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IN FUX WE TRUST | A pergunta "onde estava a jurisprudência de Fux no julgamento de Lula?" expõe uma das contradições mais gritantes na atuação de um ministro do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos. A análise comparativa entre os votos de Luiz Fux nos casos envolvendo Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro revela não apenas uma mudança radical de postura jurídica, mas questiona fundamentalmente os critérios que orientam a aplicação da justiça no Brasil quando os réus pertencem a espectros políticos opostos.


O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Reprodução
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Reprodução

O Fux Punitivista: rigor implacável contra Lula


Em 4 de abril de 2018, durante uma das sessões mais tensas da história do STF, Fux votou categoricamente contra a concessão do habeas corpus preventivo a Lula, contribuindo para o placar de 6 votos a 5 que autorizou a prisão do ex-presidente. Seu voto foi técnico, direto e implacável.


"A presunção de inocência cessa a partir do momento em que, através de decisão judicial, se considera o paciente culpado. Um acordão condenatório, que não é ilegal, que não é injusto, assenta de forma inequívoca a culpa do réu", declarou Fux, estabelecendo uma interpretação restritiva do princípio constitucional da presunção de inocência.

Para Fux, à época, o dispositivo constitucional que prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado "não tem nada a ver com a prisão, absolutamente nada a ver com a prisão". O ministro foi enfático:


"Esse dispositivo não tem a menor vinculação com a execução provisória de segunda instância".

O aspecto mais revelador do voto de Fux contra Lula foi sua justificativa baseada na "legitimidade democrática" da prisão em segunda instância.


"O Supremo fixou tese jurídica de que presunção de inocência não inibe execução provisória da pena. Essa interpretação passou a usufruir de legitimidade democrática das decisões judiciais", argumentou.

Fux foi além, afirmando que a interpretação literal da Constituição sobre presunção de inocência:


"só tem um resultado: levar o Judiciário a níveis alarmantes de insatisfação perante os destinatários das nossas decisões". Para ele, "quando estão em jogo questões morais, razões de ordem pública, é preciso saber o que a sociedade pensa disso".

A postura rigorosa de Fux não se limitou ao caso Lula. Durante o julgamento do Mensalão em 2012, ele foi um dos ministros mais alinhados ao relator Joaquim Barbosa, votando sistematicamente pela condenação dos réus.


No Mensalão, Fux condenou:

  • 12 réus ligados a partidos da base aliada por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e formação de quadrilha

  • José Dirceu, José Genoíno e outros líderes petistas por formação de quadrilha, afirmando que houve "um projeto delinquencial" que durou mais de dois anos

  • João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro

  • Marcos Valério e seu grupo por corrupção ativa e peculato


Durante a Lava Jato, Fux manteve o perfil rigoroso, defendendo a operação até mesmo após as revelações da Vaza Jato. "Ninguém pode esquecer o que ocorreu no Brasil, no mensalão, na Lava Jato", declarou em junho de 2022, complementando:


"Cada ato de corrupção é um colégio que fica sem merenda para as crianças. Cada ato de corrupção é um hospital sem leito".

A metamorfose Garantista: Fux no caso Bolsonaro


A transformação de Fux tornou-se evidente em 2025, especialmente nos casos relacionados ao 8 de janeiro e à trama golpista. "Confesso que em determinadas ocasiões me deparo com uma pena exacerbada", admitiu Fux durante sessão da Primeira Turma, sinalizando sua nova filosofia jurídica.


O caso mais emblemático foi o de Débora dos Santos, condenada por Alexandre de Moraes a 14 anos por pichar "perdeu, mané" na estátua da Justiça. Fux pediu vista e propôs apenas um ano e seis meses de reclusão. "Dosimetria não é matemática. A dosimetria exige equidade, exige humanidade", declarou, estabelecendo uma filosofia diametralmente oposta à que aplicou no caso Lula.


No julgamento da trama golpista, Fux tem sistematicamente divergido de Alexandre de Moraes:

  1. Competência: Defende que o julgamento deveria ocorrer no plenário completo, não na Primeira Turma

  2. Delação de Mauro Cid: Questiona a "liberdade psíquica" do delator

  3. Medidas Cautelares: Foi o único a votar contra a tornozeleira eletrônica de Bolsonaro

  4. Dosimetria: Propõe penas mais brandas, seguindo uma "filosofia humanizada"


"Dosimetria não é aritmética, não há critérios matemáticos para fixação da pena. Por isso que juízes não podem ser substituídos por inteligência artificial, porque, se fosse matemática, teríamos, nesse mundo caótico, julgamentos destituídos de análise equânime, humana", declarou Fux no voto sobre Dino.

Esta declaração contrasta frontalmente com sua posição no caso Lula, quando afirmou que "um acordão condenatório assenta de forma inequívoca a culpa do réu", sem espaço para "análise equânime, humana".


Critérios jurídicos ou políticos?


Em 2018, Fux justificou a prisão de Lula com base na "legitimidade democrática" da decisão, argumentando que o STF deveria considerar "o que a sociedade pensa" sobre questões morais. Contudo, em 2025, diante de um contexto em que parte significativa da sociedade demanda punição rigorosa aos golpistas, Fux adota postura oposta, defendendo "humanidade" e "equidade" na dosimetria.


A contradição mais gritante reside na interpretação da presunção de inocência:


No caso Lula (2018):

  • "A presunção de inocência cessa quando se considera o paciente culpado"

  • "Esse dispositivo não tem nada a ver com a prisão"


No caso Bolsonaro (2025):

  • "Dosimetria exige equidade, exige humanidade"

  • Questiona provas e delações com base em garantias constitucionais

  • Defende análise "humana" de cada caso específico


Fux, que em 2018 afirmou que "a jurisprudência do tribunal tem que ser íntegra, estável", em 2025 adota postura que contradiz frontalmente seus próprios precedentes. Especialistas questionam essa mudança. "É um juiz que tem um histórico punitista e, neste caso, tem adotado posturas mais garantistas", observa o criminalista Fábio Tofic Simantob.


As tentativas de justificativa


Defensores da mudança de Fux argumentam que se trata de uma "evolução" natural, um "ajuste para evitar erros do passado". Segundo esta interpretação, "há quem veja nessa mudança um ajuste para evitar erros do passado, quando seu rigor no Mensalão e na Lava Jato foi celebrado por parte da população, mas criticado por juristas que apontaram punitivismo e fragilidades técnicas".


A interlocutores, Fux tem afirmado que sua postura atual representa um "exercício de moderação necessário ao STF". Contudo, esta justificativa não explica por que tal "moderação" não foi aplicada no caso Lula, que também enfrentava um contexto de polarização política extrema.


Analistas apontam que a aproximação de Fux com Bolsonaro durante sua presidência do STF (2020-2022) pode ter influenciado sua mudança de postura. "A aproximação se iniciou em 2020, quando Fux presidia a Corte; e Bolsonaro, o País. Os laços se consolidaram neste ano, a partir dos contrapontos apresentados pelo ministro ao colega Alexandre de Moraes".


A crítica jurídica: onde estava a jurisprudência?


A principal crítica à atuação de Fux reside na ausência de critérios técnicos consistentes que justifiquem a mudança radical de postura. No caso Lula, aplicou interpretação restritiva de garantias constitucionais; no caso Bolsonaro, defende interpretação ampla das mesmas garantias.


O princípio da isonomia, base do Estado de Direito, exige que casos similares recebam tratamento similar. A diferença de tratamento entre Lula e Bolsonaro por parte de Fux levanta questionamentos sérios sobre a imparcialidade judicial.


"O ministro Luiz Fux é, na composição atual, o que menos concede ordens em habeas corpus, por exemplo", observa o ex-defensor público federal Caio Paiva, destacando o histórico restritivo de Fux em questões de garantias individuais.


A mudança radical de postura de Fux compromete a legitimidade institucional do STF, alimentando narrativas de que a Corte aplica "pesos e medidas" diferentes conforme a orientação política dos réus.


A dimensão política da contradição


A mudança de Fux não passou despercebida pelos grupos políticos. Durante a Lava Jato, o slogan "In Fux We Trust" (No Fux, nós confiamos) era popular entre apoiadores da operação. Em 2025, "o slogan chegou a ser reabilitado por lideranças de direita" devido às suas divergências com Moraes.


A contradição de Fux contribui para a percepção pública de que existe "justiça seletiva" no STF, onde réus de esquerda recebem tratamento mais rigoroso que réus de direita. Esta percepção mina a credibilidade das instituições democráticas.


A mudança de postura de Fux alimenta a polarização política, fornecendo argumentos tanto para críticos quanto para defensores do STF. Grupos de esquerda apontam a contradição como prova de parcialidade; grupos de direita celebram a "moderação" do ministro.


A mudança de Fux tem gerado tensões na Primeira Turma. Durante a sessão de terça-feira, ele criticou intervenções de colegas, evidenciando seu desconforto com a dinâmica estabelecida. Moraes reagiu firmemente: "Esse aparte foi pedido a mim, não a Vossa Excelência".


A postura divergente de Fux, embora legítima do ponto de vista processual, tem impacto na colegialidade do tribunal. "Ainda que represente uma posição minoritária no STF sobre os processos do golpe, a expectativa é que os votos de Fux continuem fixando um contraponto às discussões".


A jurisprudência perdida


A pergunta "onde estava a jurisprudência de Fux no julgamento de Lula?" não tem resposta técnica satisfatória. A análise comparativa demonstra que os critérios aplicados pelo ministro em cada caso são diametralmente opostos, sem justificativa jurídica consistente.


No caso Lula:

  • Interpretação restritiva da presunção de inocência

  • Defesa da prisão em segunda instância

  • Priorização da "legitimidade democrática" sobre garantias individuais

  • Postura punitivista baseada no "combate à corrupção"


No caso Bolsonaro:

  • Interpretação ampla de garantias constitucionais

  • Defesa da "humanização" da dosimetria

  • Questionamento de provas e delações

  • Postura garantista baseada na "equidade"


Esta contradição levanta questões fundamentais sobre a natureza da jurisdição constitucional no Brasil. Se um ministro do STF pode mudar radicalmente sua interpretação da Constituição conforme a orientação política do réu, qual é o valor da segurança jurídica e da isonomia?


A "jurisprudência" de Fux no caso Lula estava onde sempre deveria estar: na aplicação consistente de critérios técnicos baseados na Constituição, independentemente da pessoa do réu ou do contexto político. Sua ausência no caso Bolsonaro não representa "evolução" ou "moderação", mas sim a erosão dos princípios fundamentais que devem orientar a jurisdição constitucional.


Como bem observou o próprio Fux em 2018, "a jurisprudência do tribunal tem que ser íntegra, estável". A ironia é que, ao abandonar esta máxima no caso Bolsonaro, ele próprio contribuiu para a instabilidade jurisprudencial que tanto criticava. A questão não é se Fux estava certo em 2018 ou está certo em 2025, mas sim se é aceitável que um ministro do STF aplique critérios jurídicos diferentes conforme suas preferências políticas do momento.


A democracia brasileira exige mais de seus magistros constitucionais: exige coerência, isonomia e, sobretudo, fidelidade aos princípios constitucionais independentemente de quem senta no banco dos réus. Enquanto essa exigência não for atendida, a legitimidade do STF continuará em questão, e a pergunta sobre onde estava a jurisprudência permanecerá como símbolo da crise de credibilidade que assola o Judiciário brasileiro.

 
 
 

O julgamento da tentativa de golpe de Estado no Brasil atinge hoje (10), seu momento mais aguardado: o voto do ministro Luiz Fux, terceiro a se manifestar na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Com o placar já em 2 a 0 pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus - após os votos de Alexandre de Moraes e Flávio Dino -, Fux encontra-se numa posição única para consolidar a maioria ou abrir divergências que poderiam impactar significativamente o desfecho do processo. Sua manifestação ocorre em um contexto de crescente radicalização da extrema-direita contra o STF, simbolizada pelos ataques do governador Tarcísio de Freitas ao relator Alexandre de Moraes, numa escalada de desinformação deliberada que visa deslegitimar as instituições democráticas brasileiras.


Ministro Luiz Fux - Foto: Rosinei Coutinho/STF
Ministro Luiz Fux - Foto: Rosinei Coutinho/STF

A metamorfose Jjurídica de Luiz Fux: do Punitivismo ao Garantismo


A trajetória de Luiz Fux no STF representa uma das transformações mais notáveis na corte constitucional brasileira. Durante o julgamento do Mensalão em 2012, Fux alinhou-se ao grupo mais rigoroso, liderado pelo então relator Joaquim Barbosa, votando pela condenação de 24 réus por participação no esquema de corrupção. Sua postura punitivista se consolidou durante a Operação Lava Jato, quando se tornou um dos principais defensores da operação no STF.


"Ninguém pode esquecer o que ocorreu no Brasil, no mensalão, na Lava Jato", declarou Fux em junho de 2022, quando ainda defendia a validade das investigações mesmo após as revelações da Vaza Jato. "Cada ato de corrupção é um colégio que fica sem merenda para as crianças. Cada ato de corrupção é um hospital sem leito", completou o ministro, demonstrando sua convicção punitivista da época.

Entre 2014 e 2016, Fux defendeu fervorosamente a prisão após condenação em segunda instância e foi contra o habeas corpus que buscava evitar a prisão de Lula em 2018. Em abril de 2021, foi um dos três ministros que se posicionaram contra a anulação das condenações impostas ao ex-presidente pela 13ª Vara Federal de Curitiba.


A transformação de Fux começou a se delinear a partir de 2020, quando assumiu a presidência do STF, período em que se aproximou de Bolsonaro. Contudo, foi neste ano de 2025 que sua mudança de postura se tornou evidente, especialmente nos casos relacionados ao 8 de janeiro e à trama golpista.


O primeiro sinal claro da nova postura foi sua manifestação sobre as penas impostas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023.


"Confesso que em determinadas ocasiões me deparo com uma pena exacerbada", admitiu Fux durante sessão da Primeira Turma.

O caso mais emblemático foi o de Débora Rodrigues dos Santos, condenada por Alexandre de Moraes a 14 anos de prisão por pichar "perdeu, mané" na estátua da Justiça. Fux pediu vista e propôs uma pena de apenas um ano e seis meses de reclusão.


"Dosimetria não é matemática. A dosimetria exige equidade, exige humanidade", declarou Fux, estabelecendo sua nova filosofia jurídica. Para o ministro, "se a dosimetria é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado. E o magistrado o faz à luz da sua sensibilidade, do seu sentimento em relação a cada caso concreto".

Esta transformação não passou despercebida pelos analistas jurídicos.


"É um juiz que tem um histórico punitista e, neste caso, tem adotado posturas mais garantistas", observa o criminalista Fábio Tofic Simantob, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

As divergências anunciadas: sinais de tensão na Primeira Turma


Desde o início do processo, Fux tem sinalizado divergências com Alexandre de Moraes em questões fundamentais. Durante a sessão de terça-feira, após apenas sete minutos de fala do relator, Fux interrompeu Moraes para avisar que "voltaria às preliminares" quando fosse sua vez de votar.


"Desde o recebimento da denúncia, por uma questão de coerência, eu sempre ressalvei e fui vencido nessas disposições", declarou o ministro.

A principal divergência refere-se à competência da Primeira Turma para julgar o caso. Fux defende que a análise deveria ter sido feita pelo plenário completo do STF, com todos os 11 ministros, não apenas pelos cinco da Primeira Turma.


"Ou nós estamos julgando pessoas que não exercem mais função pública e não têm mais foro de prerrogativa do Supremo, ou nós estamos julgando pessoas que têm essa prerrogativa. E o local correto seria, efetivamente, o plenário do STF", argumentou em sessão anterior.

Outro ponto de divergência é a validade da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Fux tem questionado publicamente a "liberdade psíquica" do delator, citando seus múltiplos depoimentos contraditórios.


"A voluntariedade em delações premiadas não depende da liberdade de locomoção, mas da 'liberdade psíquica' do colaborador", defendeu o ministro em 2022, estabelecendo precedente que agora pode ser invocado contra a delação de Cid.

Os advogados de Bolsonaro têm se agarrado a esse argumento, sustentando que Cid teria perdido a liberdade psíquica diante das pressões sofridas, o que invalidaria sua colaboração.


A tensão entre Fux e seus colegas ficou evidente durante a sessão de terça-feira, quando ele criticou a intervenção de Flávio Dino durante o voto de Moraes.


"Conforme combinamos lá na sala, porque o voto é muito extenso, a gente perde o fio da meada", reclamou Fux, evidenciando seu desconforto com a dinâmica estabelecida.

Moraes reagiu firmemente:


"Esse aparte foi pedido a mim, não a Vossa Excelência".

Dino, por sua vez, respondeu com ironia:


"Eu o tranquilizo, ministro Fux, que não pedirei de Vossa Excelência. Pode dormir em paz".

Expectativas para o voto de hoje: cenários e Implicações


O Que Esperar de Fux? – As expectativas sobre o voto de Fux hoje são múltiplas e complexas. A percepção nos bastidores de Brasília é de que o ministro não pedirá vista do processo - o que poderia adiar o julgamento por até 90 dias -, mas deve divergir de Moraes em pontos específicos.


  • Primeiro cenário: Fux pode votar pela condenação de Bolsonaro, mas divergir sobre quais crimes cada réu seria considerado culpado, eventualmente propondo a absorção do crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito pelo crime de tentativa de golpe de Estado.

  • Segundo cenário: O ministro pode propor penas menores para alguns réus, seguindo a linha já estabelecida por Dino, que sugeriu punições mais brandas para Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.

  • Terceiro cenário: Fux pode questionar fundamentalmente a validade das provas baseadas na delação de Mauro Cid, o que seria mais problemático para a acusação.


Uma eventual divergência de Fux tem implicações estratégicas importantes. Se ele divergir sozinho, o impacto no julgamento será limitado. Porém, se conseguir convencer outro ministro - Cármen Lúcia ou Cristiano Zanin -, abre-se a possibilidade de embargos infringentes, recurso exclusivo de decisões não unânimes que permite reexaminar o mérito.


"Imagino que Fux acompanhará a Primeira Turma na condenação, mas divergirá no cálculo da pena. Não me parece impossível que ele absolva Bolsonaro e outros réus de algumas acusações, mas não de todas", prevê o ex-defensor público federal Caio Paiva, atualmente coordenador do JusBrasil.

O perfil estratégico de Fux: imprevisibilidade como Característica


Luiz Fux é frequentemente descrito como o ministro mais "imprevisível" do STF.


"Ao longo de sua trajetória no Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux alternou inovações e conservadorismo em igual medida. Ora linha dura contra a corrupção, ora atento à dosimetria das penas", observa análise especializada.

Esta imprevisibilidade pode ser estratégica.


"Há quem veja nessa mudança um ajuste para evitar erros do passado, quando seu rigor no Mensalão e na Lava Jato foi celebrado por parte da população, mas criticado por juristas que apontaram punitivismo e fragilidades técnicas".

A interlocutores, Fux tem afirmado que pretende continuar propondo penas mais brandas a réus, "a depender do caso específico". Como informou o colunista Guilherme Amado,


"a postura adotada pelo ministro significa um 'exercício de moderação' necessário ao STF".

Independentemente das mudanças de postura, o conhecimento técnico de Fux é amplamente respeitado. Autor de mais de 20 livros de Direito Processual Civil, presidiu em 2009 a comissão responsável pela reforma do novo Código de Processo Civil, em vigor desde 2016.


"Sua versatilidade intelectual e ambiguidade ganham destaque. Diferenças à parte, seu conhecimento técnico é amplamente respeitado por admiradores e críticos".

As implicações políticas do voto de Fux


O voto de Fux ocorre em um contexto em que Tarcísio de Freitas é considerado "a principal aposta da direita para assumir o espólio de Bolsonaro e disputar a Presidência em 2026". A radicalização do governador paulista representa uma mudança estratégica significativa, abandonando o perfil mais moderado que mantinha antes.


A pressão por anistia no Congresso Nacional ganha força com o apoio explícito de Tarcísio. Durante o ato de 7 de setembro, o governador pressionou diretamente o presidente da Câmara, Hugo Motta, a pautar o projeto de anistia. Contudo, ministros como Flávio Dino já deixaram claro que qualquer tentativa de perdão aos golpistas será declarada inconstitucional.


O voto de Dino expôs a consolidação de uma maioria no STF contra qualquer possibilidade de anistia. Citando nominalmente cinco colegas que já se manifestaram contra anistia em casos similares - Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia -, Dino demonstrou que o STF tem posição firme sobre o tema.


Entre a técnica jurídica e a defesa democrática


O voto de Luiz Fux hoje representa muito mais que uma manifestação jurídica individual. É um momento de definição sobre o futuro da democracia brasileira e sobre como as instituições respondem aos ataques sistemáticos da extrema-direita. A transformação de Fux - de punitivista a garantista - ocorre paradoxalmente no momento em que sua postura mais moderada poderia ser interpretada como concessão aos golpistas.


A expectativa é de que Fux, mesmo mantendo algumas divergências técnicas com Moraes, vote pela condenação de Bolsonaro e dos demais réus. Sua eventual divergência sobre dosimetria de penas ou sobre questões processuais não deve alterar o resultado final, mas pode fornecer elementos para futuros recursos.


O contexto dos ataques de Tarcísio de Freitas adiciona uma dimensão política inevitável ao julgamento. A resposta institucional coordenada do STF - com manifestações de Barroso, Gilmar Mendes e a promessa de resposta de Moraes - demonstra uma corte disposta a defender suas prerrogativas constitucionais.


A desinformação deliberada propagada pela extrema-direita, exemplificada nas declarações de Tarcísio, representa um desafio contínuo às instituições democráticas. A estratégia de deslegitimação do STF, internacionalização dos ataques e pressão por anistia configura o que o próprio ministro aposentado Celso de Mello chamou de "segundo golpe" contra as instituições.


O voto de Fux, portanto, será observado não apenas por sua dimensão jurídica, mas por seu significado político e institucional. Independentemente de suas divergências técnicas, a expectativa é de que o ministro mantenha a firmeza necessária para defender a democracia brasileira, consolidando uma maioria que já se desenha pela condenação dos responsáveis pela tentativa de golpe de Estado.


A mensagem que emerge deste julgamento transcende as questões jurídicas específicas: o Estado de Direito brasileiro não será intimidado por pressões políticas, internas ou externas, e os responsáveis por atentados contra a democracia serão devidamente punidos. Como bem sintetizou Barroso:


"o julgamento é um reflexo da realidade. Na vida, não adianta querer quebrar o espelho por não gostar da imagem".

 
 
 

O voto do ministro Flávio Dino no julgamento da tentativa de golpe de Estado marca um momento decisivo na resposta do Supremo Tribunal Federal aos ataques sistemáticos de representantes da extrema-direita brasileira. Em uma manifestação de quase três horas nesta terça-feira (10), Dino não apenas acompanhou o relator Alexandre de Moraes na condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus, mas direcionou recados inequívocos aos políticos que têm atacado o STF e espalhado desinformação sobre o julgamento, particularmente o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas.


Ministro Flávio Dino - Gustavo Moreno/STF
Ministro Flávio Dino - Gustavo Moreno/STF

A resposta direta aos ataques de "Tirania"

Confronto direto com Tarcísio de Freitas


A fala mais contundente de Dino foi uma resposta direta aos ataques de Tarcísio de Freitas, que no ato de 7 de setembro na Avenida Paulista havia chamado Alexandre de Moraes de "tirano" e afirmado que "ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes".


Dino foi preciso em sua tréplica:


"Estamos tratando de uma tradição constitucional que não é liberticida ou tirânica. Pelo contrário, ela surge para evitar os cavalos de Troia pelos quais, no uso das liberdades democráticas, se introduzem vetores de destruição dela própria".

O ministro complementou:


"O Supremo não é composto por juízes que querem praticar vingança ou que sejam ditadores. O Supremo cumpre sua função: aplicar a lei ao caso concreto, nada além disso".

Em uma das passagens mais comentadas do voto, Dino ironizou as pressões do governo Trump e as tentativas de interferência externa no julgamento, fazendo referência direta às sanções americanas impostas ao Brasil:


"Será que alguém acredita que um tweet de um governo estrangeiro vai mudar um julgamento no Supremo? Ou que um cartão de crédito ou o Mickey possam interferir? O Pateta, esse sim, aparece com mais frequência nesses eventos".

A menção ao "Pateta" foi interpretada como uma alfinetada aos próprios defensores de Bolsonaro e seus argumentos.


Análise do voto de Dino


1. A normalidade jurídica contra a excepcionalidade política


Dino iniciou seu voto estabelecendo que:

"esse não é um julgamento excepcional, não é diferente do que nossos colegas magistrados fazem pelo país afora".

Esta declaração teve duplo objetivo: deslegitimar as narrativas golpistas de "perseguição política" e demonstrar que o STF aplica as mesmas regras constitucionais independentemente do réu.


O ministro foi enfático:

"É um julgamento que se processa segundo as regras vigentes no país, de acordo com o devido processo legal, fatos e provas nos autos e em termos isonômicos".

Esta frase direcionava-se diretamente às acusações de parcialidade que têm sido amplificadas por figuras como Tarcísio de Freitas.


2. A questão da Anistia: Um "xeque-mate" no Congresso


Uma das partes mais estratégicas do voto de Dino foi sua exposição sistemática da impossibilidade de anistia aos crimes contra a democracia.


"Esses crimes já foram declarados pelo Supremo Tribunal Federal como insuscetíveis de indulto e anistia", afirmou categoricamente.

Dino foi além, citando nominalmente cinco colegas que já se manifestaram contra anistia em casos similares: Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Como observou a analista política Luísa Martins, este foi um "xeque-mate" que expõe a maioria consolidada no STF contra qualquer tentativa de perdão aos golpistas.


3. Bolsonaro como "figura dominante" da Organização Criminosa


Ao analisar especificamente a participação de Bolsonaro, Dino foi incisivo:

"Ele e o réu Braga Netto ocupam essa função. Era quem de fato mantinha o domínio de todos os eventos que estão narrados nos autos, e as ameaças contra os ministros Barroso, Fux, Fachin e Alexandre".

Esta citação nominal dos ministros ameaçados serviu como lembrete de que os ataques não se limitavam a Alexandre de Moraes, mas atingiam toda a instituição.


"Era quem, de fato, tinha o domínio de todos eventos que estão narrados nos autos, e as ameaças ao ministro Barroso, Fux, Fachin, Alexandre e, portanto, à instituição", chamando o discurso do ex-presidente no ato de 7 de Setembro de 2021 de "coerção ilegítima".

4. A Violência inerente ao Plano Golpista


Dino desmontou sistematicamente os argumentos defensivos sobre a natureza "pacífica" dos atos:


"O nome do plano não era Bíblia Verde e Amarela. Era Punhal Verde e Amarelo. Os acampamentos não foram em porta de igreja".

O ministro usou sua própria experiência religiosa para ilustrar a diferença:


"Se você está com intuito pacifista, e você tem uma irresignação, você vai à missa, vai ao culto. Ou, quem sabe, até acampa na porta da igreja. Mas não, os acampamentos foram na porta de quartéis. E eu sei que se reza nos quartéis, mas, sobretudo, nos quartéis há fuzis, metralhadoras, tanques".

5. Atos Executórios versus meras Cogitações


Rejeitando frontalmente as teses defensivas, Dino declarou:


"Não se cuidou de mera cogitação. Não se cuidou de meras reflexões, que foram indevidamente postas em agendas, cadernos e folhas".

Para o ministro,


"não se cuidou de meras reflexões que foram indevidamente postas em agendas, cadernos, folhas, não, porque a cogitação foi acompanhada, como mencionei, de atos executórios".

A desinformação deliberada como estratégia política

O papel da desinformação na Trama Golpista


Tanto Dino quanto Moraes dedicaram atenção especial ao papel da desinformação deliberada na estratégia golpista. Moraes havia anteriormente destacado que a:


"desinformação e ataques às urnas eletrônicas marcaram o início da execução do plano golpista", explicando como narrativas sobre "código-fonte" e "sala escura" não tinham caráter técnico, mas político.

O STF tem demonstrado crescente preocupação com as redes de desinformação, tendo já condenado integrantes do "núcleo da desinformação" em julgamentos anteriores, onde ministros descreveram fake news como "arma", "veneno político" e "explosivo".


A análise dos ataques recentes revela uma escalada coordenada. Tarcísio de Freitas, que antes mantinha certa distância de posicionamentos mais radicais, adotou no ato de 7 de setembro uma postura de confronto direto, pressionando o presidente da Câmara Hugo Motta a pautar a anistia e atacando frontalmente o STF.


Esta mudança de postura não passou despercebida pelos ministros, que interpretaram os ataques como tentativa de interferir no julgamento e pressionar a Corte.


A dosimetria diferenciada: Técnica jurídica e humanidade

Divergências técnicas na aplicação das penas


Um aspecto importante do voto de Dino foi sua divergência técnica com Moraes sobre a dosimetria das penas.


"Dosimetria não é matemática. A dosimetria exige equidade, exige humanidade. Não podemos aplicar a mesma medida a quem teve papéis tão distintos".

Dino propôs penas menores para Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira:


"Eu considero que há uma participação de menor importância em relação a cada um deles".

Sobre Ramagem especificamente, o ministro destacou que ele "deixou o governo em março de 2022" e "portanto, tem menor eficiência causal" em relação aos eventos.


Esta posição de Dino foi estratégica por múltiplas razões. Primeiro, demonstra que o STF não age por vingança, mas aplica critérios técnicos diferenciados. Segundo, humaniza o processo, mostrando que os ministros consideram as circunstâncias individuais de cada réu.


"Dosimetria não é aritmética, não há critérios matemáticos para fixação da pena. Por isso que juízes não podem ser substituídos por inteligência artificial, porque, se fosse matemática, teríamos, nesse mundo caótico, julgamentos destituídos de análise equânime, humana, que deve presidir o julgamento de uma pessoa que julga seu semelhante. Eu não sou o ChatGPT, nem quero ser".

O contexto histórico e a defesa das Instituições


Dino contextualizou historicamente a legislação aplicada, citando Karl Loewenstein e a tradição constitucional de proteção contra "cavalos de Troia" autoritários desde 1937. "Essa tradição constitucional não é tirânica", enfatizou, numa referência direta aos ataques de Tarcísio.


O ministro fez uma observação preocupante sobre a recorrência de crises institucionais no Brasil:


"Não é normal que, a cada 20 anos, tenhamos eventos de tentativa de ruptura constitucional".

Esta frase serve como alerta de que o Brasil precisa fortalecer suas instituições democráticas para evitar ciclos de instabilidade.


Dino foi cuidadoso em distinguir as Forças Armadas como instituição dos militares individualmente processados:


"A soberania nacional exige Forças Armadas fortes, equipadas, técnicas e autônomas. Lamentamos que haja, como em qualquer profissão, pessoas sujeitas a julgamento. Mas não se cuida de um julgamento sobre as Forças Armadas".

Contudo, fez um alerta direto:


"Espero que nenhum militar vá para convescotes partidários, utilizando a farda para tecer considerações desairosas a tal e qual posição política".

Esta frase dirige-se claramente aos militares que têm participado de atos políticos em apoio a Bolsonaro.


As implicações Políticas e Jurídicas do voto


O voto de Dino, combinado com as manifestações de outros ministros como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, demonstra que os ataques de Tarcísio de Freitas estão isolando politicamente o governador de São Paulo. A resposta institucional coordenada sugere que o STF não tolerará escaladas retóricas que ameacem a independência judicial.


A firmeza demonstrada tanto por Dino quanto por Moraes indica um endurecimento da posição do STF frente aos ataques sistemáticos. A ironia sobre pressões externas e a menção ao "Pateta" mostram que os ministros não se intimidaram com as sanções americanas ou com as pressões políticas internas.


A exposição detalhada da jurisprudência contra anistia representa um recado claro ao Congresso Nacional de que qualquer tentativa de perdão aos golpistas será declarada inconstitucional pelo STF.


Um marco na defesa da Democracia


O voto de Flávio Dino representa muito mais que uma decisão judicial técnica. É uma resposta política e institucional robusta aos ataques sistemáticos que a extrema-direita brasileira tem direcionado ao STF. Ao combinar rigor técnico com firmeza política, o ministro estabeleceu marcos importantes:


  • Primeiro, demonstrou que o STF não se intimida com pressões políticas, sejam elas internas ou externas. As ironias sobre Trump e o "Pateta" revelam uma instituição confiante em sua legitimidade constitucional.

  • Segundo, estabeleceu limites claros para o discurso político. A resposta direta a Tarcísio sobre "tirania" deixa claro que ataques pessoais aos ministros não serão tolerados e terão resposta institucional.

  • Terceiro, consolidou a impossibilidade jurídica de anistia, fechando definitivamente esta via para os golpistas e seus apoiadores.

  • Quarto, manteve a possibilidade de diferenciação técnica nas penas, demonstrando que o STF julga com base em critérios jurídicos, não políticos.


O voto de Dino, portanto, representa um momento de inflexão na resposta do STF aos ataques antidemocráticos. Longe de recuar frente às pressões, a Corte demonstrou que está disposta a defender vigorosamente suas prerrogativas constitucionais e a democracia brasileira. Como bem sintetizou o próprio ministro:


"O Supremo cumpre sua função: aplicar a lei ao caso concreto, nada além disso".

A mensagem para políticos como Tarcísio de Freitas e outros representantes da extrema-direita é inequívoca: o STF não será intimidado, a democracia será protegida, e tentativas de golpe serão punidas com todo o rigor da lei. O recado está dado, e cabe agora aos atores políticos decidirem se continuarão no caminho da radicalização ou optarão pelo respeito às instituições democráticas.

 
 
 
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