PEC foi o motim organizado por deputados bolsonaristas nos dias 5 e 6 de agosto de 2025. Após a decisão de Alexandre de Moraes de manter Jair Bolsonaro em prisão domiciliar por obstrução da Justiça, parlamentares do PL e aliados ocuparam fisicamente a Mesa Diretora da Câmara, impedindo o funcionamento da Casa por dois dias consecutivos.


Deputados da oposição obstruindo os trabalhos do Congresso em Julho de 2025 - Foto: Reprodução de Redes Sociais
Deputados da oposição obstruindo os trabalhos do Congresso em Julho de 2025 - Foto: Reprodução de Redes Sociais

A lista dos 14 deputados denunciados pelo motim é um retrato fiel da base política que sustenta os esquemas de corrupção:


Deputados denunciados por quebra de decoro:

  • Marcos Pollon (PL-MS)

  • Zé Trovão (PL-SC)

  • Júlia Zanatta (PL-SC)

  • Marcel van Hattem (Novo-RS)

  • Paulo Bilynskyj (PL-SP)

  • Sóstenes Cavalcante (PL-RJ)

  • Nikolas Ferreira (PL-MG)

  • Zucco (PL-RS)

  • Allan Garcês (PP-TO)

  • Caroline de Toni (PL-SC)

  • Marco Feliciano (PL-SP)

  • Bia Kicis (PL-DF)

  • Domingos Sávio (PL-MG)

  • Carlos Jordy (PL-RJ)


Hugo Motta, em vez de punir exemplarmente os golpistas, usou o episódio como moeda de troca. O acordo foi explícito: em troca de não suspender os deputados do motim, o Centrão aceleraria a tramitação da PEC da Blindagem e, como contrapartida, barraria a tramitação de qualquer proposta de anistia para Bolsonaro.


Não foi coincidência que a PEC da Blindagem tenha sido aprovada exatamente no momento em que as investigações do STF sobre desvios em emendas parlamentares atingiram seu auge. Em setembro de 2025, véspera da votação, o ministro Flávio Dino suspendeu R$ 670 milhões em emendas com "indícios de crimes" e determinou que a Polícia Federal investigasse irregularidades em nove dos dez municípios que mais receberam emendas PIX.


Os dados são escandolosos: entre 2020 e 2024, mais de R$ 17,5 bilhões foram transferidos através das emendas PIX sem transparência adequada. A Controladoria-Geral da União identificou superfaturamento, contratação de empresas fantasmas, desvio de finalidade e uma série de crimes que beneficiaram diretamente os parlamentares que votaram a favor da blindagem.


Os verdadeiros beneficiários


A análise dos deputados que votaram favoravelmente à PEC revela um padrão cristalino: os partidos com mais investigados são exatamente aqueles que deram maior apoio à blindagem. O PL de Bolsonaro, com 94,3% de apoio (83 de 88 deputados), tem pelo menos quatro parlamentares réus por organização criminosa e corrupção passiva.

Entre os beneficiários diretos estão:


Eduardo Bolsonaro (PL-SP): Investigado por três crimes, incluindo coação e obstrução da Justiça. Votou a favor da PEC que pode protegê-lo de futuras condenações.


Josimar Maranhãozinho (PL-MA): Réu por organização criminosa e corrupção passiva, acusado de receber R$ 1,6 milhão em propina. Votou pela blindagem.


Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE): Ambos réus no mesmo esquema de Maranhãozinho, também votaram a favor de sua própria proteção.


Juscelino Filho (União-MA): Ex-ministro das Comunicações denunciado por seis crimes, incluindo corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo R$ 10 milhões em emendas desviadas.


O texto final aprovado pela Câmara representa uma obra-prima da engenharia jurídica voltada para a impunidade. Sob a relatoria de Claudio Cajado, a PEC estabelece:


  1. Votação secreta obrigatória para autorizar qualquer processo contra parlamentar

  2. Prazo de 90 dias para análise, com possibilidade de engavetamento indefinido

  3. Maioria absoluta necessária para autorizar processos (257 deputados ou 41 senadores)

  4. Foro privilegiado estendido a presidentes de partidos

  5. Restrição extrema à prisão de parlamentares


Na prática, isso significa que parlamentares corruptos poderão barrar investigações contra si mesmos através do voto dos próprios pares, criando um sistema de proteção mútua que torna quase impossível a responsabilização criminal de congressistas.


Um aspecto particularmente revelador foi o comportamento de parlamentares que traíram as orientações de seus próprios partidos. Doze deputados do PT votaram a favor da PEC, contrariando frontalmente a orientação partidária e os princípios históricos de combate à corrupção.


Os 12 deputados do PT que votaram a favor da “PEC da Blindagem” na votação de 16/09/2025 (1º turno):


  • Airton Faleiro (PA)

  • Alfredinho (SP)

  • Dilvanda Faro (PA)

  • Francisco “Dr. Francisco” (PI)

  • Flávio Nogueira (PI)

  • Florentino Neto (PI)

  • Jilmar Tatto (SP)

  • Kiko Celeguim (SP)

  • Leonardo Monteiro (MG)

  • Merlong Solano (PI)

  • Odair Cunha (MG)

  • Paulo Guedes (MG)


Obs.: no 2º turno (ainda em 16/09), Airton Faleiro e Leonardo Monteiro mudaram o voto para “não”.


Estes deputados, cujos nomes devem ser lembrados pela história como colaboradores da impunidade, incluem parlamentares que se beneficiam diretamente de emendas parlamentares e temem futuras investigações sobre o uso desses recursos.


A reação do sistema de justiça


A aprovação da PEC representa uma declaração de guerra explícita ao sistema de Justiça brasileiro. Alexandre de Moraes e Flávio Dino, os dois ministros do STF mais ativos no combate à corrupção parlamentar, viram suas investigações serem frontalmente atacadas por uma maioria corrupta que legisla em causa própria.


O timing da aprovação - um dia após Dino suspender centenas de milhões em emendas suspeitas - não poderia ser mais revelador sobre as verdadeiras motivações dos parlamentares. Não se trata de defender "prerrogativas parlamentares", mas sim de blindar esquemas bilionários de corrupção.


A PEC da Blindagem não nasceu de uma preocupação legítima com o equilíbrio entre os poderes ou com as prerrogativas parlamentares. Ela é o produto de uma elite política corrupta que, acuada pelas investigações da Justiça, decidiu usar seu poder legislativo para se colocar acima da lei.


O que vimos em setembro de 2025 não foi o Parlamento defendendo a democracia, mas sim 353 deputados votando pela institucionalização da impunidade. Uma mancha que marca para sempre a história da Câmara dos Deputados e que deve ser lembrada por cada eleitor em 2026.


A próxima reportagem desta série revelará em detalhes quem são os deputados investigados que se beneficiarão diretamente desta blindagem, expondo os crimes pelos quais respondem e os valores envolvidos em seus esquemas de corrupção.


 
 
 
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