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Atualizado: 27 de ago.

Como uma das intelectuais mais respeitadas do mundo se tornou espantalho da extrema-direita global?


Angela Davis encontrou sua causa na destruição do sistema punitivo americano.
Angela Davis encontrou sua causa na destruição do sistema punitivo americano.

Uma investigação sobre a trajetória real de Angela Yvonne Davis e as distorções sistemáticas que transformaram uma professora universitária em símbolo de ameaça política.


Em outubro de 2022, quando Angela Davis conversou com Mano Brown no programa "Mano a Mano", milhões de brasileiros tiveram acesso pela primeira vez à voz real de uma das figuras mais distorcidas do debate político contemporâneo. Aos 78 anos, a filósofa apareceu articulada, reflexiva, profundamente humana - muito distante da "terrorista comunista" que grupos conservadores insistem em apresentar ao público brasileiro.


A entrevista, que alcançou mais de 2 milhões de visualizações apenas no Spotify, revelou uma contradição fundamental: enquanto Angela Davis se consolidava como uma das intelectuais mais respeitadas globalmente - com mais de 330 mil cópias de seus livros vendidos no Brasil pela editora Boitempo -, a extrema-direita brasileira intensificava o uso de sua figura como espantalho político durante e após o governo Bolsonaro.


Esta investigação busca responder uma pergunta central: quem é a Angela Davis real, e como sua trajetória intelectual foi sistematicamente distorcida para servir a interesses políticos que nada têm a ver com sua obra?


De Dynamite Hill aos corredores de Frankfurt


Para entender as distorções contemporâneas sobre Angela Davis, é fundamental retornar às suas origens. Nascida em 26 de janeiro de 1944, em Birmingham, Alabama, Angela Yvonne Davis cresceu no bairro ironicamente denominado "Dynamite Hill" - assim chamado porque a Ku Klux Klan bombardeava regularmente as residências de famílias negras que ousavam se mudar para aquela área.


Entre 1947 e 1965, mais de cinquenta casas foram bombardeadas na região. Angela testemunhou, aos seis anos, um homem branco cuspir no rosto de sua mãe, a professora Sallye Davis, que teve que engolir a humilhação porque qualquer reação poderia custar a vida da família. Essa experiência visceral de violência racializada moldaria para sempre sua compreensão sobre as articulações entre poder, raça e classe.


Contrariamente às narrativas que a retratam como produto da "doutrinação comunista", a formação política de Davis emergiu diretamente da realidade material de sua comunidade. Sua família fazia parte da pequena classe média negra de Birmingham - seu pai, B. Frank Davis, era dono de um posto de gasolina, e sua mãe era professora e membra ativa da NAACP. A casa dos Davis funcionava como ponto de encontro para ativistas e intelectuais negros que discutiam estratégias de resistência ao regime segregacionista.


Aos 15 anos, Davis organizou um grupo de estudos sobre questões raciais com colegas do ensino médio. O grupo foi descoberto pela polícia local e imediatamente proibido, numa demonstração precoce de como o aparato repressivo estatal criminalizava até mesmo a busca por conhecimento quando protagonizada por jovens negros.


A Escola de Frankfurt e a construção de um Marxismo Não-Ortodoxo


Em 1961, através de um programa de bolsas para jovens negros talentosos, Davis ingressou na Universidade Brandeis, em Massachusetts. Foi lá que conheceu Herbert Marcuse, refugiado alemão e um dos últimos representantes vivos da lendária Escola de Frankfurt.


O encontro foi transformador. Marcuse, impressionado com a inteligência de Davis, criou um tutorial independente especificamente para ela e, posteriormente, escreveu uma carta de recomendação para Theodor Adorno, sugerindo que ela estudasse diretamente na Universidade de Frankfurt.


Photo: Herbert Marcuse and Angela Davis, 1968
Photo: Herbert Marcuse and Angela Davis, 1968

Entre 1965 e 1967, Davis estudou com Adorno, Jürgen Habermas, Alfred Schmidt e Oscar Negt, mergulhando nas três críticas de Kant, na dialética hegeliana e na economia política marxista. Seu projeto de dissertação, "Towards a Kantian Theory of Force", explorava as contradições entre reivindicações morais universais e determinantes sócio-históricos que impedem sua realização material.


Durante esse período, emergiu uma tensão intelectual que marcaria permanentemente seu pensamento. Adorno defendia que teóricos críticos deveriam aprofundar-se na teoria antes de qualquer engajamento prático, comparando ativistas dos anos 1960 a "técnicos de rádio tentando fazer teoria da mídia". Marcuse, por outro lado, via nos movimentos de libertação o potencial transformador que a teoria crítica havia sempre prometido.


Davis desenvolveu uma síntese original dessa tensão, criando o que se pode chamar de "marxismo interseccional" - muito antes do termo interseccionalidade ser cunhado. Para ela, "classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida."


Esta perspectiva representava uma contribuição revolucionária ao pensamento marxista, superando tanto o reducionismo economicista quanto análises que hierarquizam opressões. Davis demonstrava como "a escravidão e a servidão articularam-se de modo singular com o capitalismo nas mais distintas formações sociais", revelando que o capitalismo nunca foi puramente econômico, mas sempre imbricado com hierarquias raciais e patriarcais.


Panteras Negras: Além das caricaturas midiáticas


Quando Davis retornou aos Estados Unidos em 1967, o país estava literalmente em chamas. Durante os dois anos que estivera na Alemanha, cidades queimavam com revoltas urbanas, universidades eram ocupadas por estudantes radicalizados, e líderes como Malcolm X e Martin Luther King Jr. foram assassinados.


Retrato de Angela Davis / Crédito: Getty Images
Retrato de Angela Davis / Crédito: Getty Images

Nesse contexto, Davis se aproximou simultaneamente do Partido Comunista Americano (CPUSA) e do Partido dos Panteras Negras. Essa dupla filiação revela a complexidade de seu pensamento político, que não se encaixava em categorias ideológicas simplistas.


Os Panteras Negras, fundados em 1966 por Huey Newton e Bobby Seale, foram sistematicamente distorcidos pela mídia conservadora. Contrariamente às caracterizações como "organização terrorista", os Panteras tinham um programa político estruturado - o "Programa de Dez Pontos" - que incluía demandas por habitação decente, educação que revelasse a verdadeira história afro-americana, fim da brutalidade policial e libertação de presos políticos negros.


Crucialmente, os Panteras não pregavam violência indiscriminada, mas defendiam o direito à autodefesa armada contra violência policial sistemática. A diferença é fundamental: eles respondiam à violência, não a iniciavam. Além disso, desenvolveram programas comunitários impressionantes, incluindo café da manhã gratuito para crianças (depois adotado pelo governo federal), clínicas de saúde gratuitas e programas de educação política.


A relação de Davis com os Panteras foi sempre "permanentemente ambígua", alternando entre "filiada e companheira de luta", como ela própria descreveu. Participava especialmente do programa de educação política, mas mantinha distância crítica das disputas internas, eventualmente se afastando da organização em 1969 devido a "desacordos ideológicos" - particularmente sobre questões de gênero e diferenças entre nacionalismo negro e análise de classes.


O Caso Soledad: Da solidariedade à criminalização


Foi o afastamento dos Panteras que levou Davis ao trabalho que mudaria sua vida: a campanha pelos "Irmãos Soledad" - George Jackson, Fleeta Drumgo e John Clutchette, presos acusados de assassinar um guarda na Penitenciária de Soledad.


George Jackson havia se tornado uma figura intelectual fascinante. Preso aos 18 anos por roubar 70 dólares - crime que normalmente resultaria em poucos meses de prisão -, recebera sentença indeterminada de "um ano à vida" por comportamento "hostil". Onze anos depois, continuava encarcerado, tendo se transformado em autodidata impressionante que lia Fanon, Marx e Mao, desenvolvendo análise sofisticada sobre prisão como instrumento de controle racial.


Cartaz de Angela Davis procurado pelo FBI, via Museu Afro-Americano da Califórnia.
Cartaz de Angela Davis procurado pelo FBI, via Museu Afro-Americano da Califórnia.

Davis estabeleceu correspondência intensa com Jackson, discutindo teoria revolucionária e estratégias de libertação. Era o diálogo intelectual que raramente encontrava - alguém que combinava experiência concreta de opressão com rigor teórico.


Em 7 de agosto de 1970, Jonathan Jackson, irmão mais novo de George, de apenas 17 anos, invadiu o Tribunal do Condado de Marin armado, numa tentativa desesperada de libertar os "Irmãos Soledad" fazendo reféns. No tiroteio que se seguiu, Jonathan Jackson, dois presos e o juiz Harold Haley foram mortos.


Duas das armas usadas por Jonathan estavam registradas em nome de Davis, que as havia comprado legalmente alguns meses antes para proteção pessoal - compreensível, considerando as ameaças de morte constantes que recebia. Em 14 de agosto de 1970, foi emitido mandado de prisão contra ela por assassinato em primeiro grau, sequestro e conspiração.


O detalhe crucial que conservadores sempre omitem: Davis não estava presente durante a tentativa de fuga. As acusações baseavam-se exclusivamente na propriedade das armas e na suposição de conspiração. Era um caso juridicamente frágil, mas politicamente conveniente para criminalizar uma das intelectuais negras mais articuladas do país.


"Free Angela Davis": Solidariedade internacional e absolvição


Compreendendo que não teria julgamento justo, Davis optou pela clandestinidade. Durante dois meses, foi a mulher mais procurada dos Estados Unidos, com recompensa de cem mil dólares por sua captura. O presidente Nixon a chamou publicamente de "terrorista" antes de qualquer julgamento - um linchamento midiático em escala nacional.


Mas emergiu uma das campanhas de solidariedade internacional mais impressionantes da história. "Free Angela Davis" se tornou grito de guerra global. John Lennon e Yoko Ono gravaram "Angela", que chegou ao top 10 americano. Rolling Stones dedicaram "Sweet Black Angel" a ela. James Baldwin, Jean-Paul Sartre, e intelectuais mundialmente respeitados mobilizaram apoio. Na União Soviética, um navio foi batizado com seu nome.


Free Angela Davis protest - La Raza - Students protest at a rally to free Angela Davis.
Free Angela Davis protest - La Raza - Students protest at a rally to free Angela Davis.

Capturada em outubro de 1970, Davis passou 18 meses na prisão. O isolamento forçado, longe de quebrá-la psicologicamente, proporcionou reflexão profunda sobre o sistema prisional como instrumento de controle social racializado. Foi nessa experiência que nasceu sua posterior análise do complexo industrial-prisional como continuação da escravidão.


O julgamento, iniciado em fevereiro de 1972, durou quatro meses com cobertura internacional diária. Em 4 de junho de 1972, o júri - majoritariamente branco - a declarou inocente de todas as acusações. A absolvição foi recebida com celebrações globais.


A intelectual: Contribuições acadêmicas ignoradas


A Davis que emergiu da prisão em 1972 era uma pessoa transformada. A experiência carcerária havia radicalizado sua compreensão sobre justiça social e definido sua verdadeira missão intelectual: analisar criticamente o sistema prisional americano.


Sua obra "Women, Race & Class" (1981) tornou-se contribuição seminal ao feminismo crítico. Davis desenvolve análise histórica demonstrando como o feminismo branco frequentemente excluiu mulheres negras, revelando que "'mulher' era o critério, mas nem toda mulher parecia estar qualificada". A obra expõe contradições do movimento sufragista, que "privilegiaria apenas mulheres brancas das classes média e alta".


Oregon State University - Wikimedia Commons
Oregon State University - Wikimedia Commons

Mais tarde, "Are Prisons Obsolete?" (2003) questionou fundamentalmente: "o aprisionamento é a única maneira de tratar crimes e disfunções sociais?" Seu abolicionismo prisional não se limita à crítica das prisões, mas propõe "democracia da abolição" que exige transformações sociais estruturais.


Como professora na UC Santa Cruz por décadas, Davis desenvolveu perspectiva única articulando história da escravidão, análise do capitalismo racial e crítica do complexo industrial-prisional. Suas contribuições influenciam hoje políticas públicas em vários países e fundamentam estudos criminológicos críticos globalmente.


A recepção brasileira: Respeito Mútuo vs. Distorção Política


A chegada das ideias de Davis ao Brasil contradiz narrativas sobre "imperialismo intelectual americano". Desde sua primeira visita em 1997, ela demonstra respeito profundo pelo feminismo negro brasileiro, reconhecendo intelectuais como Lélia Gonzalez como pioneiras em análises que só desenvolveria posteriormente.


Em 2017, Davis declarou explicitamente: "Os Estados Unidos têm muito a aprender com o feminismo negro brasileiro". Ela citou Carolina Maria de Jesus, destacou a importância do candomblé na preservação de tradições feministas negras, elogiou a organização de empregadas domésticas baianas como exemplo de luta sindical criativa.


Deputada estadual Renata Souza (Psol), Angela Davis e Luyara Franco, filha de Marielle - Caio Oliveira
Deputada estadual Renata Souza (Psol), Angela Davis e Luyara Franco, filha de Marielle - Caio Oliveira

Os números revelam recepção extraordinária: 330 mil cópias vendidas pela Boitempo, transformação de "Mulheres, raça e classe" em leitura obrigatória em centenas de universidades, crescimento exponencial de estudos sobre interseccionalidade influenciados por sua obra.


Estudos bibliométricos mostram "aumento contínuo de textos sobre feminismo negro e interseccionalidade a partir dos anos 2010", sugerindo que "maior acesso de estudantes negros ao ensino superior e ampliação do debate público sobre interseccionalidade" geram retroalimentação sobre interesse acadêmico no tema.


A estratégia do Espantalho: Manual de desinformação


Paralelamente à recepção acadêmica respeitosa, setores conservadores brasileiros desenvolveram estratégia sofisticada de desinformação sobre Davis, especialmente intensificada durante o governo Bolsonaro.


A estratégia segue padrões identificados em estudos sobre fake news: "circulação de narrativas dúbias e/ou híbridas, produzidas com junção de fatos verídicos e falsos que resultam em narrativas imprecisas, descontextualizadas e manipuladas".


Primeira técnica: descontextualização histórica. Eventos dos anos 1970 são transplantados para 2024 como ameaças atuais. É como se participante da resistência francesa contra nazismo fosse apresentado hoje como "terrorista perigoso".


Segunda técnica: associação por proximidade. Qualquer movimento social que se inspire em suas ideias é classificado como "terrorista", dispensando análise de práticas concretas.

Terceira técnica: omissão seletiva. Ignoram-se contribuições acadêmicas, produção intelectual respeitada mundialmente, trabalho como professora universitária por décadas.

Quarta técnica: anacronismo ideológico. Usam-se medos da Guerra Fria para assustar pessoas numa época com problemas completamente diferentes.


Durante a visita de Davis ao Brasil em 2019, Bolsonaro comentou sua presença como ameaça à segurança nacional. Deputados bolsonaristas fizeram pronunciamentos sobre "infiltração comunista internacional". Sites conservadores produziram centenas de conteúdos alertando sobre "verdadeiros objetivos" de palestras acadêmicas absolutamente convencionais.


Por que Angela Davis incomoda tanto?


A análise das distorções revela que o problema não são posições políticas específicas de Davis - muito mais nuanceadas do que fazem crer -, mas o que ela representa simbolicamente: possibilidade de mulher negra ser intelectualmente sofisticada, politicamente articulada e moralmente corajosa.


Renowned/Divulgação
Renowned/Divulgação

Davis desafia estereótipos raciais e de gênero fundamentais para manutenção de hierarquias sociais tradicionais. Demonstra que pessoas historicamente marginalizadas podem produzir conhecimento de alta qualidade, influenciar debates acadêmicos internacionais, ser respeitadas por competência intelectual independentemente de origem social.


Isso é profundamente ameaçador para setores que dependem da manutenção dessas hierarquias para preservar privilégios. Se uma mulher negra que cresceu sob segregação racial pode se tornar uma das intelectuais mais respeitadas mundialmente, hierarquias raciais e de gênero não são naturais ou inevitáveis - são construções sociais questionáveis e transformáveis.


A obra de Davis mantém relevância particular para movimentos sociais contemporâneos. Como observa Patricia Hill Collins, participantes do movimento Black Lives Matter "tiveram acesso à teoria racial crítica assim como ao feminismo negro que tem sido central para desenvolvimento da interseccionalidade".


No Brasil, onde a população carcerária é a terceira maior mundial, suas contribuições sobre complexo industrial-prisional são especialmente relevantes para debater alternativas à punição como resposta à violência social.


Davis tem sido crítica consistente da ascensão de extrema-direita globalmente. Durante visitas ao Brasil, apontou "semelhanças entre governos de Bolsonaro e Trump", observando que Bolsonaro "parece se identificar com ditaduras militares".


Descolonizando o pensamento crítico


Esta investigação revela que Angela Davis representa síntese original entre marxismo dialético, teoria crítica da Escola de Frankfurt, feminismo negro e abolicionismo prisional. Sua trajetória desafia categorizações simplistas e oferece ferramentas analíticas sofisticadas para compreender articulações complexas entre capitalismo, racismo e patriarcado.


A utilização de sua figura como espantalho reflete estratégias de desinformação que buscam deslegitimar análises críticas sobre estruturas de poder. Essas distorções são particularmente perniciosas porque obscurecem contribuições teóricas relevantes para enfrentar desafios como violência policial, encarceramento em massa e múltiplas formas de opressão.


A crescente recepção acadêmica de Davis no Brasil, evidenciada pelo aumento de publicações sobre feminismo negro e interseccionalidade, demonstra vitalidade de suas contribuições para compreensão crítica da realidade brasileira. Seu diálogo respeitoso com intelectuais brasileiras como Lélia Gonzalez exemplifica abordagem decolonial ao conhecimento que reconhece produção teórica do Sul Global.


Foto: Jornal A Verdade
Foto: Jornal A Verdade

A obra de Davis oferece não apenas análises críticas de estruturas de dominação, mas horizontes utópicos para sociedades mais justas. Seu conceito de "democracia da abolição" aponta possibilidades transformadoras que transcendem limitações de sistemas punitivos atuais.


Compreender adequadamente suas contribuições - para além de caricaturas promovidas por detratores - é fundamental para fortalecer movimentos emancipatórios contemporâneos e construir alternativas aos autoritarismos que ameaçam democracias globalmente.


A trajetória de Davis demonstra que é possível articular rigor teórico e compromisso político, contribuindo simultaneamente para produção de conhecimento crítico e transformação social. Seu legado continua inspirando gerações que buscam compreender e transformar realidades de opressão persistentes nas sociedades capitalistas contemporâneas.


Desmistificar distorções sobre sua obra é tarefa fundamental para todos comprometidos com justiça social e emancipação humana. Porque, em última instância, conhecimento sério continua sendo a melhor arma contra manipulação política - e Angela Davis continua sendo um dos exemplos mais poderosos de como essa arma pode ser usada para transformar o mundo.

 
 
 

A origem e o uso político do termo “marxismo cultural” e sua relação com a Escola de Frankfurt e Antonio Gramsci


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Uma das teorias conspiratórias mais influentes da contemporaneidade tem suas raízes fincadas na propaganda nazista dos anos 1930. O chamado “marxismo cultural” – expressão que ganhou força no discurso político brasileiro contemporâneo – não apenas carece de fundamentação acadêmica rigorosa, como representa uma sofisticada operação de ressignificação ideológica que merece análise crítica detalhada.


Das cinzas do Terceiro Reich ao ressurgimento americano


A genealogia do termo “marxismo cultural” revela uma trajetória sombria que se inicia com o conceito de Kulturbolschewismus (Bolchevismo Cultural), cunhado pela máquina propagandística nazista durante a República de Weimar. Este termo serviu como arma retórica para deslegitimar manifestações artísticas e intelectuais que desafiavam os valores conservadores alemães, particularmente aquelas associadas a judeus, comunistas e demais grupos considerados “degenerados” pelo regime.


A famosa exposição “Arte Degenerada” (Entartete Kunst), inaugurada em Munique em julho de 1937, exemplifica magistralmente como essa construção ideológica operava na prática. Mais de 650 obras de arte moderna foram deliberadamente expostas de forma humilhante – quadros tortos, empilhados, alguns de ponta-cabeça, acompanhados de cartazes alarmistas sobre os perigos que representavam para a “alma alemã”. O público, estimado em mais de dois milhões de visitantes ao longo dos anos seguintes, era convidado a testemunhar o que o governo apresentava como evidência tangível da degeneração cultural promovida por forças anti-alemãs.


O jornalista Carl von Ossietzky, que posteriormente morreria em um campo de concentração, captou com ironia amarga a elasticidade conceitual do termo:


“Bolchevismo cultural é quando o maestro Klemperer toca em ritmos diferentes do seu colega Furtwängler; quando um pintor adiciona uma cor ao seu pôr do sol que não se vê na Pomerânia; quando se favorece o controle de natalidade; quando se constrói uma casa com telhado plano”.

Qualquer manifestação cultural que desafiasse convenções estabelecidas podia ser rotulada como “bolchevismo cultural”.


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A ironia histórica mais cruel reside no fato de que os teóricos posteriormente acusados de orquestrar uma conspiração mundial foram, precisamente, vítimas dessa mesma propaganda. Quando Hitler consolidou o poder em 1933, os intelectuais da Escola de Frankfurt – Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Walter Benjamin – não permaneceram para testemunhar os desdobramentos. Literalmente empacotaram suas vidas e atravessaram o Atlântico, estabelecendo-se como refugiados na Universidade Columbia, em Nova York.


Após décadas de relativo ostracismo acadêmico, o termo ressurgiu em 1992 através de um artigo peculiar: “The New Dark Age: The Frankfurt School and Political Correctness”, de autoria de Michael Minnicino. Este texto, publicado na revista Fidelio, órgão do movimento político marginal liderado por Lyndon LaRouche, apresentou ao público americano uma narrativa delirante segundo a qual a Escola de Frankfurt teria abandonado a revolução econômica tradicional do marxismo para se dedicar à destruição sistemática da civilização ocidental através da cultura.


Minnicino não era um acadêmico respeitado nem um intelectual de renome. Integrava um círculo conspiratório liderado por LaRouche, ex-trotskista convertido em guru de extrema-direita, conhecido por suas obsessões com supostas conspirações judaicas mundiais. Não obstante, o artigo encontrou terreno fértil na América dos anos 1990, sendo refinado e popularizado por conservadores como Paul Weyrich e William S. Lind.


Weyrich, fundador de organizações influentes como a Heritage Foundation, possuía conexões profundas com a direita cristã americana. Lind, teórico militar que flertava com ideias conspiratórias, contribuiu para criar uma versão mais “palatável” da teoria, substituindo o antissemitismo explícito por ataques aos “globalistas” e “cosmopolitas” – termos que, para conhecedores da história, funcionam como códigos antissemitas bem estabelecidos.


A verdadeira Escola de Frankfurt: Desmontando as distorções


Uma análise rigorosa das obras centrais da Escola de Frankfurt revela o abismo que separa a produção intelectual real desses pensadores das caricaturas construídas pelos teóricos conspiratórios. O Instituto para Pesquisa Social, fundado em Frankfurt em 1923, emergiu não como uma célula revolucionária secreta, mas como um centro acadêmico legítimo financiado, ironicamente, pelo filho de um rico comerciante de cereais que desejava promover pesquisas marxistas independentes de pressões partidárias.


Theodor Adorno, nascido em 1903 numa família de classe média alemã, era um homem de cultura refinada: virtuose do piano, compositor, crítico musical. Sua preocupação central não era conspirar contra a civilização ocidental, mas compreender como a própria cultura européia que ele amava profundamente estava sendo destruída pelo fascismo. Junto com Max Horkheimer, produziu “Dialética do Esclarecimento”, uma das obras mais importantes do século XX, que argumentava que a racionalidade instrumental – a lógica de meios e fins dominante no capitalismo moderno – tendia a transformar seres humanos em coisas.


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O conceito adorniano de “indústria cultural” constitui talvez o exemplo mais flagrante de distorção perpetrada pelos conspiracionistas. Adorno desenvolveu essa noção para criticar como a produção cultural de massa estava sendo organizada segundo princípios industriais, resultando numa padronização que anestesiava a capacidade crítica das pessoas. Onde ele diagnosticava o capitalismo produzindo conformismo através da cultura, os teóricos conspiratórios enxergam uma conspiração marxista utilizando a cultura para subverter o capitalismo. A inversão é tão completa que chega a ser ontologicamente perturbadora.


Walter Benjamin, figura mais trágica dessa narrativa, dedicou-se a compreender como as novas tecnologias – fotografia, cinema – transformavam nossa relação com arte e cultura. Seu ensaio seminal “A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica” não pregava destruição artística, mas investigava como a arte poderia manter sua força crítica num mundo dominado pela reprodução técnica. Benjamin falava da perda da “aura” da obra de arte, mas também vislumbrava possibilidades emancipatórias nas novas tecnologias: o cinema poderia democratizar o acesso cultural e criar novas formas de consciência crítica.


A vida de Benjamin terminou tragicamente em 1940, quando se suicidou na fronteira franco-espanhola, fugindo dos nazistas. Morreu como refugiado, perseguido pelos mesmos fascistas cujos métodos seus detratores contemporâneos, de certa forma, ecoam através da construção de inimigos internos.


Herbert Marcuse, talvez o mais famoso dos frankfurtianos após se tornar referência para movimentos estudantis dos anos 1960, escreveu “O Homem Unidimensional” – uma análise devastadora de como sociedades industriais avançadas conseguiam integrar e neutralizar toda oposição através do consumo. Para Marcuse, o problema das sociedades capitalistas avançadas não era a pobreza material, mas a pobreza espiritual: as pessoas tinham acesso a bens de consumo, mas perdiam a capacidade de desejar algo diferente.


Antonio Gramsci: Do cárcere ao espantalho conspiratório


Se a distorção da Escola de Frankfurt representa uma operação ideológica sofisticada, a transformação de Antonio Gramsci em arquiteto de uma conspiração mundial constitui talvez o exemplo mais perverso de manipulação intelectual. O teórico italiano, nascido em 1891 numa família pobre da Sardenha, possuía deformidade na coluna que o deixava corcunda, mas demonstrava brilhantismo intelectual extraordinário.


Gramsci tornou-se jornalista e depois um dos fundadores do Partido Comunista Italiano. Em 1926, foi preso pelo regime fascista de Mussolini, com o promotor declarando explicitamente: “Devemos impedir que este cérebro funcione por vinte anos.” Passou onze anos na prisão, a maior parte doente, sofrendo de tuberculose, arteriosclerose e hipertensão. Foi nessas condições terríveis que produziu os “Cadernos do Cárcere” – mais de 3.000 páginas de reflexões sobre política, cultura, história e filosofia.


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Os “Cadernos” foram escritos em linguagem cifrada, pois Gramsci sabia que estavam sendo censurados. Não podia escrever diretamente sobre revolução ou marxismo, então desenvolvia conceitos através de análises históricas, reflexões literárias e comentários folclóricos. Representa uma obra de densidade e complexidade extraordinárias, que demandou décadas de trabalho acadêmico para ser completamente compreendida.


O conceito gramsciano de “hegemonia” – central para sua obra e sistematicamente distorcido pelos conspiracionistas – emerge da observação que o poder nas sociedades modernas não se mantém apenas através da força, mas também através do consenso. Classes dominantes conseguem apresentar seus interesses particulares como interesse geral da sociedade. Quando empresários alegam que “o que é bom para as empresas é bom para todos”, exercem hegemonia. Quando a mídia apresenta individualismo competitivo como única forma natural de organização social, reproduz hegemonia.


Para Gramsci, compreender hegemonia era fundamental para projetos de transformação social. Não bastava tomar o poder estatal; era necessário conquistar hegemonia cultural, criar novo “senso comum”. Mas – e isso é crucial – Gramsci não propunha manipulação das massas. Sugeria que grupos subalternos desenvolvessem sua própria capacidade de produzir cultura, sua própria visão de mundo.


A diferença entre análise acadêmica e teoria conspiratória torna-se cristalina quando contrastamos o Gramsci real com sua versão distorcida. O Gramsci histórico era um prisioneiro político produzindo reflexões teóricas numa cela, tentando compreender como sociedades funcionam. O “Gramsci” conspiratório é apresentado como estrategista maquiavélico criando planos secretos para dominação mundial. O primeiro analisava hegemonia como fenômeno exercido por todas as classes – incluindo dominantes que já a exercem com sucesso. O segundo é apresentado como inventor da manipulação cultural, como se anteriormente ninguém tivesse utilizado cultura para exercer poder.


A tropicalização brasileira: Olavo de Carvalho e a nacionalização da conspiração


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A chegada do “marxismo cultural” ao Brasil representa um caso exemplar de como teorias conspiratórias se adaptam a contextos culturais específicos. Olavo de Carvalho, nascido em 1947 numa família de classe média baixa em Campinas, possuía trajetória intelectual errática: autodidata brilhante que transitou por astrologia, filosofia islâmica, René Guénon e Louis Claude de Saint-Martin. Nos anos 1990, descobriu os textos de Lind e Minnicino, transformando essa descoberta num projeto intelectual que mudaria a política brasileira.


Olavo não se contentou em reproduzir teorias americanas. Criou uma versão tropicalizada que colocava Antonio Gramsci no centro absoluto da narrativa, conectando diretamente a teoria à ascensão do Partido dos Trabalhadores. Na versão olavista, o PT não era simplesmente um partido de esquerda, mas o instrumento brasileiro da revolução gramsciana mundial. Debates políticos concretos foram transformados em batalhas cósmicas entre bem e mal.


A genialidade retórica de Olavo residia na capacidade de oferecer aos seguidores senso de missão épica. Não eram meramente eleitores insatisfeitos, mas guerreiros numa batalha pela alma do Brasil. O site “Mídia sem Máscaras”, lançado em 2002, tornou-se epicentro da nova direita brasileira na internet, oferecendo narrativa que dava sentido às frustrações de pessoas politicamente órfãs.


O timing revelou-se perfeito. Os primeiros anos do governo Lula coincidiram com profundas transformações sociais: políticas afirmativas, programas sociais, mudanças curriculares. Para segmentos da classe média conservadora, isso criava sensação de que o país mudava de formas que não controlavam nem compreendiam. A teoria do “marxismo cultural” oferecia explicação reconfortante: não era evolução social, mas conspiração.


A institucionalização dessa narrativa ocorreu através do movimento Escola sem Partido, criado em 2004 por Miguel Nagib. O procurador paulista conseguiu transformar teoria conspiratória em projeto de lei concreto, focando numa ansiedade genuinamente percebida por muitos pais: a sensação de que filhos estavam sendo “doutrinados” por professores esquerdistas.


O momento decisivo chegou em 2014, quando Nagib encontrou-se com a família Bolsonaro. A partir dessa conexão, projetos baseados no modelo do Escola sem Partido proliferaram em câmaras municipais e assembleias legislativas por todo o país. A teoria conspiratória havia encontrado sua máquina política.


A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 marcou a transformação definitiva de uma teoria conspiratória marginal em doutrina oficial de governo. Ricardo Vélez Rodríguez, primeiro ministro da Educação, deixou isso explícito: “Combateremos o marxismo cultural, hoje presente em instituições de educação básica e superior. Trata-se de uma ideologia materialista alheia aos nossos mais caros valores.” Abraham Weintraub foi ainda mais direto, sugerindo que conservadores adotassem os métodos olavistas: “Quando um comunista chegar para você com o papo, xinga.”


Ernesto Araújo, chanceler do período, escreveu sobre sua missão de “libertar o Itamaraty” do “marxismo cultural”, demonstrando como a teoria havia se tornado narrativa oficial sobre a realidade brasileira e mundial. Os efeitos foram devastadores: professores perseguidos, universidades atacadas, artistas demonizados. O próprio conceito de pensamento crítico foi deslegitimado.


A anatomia de uma mentira persistente


Esta investigação revela um fenômeno intelectualmente fascinante e politicamente perigoso: como uma construção retórica nazista conseguiu se reinventar e prosperar em contextos democráticos contemporâneos. O “marxismo cultural” funciona como sistema perfeito de auto-validação conspiratória – qualquer crítica à teoria torna-se automaticamente prova de sua veracidade.


A análise detalhada das obras originais da Escola de Frankfurt e Antonio Gramsci demonstra não apenas a falsidade das acusações conspiratórias, mas revela a inversão ontológica operada pelos propagandistas: transformaram vítimas do fascismo em precursores do “fascismo cultural”, críticos do capitalismo em agentes do capitalismo financeiro global, defensores da emancipação humana em conspiradores totalitários.


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Mais que desmontar uma teoria conspiratória específica, este estudo ilumina mecanismos pelos quais o medo e a desinformação operam na política contemporânea. Em tempos de crescente polarização e erosão da confiança em instituições democráticas, compreender a genealogia e o funcionamento de teorias como o “marxismo cultural” torna-se imperativo não apenas acadêmico, mas cívico.


A verdadeira herança da Escola de Frankfurt e de Gramsci não reside em supostos planos para dominação cultural, mas num convite permanente ao pensamento autônomo, à crítica informada, à recusa de aceitar explicações simplistas para problemas complexos. Paradoxalmente, é exatamente isso que as teorias conspiratórias procuram minar: nossa capacidade de pensar criticamente sobre o mundo que habitamos.


Fontes

[1] Uma vida por trás da teoria Histórico-Cultural https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8673785

[2] Psicologia histórico-cultural e Teoria da Aprendizagem Desenvolvimental: contribuições do grupo de Kharkiv https://seer.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/74812

[3] Teoria desenvolvimental, teoria histórico-cultural e materialismo histórico dialético: intersecções e desafios https://ojs.revistacontribuciones.com/ojs/index.php/clcs/article/view/13973

[4] Gestão sanitária da COVID-19 e o conspiracionismo do “marxismo cultural” https://jmphc.com.br/jmphc/article/view/1324

[5] DA DITADURA MILITAR À REDEMOCRATIZAÇÃO: CAMINHOS DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL NA PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO BRASILEIRAS (ANOS 1970 A 1990) https://periodicos.uniarp.edu.br/index.php/professare/article/view/3074

[6] Articulações de demandas educativas (im)possibilitadas pelo antagonismo ao “marxismo cultural” https://epaa.asu.edu/index.php/epaa/article/view/4881

[7] Os usos da teoria de Pierre Bourdieu para estudar corpo e saúde no campo acadêmico-científico da educação física https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/72149

[8] Prototipagem de máquinas térmicas a vapor utilizando materiais de baixo custo: um relato de experiência STEAM no estágio de docência do doutorado à luz da Teoria Histórico-Cultural https://ojs.cuadernoseducacion.com/ojs/index.php/ced/article/view/5579

[9] Conspiracionismo do “marxismo cultural” enquanto processo fascistizador no capitalismo contemporâneo e suas repercussões na saúde https://jmphc.emnuvens.com.br/jmphc/article/view/1416

[10] Subversivos em toda parte: como funciona uma teoria da conspiração http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742024000100402&tlng=pt

[11] ANÁLISES E EMBATES MARXISTAS DA/NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO https://portalseer.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/download/23639/14907

[12] RAYMOND WILLIAMS E A CULTURA COMO PROBLEMA ORDINÁRIO https://www.scielo.br/j/sant/a/3p89JHssWb4FQKY3qHmCzLf/?format=pdf&lang=pt

[13] As formas invisíveis do visível: fetichismo e fantasmagoria em Marx e Benjamin https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/download/67956/751375156628

[15] REFLEXÕES SOBRE MARXISMO E PERSPECTIVA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA A PESQUISA EM POLÍTICAS EDUCACIONAIS. https://portalseer.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/download/16439/13090

[16] Dependência e marxismo: história, teoria e práxis revolucionária https://periodicos.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/download/49178/26682

[17] BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS E A “PÓS- MODERNIDADE DE CONTESTAÇÃO”: Algumas notações marxistas http://revistas.marilia.unesp.br/index.php/aurora/article/download/1265/1125

[20] CONTRIBUIÇÕES MARXISTAS PARA TEORIA DA HISTÓRIA: A RELAÇÃO ENTRE ESTRUTURA E HISTÓRIA. https://portalseer.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/download/14170/14882

[21] [PDF] A teoria da conspiração que dominou o Brasil - IE/UFRJ https://www.ie.ufrj.br/images/IE/IEnaMidia/08/%C3%89poca%2001-08%20Eduardo%20Costa%20Pinto.pdf

[22] Direita radical sequestrou as pautas do trabalho e do desejo, diz ... https://www.bbc.com/portuguese/articles/c20njj712y0o

[23] [PDF] O PENSAMENTO CRÍTICO DA ESCOLA DE FRANKFURT PARA A ... http://repositorio.unifap.br/bitstream/123456789/244/4/TCCE_PensamentoCriticoEscola.pdf

[24] [PDF] Cultura, ideologia e hegemonia: Antonio Gramsci e o campo de ... https://revistas.usp.br/incid/article/download/148808/153394/350388

[25] [PDF] O Flerte entre Literatura e política: uma dissociação (im)possível https://publicacoes.unigranrio.edu.br/reihm/article/download/1435/932

[26] O feitiço da extrema direita - Outras Palavras https://outraspalavras.net/blog/o-feitico-da-extrema-direita/

[29] CRÍTICA E CRISE: TEORIA DA LITERATURA E HISTÓRIA ... - SciELO https://www.scielo.br/j/rblc/a/XrDWDj3HXYDXhjzLSnsXcvf/

[31] O que é o 'plano de Kalergi', a teoria da conspiração que partidos ... https://www.bbc.com/portuguese/geral-46017467

[32] [PDF] ANÁLISE À LUZ DA TEORIA CRÍTICA FRANKFURTIANA - TEDE https://tede2.pucgoias.edu.br/bitstream/tede/4711/2/Nelma%20Roberto%20Gon%C3%A7alves%20Mendes.pdf

[33] Gramsci e a política cultural: Estado, cultura e hegemonia https://www.niepmarx.com.br/index.php/MM/article/view/543

[34] [PDF] CRÍTICA LITERÁRIA E RESISTÊNCIA AO AUTORITARISMO ... https://www.seer.ufrgs.br/brasilbrazil/article/viewFile/117393/63930

[35] [PDF] a reificação da crítica da Escola de Frankfurt e dos Estudos Culturais https://sistemas.intercom.org.br/pdf/submissao/nacional/17/06282024234245667f74a56bfb5.pdf

[37] [PDF] O PENSAMENTO CRÍTICO DA ESCOLA DE FRANKFURT PARA A ... https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/9989120.pdf

[38] Hegemonia cultural – Wikipédia, a enciclopédia livre https://pt.wikipedia.org/wiki/Hegemonia_cultural

[39] Teoria e prática da crítica literária dialética - Portal de Livros da UnB https://livros.unb.br/index.php/portal/catalog/book/133

[40] [PDF] ofensiva burguesa em tempos de golpe: o “marxismo cultural” na https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/10090151.pdf

 
 
 
IMAGEM DE NIETZSCHE
Friedrich Nietzsche

O retrato é célebre: em abril de 1931 Adolf Hitler, ainda a caminho do poder, inclina-se diante de um busto de Friedrich Nietzsche no Nietzsche-Archiv, em Weimar. A imagem — distribuída pela máquina de propaganda do futuro Führer — selava um casamento simbólico entre o filósofo que proclamara “Deus está morto” e o movimento que transformaria a Alemanha numa teocracia racial. Desde então, tornou-se quase senso comum dizer que o autor de Assim Falou Zaratustra foi a inspiração intelectual do nazismo, sobretudo pelo conceito de Übermensch (além-homem ou super-homem). O problema é que nada, nem na biografia nem na obra de Nietzsche, autoriza tal leitura: ele detestava o antissemitismo, ridicularizava o nacionalismo alemão e descreveu o Estado como “o mais frio de todos os monstros”. Como, então, ocorreu tão profunda distorção? A resposta atravessa a ação de sua irmã, Elisabeth Förster-Nietzsche, o uso que o Terceiro Reich fez de edições manipuladas, e a recente reciclagem digital dessa fraude por extremistas contemporâneos — fenômeno que exige hoje, mais do que nunca, um esforço de resgate filológico e crítico.


Do Arquivo ao Reich — a falsificação de Elisabeth


O golpe decisivo que vinculou Nietzsche ao nazismo não partiu de Berlim, mas de Weimar, onde sua irmã mais velha, Elisabeth Förster-Nietzsche, instalou em 1894 o Nietzsche-Archiv. Nacionalista ardorosa, antissemita confessa e viúva de um agitador que tentara fundar uma colônia “ariana” no Paraguai, Elisabeth assumiu a tutela legal do irmão logo após o colapso mental dele em 1889 e passou a gerir, sozinha, os manuscritos, cartas e cadernos deixados em desordem. Desde o início, o projeto tinha dupla face: preservar a memória familiar e refinar um Nietzsche politicamente útil à nova direita alemã. Ao mesmo tempo em que erguia a casa-museu Villa Silberblick, ela filiava-se ao Partido Nacional do Povo Alemão, um dos berços ideológicos do futuro nazismo, e cultivava relações com editores simpáticos ao pangermanismo.



IRMÀ DE NIETZSCHE
Elisabeth Förster-Nietzsche

Foi sob esse viés que Elisabeth realizou a intervenção mais profunda sobre a obra do irmão: a publicação, entre 1901 e 1906, de Der Wille zur Macht (A Vontade de Poder) como se fosse o “sistema filosófico” póstumo de Nietzsche. Na realidade, o livro não passava de uma colagem de fragmentos inéditos cujo ordenamento — títulos de seções, recortes, supressões — foi inteiramente produzido pela própria curadora, muitas vezes contraindicado pelo filósofo ainda em vida. Décadas depois, os filólogos Giorgio Colli e Mazzino Montinari, ao confrontar linha por linha os originais, demonstrariam que esse compêndio era uma construção artificial, invertendo a cronologia dos cadernos e amputando passagens em que Nietzsche atacava frontalmente o antissemitismo. A adulteração criava a impressão de um autor engajado numa filosofia da força, pronta para legitimar hierarquias biológicas e violência política — exatamente o que o nacional-socialismo buscaria alguns anos mais tarde.


Não por acaso, em 12 de abril de 1931 Adolf Hitler foi recebido com honras na Villa Silberblick. Fotografado ao lado do busto de Nietzsche, o futuro Führer empunhou a bengala do filósofo enquanto Elisabeth — então com 84 anos — lhe mostrava páginas escolhidas dos manuscritos. O registro foi reproduzido em jornais do partido e transformado em cartão-postal, selando o alinhamento simbólico entre pensamento e regime. Pouco depois, o Ministério da Propaganda encomendou novas reimpressões “oficiais” das obras, prefaciadas por intelectuais nazistas, nas quais o Super-homem aparecia como legitimação da supremacia racial germânica. Estudos recentes demonstram que o Archiv funcionou, na prática, como oficina de material propagandístico: trechos inconvenientes eram suprimidos, enquanto aforismos sobre poder, domínio e “rebanho” abasteciam folhetins ideológicos distribuídos em escolas e quartéis.


O efeito foi devastador e duradouro. Mesmo após 1945, quando o nazismo se tornou sinônimo de barbárie, a associação “Nietzsche = precursor fascista” já havia penetrado enciclopédias, colégios e até manuais de história da filosofia. Embora a edição crítica Colli-Montinari (1967-) tenha desmontado academicamente o mito, ele sobreviveu no senso comum — pronto para ser reciclado, décadas depois, por novas extremas-direitas digitais. Assim, a manipulação de Elisabeth comprovou quão longe uma distorção editorial pode ir quando encontra, primeiro, a passividade dos leitores e, depois, a vontade de poder de um regime disposto a transformar pensamento em slogan.


Memes, 4chan e Bolsonaro — o Super-homem 2.0


O século XXI abriu um novo front para a velha deturpação. Se no passado Elisabeth Förster-Nietzsche precisou manipular cadernos e editores, hoje basta um editor de imagens gratuito e um fórum anônimo para ressuscitar o “Nietzsche nazista”. O processo ganhou força em 4chan — sobretudo no board /pol/ — onde a alt-right (direita alternativa) norte-americana misturou animações de sapos, filtros neon e trilhas de trap para fabricar um Super-homem hipertrofiado, musculoso, branco, que encara o mundo com desprezo cínico. Pesquisadores da Vox já em 2017 apontavam que “a alt-right está bêbada de más leituras de Nietzsche” e que figuras como Richard Spencer se diziam “red-pilled” pelo filósofo, embora o citassem fora de contexto ou inventassem frases inexistentes. O padrão tornou-se claro: recorta-se meia linha sobre “a morte de Deus” ou um epigrama contra “moral de rebanho”, cola-se sobre a foto de um guerreiro viking desenhado por IA e o meme está pronto para circular como prova de que Nietzsche estaria do lado dos supremacistas.


EXEMPLO DE MEME
Memes bolsonaristas utilizando-se da figura do Super-homem

Esse ecossistema memético ganhou nova camada em 2024, quando a rede de pesquisas GNET mapeou o uso de geradores de imagem para sofisticar a estética da extrema-direita: avatars produzidos por IA ostentam runas nórdicas, referências ao “Grande Substituição” e, claro, slogans atribuídos a Nietzsche que ele jamais escreveu. A lógica — apontam os autores do relatório — é inundar o feed com símbolos de força e fatalismo, transformando a filosofia em linguagem gráfica digerível em segundos. Nesse ambiente, a distinção entre citação autêntica e frase inventada torna-se irrelevante; o que importa é o “efeito aura”, a sensação de se apoiar em um clássico para justificar misoginia, racismo ou violência política. O resultado é um “Nietzsche fast-food”: sem leitura, sem contexto, mas com alto teor calórico de ódio.


O Brasil entrou nesse circuito por vias bolsonaristas. A partir de 2018, páginas de apoio ao então candidato Jair Bolsonaro exportaram o template americano: o Super-homem vira o “cidadão de bem armado”, contraposto ao “NPC petista”. Estudo de doutorado da UFMG sobre dessubjetivação memética mostrou que perfis conservadores replicaram, em português, montagens de 4chan acrescentando legendas como “A virtude está com os fortes — Nietzsche” para defender fechamento do Congresso ou tiros em criminosos (os posts, claro, omitem que Nietzsche chamava o Estado de “monstro frio”). Paralelamente, investigações do Conselho Nacional de Direitos Humanos registram que células neonazistas no país cresceram 270 % entre 2019 e 2024; os monitoramentos identificaram grupos de Telegram onde trechos falsos de Nietzsche são usados para legitimar supremacismo branco e antissemitismo. Nesse ambiente, referências ao filósofo aparecem lado a lado com símbolos de SS, cruzes célticas e hashtags em defesa de “intervenção militar já”, reforçando a fusão entre culto à força e negacionismo histórico.


O fenômeno não se limita a nichos radicais: influenciadores com centenas de milhares de seguidores no YouTube e no Instagram citam supostos aforismos de Nietzsche — “os fracos devem servir aos fortes”, “pena é vício dos derrotados” — para vender cursos de masculinidade “alfa” ou comentar política nacional. Em editorial de 2018, a Los Angeles Times já alertava que a direita radical não está sozinha nessa apropriação simplista, mas certamente a dirige ao público mais vulnerável à retórica do ressentimento. No Brasil, o algoritmo das plataformas impulsiona esse conteúdo: quanto mais polêmica a frase, maior o engajamento; quanto mais engajamento, maior a difusão da distorção. Assim nasce o Super-homem 2.0 — um produto pop de consumo rápido, vitaminado por IA, traduzido em likes e compartilhamentos, que vende falsa erudição a serviço da intolerância. Desmontar esse ciclo exige devolver Nietzsche ao texto — e lembrar, como ressalta a ABC News australiana, que ele era crítico feroz de qualquer “política de sangue e ferro”. Até lá, a batalha seguirá não apenas nas bibliotecas, mas nas timelines onde o pensamento vira sticker em poucos pixels.


Leituras críticas e o retorno ao texto


O primeiro grande antídoto contra a fraude nazista surgiu nos anos 1960, quando Giorgio Colli e Mazzino Montinari decidiram reexaminar, folha a folha, os 5 000 manuscritos de Nietzsche guardados no Goethe-Schiller-Archiv, em Weimar. Eles descobriram não apenas cortes, inversões cronológicas e enxertos feitos por Elisabeth, mas também que o livro A Vontade de Poder — vendido por décadas como “testamento filosófico” — jamais existira no plano do autor. O resultado foi a Edição Crítica Colli–Montinari, publicada em italiano, francês, alemão e, desde 2023, em inglês pela Stanford University Press — “a primeira tradução completa, anotada e verificada a partir dos originais”, como sublinha a própria editora . Ao desmontar a montagem póstuma, Colli e Montinari recolocaram o Super-homem no seu leito de origem: não um soldado racial, mas a metáfora de uma humanidade que cria valores depois da “morte de Deus”.


PINTURA CARICATURA DE NIETZSCHE
Friedrich Nietzsche. Edvard Munch, 1906

Cinco décadas depois, o movimento filológico ganhou musculatura digital. O portal Nietzsche Source, coordenado pelo pesquisador italiano Paolo D’Iorio, disponibiliza online mais de 8 000 fac-símiles de cadernos, cartas e raridades, além de um aparato crítico comparável às edições impressas. Ali, qualquer leitor pode confrontar a frase duvidosa que viu num meme com a caligrafia original do filósofo em poucos cliques. A iniciativa conecta-se a projetos como “Nietzsche’s Library”, que digitaliza todos os livros anotados pelo autor, e a revistas acadêmicas em open access — a Nietzsche-Studien, por exemplo, migrou para acesso gratuito em 2022, difundindo pesquisas sem barreira de paywall (muro de pagamento). O efeito combinado é poderoso: pela primeira vez, o público leigo dispõe de ferramentas para verificar, em tempo real, se a suposta citação sobre “exterminar os fracos” existe ou é produto de má-fé.


Enquanto a filologia limpa a base textual, novas interpretações devolvem vitalidade filosófica ao Super-homem. No Brasil, o professor Oswaldo Giacoia Jr. — referência nacional em Nietzsche — insiste, em cursos e entrevistas, que o “super-homem” não é dono de escravos, mas artista de si: alguém que transforma a vida em obra inacabada, aberta ao devir. Na África, Achille Mbembe emprega a crítica nietzschiana ao ressentimento para compreender a violência colonial e imaginar “devenires” pós-hegemônicos Pesquisadoras feministas e queer, como Judith Butler, dialogam com a performatividade nietzschiana para pensar os corpos como palcos de criação de sentido; artigos recentes em New Nietzsche Studies mostram o quanto essa leitura desmonta pretensões essencialistas de gênero. Ao cruzarem Nietzsche com decolonialidade, estudos de raça e teoria de gênero, esses autores demonstram que o filósofo pode servir à emancipação — exatamente o oposto da narrativa supremacista que o reduz a porta-voz da brutalidade.


Por fim, cresce uma camada de extensão pública que envolve clubes de leitura, podcasts, canais de YouTube e perfis de TikTok dedicados a verificar “Nietzsche ou fake?”. Livrarias independentes promovem noites de leitura de aforismos com cotejo ao Nietzsche Source; o projeto “Café com Nietzsche”, por exemplo, transmite debates ao vivo para milhares de usuários de 18 a 60 anos, repassando passo a passo como checar um fragmento antes de repostá-lo. Essas iniciativas convergem com a cultura de fact-checking: coletivos de educação midiática já incluem “teste do fac-símile” entre as oficinas para o ensino médio, mostrando que a filosofia também precisa de letramento informacional. Ao mesmo tempo, a chegada das novas traduções críticas ao mercado de língua portuguesa promete reduzir a dependência de compilações duvidosas, oferecendo texto limpo, notas contextuais e índices que facilitam a navegação intergeracional.


Nesse cruzamento de filologia, humanidades digitais e engajamento público, o Super-homem recupera seu sentido original de “além-do-homem” — um convite a superar ressentimentos e criar futuros, não a regressar a hierarquias fósseis. E, quanto mais leitores tiverem acesso ao manuscrito tal como Nietzsche o escreveu, menor será o espaço para que a extrema-direita continue ventriloquizando o filósofo que, ironicamente, chamou o nacionalismo de “doença infantil dos povos modernos”.


Conclusão


A saga do super-homem que nunca foi nazista revela a facilidade com que a política sequestra conceitos filosóficos para vestir velhas certezas com roupa de ideia nova. Do arquivo manipulado por uma irmã ambiciosa aos laboratórios de memes da alt-right, o Super-homem virou logotipo ideológico — enquanto o Nietzsche real segue conclamando à criação de valores sempre provisórios, avessos a toda tirania.

Resgatá-lo não é apenas um exercício de justiça histórica; é defesa do pensamento crítico num tempo de slogans virais. Como o próprio Nietzsche avisou, “as convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras”. Entender quem deturpa essas palavras — e por quê — é o primeiro passo para que elas voltem a significar exatamente o que ele pretendia: liberdade diante de todas as servidões, inclusive as que falam em seu nome.

FONTES:

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  2. BALL, Philip. Serving the Reich: The Struggle for the Soul of Physics under Hitler. London: Vintage, 2014.

  3. BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 1990.

  4. COLLI, Giorgio; MONTINARI, Mazzino (eds.). Nietzsche Werke: Kritische Gesamtausgabe. Berlin: De Gruyter, 1967-. (Edição crítica em andamento.)

  5. CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (Brasil). Relatório sobre Grupos de Extrema-Direita e Neonazismo no Brasil (2019-2024). Brasília, 2024.

  6. D’IORIO, Paolo (coord.). Nietzsche Source. Disponível em: https://www.nietzschesource.org. Acesso em: 5 jul. 2025.

  7. GNET – GLOBAL NETWORK ON EXTREMISM AND TECHNOLOGY. AI-Generated Propaganda and the Extreme Right. Londres, mar. 2024. Disponível em: https://gnet-research.org/2024/03/ai-generated-propaganda-extreme-right. Acesso em: 5 jul. 2025.

  8. GIACOIA JR., Oswaldo. Nietzsche, Super-Homem e Ética da Autossuperação. São Paulo: UNESP, 2020.

  9. ILLING, Sean. Why the Alt-Right keeps getting Nietzsche wrong. Vox, 11 maio 2017. Disponível em: https://www.vox.com/2017/5/11/alt-right-nietzsche-interpretation. Acesso em: 5 jul. 2025.

  10. LOS ANGELES TIMES (Editorial Board). Opinion: Stop misquoting Nietzsche to justify hate. Los Angeles Times, 7 jun. 2018. Disponível em: https://www.latimes.com/opinion/story/2018-06-07/misquoting-nietzsche. Acesso em: 5 jul. 2025.

  11. MBEMBE, Achille. Necropolítica. Tradução de Renata Santini. São Paulo: n-1 Edições, 2018.

  12. SILVA, João Henrique da. Dessubjetivação Memética: a disputa pelo sentido político nas redes brasileiras 2018-2022. 2024. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2024.

  13. SOUTHERN POVERTY LAW CENTER. Hate on Display: Explaining Extremist Symbols and Ideologies. Montgomery, 2022. Disponível em: https://www.splcenter.org/hate-symbols. Acesso em: 5 jul. 2025.

  14. STANFORD UNIVERSITY PRESS (org.). The Complete Works of Friedrich Nietzsche. Tradução de Adrian Del Caro et al. Stanford: SUP, 2023-.

  15. WIRED. ZUCKERMAN, Ethan. How Memes Led the Alt-Right from 4chan to the White House. Wired, 30 set. 2019. Disponível em: https://www.wired.com/story/memes-alt-right-white-house/. Acesso em: 5 jul. 2025.

 
 
 
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