- Raul Silva 
- 18 de set.
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Em uma das votações mais polêmicas dos últimos tempos no Congresso Nacional, a aprovação da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados expôs contradições profundas no cenário político pernambucano. O voto favorável do deputado Pedro Campos (PSB-PE) à proposta que dificulta investigações contra parlamentares não apenas chocou seus eleitores, mas também lançou uma sombra sobre as ambições governamentais de seu irmão, João Campos (PSB), prefeito do Recife. A pergunta que ressoa pelos corredores políticos de Pernambuco é cristalina: como o prefeito pretende se contrapor à governadora Raquel Lyra (PSD) nas eleições de 2026, quando seu próprio partido e família protagonizam o mesmo tipo de blindagem que beneficia os adversários políticos?

A PEC da Vergonha e o voto familiar inconveniente
A aprovação da PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados, com 344 votos favoráveis contra 133 contrários, representou um dos episódios mais controversos da atual legislatura. A proposta, que restabelece regras vigentes entre 1988 e 2001, impõe que o Supremo Tribunal Federal (STF) necessite de autorização prévia do Congresso para abrir processos criminais contra parlamentares. Entre 1988 e 2001, período em que essa regra vigorou, apenas um dos 253 pedidos do STF para processar parlamentares foi aceito.
O voto de Pedro Campos a favor da medida causou revolta entre seus eleitores do Sertão do Pajeú, que lotaram suas redes sociais com críticas devastadoras. Mensagens como "Perdeu meu voto votando SIM à PEC da Blindagem" e "Confesso que foi o voto da PEC da Bandidagem que eu mais senti" demonstram o nível de decepção popular. Mais significativo ainda foi o comentário premonitório: "@joaocampos seu irmão vai acabar atrapalhando sua campanha".

A repercussão negativa do voto de Pedro Campos expõe uma contradição fundamental no discurso político da família Campos. Enquanto João Campos busca construir uma imagem de renovação política e combate aos privilégios estabelecidos, seu irmão vota para blindar parlamentares de investigações criminais. Essa incoerência familiar torna-se ainda mais problemática quando consideramos que João Campos lidera as pesquisas para governador com 55% a 57% das intenções de voto, posicionando-se como alternativa à atual governadora.
O PSB e a hipocrisia da vice-presidência
A situação torna-se ainda mais grave quando analisamos a posição do PSB no cenário nacional. O partido ocupa a vice-presidência da República com Geraldo Alckmin e integra oficialmente a base governista de Lula. No entanto, na votação da PEC da Blindagem, cinco dos seis deputados federais do PSB pernambucano votaram a favor da medida que contraria frontalmente os interesses do governo federal.
Esta contradição não é isolada. Em junho de 2025, durante a votação sobre o aumento do IOF, o PSB apresentou comportamento similar: nove deputados do partido votaram pela derrubada dos decretos do governo, enquanto apenas três mantiveram fidelidade à base governista. Dos 11 partidos com ministérios no governo Lula, 63,2% dos votos foram contrários ao governo, evidenciando o derretimento da base parlamentar.
O presidente nacional do PSB, João Campos, encontra-se em uma posição insustentável: como líder de um partido que ocupa a vice-presidência, mas cujos parlamentares sistematicamente votam contra o governo que ajudam a sustentar? Como explicar aos eleitores que, enquanto Alckmin representa o PSB no Palácio do Planalto, os deputados da legenda em Pernambuco blindam investigações que podem beneficiar opositores do governo federal?
Raquel Lyra: A Aproximação Perigosa com o Bolsonarismo
Por outro lado, a governadora Raquel Lyra também enfrenta contradições políticas significativas em sua trajetória. Após deixar o PSDB e migrar para o PSD em março de 2025, Lyra tem adotado uma postura ambígua que ora se aproxima do governo federal, ora flerta com setores bolsonaristas.
Durante seu governo, Raquel manteve o PL de Bolsonaro em sua base aliada, com indicações estratégicas como Ivaneide Dantas na Secretaria de Educação e Anselmo de Araújo Lima na Secretaria Executiva de Justiça. Esta aliança com o PL representa uma proximidade perigosa com o bolsonarismo, especialmente considerando que Pernambuco foi um dos estados que mais rejeitou Bolsonaro nas eleições de 2022, com 70% dos votos para Lula.

A migração para o PSD, partido de Gilberto Kassab que tem como principais nomes os governadores Ratinho Júnior (Paraná) e Tarcísio de Freitas (São Paulo), posiciona Raquel Lyra em um campo político de centro-direita que pode lhe render dividendos eleitorais, mas também a afasta do governo federal que ela tanto buscou apoiar. Kassab deixou claro que o PSD terá candidato próprio à Presidência em 2026, contrariando os planos de Lyra de apoiar Lula.
Os números devastadores da violência em Pernambuco
Enquanto os principais candidatos ao governo estadual navegam entre contradições políticas e alianças questionáveis, Pernambuco vive uma situação de calamidade na segurança pública que expõe as fragilidades de ambas as gestões.
Os dados são alarmantes: entre janeiro e abril de 2025, foram registradas 35 mulheres mortas por feminicídio, o dobro do mesmo período do ano anterior. No primeiro semestre de 2025, 12 pessoas em situação de rua foram baleadas e mortas no Grande Recife, o maior número desde que o Instituto Fogo Cruzado iniciou o monitoramento há sete anos. Entre crianças e adolescentes, 52 pessoas com idades entre 4 e 17 anos perderam suas vidas por arma de fogo em Pernambuco.

Embora o governo estadual divulgue reduções percentuais nos índices de violência - alegando queda de 11% nas Mortes Violentas Intencionais no primeiro semestre de 2025 - a realidade nas ruas contradiz os números oficiais. O presidente da Assembleia Legislativa, Álvaro Porto (PSDB), denunciou que apenas em um fim de semana foram registrados 26 assassinatos.
A governadora Raquel Lyra, que prometeu reduzir 30% da violência armada letal até 2026, está cada vez mais distante de cumprir sua meta. Se a média atual se mantiver, 2024 fecharia com uma taxa de 43,3 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes, bem acima da meta de 26,5 estabelecida pelo governo.
João Campos: O prefeito entre o Marketing e os Problemas Reais
Por sua vez, João Campos, apesar de liderar as pesquisas eleitorais com aprovação de 80% a 82% no Recife, enfrenta questionamentos sobre a real efetividade de sua gestão municipal. O prefeito iniciou seu segundo mandato tendo que dar explicações ao Tribunal de Contas do Estado sobre um suposto superfaturamento de R$ 7,8 milhões na construção do Hospital da Criança.

Além disso, João Campos é constantemente criticado por investir prioritariamente em marketing digital e promoção pessoal, sendo o "prefeito do Brasil mais seguido nas redes sociais", enquanto questões estruturais como saneamento básico e segurança pública permanecem sem soluções definitivas. Seus adversários o acusam de "investir em marketing e não enfrentar as questões urgentes da cidade".
A gestão de creches municipais também gerou controvérsias durante a campanha de 2024, com adversários apontando irregularidades nos contratos. Esta situação coloca em xeque o discurso de eficiência administrativa que João Campos pretende levar para o governo estadual.
A calamidade política: Autoritarismo disfarçado de Democracia
O cenário que se desenha em Pernambuco para 2026 é de uma disputa entre dois projetos que, cada um à sua maneira, flertam perigosamente com o autoritarismo. De um lado, temos João Campos, cujo partido sistematicamente vota contra o governo federal que afirma apoiar, e cuja família protagoniza episódios de blindagem parlamentar que contradizem o discurso de transparência.
Do outro lado, Raquel Lyra representa um projeto que se equilibra precariamente entre o apoio ao governo federal e alianças com setores bolsonaristas, em um estado que rejeitou massivamente Bolsonaro. Sua migração para o PSD, partido que já anuncia candidatura própria à Presidência contra Lula, evidencia o caráter oportunista de suas alianças políticas.
A aprovação da PEC da Blindagem, com votos decisivos tanto do PSB quanto do PSD, revela que ambos os partidos compartilham a mesma lógica corporativista que protege políticos de investigações. Esta convergência autoritária, disfarçada de debate democrático, expõe que a disputa de 2026 pode ser entre dois projetos que, fundamentalmente, defendem os mesmos privilégios estabelecidos.





