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O voto do Ministro Flávio Dino: Recados contundentes à extrema-direita e uma defesa firme da Democracia

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • 10 de set.
  • 7 min de leitura

O voto do ministro Flávio Dino no julgamento da tentativa de golpe de Estado marca um momento decisivo na resposta do Supremo Tribunal Federal aos ataques sistemáticos de representantes da extrema-direita brasileira. Em uma manifestação de quase três horas nesta terça-feira (10), Dino não apenas acompanhou o relator Alexandre de Moraes na condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus, mas direcionou recados inequívocos aos políticos que têm atacado o STF e espalhado desinformação sobre o julgamento, particularmente o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas.


Ministro Flávio Dino - Gustavo Moreno/STF
Ministro Flávio Dino - Gustavo Moreno/STF

A resposta direta aos ataques de "Tirania"

Confronto direto com Tarcísio de Freitas


A fala mais contundente de Dino foi uma resposta direta aos ataques de Tarcísio de Freitas, que no ato de 7 de setembro na Avenida Paulista havia chamado Alexandre de Moraes de "tirano" e afirmado que "ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes".


Dino foi preciso em sua tréplica:


"Estamos tratando de uma tradição constitucional que não é liberticida ou tirânica. Pelo contrário, ela surge para evitar os cavalos de Troia pelos quais, no uso das liberdades democráticas, se introduzem vetores de destruição dela própria".

O ministro complementou:


"O Supremo não é composto por juízes que querem praticar vingança ou que sejam ditadores. O Supremo cumpre sua função: aplicar a lei ao caso concreto, nada além disso".

Em uma das passagens mais comentadas do voto, Dino ironizou as pressões do governo Trump e as tentativas de interferência externa no julgamento, fazendo referência direta às sanções americanas impostas ao Brasil:


"Será que alguém acredita que um tweet de um governo estrangeiro vai mudar um julgamento no Supremo? Ou que um cartão de crédito ou o Mickey possam interferir? O Pateta, esse sim, aparece com mais frequência nesses eventos".

A menção ao "Pateta" foi interpretada como uma alfinetada aos próprios defensores de Bolsonaro e seus argumentos.


Análise do voto de Dino


1. A normalidade jurídica contra a excepcionalidade política


Dino iniciou seu voto estabelecendo que:

"esse não é um julgamento excepcional, não é diferente do que nossos colegas magistrados fazem pelo país afora".

Esta declaração teve duplo objetivo: deslegitimar as narrativas golpistas de "perseguição política" e demonstrar que o STF aplica as mesmas regras constitucionais independentemente do réu.


O ministro foi enfático:

"É um julgamento que se processa segundo as regras vigentes no país, de acordo com o devido processo legal, fatos e provas nos autos e em termos isonômicos".

Esta frase direcionava-se diretamente às acusações de parcialidade que têm sido amplificadas por figuras como Tarcísio de Freitas.


2. A questão da Anistia: Um "xeque-mate" no Congresso


Uma das partes mais estratégicas do voto de Dino foi sua exposição sistemática da impossibilidade de anistia aos crimes contra a democracia.


"Esses crimes já foram declarados pelo Supremo Tribunal Federal como insuscetíveis de indulto e anistia", afirmou categoricamente.

Dino foi além, citando nominalmente cinco colegas que já se manifestaram contra anistia em casos similares: Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Como observou a analista política Luísa Martins, este foi um "xeque-mate" que expõe a maioria consolidada no STF contra qualquer tentativa de perdão aos golpistas.


3. Bolsonaro como "figura dominante" da Organização Criminosa


Ao analisar especificamente a participação de Bolsonaro, Dino foi incisivo:

"Ele e o réu Braga Netto ocupam essa função. Era quem de fato mantinha o domínio de todos os eventos que estão narrados nos autos, e as ameaças contra os ministros Barroso, Fux, Fachin e Alexandre".

Esta citação nominal dos ministros ameaçados serviu como lembrete de que os ataques não se limitavam a Alexandre de Moraes, mas atingiam toda a instituição.


"Era quem, de fato, tinha o domínio de todos eventos que estão narrados nos autos, e as ameaças ao ministro Barroso, Fux, Fachin, Alexandre e, portanto, à instituição", chamando o discurso do ex-presidente no ato de 7 de Setembro de 2021 de "coerção ilegítima".

4. A Violência inerente ao Plano Golpista


Dino desmontou sistematicamente os argumentos defensivos sobre a natureza "pacífica" dos atos:


"O nome do plano não era Bíblia Verde e Amarela. Era Punhal Verde e Amarelo. Os acampamentos não foram em porta de igreja".

O ministro usou sua própria experiência religiosa para ilustrar a diferença:


"Se você está com intuito pacifista, e você tem uma irresignação, você vai à missa, vai ao culto. Ou, quem sabe, até acampa na porta da igreja. Mas não, os acampamentos foram na porta de quartéis. E eu sei que se reza nos quartéis, mas, sobretudo, nos quartéis há fuzis, metralhadoras, tanques".

5. Atos Executórios versus meras Cogitações


Rejeitando frontalmente as teses defensivas, Dino declarou:


"Não se cuidou de mera cogitação. Não se cuidou de meras reflexões, que foram indevidamente postas em agendas, cadernos e folhas".

Para o ministro,


"não se cuidou de meras reflexões que foram indevidamente postas em agendas, cadernos, folhas, não, porque a cogitação foi acompanhada, como mencionei, de atos executórios".

A desinformação deliberada como estratégia política

O papel da desinformação na Trama Golpista


Tanto Dino quanto Moraes dedicaram atenção especial ao papel da desinformação deliberada na estratégia golpista. Moraes havia anteriormente destacado que a:


"desinformação e ataques às urnas eletrônicas marcaram o início da execução do plano golpista", explicando como narrativas sobre "código-fonte" e "sala escura" não tinham caráter técnico, mas político.

O STF tem demonstrado crescente preocupação com as redes de desinformação, tendo já condenado integrantes do "núcleo da desinformação" em julgamentos anteriores, onde ministros descreveram fake news como "arma", "veneno político" e "explosivo".


A análise dos ataques recentes revela uma escalada coordenada. Tarcísio de Freitas, que antes mantinha certa distância de posicionamentos mais radicais, adotou no ato de 7 de setembro uma postura de confronto direto, pressionando o presidente da Câmara Hugo Motta a pautar a anistia e atacando frontalmente o STF.


Esta mudança de postura não passou despercebida pelos ministros, que interpretaram os ataques como tentativa de interferir no julgamento e pressionar a Corte.


A dosimetria diferenciada: Técnica jurídica e humanidade

Divergências técnicas na aplicação das penas


Um aspecto importante do voto de Dino foi sua divergência técnica com Moraes sobre a dosimetria das penas.


"Dosimetria não é matemática. A dosimetria exige equidade, exige humanidade. Não podemos aplicar a mesma medida a quem teve papéis tão distintos".

Dino propôs penas menores para Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira:


"Eu considero que há uma participação de menor importância em relação a cada um deles".

Sobre Ramagem especificamente, o ministro destacou que ele "deixou o governo em março de 2022" e "portanto, tem menor eficiência causal" em relação aos eventos.


Esta posição de Dino foi estratégica por múltiplas razões. Primeiro, demonstra que o STF não age por vingança, mas aplica critérios técnicos diferenciados. Segundo, humaniza o processo, mostrando que os ministros consideram as circunstâncias individuais de cada réu.


"Dosimetria não é aritmética, não há critérios matemáticos para fixação da pena. Por isso que juízes não podem ser substituídos por inteligência artificial, porque, se fosse matemática, teríamos, nesse mundo caótico, julgamentos destituídos de análise equânime, humana, que deve presidir o julgamento de uma pessoa que julga seu semelhante. Eu não sou o ChatGPT, nem quero ser".

O contexto histórico e a defesa das Instituições


Dino contextualizou historicamente a legislação aplicada, citando Karl Loewenstein e a tradição constitucional de proteção contra "cavalos de Troia" autoritários desde 1937. "Essa tradição constitucional não é tirânica", enfatizou, numa referência direta aos ataques de Tarcísio.


O ministro fez uma observação preocupante sobre a recorrência de crises institucionais no Brasil:


"Não é normal que, a cada 20 anos, tenhamos eventos de tentativa de ruptura constitucional".

Esta frase serve como alerta de que o Brasil precisa fortalecer suas instituições democráticas para evitar ciclos de instabilidade.


Dino foi cuidadoso em distinguir as Forças Armadas como instituição dos militares individualmente processados:


"A soberania nacional exige Forças Armadas fortes, equipadas, técnicas e autônomas. Lamentamos que haja, como em qualquer profissão, pessoas sujeitas a julgamento. Mas não se cuida de um julgamento sobre as Forças Armadas".

Contudo, fez um alerta direto:


"Espero que nenhum militar vá para convescotes partidários, utilizando a farda para tecer considerações desairosas a tal e qual posição política".

Esta frase dirige-se claramente aos militares que têm participado de atos políticos em apoio a Bolsonaro.


As implicações Políticas e Jurídicas do voto


O voto de Dino, combinado com as manifestações de outros ministros como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, demonstra que os ataques de Tarcísio de Freitas estão isolando politicamente o governador de São Paulo. A resposta institucional coordenada sugere que o STF não tolerará escaladas retóricas que ameacem a independência judicial.


A firmeza demonstrada tanto por Dino quanto por Moraes indica um endurecimento da posição do STF frente aos ataques sistemáticos. A ironia sobre pressões externas e a menção ao "Pateta" mostram que os ministros não se intimidaram com as sanções americanas ou com as pressões políticas internas.


A exposição detalhada da jurisprudência contra anistia representa um recado claro ao Congresso Nacional de que qualquer tentativa de perdão aos golpistas será declarada inconstitucional pelo STF.


Um marco na defesa da Democracia


O voto de Flávio Dino representa muito mais que uma decisão judicial técnica. É uma resposta política e institucional robusta aos ataques sistemáticos que a extrema-direita brasileira tem direcionado ao STF. Ao combinar rigor técnico com firmeza política, o ministro estabeleceu marcos importantes:


  • Primeiro, demonstrou que o STF não se intimida com pressões políticas, sejam elas internas ou externas. As ironias sobre Trump e o "Pateta" revelam uma instituição confiante em sua legitimidade constitucional.

  • Segundo, estabeleceu limites claros para o discurso político. A resposta direta a Tarcísio sobre "tirania" deixa claro que ataques pessoais aos ministros não serão tolerados e terão resposta institucional.

  • Terceiro, consolidou a impossibilidade jurídica de anistia, fechando definitivamente esta via para os golpistas e seus apoiadores.

  • Quarto, manteve a possibilidade de diferenciação técnica nas penas, demonstrando que o STF julga com base em critérios jurídicos, não políticos.


O voto de Dino, portanto, representa um momento de inflexão na resposta do STF aos ataques antidemocráticos. Longe de recuar frente às pressões, a Corte demonstrou que está disposta a defender vigorosamente suas prerrogativas constitucionais e a democracia brasileira. Como bem sintetizou o próprio ministro:


"O Supremo cumpre sua função: aplicar a lei ao caso concreto, nada além disso".

A mensagem para políticos como Tarcísio de Freitas e outros representantes da extrema-direita é inequívoca: o STF não será intimidado, a democracia será protegida, e tentativas de golpe serão punidas com todo o rigor da lei. O recado está dado, e cabe agora aos atores políticos decidirem se continuarão no caminho da radicalização ou optarão pelo respeito às instituições democráticas.

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