Brasília – Em um discurso contundente e carregado de simbolismo político, o senador Humberto Costa (PT-PE) utilizou a tribuna da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta quarta-feira para desferir uma das mais severas críticas à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que ficou conhecida como "PEC da Blindagem". Ponto a ponto, o senador dissecou a proposta, classificando-a como uma "proposta indecente" e um retrocesso civilizatório, enquanto mirava seu principal alvo político: a extrema-direita, a quem acusou de profunda hipocrisia.
Por Raul Silva, para O estopim |24 de setembro de 2025
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A hipocrisia exposta e a queda das máscarasO estopim
Senador Humberto Costa (PT-PE) - Foto: Marcos Oliveira/AgênciaSenado
A fala de Costa, proferida em um "dia histórico para o Senado Federal", como ele mesmo definiu, não foi apenas um voto contra a matéria, mas uma peça de acusação que buscou expor as contradições de seus adversários e conectar a rejeição da PEC a um sentimento popular mais amplo.
A hipocrisia e a "máscara caída"
O argumento central do senador foi a tese da "máscara caída". Para ele, a PEC, patrocinada pela extrema-direita, desnudou a falsidade do discurso anticorrupção e antissistema que marcou a ascensão do grupo político nos últimos anos.
"E eu digo que a máscara caiu porque o discurso da extrema-direita ao longo desses últimos anos foi o discurso que hoje se mostra a hipocrisia. Contra o sistema, contra a corrupção, contra os privilégios", afirmou Costa, em tom professoral.
Para ilustrar essa contradição, o senador contrapôs a defesa da PEC com a suposta negligência em pautas de real interesse popular, como a isenção do imposto de renda, elogiando a iniciativa do senador Renan Calheiros. A crítica remete a falas anteriores do próprio Costa, que em diversas ocasiões acusou o governo anterior e seus aliados de usarem a pauta de costumes e o combate à corrupção como "cortina de fumaça". Em 2022, por exemplo, ele declarou que "enquanto acenam com o moralismo, a boiada dos privilégios passa por baixo dos panos". A fala de hoje na CCJ resgata essa linha de raciocínio, aplicando-a diretamente à tentativa de ampliar a imunidade parlamentar.
A afronta à Constituição e a criação de "cidadãos de Primeira Categoria"
Humberto Costa dedicou parte significativa de seu discurso para argumentar que a PEC feria de morte o princípio da isonomia, pilar do Artigo 5º da Constituição Federal. Ao citar o senador Fabiano Contarato, ele reforçou a ideia de que a proposta criaria uma casta de intocáveis.
"A Constituição brasileira diz que todos são iguais perante a lei. E essa proposta, se aprovada, criaria cidadãos de primeira categoria que seríamos nós", declarou.
Ele dramatizou o argumento ao contrastar essa proteção com a vulnerabilidade de grupos marginalizados:
"o restante da população que muitas vezes não tem direito nem a um processo legal. Na periferia, os negros, as mulheres, os LGBTs que são muitas vezes assassinados sem a possibilidade de sequer ter direito a responder a um processo".
Essa construção retórica buscou pintar a PEC não como uma prerrogativa de função, mas como um privilégio odioso em um país marcado pela desigualdade e violência.
Veja omo foi o voto do Senador Humberto Costa (PT-BR) - Recorte: TV Senado
As absurdidades da proposta: licença para crimes inafiançáveis
O senador foi especialmente incisivo ao detalhar os aspectos mais controversos da PEC, como a necessidade de autorização prévia, por voto secreto, até mesmo para prisões em flagrante de crimes inafiançáveis. Foi o momento em que sua fala ganhou contornos de denúncia.
"Vejam bem, se o parlamentar tivesse incorrido em crime de racismo, de tortura, de tráfico de drogas, de terrorismo [...] para que ele tivesse a aplicação daquela medida cautelar seria necessário o voto secreto da maioria dos seus pares", elencou Costa, provocando um silêncio na comissão.
A menção a esses crimes específicos teve o claro objetivo de chocar e demonstrar o alcance do que ele considerava um absurdo jurídico e moral. A ironia foi usada como arma ao lembrar a celebração na Câmara dos Deputados quando a proposta avançou:
"Quem concorda com isso? E a extrema-direita concordou e defendeu isso. Agora não está com coragem de votar, mas defendeu isso, votou e comemorou. Até Pai Nosso rezaram lá na Câmara".
O risco para a Democracia e a porta aberta ao Crime Organizado
Por fim, Costa ampliou o escopo de sua crítica, alertando para as consequências sistêmicas da PEC. Ele argumentou que a blindagem não se restringiria a Brasília, mas se estenderia a deputados estaduais e vereadores, tornando os parlamentos locais alvos fáceis para o crime organizado.
"Para eleger um vereador basta ter um pouquinho de dinheiro. Pra eleger um deputado estadual é parecido. Então o crime organizado iria correr pra isso", alertou.
Para tornar a ameaça palpável, ele usou um exemplo notório e de grande apelo midiático:
"Imagine o caso daquele parlamentar no Rio de Janeiro que dormiu em cima de uma montanha de 5 milhões de reais. Será que aquele cidadão seria preso se os demais colegas pudessem votar secretamente para isso?".
Ao concluir, o senador Humberto Costa não apenas celebrou a iminente derrota da PEC, parabenizando o presidente da CCJ, Otto Alencar, pela celeridade. Ele cravou sua análise política como o legado mais importante do dia: a derrota da proposta era secundária. O principal, em sua visão, era o custo político imposto aos seus proponentes.
"O Senado hoje vai decretar o fim dessa proposta indecente, mas a coisa mais importante no meu ponto de vista é que realmente a máscara da extrema-direita caiu no nosso país",
Finalizou, sob os olhares atentos de seus pares, em um discurso que ecoará nos corredores do Congresso como um marco da queda da "PEC da Blindagem".
Urgência anti-povo: Blindagem e Anistia atropelam a vontade popular
Deputados na Câmara comemoram após aprovar, por 311 votos a 163, urgência para o projeto de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro . O clamor de “sem anistia” bradado pela oposição ecoou em vão pelo plenário .
Na noite de 17 de setembro de 2025, a Câmara dos Deputados esfregou na cara do país sua prioridade: proteger a si mesma e seus aliados, doa a quem doer. Em menos de 24 horas, os parlamentares aprovaram em dois turnos a chamada PEC da Blindagem – uma emenda constitucional para dificultar investigações e prisões de deputados e senadores – e em seguida correram para dar urgência ao PL da Anistia que perdoa participantes (e possivelmente mandantes) da intentona golpista de 8 de janeiro de 2023. Essa sequência indecorosa ocorreu em absoluto desrespeito à vontade popular, ignorando protestos de rua, pesquisas de opinião e clamores nas redes sociais contrários a essas pautas. Nas palavras irônicas de muitos cidadãos, Brasília protagonizou um verdadeiro “Festival da Impunidade”, onde os únicos beneficiários foram os próprios políticos – e os prejudicados, todos nós.
Não faltaram avisos. Desde o início de setembro, manifestações populares entoavam “Sem anistia!” nas ruas e nas redes, exigindo punição exemplar para golpistas e rejeição de manobras pró-impunidade. Institutos de pesquisa confirmavam o que se via a olho nu: a maioria absoluta do povo brasileiro repudiava tanto a anistia aos envolvidos no 8 de janeiro quanto a ideia de ampliar a blindagem de políticos corruptos. Uma sondagem AtlasIntel/Bloomberg divulgada no próprio dia 17/09 mostrou que 57,3% dos brasileiros se opõem a uma anistia “ampla, geral e irrestrita” aos responsáveis pela tentativa de golpe e pelos atos extremistas, contra apenas 40,6% favoráveis. Outro recorte revelou que 50,2% rejeitam qualquer anistia – isto é, querem punição para todos os criminosos – enquanto somente 41,3% apoiam perdoar até Jair Bolsonaro (PL) e outros líderes, e 6,1% aceitariam no máximo perdoar os manifestantes de base, mas não os políticos golpistas. Ou seja, a linha dura do “sem anistia” refletia o sentimento da maioria. E o que fez a Câmara? Virou as costas. Aprovaram a toque de caixa o requerimento de urgência do PL 2162/2023, que concede anistia ampla aos “manifestantes” golpistas, por 311 votos a 163, ignorando os dados, o clamor popular e até os princípios mais básicos da justiça. Na mesma sessão, parlamentares contrários gritavam “sem anistia”, em eco à voz das ruas, mas foram atropelados pela boiada governista-oposicionista unida pelo perdão aos criminosos.
Não bastasse, no dia anterior (16/09), 314 deputados já haviam imposto sua vontade passando a PEC 3/2021, batizada de PEC da Blindagem, cujo apelido deveria ser PEC da Impunidade. Essa emenda reinstaura uma regra abolida há duas décadas por pressão popular: a exigência de aval do Congresso para que parlamentares sejam processados criminalmente . Em outras palavras, deputado só será réu se a Corporação permitir. Trata-se de um retrocesso escandaloso, já que de 1988 a 2001 essa “licença para processar” funcionou como escudo de bandidos engravatados: 253 investigações contra parlamentares foram enterradas pelo Congresso nesse período (210 nem sequer analisadas; 43 barradas explicitamente), contra apenas 1 autorizada. Com a PEC aprovada, volta o clube da imunidade total, agora turbinado pela possibilidade de voto secreto para livrar colegas de processo e pela ampliação do foro privilegiado a presidentes de partidos políticos . Sim, você leu certo: além de blindar deputados e senadores, a proposta estende o privilégio a caciques partidários (pessoas jurídicas de direito privado!) – um privilégio sem paralelo em democracias desenvolvidas e sem precedentes na nossa história constitucional. É o autoproteger-se levado ao paroxismo.
Tudo isso foi feito à revelia do povo, que não votou em seus representantes para que institucionalizassem a impunidade. A Transparência Internacional – Brasil resumiu bem: a aprovação da PEC da Blindagem escancara “a priorização das pautas corporativistas em prejuízo dos anseios da população”. Instituir aval parlamentar prévio para qualquer investigação “representa uma anistia prévia para todos os tipos de crime, incluindo desvios de emendas parlamentares, crime organizado e atos golpistas”, denuncia a entidade. O quadro é de tal gravidade que a TI alerta: pautas corporativistas desconectadas do povo colocam em xeque a legitimidade do Congresso Nacional, já abalada por escândalos de corrupção em série. De fato, os deputados que votaram “sim” optaram por rasgar o contrato social básico: em vez de representar os cidadãos, representaram apenas a si mesmos e seus comparsas.
Prioridades Invertidas: Pautas do povo travadas, privilégios acelerados
Enquanto os nobres parlamentares correm para se blindar da lei e perdoar golpistas, propostas de grande interesse público seguem mofando nas gavetas da Câmara. O contraste é gritante. Projetos essenciais como a regulação das plataformas digitais (o PL das Fake News, PL 2630/2020), a criação de regras para as big techs e redes sociais, e a definição de um marco legal para a inteligência artificial têm sido sistematicamente travados ou adiados pelo Congresso. A quem interessa essa morosidade? Exatamente aos mesmos grupos políticos que agora correm com blindagem e anistia. Manter a internet como terra sem lei – sem responsabilização de plataformas pela disseminação de fake news, sem freios à desinformação cibernética – beneficia quem aposta na manipulação ideológica de parcelas vulneráveis da sociedade como estratégia de poder.
Lembremos: em 2023, quando se tentou votar o PL das Fake News, Arthur Lira e cia. cederam a pressões e adiaram indefinidamente a apreciação da matéria . Houve forte lobby das Big Techs e campanha de desinformação pintando o projeto como “censura”. Resultado: a regulamentação empacou. Mesmo após escândalos de redes promovendo ódio, ataques às instituições e golpes (vide 8 de janeiro), os deputados não se moveram para concluir essa votação. A Câmara chegou ao cúmulo de formar um grupo de trabalho para “reelaborar” o projeto, numa manobra que na prática enterrou a iniciativa original – vitória para Google, Meta & companhia, derrota para a sociedade civil que clamava por um mínimo de ordem no caos informativo.
O mesmo ocorre com a legislação de IA (inteligência artificial): discussões arrastadas, nenhuma urgência em proteger dados, combater algoritmos discriminatórios ou prevenir deepfakes eleitorais. Por quê? Porque a desinformação desenfreada e a falta de controle nas redes beneficiam muitos dos atuais detentores de mandato, que capitalizam teorias da conspiração, mentiras e discursos de ódio para inflamar suas bases. Regulamentar, nem pensar – não enquanto a mentira lhes for útil. É revelador que temas caros à população, como a segurança informacional, a proteção do debate público e a integridade do processo eleitoral, sejam deixados de lado, ao passo que aquilo que interessa diretamente aos bolsos e à pele dos políticos (sua impunidade penal e a impunidade de seus aliados) tramite na velocidade da luz. As prioridades estão invertidas: o que é urgente para o povo é postergado; o que é útil para a classe política é aprovado em regime de urgência.
Essa inversão deliberada favorece a manutenção de um ambiente de caos informativo e polarização irracional, terreno fértil para projetos autoritários. Deixar de votar o PL das Fake News, por exemplo, foi um presente para quem vive de espalhar boatos e teorias da conspiração – as mesmas forças que insuflaram os atos golpistas agora anistiados. Ao não regulamentar big techs e redes sociais, o Congresso consente tacitamente com a sabotagem da esfera pública, permitindo que mentiras continuem envenenando o debate e colocando brasileiros contra brasileiros. Não é de espantar que muitos dos entusiastas da PEC da Blindagem e do PL da Anistia sejam os mesmos que fizeram coro a teses conspiratórias nas últimas eleições. A desinformação arma o palanque; a blindagem garante a imunidade caso algo dê errado. É um jogo cínico e perigoso.
Reforma Administrativa: a conta pros pobres, os privilégios pros ricos
Outro item da agenda de 2025 expõe o abismo entre os interesses da população e os do estamento político-econômico: a Reforma Administrativa proposta no Congresso. Nas entrelinhas, o projeto transfere o peso do ajuste fiscal e do pagamento da dívida pública para as costas dos servidores públicos de base e dos cidadãos mais pobres, preservando intocados os privilégios dos ricos e super-ricos. É o velho roteiro neoliberal: corta-se “gasto” social, achata-se salário de professor e enfermeira, desmonta-se serviço público essencial – tudo em nome de “equilíbrio fiscal” – mas não se ousa mexer nas regalias tributárias e patrimoniais da elite econômica.
Como bem pontuou a organização Auditoria Cidadã da Dívida, o Brasil ostenta um dos sistemas tributários mais injustos do planeta: o trabalhador assalariado paga imposto na fonte, enquanto bilionários seguem isentos de impostos sobre lucros e dividendos; grandes fortunas, heranças milionárias e ganhos especulativos não sofrem tributação proporcional. Toda vez que se tenta corrigir essas distorções, a elite esperneia “como se fosse um crime”. O resultado? A conta da dívida e do ajuste acaba sempre empurrada para os trabalhadores, aposentados, servidores de base e população mais pobre. A tal reforma administrativa, vendida como “modernização”, repete essa lógica perversa. Fala-se em cortar “excessos” do serviço público, mas não se toca nos supersalários do alto escalão, não se propõe rever penduricalhos de magistrados ou reduzir privilégios de parlamentares. Ao contrário: planeja-se facilitar demissões de servidores comuns, restringir estabilidade de quem ganha pouco, congelar salários em crises e até reduzir vencimentos de professores e enfermeiros, enquanto os marajás do topo seguem acumulando auxílios e jetons. Em suma, sacrifica-se quem já ganha pouco e depende do Estado, para que os verdadeiros privilegiados não percam nada.
A reforma administrativa atual é, como denunciam sindicatos e entidades sociais, a implementação daquela “granada no bolso do inimigo” que o ex-ministro Paulo Guedes pregava – onde o “inimigo” são os servidores e o povo atendido por políticas públicas. Vai-se pavimentando o caminho para um Estado mínimo para os pobres (sem direitos, sem serviços), mas máximo na proteção aos endinheirados (que continuarão blindados em seus lucros). Transferir os custos da dívida pública para os servidores e os mais pobres, mantendo os ricos ilesos, não é apenas economicamente injusto: é moralmente repugnante e constitucionalmente questionável. Fere o princípio da igualdade e da moralidade administrativa previstos na Constituição. Viola o pacto implícito de solidariedade social inscrito nos direitos fundamentais. Em vez de buscar fontes de receita junto a quem pode pagar – por exemplo, tributando fortunas e dividendos, ou auditando a dívida pública para estancar pagamentos indevidos – preferem arrochar quem vive de salário e sucatear serviços dos quais depende o cidadão comum.
Essa opção política reflete, mais uma vez, o projeto de país de nossa elite dirigente: um país para poucos. Afinal, os mesmos parlamentares que se apressam em blindar a si mesmos contra a lei e perdoar colegas golpistas mostram-se diligentes em passar a conta da austeridade para o povo. Enquanto isso, nenhuma pressa se vê em reformar o sistema tributário regressivo ou em combater os privilégios fiscais dos super-ricos. Pelo contrário: qualquer tentativa nesse sentido é tachada de “ataque a quem gera empregos” ou “sanha arrecadatória”, como bradaram recentemente parlamentares ligados ao agronegócio e ao setor financeiro diante de um modesto aumento do IOF. O script se repete: proteger os de cima, punir os de baixo. A reforma administrativa, tal como está sendo desenhada, é mais um capítulo desse roteiro cínico. E não nos iludamos: muitos dos que a defendem com unhas e dentes são beneficiários diretos do status quo – políticos com supersalários, aliados de banqueiros rentistas, todos blindados contra qualquer mudança que lhes tire privilégios.
Soberania em Xeque: aliados de Bolsonaro apelam a potências estrangeiras
Como se não bastasse o descalabro interno, parte de nossa classe política flerta abertamente com a subordinação do Brasil a interesses externos para atingir objetivos próprios. Nos últimos meses, emergiram denúncias gravíssimas: parlamentares bolsonaristas – incluindo o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente – têm feito lobby junto ao governo dos Estados Unidos para que Washington imponha sanções econômicas e diplomáticas contra o Brasil, tudo com o intuito de pressionar as autoridades brasileiras e “proteger” Jair Bolsonaro de responder por seus crimes. É isso mesmo que você leu. Incapazes de provar a inocência do líder ou de aceitar as decisões soberanas da Justiça brasileira, esses políticos recorrem a uma potência estrangeira para sabotar o país e chantagear nossas instituições. Trata-se de um ato que beira a traição à pátria – e que coloca em risco a própria soberania nacional.
No último 7 de Setembro, durante um ato na Avenida Paulista, o absurdo chegou a cenas explícitas: bolsonaristas desfilaram envoltos na bandeira dos EUA, pedindo intervenção de Donald Trump em nosso país . Gritavam palavras de ordem contra o STF e exibiam cartazes de apelo externo, como “SOS Trump, Bolsonaro free” e “Eleição sem Bolsonaro é ditadura”, enquanto tremulavam lado a lado bandeiras brasileiras, americanas e até de Israel. Nesse comício insólito, contaram com a participação de figuras de proa da direita: o governador de SP Tarcísio de Freitas (Republicanos), o governador de MG Romeu Zema (Novo) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro – todos insuflando a narrativa de “perseguição” e clamando pela anistia dos golpistas. Tarcísio chegou a conclamar o presidente da Câmara:
“Paute a anistia… presidente de Casa nenhuma pode conter a vontade de mais de 350 parlamentares… Trazer a anistia para a pauta é resgatar o País” . A mensagem era clara: se for preciso passar por cima da separação de Poderes e até bajular governos estrangeiros, assim o farão para livrar Bolsonaro e seus cúmplices.
Manifestantes bolsonaristas na Avenida Paulista (7 de Setembro de 2025) erguem faixas pedindo ajuda a Donald Trump e exibem bandeiras dos EUA, em apelo contra as instituições brasileiras. Parlamentares ligados a Bolsonaro têm incitado abertamente a intervenção estrangeira, ameaçando a soberania nacional .
As consequências dessa conspiração internacional não tardaram. Com a ascensão de um governo alinhado a Trump nos EUA em 2025, vimos medidas concretas lesivas ao Brasil: imposição de tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, sob pretextos comerciais duvidosos, e até sanções ad personam contra autoridades nacionais como o ministro Alexandre de Moraes do STF, via Lei Magnitsky. O secretário de Estado americano (Marco Rubio, no governo Trump) e a porta-voz da Casa Branca chegaram a classificar a condenação de Bolsonaro no STF (27 anos de prisão por tentativa de golpe) como “caça às bruxas”, ameaçando retaliar o Brasil. Uma ingerência escandalosa! A resposta do governo brasileiro veio através da ministra Gleisi Hoffmann, que acusou justamente a traição de Bolsonaro e seus aliados por incitarem uma potência estrangeira a atacar e punir agentes da Justiça brasileira. Gleisi lembrou que atentar contra a soberania de outro país para livrar um condenado é que é “ilegal, autoritário e abusivo” – não o devido processo que condenou os golpistas.
Juristas do Grupo Prerrogativas também soaram o alarme ao citar explicitamente a “atuação de um governo estrangeiro em defesa da anistia” como uma intervenção indevida e desonesta que fere nossa soberania . Na nota pública contundente lançada em 16/09, esses renomados juristas afirmam que anistiar crimes contra a democracia seria inconstitucional e equivaleria a um “passaporte para o caos” institucional. Destacam que as instituições brasileiras dispõem de ferramentas jurídicas de proteção da democracia – ferramentas essas que não podem ser simplesmente anuladas por uma canetada parlamentar sem que haja grave fratura do sistema democrático. E condenam veementemente o envolvimento de agentes estrangeiros: uma anistia costurada sob influência externa seria duplamente ilegítima, por submeter o Estado brasileiro a interesses alheios e por chancelar a impunidade de crimes de lesa-pátria.
A subserviência de certos parlamentares a agendas estrangeiras em prol de um projeto autoritário é um ponto baixíssimo de nossa história recente. Chega a ser irônico (ou trágico) ver aqueles que se diziam paladinos do “patriotismo” pedindo que outro país ataque economicamente o Brasil porque aqui se aplicou a lei contra criminosos. Esse episódio desmascara de vez o falso nacionalismo de Bolsonaro e seus acólitos: para salvar a própria pele, eles estão dispostos a rifar a soberania nacional. Vale lembrar que a Constituição Federal, em seu artigo 4º, consagra a não-intervenção e a autodeterminação dos povos como princípios das relações internacionais do Brasil, e que a soberania é fundamento da República (art. 1º, I). Ainda assim, tivemos deputados federais fazendo tour em Washington para conspirar contra o seu próprio país. Há palavra melhor que traição? Difícil.
Constituição vs. Prática Política: princípios viram letra morta?
Diante de todo esse cenário – blindagem de corruptos, anistia a golpistas, retirada de direitos do povo e apelo a potências estrangeiras – fica a pergunta: onde ficam os princípios fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil? Viraram letra morta? Os atos recentes do Congresso afrontam diretamente vários dos pilares do nosso ordenamento. Vejamos:
Soberania Popular (Art. 1º, parágrafo único): “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Os constituintes de 1988 deixaram claro que os detentores de mandato exercem um poder que não é deles, mas do povo, e devem fazê-lo em consonância com a vontade popular. O que vimos, porém, foi o exato oposto: um Congresso legislando contra o povo, ignorando pesquisas, manifestações e o clamor das urnas (afinal, Bolsonaro e seu projeto autoritário foram derrotados em 2022). Quando 57% rejeitam anistia a golpistas e mesmo assim 311 deputados aprovam-na, fica evidente o divórcio entre representantes e representados. Assim, que legitimidade tem um poder que não respeita sua fonte emanadora? Ao agir em interesse próprio, esses parlamentares violam o princípio basilar de que são mandatários do povo e não donos do mandato.
Cidadania e Direitos Fundamentais (Art. 1º, II; Art. 5º): A Constituição erige a dignidade humana, a cidadania e a igualdade de todos perante a lei como fundamentos. Porém, a PEC da Blindagem “implode a igualdade e cria uma estratificação feudal, separando a nobreza dos seus servos”, alertou o senador Renan Calheiros . Não poderia haver descrição melhor: ao se colocarem acima da lei, os “nobres” parlamentares se apartam da cidadania comum e recriam castas privilegiadas – os intocáveis do Legislativo versus o resto dos brasileiros sujeitos às leis. Isso fere de morte o princípio da isonomia (Art. 5º caput), segundo o qual todos são iguais perante a lei. Também atinge o núcleo do Estado Democrático de Direito (conceito expresso no preâmbulo e no Art. 1º da CF), que pressupõe governo de leis e não de homens. Se determinadas pessoas (deputados, senadores, seus padrinhos partidários) ganham salvo-conduto contra a lei penal, estamos negando a própria ideia de democracia, pois criamos cidadãos de primeira e segunda classe. É a negação da cidadania plena, rompendo o pacto constitucional de 1988.
Moralidade e Probidade Administrativa (Art. 37, caput): A Constituição exige que a administração pública direta e indireta obedeça aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Embora dirigido ao Executivo, tal princípio de moralidade administrativa ecoa para todos os agentes políticos. Quando parlamentares usam o poder legislativo para benefício próprio, seja aprovando uma PEC casuística pró-impunidade, seja barganhando proteção a si mesmos em troca de favorecimentos, eles incidem em claro desvio de finalidade e imoralidade. A PEC da Blindagem é imoral na essência: em vez de legislar em prol do bem comum, os deputados legislarem em causa própria, minando a confiança na política. Vale lembrar que atos de improbidade administrativa (inclusive de parlamentares) estão sujeitos a sanção e que a moralidade é parâmetro de controle judicial. Não espanta que partidos e juristas já cogitem acionar o STF contra essa PEC infame, tamanha a afronta aos princípios republicanos.
Defesa da Democracia e do Estado de Direito (cláusulas pétreas do Art. 60, §4º): A Constituição veda qualquer emenda tendente a abolir a forma federativa, o voto direto e secreto, a separação de Poderes e os direitos e garantias individuais. Ora, a PEC da Blindagem arranha a separação de Poderes (pois retira do Judiciário a palavra final sobre processar criminosos parlamentares) e sabota garantias individuais como o direito à segurança pública e à justiça imparcial. Já o projeto de anistia generalizada a golpistas atenta contra o Estado Democrático de Direito de forma explícita. Não se anistia quem tentou destruir a própria democracia sem ferir a democracia de novo – isso seria consagrar o “direito à impunidade” de golpistas, algo que contraria todo o espírito da Constituição de 1988. Juristas de renome, como os do Grupo Prerrogativas, sustentam que tal anistia seria manifestamente inconstitucional, pois “leis de anistia a golpistas não encontram respaldo jurídico e violam os pilares do Estado Democrático de Direito” . Seria transformar a exceção (crime contra a ordem constitucional) em regra impune, o que fere o núcleo essencial e intangível do pacto constitucional pós-ditadura.
Em suma, a conduta destes parlamentares tem colocado em xeque a inviolabilidade do Estado Democrático de Direito, valor supremo que a Constituição nos manda preservar. Felizmente, ainda há freios: o Senado Federal, por exemplo, pode barrar a PEC da Blindagem (e há sinais de que muitos senadores, de Renan Calheiros a Otto Alencar, estão dispostos a isso). O Judiciário, provocado, poderá derrubar leis ou emendas que violem cláusulas pétreas ou princípios sensíveis – o STF já foi acionado no passado contra a “PEC da Impunidade” (versão anterior dessa proposta, em 2021) e deixou claro que não toleraria retrocessos tão flagrantes. E, sobretudo, há a vontade popular que, embora desprezada por ora, continua sendo a força legítima por trás de todos os Poderes.
O Poder emana do povo: hora de reação e responsabilidade em 2026
Diante desse cenário desolador – de um Congresso parte acovardado, parte cúmplice, chancelando pautas elitistas e antipovo –, é fácil cair no desânimo. Mas a história da nossa República mostra que quando o povo se organiza e reage, nenhum projeto autoritário prospera por muito tempo. Está na hora de lembrar aos senhores deputados e senadoras uma lição fundamental: o poder em suas mãos não lhes pertence; foi confiado a eles pelo povo e pode ser retirado pelo povo. A soberania popular não é palavreado vazio – é literalmente a base do regime democrático (Constituição, art. 1º, par. único).
Portanto, a resposta a esse projeto de desmonte institucional e blindagem elitista deve vir de nós, cidadãos. Como? Em várias frentes. Primeiro, pressionando agora: mobilização social, atos públicos, campanhas nas redes, tudo isso importa. Já vimos que protestos surtiram efeito no passado – a própria cláusula de imunidade parlamentar havia sido derrubada em 2001 sob clamor popular. Se deixarmos claro que não aceitaremos um Congresso transformado em “covil de malfeitores” (nas palavras de Renan ), que não toleraremos anistia para golpistas nem passe livre para corruptos, aumentamos o custo político dessas medidas. Alguns parlamentares ainda podem recuar se sentirem suas bases indignadas.
Segundo – e principalmente – usando o poder do voto em 2026. Daqui a pouco mais de um ano, teremos eleições gerais. Elas serão a grande oportunidade de renovar o Parlamento e barrar nas urnas aqueles que traíram a democracia e o povo. É fundamental que cada eleitor brasileiro tome nota dos nomes e partidos envolvidos nessas vergonhosas iniciativas. Quem votou pela PEC da Blindagem? Quem defendeu a anistia de golpistas? Estão lá as listas nominais, amplamente divulgadas. Partidos como o PL de Bolsonaro (82 votos a favor da blindagem, e praticamente toda a bancada a favor da anistia), o PP e o Republicanos (articuladores centrais dessas pautas), além de segmentos do MDB, PSD, Podemos, Avante e outros do chamado centrão, precisam ser responsabilizados nas urnas. Inclusive, ressalte-se a ironia: parte da base aliada do governo Lula também embarcou nesse combo da vergonha – foram 10 votos favoráveis no PT no segundo turno da PEC da Blindagem, 9 no PSB, além de Solidariedade, PV e Cidadania divididos. Seus líderes deram desculpas esfarrapadas de “estratégia” para barrar a anistia, mas acabaram ajudando a aprovar a impunidade e não impediram coisa nenhuma (a anistia avançou mesmo assim). Que esses também arquem com as consequências eleitorais de sua conivência.
2026 pode e deve ser um divisor de águas. A sociedade brasileira não suporta mais ver seus representantes legislando contra ela. Se a indignação se converter em participação política – seja cobrando os atuais parlamentares, seja votando para expulsar do Congresso os inimigos do povo, seja elegendo gente comprometida com a ética e a democracia – então teremos transformado essa crise em crescimento. Afinal, como bem diz a Constituição, “todo o poder emana do povo”. Está na hora de fazer valer esse poder. Não podemos permitir que a impunidade se torne política de Estado nem que nossa democracia vire refém de uma casta ensimesmada.
Que fique claro aos atuais detentores de mandato: nós estamos de olho. Blindem-se do Judiciário o quanto quiserem; não poderão se blindar do julgamento popular. A soberania popular, essa sim, é inviolável e inegociável. E quando o povo fala nas urnas – como falou em 2022 derrotando o autoritarismo – a sua voz deve ser respeitada. Caso contrário, “Casa do Povo” deixará de ser um título legítimo para o Congresso Nacional, e passará a soar como sarcástico insulto. Em 2026, temos a chance de renovar o Parlamento e varrer para fora aqueles que transformaram a Câmara e o Senado em instrumentos de blindagem elitista e de afronta à vontade popular.
Organizemo-nos. Conversemos com amigos, familiares, colegas de trabalho. Não deixemos a desinformação – aquela mesma que eles se recusam a coibir – toldar a visão do que está em jogo. Está em jogo a essência da nossa República, o princípio de que os governantes devem servir ao povo, e não servir-se dele. O recado a ser dado é simples e potente: quem votar contra o povo, não volta. Blindaram-se contra a Justiça? Pois o povo os desblindará pelo voto. Anistiaram criminosos? Pois o povo os anistiará da vida pública, mandando-os para casa. O poder pertence ao povo – e quando o povo acorda para esse poder, não há blindagem que segure.
Em última análise, o Estado Democrático de Direito vive da nossa vigilância e ação. Não entreguemos de bandeja aquilo que a Constituição de 1988 nos garantiu. Aos maus políticos, resta o recado: preparem-se. Se continuarem a ignorar a vontade popular de forma tão escancarada, sentirão em 2026 a força de uma cidadania exausta de ser desprezada. A democracia brasileira não será assassinada no plenário sem reação. Como disse um jurista certa vez, “a Constituição não terá sido derrotada enquanto houver cidadãos dispostos a lutar por ela”. Estamos dispostos. A luta é agora – e nas urnas de 2026, daremos o troco.
Em uma das votações mais polêmicas dos últimos tempos no Congresso Nacional, a aprovação da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados expôs contradições profundas no cenário político pernambucano. O voto favorável do deputado Pedro Campos (PSB-PE) à proposta que dificulta investigações contra parlamentares não apenas chocou seus eleitores, mas também lançou uma sombra sobre as ambições governamentais de seu irmão, João Campos (PSB), prefeito do Recife. A pergunta que ressoa pelos corredores políticos de Pernambuco é cristalina: como o prefeito pretende se contrapor à governadora Raquel Lyra (PSD) nas eleições de 2026, quando seu próprio partido e família protagonizam o mesmo tipo de blindagem que beneficia os adversários políticos?
Pedro Campos, político do PSB pernambucano
A PEC da Vergonha e o voto familiar inconveniente
A aprovação da PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados, com 344 votos favoráveis contra 133 contrários, representou um dos episódios mais controversos da atual legislatura. A proposta, que restabelece regras vigentes entre 1988 e 2001, impõe que o Supremo Tribunal Federal (STF) necessite de autorização prévia do Congresso para abrir processos criminais contra parlamentares. Entre 1988 e 2001, período em que essa regra vigorou, apenas um dos 253 pedidos do STF para processar parlamentares foi aceito.
O voto de Pedro Campos a favor da medida causou revolta entre seus eleitores do Sertão do Pajeú, que lotaram suas redes sociais com críticas devastadoras. Mensagens como "Perdeu meu voto votando SIM à PEC da Blindagem" e "Confesso que foi o voto da PEC da Bandidagem que eu mais senti" demonstram o nível de decepção popular. Mais significativo ainda foi o comentário premonitório: "@joaocampos seu irmão vai acabar atrapalhando sua campanha".
João Campos PSB - Pernambuco
A repercussão negativa do voto de Pedro Campos expõe uma contradição fundamental no discurso político da família Campos. Enquanto João Campos busca construir uma imagem de renovação política e combate aos privilégios estabelecidos, seu irmão vota para blindar parlamentares de investigações criminais. Essa incoerência familiar torna-se ainda mais problemática quando consideramos que João Campos lidera as pesquisas para governador com 55% a 57% das intenções de voto, posicionando-se como alternativa à atual governadora.
O PSB e a hipocrisia da vice-presidência
A situação torna-se ainda mais grave quando analisamos a posição do PSB no cenário nacional. O partido ocupa a vice-presidência da República com Geraldo Alckmin e integra oficialmente a base governista de Lula. No entanto, na votação da PEC da Blindagem, cinco dos seis deputados federais do PSB pernambucano votaram a favor da medida que contraria frontalmente os interesses do governo federal.
Esta contradição não é isolada. Em junho de 2025, durante a votação sobre o aumento do IOF, o PSB apresentou comportamento similar: nove deputados do partido votaram pela derrubada dos decretos do governo, enquanto apenas três mantiveram fidelidade à base governista. Dos 11 partidos com ministérios no governo Lula, 63,2% dos votos foram contrários ao governo, evidenciando o derretimento da base parlamentar.
O presidente nacional do PSB, João Campos, encontra-se em uma posição insustentável: como líder de um partido que ocupa a vice-presidência, mas cujos parlamentares sistematicamente votam contra o governo que ajudam a sustentar? Como explicar aos eleitores que, enquanto Alckmin representa o PSB no Palácio do Planalto, os deputados da legenda em Pernambuco blindam investigações que podem beneficiar opositores do governo federal?
Raquel Lyra: A Aproximação Perigosa com o Bolsonarismo
Por outro lado, a governadora Raquel Lyra também enfrenta contradições políticas significativas em sua trajetória. Após deixar o PSDB e migrar para o PSD em março de 2025, Lyra tem adotado uma postura ambígua que ora se aproxima do governo federal, ora flerta com setores bolsonaristas.
Durante seu governo, Raquel manteve o PL de Bolsonaro em sua base aliada, com indicações estratégicas como Ivaneide Dantas na Secretaria de Educação e Anselmo de Araújo Lima na Secretaria Executiva de Justiça. Esta aliança com o PL representa uma proximidade perigosa com o bolsonarismo, especialmente considerando que Pernambuco foi um dos estados que mais rejeitou Bolsonaro nas eleições de 2022, com 70% dos votos para Lula.
Governadora Raquel Lyra PSD - Pernambuco
A migração para o PSD, partido de Gilberto Kassab que tem como principais nomes os governadores Ratinho Júnior (Paraná) e Tarcísio de Freitas (São Paulo), posiciona Raquel Lyra em um campo político de centro-direita que pode lhe render dividendos eleitorais, mas também a afasta do governo federal que ela tanto buscou apoiar. Kassab deixou claro que o PSD terá candidato próprio à Presidência em 2026, contrariando os planos de Lyra de apoiar Lula.
Os números devastadores da violência em Pernambuco
Enquanto os principais candidatos ao governo estadual navegam entre contradições políticas e alianças questionáveis, Pernambuco vive uma situação de calamidade na segurança pública que expõe as fragilidades de ambas as gestões.
Os dados são alarmantes: entre janeiro e abril de 2025, foram registradas 35 mulheres mortas por feminicídio, o dobro do mesmo período do ano anterior. No primeiro semestre de 2025, 12 pessoas em situação de rua foram baleadas e mortas no Grande Recife, o maior número desde que o Instituto Fogo Cruzado iniciou o monitoramento há sete anos. Entre crianças e adolescentes, 52 pessoas com idades entre 4 e 17 anos perderam suas vidas por arma de fogo em Pernambuco.
SINPOL-PE alerta para aumento da violência na zona sul do Recife, destacando preocupações com a segurança pública em Pernambuco
Embora o governo estadual divulgue reduções percentuais nos índices de violência - alegando queda de 11% nas Mortes Violentas Intencionais no primeiro semestre de 2025 - a realidade nas ruas contradiz os números oficiais. O presidente da Assembleia Legislativa, Álvaro Porto (PSDB), denunciou que apenas em um fim de semana foram registrados 26 assassinatos.
A governadora Raquel Lyra, que prometeu reduzir 30% da violência armada letal até 2026, está cada vez mais distante de cumprir sua meta. Se a média atual se mantiver, 2024 fecharia com uma taxa de 43,3 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes, bem acima da meta de 26,5 estabelecida pelo governo.
João Campos: O prefeito entre o Marketing e os Problemas Reais
Por sua vez, João Campos, apesar de liderar as pesquisas eleitorais com aprovação de 80% a 82% no Recife, enfrenta questionamentos sobre a real efetividade de sua gestão municipal. O prefeito iniciou seu segundo mandato tendo que dar explicações ao Tribunal de Contas do Estado sobre um suposto superfaturamento de R$ 7,8 milhões na construção do Hospital da Criança.
Além disso, João Campos é constantemente criticado por investir prioritariamente em marketing digital e promoção pessoal, sendo o "prefeito do Brasil mais seguido nas redes sociais", enquanto questões estruturais como saneamento básico e segurança pública permanecem sem soluções definitivas. Seus adversários o acusam de "investir em marketing e não enfrentar as questões urgentes da cidade".
A gestão de creches municipais também gerou controvérsias durante a campanha de 2024, com adversários apontando irregularidades nos contratos. Esta situação coloca em xeque o discurso de eficiência administrativa que João Campos pretende levar para o governo estadual.
A calamidade política: Autoritarismo disfarçado de Democracia
O cenário que se desenha em Pernambuco para 2026 é de uma disputa entre dois projetos que, cada um à sua maneira, flertam perigosamente com o autoritarismo. De um lado, temos João Campos, cujo partido sistematicamente vota contra o governo federal que afirma apoiar, e cuja família protagoniza episódios de blindagem parlamentar que contradizem o discurso de transparência.
Do outro lado, Raquel Lyra representa um projeto que se equilibra precariamente entre o apoio ao governo federal e alianças com setores bolsonaristas, em um estado que rejeitou massivamente Bolsonaro. Sua migração para o PSD, partido que já anuncia candidatura própria à Presidência contra Lula, evidencia o caráter oportunista de suas alianças políticas.
A aprovação da PEC da Blindagem, com votos decisivos tanto do PSB quanto do PSD, revela que ambos os partidos compartilham a mesma lógica corporativista que protege políticos de investigações. Esta convergência autoritária, disfarçada de debate democrático, expõe que a disputa de 2026 pode ser entre dois projetos que, fundamentalmente, defendem os mesmos privilégios estabelecidos.