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Sob forte pressão após ser alvo direto dos maiores protestos contra o Congresso em mais de uma década, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), admitiu nesta segunda-feira (22) a necessidade de "tirar da frente todas as pautas tóxicas". A declaração, feita durante evento do mercado financeiro em São Paulo, representa uma guinada estratégica após manifestações massivas que colocaram sua sobrevivência política em xeque, especialmente em sua base eleitoral na Paraíba.


Hugo Motta retomou o controle da Mesa Diretora da Câmara após negociar a saída dos deputados bolsonaristas - Marina Ramos/Câmara dos Deputados
Hugo Motta retomou o controle da Mesa Diretora da Câmara após negociar a saída dos deputados bolsonaristas - Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Recuo estratégico após maior Crise Política


Em evento do banco BTG Pactual, Motta classificou a semana passada como "a mais difícil e desafiadora" de 2025, quando foram aprovadas a PEC da Blindagem e a urgência do projeto de anistia.


"É chegado o momento de tirar da frente pautas tóxicas, porque ninguém aguenta mais essa discussão. O Brasil tem que olhar para frente", declarou o parlamentar paraibano.

A mudança de tom contrasta drasticamente com a postura anterior de Motta, que havia defendido as medidas como necessárias para "fortalecer as prerrogativas parlamentares". O presidente da Câmara agora sinaliza priorizar "uma agenda que saia da dicotomia" e cite como focos a reforma administrativa, ampliação da isenção do Imposto de Renda e a PEC da segurança pública.


Segundo aliados citados pela colunista Daniela Lima do UOL, Motta havia admitido em reunião reservada que pagaria um "preço público" pelas decisões.


"É o que a maioria quer? Eu pago o preço, mas preciso que depois a Casa ande, que funcione, que tenha uma pauta que fale pra fora", teria relatado um auxiliar.

Nordeste se mobiliza contra o "Capacho do Centrão"


O impacto dos protestos de domingo foi particularmente devastador no Nordeste, região tradicionalmente lulista onde Motta precisa construir pontes para seus projetos eleitorais de 2026. Em Salvador, milhares ocuparam a Barra com shows de Daniela Mercury e Wagner Moura, que declarou: "Bandidagem não é com a gente". O ator ainda elogiou o julgamento da trama golpista, contrastando com a posição de Motta favorável à anistia.


Em Recife, o ato começou com o desfile do bloco de frevo "Eu Acho é Pouco" e grupos de maracatu, transformando a manifestação política em festa popular contra as medidas do Congresso. A simbologia cultural nordestina sendo apropriada contra Motta representa um desafio adicional para um político que depende da região para seus cálculos eleitorais.


A mobilização alcançou dimensões inéditas em cidades como Fortaleza, Natal, Teresina e Belém, tradicionalmente menos mobilizadas para protestos de escala nacional. O fenômeno evidencia que a rejeição às "pautas tóxicas" transcendeu os grandes centros urbanos e atingiu redutos eleitorais fundamentais para a sustentação política de figuras como Motta.


Hugo Motta presidente da câmara dos deputados - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Hugo Motta presidente da Câmara dos Deputados - Marcelo Camargo/Agência Brasil

A manifestação mais simbólica ocorreu em João Pessoa, capital do estado que Motta representa, onde centenas se concentraram no Busto de Tamandaré entoando "Fora Hugo Motta" e portando cartazes com a mensagem "Paraíba, não reeleja Hugo Motta". O protesto atacou diretamente a base de sustentação familiar do parlamentar, questionando não apenas sua atuação nacional, mas sua viabilidade eleitoral local.


"Uma eventual candidatura de Motta ao governo pode levar outros pré-candidatos a reavaliar suas estratégias", havia avaliado análise política em fevereiro de 2025. Agora, a situação se inverteu: é Motta quem precisa reavaliar suas possibilidades em um estado onde pesquisas apontam apoio majoritário a Lula, presidente que ele contrariou ao pautar a PEC da Blindagem.


O deputado possui raízes políticas profundas na Paraíba. Seu pai, Nabor Wanderley, é prefeito de Patos há três mandatos; seu avô materno, Edivaldo Motta, teve cinco mandatos como deputado estadual e dois como federal; sua avó Francisca Motta também foi deputada estadual por cinco mandatos e prefeita de Patos. Essa herança política, antes considerada um ativo, pode se transformar em passivo caso a família seja identificada com posições impopulares nacionalmente.


Espaço político em xeque: o dilema da aliança com Lula em 2026


O cenário se complica pela estratégia eleitoral que Motta vinha construindo para 2026. O presidente da Câmara havia abandonado planos de candidatura ao governo estadual para focar na reeleição como deputado federal, com o projeto principal sendo eleger o pai, Nabor Wanderley, para o Senado. Essa articulação dependia fundamentalmente de uma aliança com o PT e apoio direto de Lula.


"Pesquisas apontam apoio majoritário do eleitor do estado a Lula e Hugo tem receio de que uma postura dele pró-anistia possa ameaçar a aliança", revelou a CNN Brasil em análise sobre os bastidores da resistência de Motta à pauta bolsonarista. A Paraíba elegeu majoritariamente governos de esquerda nos últimos ciclos, com o atual governador João Azevedo (PSB) mantendo alinhamento com o governo federal.


O acordo em negociação previa apoio conjunto ao vice-governador Lucas Ribeiro (PP) para o governo estadual, com Nabor Wanderley disputando uma das vagas ao Senado e a outra ficando com o próprio João Azevedo. Essa composição agora enfrenta riscos consideráveis após Motta ser identificado como articulador das "pautas tóxicas" rejeitadas massivamente nas ruas.


Na Paulista, banners definem Motta como "inimigo da nação". (Foto: Thiago Vieira/Gazeta do Povo)
Na Paulista, banners definem Motta como "inimigo da nação". (Foto: Thiago Vieira/Gazeta do Povo)

A questão central que emerge dos protestos é se Motta ainda possui capital político suficiente na Paraíba para viabilizar seus projetos eleitorais, especialmente a candidatura do pai ao Senado. O fato de manifestantes em João Pessoa pedirem explicitamente sua não-reeleição indica erosão significativa de seu prestígio local.


"É preciso entender que entramos numa dinâmica já de pré-eleição", avaliou um amigo próximo citado por veículos de imprensa, reconhecendo que a reação popular já reflete o clima eleitoral antecipado. A construção do projeto político de Motta na Paraíba dependia historicamente de sua capacidade de navegar entre diferentes campos ideológicos, mantendo diálogo tanto com o governo Lula quanto com o Centrão.


Os protestos de domingo expuseram os limites dessa estratégia. Em um estado lulista, ser identificado como "capacho do Centrão" - expressão que ecoou nas manifestações - representa passivo eleitoral considerável. A família Motta construiu sua influência política ao longo de décadas controlando redutos no interior, especialmente na região de Patos, mas o fenômeno urbano dos protestos pode contaminar até essas bases tradicionalmente sólidas.


Movimento de contenção de danos


A declaração desta segunda-feira representa clara tentativa de contenção de danos. Ao prometer focar em pautas como isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil - bandeira cara ao governo Lula - Motta sinaliza alinhamento com agenda popular. "Tenho plena confiança de que o trabalho realizado na comissão será mantido no plenário", disse sobre o projeto, sugerindo disposição de acelerar sua tramitação.


O presidente da Câmara também modulou o discurso sobre a PEC da Blindagem, reconhecendo que "vamos aguardar a posição do Senado" e defendendo que a medida visa apenas "proteger o livre exercício do mandato". A mudança retórica busca reposicionar Motta como legislador responsável, não como articulador de "blindagem da bandidagem" - como classificaram os manifestantes.


Entretanto, o movimento pode chegar tarde demais para preservar sua imagem. Os protestos consolidaram narrativa nacional de que Motta sacrificou interesse público para atender acordos espúrios com o Centrão e bolsonaristas. Em estado como a Paraíba, onde a política é intensamente personalizada e a reputação familiar pesa decisivamente, esse tipo de desgaste pode produzir consequências eleitorais duradouras.


A pressão das ruas já produziu resultados concretos: deputados que votaram favoravelmente à PEC começaram a se desculpar publicamente, e o Senado sinaliza rejeição categórica da proposta. Para Motta, resta saber se o recuo estratégico será suficiente para reabilitar sua imagem política a tempo das eleições de 2026, especialmente em terra paraibana onde o sobrenome Motta construiu poder ao longo de gerações, mas pode enfrentar seu primeiro teste eleitoral realmente adverso.

 
 
 
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