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Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal consolida decisão sem precedentes na história brasileira com votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin pela condenação integral do ex-presidente e sete aliados


O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou nesta quinta-feira (11) uma decisão sem precedentes na história brasileira: a formação de maioria para condenar um ex-presidente da República por crimes contra a democracia. Com os votos das ministras Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, a Primeira Turma fechou o placar em 4 votos a 1 pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e três crimes adicionais relacionados à trama golpista que culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023.


A sessão desta quinta-feira marcou um momento histórico na jurisprudência brasileira, com citações literárias, análises jurídicas aprofundadas e reflexões sobre os fundamentos do Estado Democrático de Direito que ecoaram pelos corredores do Palácio da Justiça.


Jair Bolsonaro primeiro ex-presidente condenado por tentativa de Golpe de Estado - Foto: Reprodução
Jair Bolsonaro primeiro ex-presidente condenado por tentativa de Golpe de Estado - Foto: Reprodução

O voto decisivo de Cármen Lúcia: literatura, autoritarismo e defesa da democracia


A ministra Cármen Lúcia abriu sua manifestação com uma referência que definiria o tom de todo seu voto. Citando Victor Hugo e sua obra "História de um Crime", sobre a oposição do escritor francês ao golpe de Napoleão III, a magistrada reproduziu a frase que se tornaria emblemática do julgamento: "O mal feito para o bem continua sendo mal".


"Principalmente quando ele tem sucesso. Porque então ele se torna um exemplo e vai se repetir", disse a ministra, utilizando a citação para contextualizar os ataques de 8 de janeiro de 2023. Para Cármen Lúcia, os réus da trama golpista buscaram enfraquecer o Estado de Direito sob o argumento de defender o país, mas "a Constituição não abriga atalhos autoritários, mesmo quando travestidos de bem".


Em uma das passagens mais contundentes de seu voto, a ministra rejeitou qualquer tentativa de minimizar a gravidade dos eventos que levaram aos ataques às sedes dos Três Poderes. "O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram para passear", declarou enfaticamente.


A magistrada destacou que o episódio foi resultado de um "conjunto inédito e infame" de acontecimentos que se estendeu por meses, com estratégias diversas e prolongadas que visavam enfraquecer as instituições democráticas. "Todos os empreendimentos que espalham os seus tentáculos de objetivos autoritários são ações plurais, pensadas, executadas com racionalidade", afirmou.


Em um momento que gerou risos na sessão e quebrou a tensão do julgamento, Cármen Lúcia fez uma observação que transcendeu o aspecto puramente jurídico. Quando interrompida pelo ministro Flávio Dino, que pediu para fazer um comentário, ela respondeu de forma bem-humorada: "Desde que rápidos, porque nós mulheres ficamos 2.000 anos caladas e queremos ter o direito de falar".


A frase, que provocou risos na sessão, foi uma mensagem sobre representatividade feminina nos espaços de poder, lembrando que a voz das mulheres foi historicamente silenciada.


Um dos aspectos mais técnicos, mas politicamente relevantes do voto de Cármen Lúcia, foi sua defesa da competência do STF para julgar o caso. Em resposta direta à posição divergente de Luiz Fux, que defendeu a "incompetência absoluta" da Corte, a ministra foi categórica: "Sempre votei do mesmo jeito. Sempre entendi que a competência era do STF. Não há de novo para mim".


A magistrada alertou para o risco de casuísmo caso houvesse mudança repentina no entendimento consolidado desde 2018. "Acho que seria casuísmo, gravíssimo, que alguns fossem julgados depois da mudança e fixação das competências que já exercemos inúmeras vezes e voltar atrás nessa matéria", afirmou.


Ao analisar o conjunto probatório, Cármen Lúcia foi incisiva ao afirmar que a Procuradoria-Geral da República havia demonstrado inequivocamente a existência da trama golpista. "Para mim, a PGR fez prova cabal de que um grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras-chaves do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas".


A ministra destacou o uso de "milícias digitais" como instrumento central da estratégia para minar o exercício dos demais poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário.


O voto final de Cristiano Zanin: análise técnica e confirmação da condenação


O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, encerrou a votação confirmando a maioria pela condenação. Em seu voto técnico e detalhado, Zanin rejeitou sistematicamente todas as preliminares apresentadas pelas defesas e confirmou sua posição pela condenação integral dos réus.


Zanin afastou categoricamente a alegação de cerceamento de defesa em razão do grande volume de provas, observando que todo o material produzido pela Polícia Federal foi disponibilizado às defesas por meio de links eletrônicos. "Em processos complexos, os chamados 'megaprocessos', é natural lidar com grandes acervos, cabendo às defesas utilizar os recursos técnicos necessários", argumentou.


O ministro também rejeitou a tese de suspeição do relator Alexandre de Moraes, lembrando que o plenário já havia decidido pela improcedência dessas arguições.


No mérito, Zanin foi categórico ao afirmar que "a prova dos autos confirma a existência de uma organização criminosa armada, estruturada e hierarquizada, cujo objetivo central era assegurar a permanência de Jair Bolsonaro no poder a qualquer custo, mesmo à revelia do processo eleitoral e da vontade popular".


O ministro descreveu detalhadamente os papéis de cada réu na estrutura criminosa, destacando que "havia clara divisão de tarefas, todas voltadas a fragilizar as instituições e a pavimentar a ruptura democrática".


Zanin analisou minuciosamente os crimes previstos nos artigos 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de Estado) do Código Penal, incluídos em 2021. Para o ministro, os fatos demonstram tentativa concreta de vulnerar as instituições democráticas.


"O bem jurídico é vulnerado quando o poder destinatário da ameaça sofre interferência concreta em razão dos atos praticados, como ocorreu com as ameaças reiteradas ao Supremo Tribunal Federal e à Justiça Eleitoral", destacou.


O ministro frisou que a violência e grave ameaça devem ser interpretadas em chave institucional. "Não se exige que a violência recaia sobre uma pessoa determinada. A grave ameaça pode se materializar no constrangimento institucional, como a retórica de decretação de medidas de exceção em descompasso com a Constituição", afirmou.


Zanin encerrou seu voto com uma síntese que se tornou uma das frases mais marcantes do julgamento: "Não se trata de atos isolados, mas de uma cadeia de condutas coordenadas que visavam vulnerar o Estado Democrático de Direito".


A decisão final da Primeira Turma ficou definida em 4 votos a 1 pela condenação. Alexandre de Moraes, como relator, abriu a votação pedindo a condenação integral de todos os réus, tratando Bolsonaro como líder de uma organização criminosa hierarquizada. Flávio Dino acompanhou integralmente o relator, mas defendeu penas diferenciadas conforme o grau de participação de cada réu.


O único voto divergente veio de Luiz Fux, que em uma análise de mais de 14 horas absolveu Bolsonaro de todos os crimes e também livrou Augusto Heleno, Almir Garnier, Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira, reconhecendo apenas a responsabilidade de Mauro Cid e Walter Braga Netto.


As consequências imediatas: q que acontece agora com Bolsonaro


A condenação criminal terá consequências imediatas para os direitos políticos de Bolsonaro. Segundo especialistas, a Constituição Federal prevê automaticamente a perda de direitos políticos de um condenado durante o cumprimento da pena. Como Bolsonaro já está inelegível até 2030 por decisão do TSE, a nova condenação pode estender esse prazo até o final do cumprimento da pena criminal.


As penas máximas somadas podem chegar a 46 anos de prisão para Bolsonaro, considerando os cinco crimes pelos quais foi denunciado:


  • Organização criminosa armada: até 20 anos de reclusão

  • Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: até 8 anos

  • Golpe de Estado: até 12 anos

  • Dano qualificado: até 3 anos

  • Deterioração de patrimônio tombado: até 3 anos


Contudo, o Código Penal brasileiro limita o cumprimento efetivo da pena a 40 anos. A dosimetria será definida em sessão posterior, considerando o grau de participação de cada réu e eventuais atenuantes ou agravantes.


Apesar da condenação, Bolsonaro não será preso imediatamente. A execução da pena só ocorrerá após o trânsito em julgado da decisão, quando não houver mais possibilidade de recursos. Como a decisão não foi unânime, as defesas podem apresentar embargos infringentes, submetendo o caso ao plenário do STF.


Caso a pena seja efetivamente cumprida, especialistas indicam que Bolsonaro teria que cumprir a condenação por organização criminosa armada em regime inicialmente fechado, podendo progredir para regimes menos rigorosos conforme previsto na legislação.


O Contexto Histórico e Político


A decisão marca um precedente inédito na história brasileira: pela primeira vez um ex-presidente é condenado criminalmente por crimes contra a democracia. O julgamento ocorre em um momento simbólico, próximo aos 40 anos da redemocratização e do aniversário da Constituição de 1988.


A condenação torna ainda mais improvável qualquer possibilidade de Bolsonaro disputar as eleições de 2026. Além da inelegibilidade já imposta pelo TSE, a nova condenação criminal criará um obstáculo adicional quase intransponível para uma eventual candidatura.


A decisão repercutiu imediatamente no cenário político nacional e internacional, sendo considerada um marco na defesa das instituições democráticas brasileiras. O julgamento foi acompanhado de perto por juristas, políticos e observadores internacionais, sendo visto como um teste da solidez do sistema judiciário brasileiro.


Além de Bolsonaro, foram condenados pelos mesmos crimes outros sete aliados que compunham o chamado "núcleo crucial" da trama golpista:


  • Mauro Cid: ex-ajudante de ordens de Bolsonaro

  • Walter Braga Netto: ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente em 2022

  • Alexandre Ramagem: deputado federal e ex-diretor da Abin

  • Anderson Torres: ex-ministro da Justiça

  • Augusto Heleno: ex-ministro do GSI

  • Paulo Sérgio Nogueira: ex-ministro da Defesa

  • Almir Garnier: ex-comandante da Marinha


Cada um deles desempenhava funções específicas na estrutura da organização criminosa, desde a difusão de desinformação até a mobilização de estruturas policiais e militares.


Próximos Passos Processuais


As defesas ainda podem apresentar diversos tipos de recursos. Em caso de decisão não unânime, como ocorreu, é possível a interposição de embargos infringentes, que levariam a questão ao plenário do STF para nova análise. Também cabem embargos de declaração para esclarecer possíveis obscuridades ou contradições na decisão.


A dosimetria das penas será definida ainda na sessão de hoje, onde os ministros determinarão a pena específica para cada réu, considerando fatores como grau de participação, antecedentes criminais e demais circunstâncias judiciais.


Apenas após o esgotamento de todos os recursos e o trânsito em julgado da decisão é que as penas poderão ser efetivamente executadas. Especialistas estimam que esse processo pode levar ainda alguns anos, considerando a complexidade do caso e as instâncias recursais disponíveis.


A decisão histórica desta quinta-feira representa um marco na consolidação do Estado Democrático de Direito brasileiro, estabelecendo que mesmo as mais altas autoridades não estão acima da lei quando atentam contra as instituições democráticas. Como concluiu a ministra Cármen Lúcia em seu voto: "O Brasil só vale a pena porque nós estamos conseguindo ainda manter o Estado Democrático de Direito".

 
 
 

As estratégias apresentadas pelos advogados de Jair Messias Bolsonaro no julgamento histórico do Supremo Tribunal Federal revelam uma defesa construída principalmente sobre a negação de participação direta nos eventos que culminaram nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Contudo, ao confrontar os argumentos defensivos com o volumoso material probatório reunido pela Procuradoria-Geral da República, emergem fragilidades significativas que podem comprometer a eficácia da estratégia adotada.


O ex-presidente Jair Bolsonaro / Crédito: Ton Molina/STF
O ex-presidente Jair Bolsonaro / Crédito: Ton Molina/STF

A estratégia da ausência de provas diretas


O advogado Celso Sanchez Vilardi, representando o ex-presidente, centrou sua defesa na alegação de inexistência de "uma única prova" que conecte Bolsonaro aos planos golpistas.


"Não há uma única prova que atrele o presidente a punhal verde e amarelo, a operação luneta e ao 8 de janeiro", declarou na tribuna do STF, referindo-se aos principais elementos investigativos do caso.

Esta linha argumentativa, entretanto, contrasta frontalmente com o detalhado relatório da PGR, que documenta uma:


"trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas", onde "a conjuração tem antecedentes que a explicam e se desenvolve em fases, momentos e ações ao longo de um tempo considerável".

A denúncia ministerial apresenta evidências de que "os membros da organização criminosa estruturaram, no âmbito do Palácio do Planalto, plano de ataque às instituições", incluindo o sinistro "Punhal Verde Amarelo", que previa até mesmo "a morte por envenenamento de Luiz Inácio Lula da Silva" e o uso de "armas bélicas contra o Ministro Alexandre de Moraes".


Principais estratégias de defesa de Jair Bolsonaro

Estratégia de Defesa

Fundamentos e Sustentações

Pontos-Fracos / Vulnerabilidades

Ausência de participação em reuniões de golpe

– Nega ter articulado qualquer plano de exceção ou golpe com generais


– Testemunhas militares afirmam não terem sido convocadas por ele

– Vários registros (“Operação Luneta”, “Punhal Verde Amarelo”) indicam planejamento detalhado


– Presença em live de 29/7/21 incentivando força militar

Não envolvimento em “caderneta golpista”

– Alega manipulação parcial de arquivo de anotações (“agenda”) de Gen. Heleno


– Testemunhas reforçam desconhecimento da “caderneta”

– Agenda continha diretrizes estratégicas claras de deslegitimação das urnas e plano de abolição do processo democrático

Defesa da legalidade das Forças Armadas

– Sustenta ter sido aconselhado por generais contra o golpe


– Destaca permanência de ministros da ativa fiel à Constituição

– Provas de pressão interna sobre Comandantes do Exército e de reuniões para induzir adesão ao golpe

Ataques meramente discursivos às urnas

– Alega expor apenas suspeitas infundadas, sem pretensão de golpe


– Rivais do TSE não teriam prova de fraude

– Discursos gravados convocam “uso da força” se necessário e ameaçam ministros do STF e TSE

Falha probatória da PGR

– Questiona credibilidade dos delatores (Mauro Cid)


– Destaca contradições e omissões em depoimentos

– Depoimentos corroborados por documentos encontradas em ABIN e GSI;


– Metadados de arquivos provam planejamento conjunto

Separação de poderes e “iniciativa de fontes”

– Alega atuação independente de órgãos (PF, AGU) sem ingerência pessoal

– Planilhas e minutas foram elaboradas dentro do Palácio do Planalto e compartilhadas diretamente com Bolsonaro

O questionamento sobre cerceamento de defesa


Outro pilar da estratégia defensiva foi o alegado cerceamento de defesa, particularmente em relação ao acesso às provas digitais. Vilardi argumentou que receberam "70 teras" de material compactado, questionando a possibilidade de análise adequada no tempo disponível.


"Todo material constante nesses SharePoints ultrapassa a marca de 20 TB compactados", declarou.

Contudo, este argumento encontra limitações quando confrontado com a própria admissão de que:


"as provas eleitas pela Polícia Federal, as provas eleitas pela denúncia foram colocadas nos autos e estão à disposição desta defesa e de todas as defesas", segundo o próprio advogado.

Um dos momentos mais reveladores da defesa foi a tentativa de desvinculação de Bolsonaro da chamada "minuta golpista". O advogado sustentou que:


"a tal minuta é uma peça encontrada no celular do colaborador, que em seus depoimentos disse que não transmitiu a ninguém".

Porém, a PGR apresenta evidências contundentes de que:


"foram concebidas minutas de atos de formalização de quebra da ordem constitucional" e que "o Presidente da República à época chegou a apresentar uma delas, em que se cogitava da prisão de dois Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Presidente do Senado Federal".

A defesa tentou questionar a tipificação dos crimes alegando ausência de "violência ou grave ameaça". Vilardi argumentou que:


"não é possível se falar em início da execução numa live do TSE, aonde está a violência ou grave ameaça?"

Esta linha argumentativa ignora o entendimento jurisprudencial de que os crimes tipificados nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal "referem-se a crimes de atentado, que prescindem do resultado naturalístico para se consumar", conforme estabelece a própria denúncia da PGR.


Talvez o mais frágil dos argumentos apresentados foi a tentativa de invocar o artigo 15 do Código Penal, alegando desistência voluntária. O advogado Paulo Amador sustentou que:


"quem desiste voluntariamente do início da execução do delito responderá apenas pelos atos já praticados".

Esta tese esbarra na robusta documentação apresentada pela PGR de que a organização criminosa:


"não desistiu da tomada violenta do poder nem mesmo depois da posse do Presidente da República eleito", culminando nos eventos de 8 de janeiro, onde "a última esperança da organização estava na manifestação".

As evidências documentais da PGR


O conjunto probatório reunido pela Procuradoria-Geral da República inclui documentos que revelam planejamento sistemático. As anotações encontradas na agenda de Augusto Heleno, por exemplo, incluíam "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações" e "é válido continuar a criticar a urna eletrônica", demonstrando coordenação prévia dos ataques ao sistema eleitoral.


Particularmente significativo é o documento encontrado com Alexandre Ramagem, criado dois dias antes da live presidencial de 29 de julho de 2021, contendo orientações detalhadas:


"A credibilidade da urna já se esvaiu, assim como a reputação de ministros do STF. (...) Estas questões que devem ser massificadas".


A defesa tentou desqualificar as colaborações premiadas, mas o depoimento de Mauro César Barbosa Cid, confirmado em múltiplas ocasiões, oferece detalhes precisos sobre o funcionamento da organização criminosa, incluindo a confirmação de que:


"o então Presidente sempre dava esperanças que algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe".

Principais argumentos e teses da PGR

Eixo Temático

Tese Central da PGR

Evidências Chave

Organização Criminosa

Jair Bolsonaro liderou grupo que estruturou “Punhal Verde Amarelo” para golpe; foi mantido “gabinete central de crise”

– Planilhas “Operação Luneta” e “Op. 142” (ABIN, GSI)


– Arquivos “Presidente TSE informa.docx” (ABIN)

Ataques ao Sistema Eleitoral

Sustentou campanha de deslegitimação das urnas e das decisões do TSE, aprofundando ódio e desconfiança

– Live de 29.7.2021 com menção a “uso da força”


– Planilha “REU DIRETRIZES ESTRATÉGICAS” (GSI)

Coação do Poder Judiciário

Planejava prisão de ministros do STF e do TSE e descumprimento de decisões judiciais

– Minuta de decreto de Estado de Sítio e Operação GLO;


– Anotações sobre “neutralizar a capacidade do Min. AM”

Conivência Militar

Reuniões ministeriais convocadas por Bolsonaro continham falas de generais a favor de golpe

– Gravação 5.7.2022 (computador de Mauro Cid): “o que tiver que ser feito é antes das eleições”

Violência em 08/01/2023

Grupo auxiliou mobilização e escolta policial para invasão do STF e Congresso

– Depoimentos e documentos sobre coordenação de trânsito de ônibus e escolta por PMDF


A questão da liberdade de expressão versus direitos da personalidade, abordada no Recurso Extraordinário com Agravo 1.516.984, oferece paralelos relevantes. O Ministro Alexandre de Moraes, relator tanto deste caso quanto do processo dos atos golpistas, estabeleceu que "não há direito absoluto à liberdade de expressão" e que é necessário "ponderar, no caso concreto" os direitos em conflito.


As estratégias de defesa apresentadas pelos advogados de Bolsonaro, embora tecnicamente elaboradas, enfrentam o desafio de confrontar um conjunto probatório extenso e diversificado. A tentativa de negar participação direta nos eventos esbarra em documentos, mensagens e depoimentos que sugerem coordenação e conhecimento dos planos golpistas.


A alegação de cerceamento de defesa, comum em processos complexos, não parece suficiente para invalidar provas que foram regularmente colhidas e disponibilizadas. O argumento sobre ausência de violência física ignora a evolução doutrinária sobre crimes de atentado contra as instituições democráticas.


O julgamento representa um marco na história judicial brasileira, testando não apenas a responsabilização de um ex-presidente, mas a capacidade das instituições democráticas de se protegerem contra ameaças internas. As estratégias defensivas, diante da robustez das evidências apresentadas pela PGR, sugerem que o caminho para a absolvição será íngreme, exigindo dos ministros do STF uma análise criteriosa entre garantias processuais e proteção da ordem democrática.

 
 
 

Estratégia jurídica tenta inverter narrativa da acusação, mas enfrenta contradições nos próprios depoimentos e documentos apresentados pela PGR


A sustentação oral apresentada ontem pelo advogado Hendre Fernandes Farias em defesa do general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira no julgamento do chamado "núcleo 1" da tentativa de golpe de Estado revelou uma estratégia jurídica arriscada: usar o próprio delator da acusação para construir a tese de inocência de seu cliente.


Paulo Sérgio Nogueira - Foto: JuriNews
Paulo Sérgio Nogueira - Foto: JuriNews

"A delação e o depoimento da principal testemunha da acusação, o comandante da Força Aérea, Brigadeiro Batista Júnior, é contundente, acachapante em falar que o general Paulo Sérgio atuou [...] para demover o presidente de incursar, de caminhar por qualquer medida de exceção", argumentou o defensor.

A estratégia representa uma tentativa audaciosa de inverter completamente a narrativa apresentada pela Procuradoria-Geral da República, que acusa o ex-ministro da Defesa de ter sido peça-chave na articulação golpista. Segundo a denúncia, Paulo Sérgio:


"reuniu os Comandantes militares para lhes propor ato consumativo de golpe, obtendo a adesão do Comandante da Marinha e a recusa dos Comandantes das outras duas Armas".

A construção do "Pacificador"


O advogado construiu um retrato quase heroico de seu cliente, apresentando-o como um:


"bravo guerreiro do Nordeste" que, aos 11 anos, deixou a família para estudar no Colégio Militar de Fortaleza. "Mal sabia, digo eu, que a vida ali estava lhe forjando e lhe aperfeiçoando e lhe preparando para o momento decisivo da história nacional", declarou Farias.

A narrativa da defesa coloca Paulo Sérgio como alguém que "honrou a memória do nosso pacificador" - referência ao Duque de Caxias - ao se posicionar:


"totalmente contrário a qualquer medida de exceção" e atuar "ativamente para demover o presidente da República de qualquer medida nesse sentido".

Contudo, essa versão enfrenta contradições diretas com os elementos probatórios reunidos pela investigação. Conforme a denúncia da PGR, o general participou ativamente das reuniões onde foram apresentadas as minutas de decretos golpistas, incluindo a reunião do dia 14 de dezembro de 2022, quando "apresentou a minuta de Decreto mais abrangente" aos comandantes militares.



O peso das provas documentais


A principal fragilidade da estratégia defensiva reside no conjunto robusto de provas documentais apresentado pela acusação. A PGR demonstra que Paulo Sérgio não apenas conhecia os planos golpistas, como teve papel ativo em sua execução.


O documento apreendido na residência do ex-ministro Anderson Torres, transcrito integralmente na denúncia, revela a existência de uma minuta de decreto que previa:


"Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral" e a criação de uma "Comissão de Regularidade Eleitoral" composta majoritariamente por membros do Ministério da Defesa.

"Fica estipulado o prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento da ordem estabelecida", estabelecia o documento, que previa ainda a suspensão de direitos fundamentais, incluindo "sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica dos membros do Tribunal do Superior Eleitoral".

A Questão da Cronologia


A defesa também enfrenta desafios relacionados à cronologia dos eventos. Enquanto o advogado argumenta que Paulo Sérgio agiu para "dissuadir o presidente", a PGR apresenta uma sequência detalhada de reuniões e documentos que sugerem participação ativa até dezembro de 2022.


O colaborador Mauro Cid, conforme registrado na denúncia, confirmou que:


"no dia 7.12.2022, o Decreto foi apresentado pela primeira vez a integrantes do alto escalão do Governo Federal" em reunião no Palácio da Alvorada, onde estavam presentes "JAIR BOLSONARO, com auxílio de FILIPE GARCIA MARTINS PEREIRA, apresentou a minuta ao General Freire Gomes, ao Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS e ao General e Ministro da Defesa PAULO SERGIO NOGUEIRA DE OLIVEIRA".

A estratégia da defesa cria uma contradição interna significativa. Se Paulo Sérgio realmente atuou para impedir o golpe desde o início, conforme alegado, por que permaneceu participando das reuniões golpistas até dezembro? Por que não denunciou formalmente os planos?


O advogado tentou responder a essa questão afirmando que o general buscava:


"unidade contra qualquer medida de exceção" e que "todo mundo aqui falar a mesma língua para dissuadir o presidente".

Contudo, essa explicação não se alinha com a gravidade dos documentos encontrados nem com o testemunho do próprio Freire Gomes, que confirmou a apresentação da minuta golpista.


Implicações jurídicas


Do ponto de vista jurídico, a estratégia da defesa enfrenta o desafio de explicar como alguém que supostamente se opunha ao golpe acabou sendo peça central na estrutura organizacional descrita pela PGR. A denúncia situa Paulo Sérgio no "núcleo crucial da organização criminosa", junto com outras figuras de destaque do governo.


A tese de que o general sofreu "ataques" por sua posição contrária ao golpe, mencionada pelo advogado, pode até ter algum fundamento factual, mas não exime o acusado de eventual participação anterior nos atos preparatórios do crime.


O julgamento representa um teste importante para o sistema judicial brasileiro na análise de crimes contra o Estado Democrático de Direito. A robustez das provas documentais e testimoniais apresentadas pela PGR sugere que a estratégia defensiva, por mais eloquente que seja na construção de uma narrativa alternativa, enfrenta obstáculos significativos para desconstruir o conjunto probatório reunido durante a investigação.


A decisão final dos ministros do Supremo Tribunal Federal dependerá da avaliação sobre qual narrativa - a da acusação ou a da defesa - encontra maior respaldo no conjunto de provas dos autos.

 
 
 
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