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O voto decisivo de Luiz Fux: entre a imprevisibilidade e a defesa democrática no julgamento da Trama Golpista

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • 10 de set.
  • 7 min de leitura

O julgamento da tentativa de golpe de Estado no Brasil atinge hoje (10), seu momento mais aguardado: o voto do ministro Luiz Fux, terceiro a se manifestar na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Com o placar já em 2 a 0 pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus - após os votos de Alexandre de Moraes e Flávio Dino -, Fux encontra-se numa posição única para consolidar a maioria ou abrir divergências que poderiam impactar significativamente o desfecho do processo. Sua manifestação ocorre em um contexto de crescente radicalização da extrema-direita contra o STF, simbolizada pelos ataques do governador Tarcísio de Freitas ao relator Alexandre de Moraes, numa escalada de desinformação deliberada que visa deslegitimar as instituições democráticas brasileiras.


Ministro Luiz Fux - Foto: Rosinei Coutinho/STF
Ministro Luiz Fux - Foto: Rosinei Coutinho/STF

A metamorfose Jjurídica de Luiz Fux: do Punitivismo ao Garantismo


A trajetória de Luiz Fux no STF representa uma das transformações mais notáveis na corte constitucional brasileira. Durante o julgamento do Mensalão em 2012, Fux alinhou-se ao grupo mais rigoroso, liderado pelo então relator Joaquim Barbosa, votando pela condenação de 24 réus por participação no esquema de corrupção. Sua postura punitivista se consolidou durante a Operação Lava Jato, quando se tornou um dos principais defensores da operação no STF.


"Ninguém pode esquecer o que ocorreu no Brasil, no mensalão, na Lava Jato", declarou Fux em junho de 2022, quando ainda defendia a validade das investigações mesmo após as revelações da Vaza Jato. "Cada ato de corrupção é um colégio que fica sem merenda para as crianças. Cada ato de corrupção é um hospital sem leito", completou o ministro, demonstrando sua convicção punitivista da época.

Entre 2014 e 2016, Fux defendeu fervorosamente a prisão após condenação em segunda instância e foi contra o habeas corpus que buscava evitar a prisão de Lula em 2018. Em abril de 2021, foi um dos três ministros que se posicionaram contra a anulação das condenações impostas ao ex-presidente pela 13ª Vara Federal de Curitiba.


A transformação de Fux começou a se delinear a partir de 2020, quando assumiu a presidência do STF, período em que se aproximou de Bolsonaro. Contudo, foi neste ano de 2025 que sua mudança de postura se tornou evidente, especialmente nos casos relacionados ao 8 de janeiro e à trama golpista.


O primeiro sinal claro da nova postura foi sua manifestação sobre as penas impostas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023.


"Confesso que em determinadas ocasiões me deparo com uma pena exacerbada", admitiu Fux durante sessão da Primeira Turma.

O caso mais emblemático foi o de Débora Rodrigues dos Santos, condenada por Alexandre de Moraes a 14 anos de prisão por pichar "perdeu, mané" na estátua da Justiça. Fux pediu vista e propôs uma pena de apenas um ano e seis meses de reclusão.


"Dosimetria não é matemática. A dosimetria exige equidade, exige humanidade", declarou Fux, estabelecendo sua nova filosofia jurídica. Para o ministro, "se a dosimetria é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado. E o magistrado o faz à luz da sua sensibilidade, do seu sentimento em relação a cada caso concreto".

Esta transformação não passou despercebida pelos analistas jurídicos.


"É um juiz que tem um histórico punitista e, neste caso, tem adotado posturas mais garantistas", observa o criminalista Fábio Tofic Simantob, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

As divergências anunciadas: sinais de tensão na Primeira Turma


Desde o início do processo, Fux tem sinalizado divergências com Alexandre de Moraes em questões fundamentais. Durante a sessão de terça-feira, após apenas sete minutos de fala do relator, Fux interrompeu Moraes para avisar que "voltaria às preliminares" quando fosse sua vez de votar.


"Desde o recebimento da denúncia, por uma questão de coerência, eu sempre ressalvei e fui vencido nessas disposições", declarou o ministro.

A principal divergência refere-se à competência da Primeira Turma para julgar o caso. Fux defende que a análise deveria ter sido feita pelo plenário completo do STF, com todos os 11 ministros, não apenas pelos cinco da Primeira Turma.


"Ou nós estamos julgando pessoas que não exercem mais função pública e não têm mais foro de prerrogativa do Supremo, ou nós estamos julgando pessoas que têm essa prerrogativa. E o local correto seria, efetivamente, o plenário do STF", argumentou em sessão anterior.

Outro ponto de divergência é a validade da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Fux tem questionado publicamente a "liberdade psíquica" do delator, citando seus múltiplos depoimentos contraditórios.


"A voluntariedade em delações premiadas não depende da liberdade de locomoção, mas da 'liberdade psíquica' do colaborador", defendeu o ministro em 2022, estabelecendo precedente que agora pode ser invocado contra a delação de Cid.

Os advogados de Bolsonaro têm se agarrado a esse argumento, sustentando que Cid teria perdido a liberdade psíquica diante das pressões sofridas, o que invalidaria sua colaboração.


A tensão entre Fux e seus colegas ficou evidente durante a sessão de terça-feira, quando ele criticou a intervenção de Flávio Dino durante o voto de Moraes.


"Conforme combinamos lá na sala, porque o voto é muito extenso, a gente perde o fio da meada", reclamou Fux, evidenciando seu desconforto com a dinâmica estabelecida.

Moraes reagiu firmemente:


"Esse aparte foi pedido a mim, não a Vossa Excelência".

Dino, por sua vez, respondeu com ironia:


"Eu o tranquilizo, ministro Fux, que não pedirei de Vossa Excelência. Pode dormir em paz".

Expectativas para o voto de hoje: cenários e Implicações


O Que Esperar de Fux? – As expectativas sobre o voto de Fux hoje são múltiplas e complexas. A percepção nos bastidores de Brasília é de que o ministro não pedirá vista do processo - o que poderia adiar o julgamento por até 90 dias -, mas deve divergir de Moraes em pontos específicos.


  • Primeiro cenário: Fux pode votar pela condenação de Bolsonaro, mas divergir sobre quais crimes cada réu seria considerado culpado, eventualmente propondo a absorção do crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito pelo crime de tentativa de golpe de Estado.

  • Segundo cenário: O ministro pode propor penas menores para alguns réus, seguindo a linha já estabelecida por Dino, que sugeriu punições mais brandas para Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.

  • Terceiro cenário: Fux pode questionar fundamentalmente a validade das provas baseadas na delação de Mauro Cid, o que seria mais problemático para a acusação.


Uma eventual divergência de Fux tem implicações estratégicas importantes. Se ele divergir sozinho, o impacto no julgamento será limitado. Porém, se conseguir convencer outro ministro - Cármen Lúcia ou Cristiano Zanin -, abre-se a possibilidade de embargos infringentes, recurso exclusivo de decisões não unânimes que permite reexaminar o mérito.


"Imagino que Fux acompanhará a Primeira Turma na condenação, mas divergirá no cálculo da pena. Não me parece impossível que ele absolva Bolsonaro e outros réus de algumas acusações, mas não de todas", prevê o ex-defensor público federal Caio Paiva, atualmente coordenador do JusBrasil.

O perfil estratégico de Fux: imprevisibilidade como Característica


Luiz Fux é frequentemente descrito como o ministro mais "imprevisível" do STF.


"Ao longo de sua trajetória no Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux alternou inovações e conservadorismo em igual medida. Ora linha dura contra a corrupção, ora atento à dosimetria das penas", observa análise especializada.

Esta imprevisibilidade pode ser estratégica.


"Há quem veja nessa mudança um ajuste para evitar erros do passado, quando seu rigor no Mensalão e na Lava Jato foi celebrado por parte da população, mas criticado por juristas que apontaram punitivismo e fragilidades técnicas".

A interlocutores, Fux tem afirmado que pretende continuar propondo penas mais brandas a réus, "a depender do caso específico". Como informou o colunista Guilherme Amado,


"a postura adotada pelo ministro significa um 'exercício de moderação' necessário ao STF".

Independentemente das mudanças de postura, o conhecimento técnico de Fux é amplamente respeitado. Autor de mais de 20 livros de Direito Processual Civil, presidiu em 2009 a comissão responsável pela reforma do novo Código de Processo Civil, em vigor desde 2016.


"Sua versatilidade intelectual e ambiguidade ganham destaque. Diferenças à parte, seu conhecimento técnico é amplamente respeitado por admiradores e críticos".

As implicações políticas do voto de Fux


O voto de Fux ocorre em um contexto em que Tarcísio de Freitas é considerado "a principal aposta da direita para assumir o espólio de Bolsonaro e disputar a Presidência em 2026". A radicalização do governador paulista representa uma mudança estratégica significativa, abandonando o perfil mais moderado que mantinha antes.


A pressão por anistia no Congresso Nacional ganha força com o apoio explícito de Tarcísio. Durante o ato de 7 de setembro, o governador pressionou diretamente o presidente da Câmara, Hugo Motta, a pautar o projeto de anistia. Contudo, ministros como Flávio Dino já deixaram claro que qualquer tentativa de perdão aos golpistas será declarada inconstitucional.


O voto de Dino expôs a consolidação de uma maioria no STF contra qualquer possibilidade de anistia. Citando nominalmente cinco colegas que já se manifestaram contra anistia em casos similares - Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia -, Dino demonstrou que o STF tem posição firme sobre o tema.


Entre a técnica jurídica e a defesa democrática


O voto de Luiz Fux hoje representa muito mais que uma manifestação jurídica individual. É um momento de definição sobre o futuro da democracia brasileira e sobre como as instituições respondem aos ataques sistemáticos da extrema-direita. A transformação de Fux - de punitivista a garantista - ocorre paradoxalmente no momento em que sua postura mais moderada poderia ser interpretada como concessão aos golpistas.


A expectativa é de que Fux, mesmo mantendo algumas divergências técnicas com Moraes, vote pela condenação de Bolsonaro e dos demais réus. Sua eventual divergência sobre dosimetria de penas ou sobre questões processuais não deve alterar o resultado final, mas pode fornecer elementos para futuros recursos.


O contexto dos ataques de Tarcísio de Freitas adiciona uma dimensão política inevitável ao julgamento. A resposta institucional coordenada do STF - com manifestações de Barroso, Gilmar Mendes e a promessa de resposta de Moraes - demonstra uma corte disposta a defender suas prerrogativas constitucionais.


A desinformação deliberada propagada pela extrema-direita, exemplificada nas declarações de Tarcísio, representa um desafio contínuo às instituições democráticas. A estratégia de deslegitimação do STF, internacionalização dos ataques e pressão por anistia configura o que o próprio ministro aposentado Celso de Mello chamou de "segundo golpe" contra as instituições.


O voto de Fux, portanto, será observado não apenas por sua dimensão jurídica, mas por seu significado político e institucional. Independentemente de suas divergências técnicas, a expectativa é de que o ministro mantenha a firmeza necessária para defender a democracia brasileira, consolidando uma maioria que já se desenha pela condenação dos responsáveis pela tentativa de golpe de Estado.


A mensagem que emerge deste julgamento transcende as questões jurídicas específicas: o Estado de Direito brasileiro não será intimidado por pressões políticas, internas ou externas, e os responsáveis por atentados contra a democracia serão devidamente punidos. Como bem sintetizou Barroso:


"o julgamento é um reflexo da realidade. Na vida, não adianta querer quebrar o espelho por não gostar da imagem".

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