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Defesa de Paulo Sérgio aposta na contradição do próprio delator para negar participação no Golpe

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • há 4 dias
  • 4 min de leitura

Estratégia jurídica tenta inverter narrativa da acusação, mas enfrenta contradições nos próprios depoimentos e documentos apresentados pela PGR


A sustentação oral apresentada ontem pelo advogado Hendre Fernandes Farias em defesa do general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira no julgamento do chamado "núcleo 1" da tentativa de golpe de Estado revelou uma estratégia jurídica arriscada: usar o próprio delator da acusação para construir a tese de inocência de seu cliente.


Paulo Sérgio Nogueira - Foto: JuriNews
Paulo Sérgio Nogueira - Foto: JuriNews

"A delação e o depoimento da principal testemunha da acusação, o comandante da Força Aérea, Brigadeiro Batista Júnior, é contundente, acachapante em falar que o general Paulo Sérgio atuou [...] para demover o presidente de incursar, de caminhar por qualquer medida de exceção", argumentou o defensor.

A estratégia representa uma tentativa audaciosa de inverter completamente a narrativa apresentada pela Procuradoria-Geral da República, que acusa o ex-ministro da Defesa de ter sido peça-chave na articulação golpista. Segundo a denúncia, Paulo Sérgio:


"reuniu os Comandantes militares para lhes propor ato consumativo de golpe, obtendo a adesão do Comandante da Marinha e a recusa dos Comandantes das outras duas Armas".

A construção do "Pacificador"


O advogado construiu um retrato quase heroico de seu cliente, apresentando-o como um:


"bravo guerreiro do Nordeste" que, aos 11 anos, deixou a família para estudar no Colégio Militar de Fortaleza. "Mal sabia, digo eu, que a vida ali estava lhe forjando e lhe aperfeiçoando e lhe preparando para o momento decisivo da história nacional", declarou Farias.

A narrativa da defesa coloca Paulo Sérgio como alguém que "honrou a memória do nosso pacificador" - referência ao Duque de Caxias - ao se posicionar:


"totalmente contrário a qualquer medida de exceção" e atuar "ativamente para demover o presidente da República de qualquer medida nesse sentido".

Contudo, essa versão enfrenta contradições diretas com os elementos probatórios reunidos pela investigação. Conforme a denúncia da PGR, o general participou ativamente das reuniões onde foram apresentadas as minutas de decretos golpistas, incluindo a reunião do dia 14 de dezembro de 2022, quando "apresentou a minuta de Decreto mais abrangente" aos comandantes militares.



O peso das provas documentais


A principal fragilidade da estratégia defensiva reside no conjunto robusto de provas documentais apresentado pela acusação. A PGR demonstra que Paulo Sérgio não apenas conhecia os planos golpistas, como teve papel ativo em sua execução.


O documento apreendido na residência do ex-ministro Anderson Torres, transcrito integralmente na denúncia, revela a existência de uma minuta de decreto que previa:


"Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral" e a criação de uma "Comissão de Regularidade Eleitoral" composta majoritariamente por membros do Ministério da Defesa.

"Fica estipulado o prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento da ordem estabelecida", estabelecia o documento, que previa ainda a suspensão de direitos fundamentais, incluindo "sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica dos membros do Tribunal do Superior Eleitoral".

A Questão da Cronologia


A defesa também enfrenta desafios relacionados à cronologia dos eventos. Enquanto o advogado argumenta que Paulo Sérgio agiu para "dissuadir o presidente", a PGR apresenta uma sequência detalhada de reuniões e documentos que sugerem participação ativa até dezembro de 2022.


O colaborador Mauro Cid, conforme registrado na denúncia, confirmou que:


"no dia 7.12.2022, o Decreto foi apresentado pela primeira vez a integrantes do alto escalão do Governo Federal" em reunião no Palácio da Alvorada, onde estavam presentes "JAIR BOLSONARO, com auxílio de FILIPE GARCIA MARTINS PEREIRA, apresentou a minuta ao General Freire Gomes, ao Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS e ao General e Ministro da Defesa PAULO SERGIO NOGUEIRA DE OLIVEIRA".

A estratégia da defesa cria uma contradição interna significativa. Se Paulo Sérgio realmente atuou para impedir o golpe desde o início, conforme alegado, por que permaneceu participando das reuniões golpistas até dezembro? Por que não denunciou formalmente os planos?


O advogado tentou responder a essa questão afirmando que o general buscava:


"unidade contra qualquer medida de exceção" e que "todo mundo aqui falar a mesma língua para dissuadir o presidente".

Contudo, essa explicação não se alinha com a gravidade dos documentos encontrados nem com o testemunho do próprio Freire Gomes, que confirmou a apresentação da minuta golpista.


Implicações jurídicas


Do ponto de vista jurídico, a estratégia da defesa enfrenta o desafio de explicar como alguém que supostamente se opunha ao golpe acabou sendo peça central na estrutura organizacional descrita pela PGR. A denúncia situa Paulo Sérgio no "núcleo crucial da organização criminosa", junto com outras figuras de destaque do governo.


A tese de que o general sofreu "ataques" por sua posição contrária ao golpe, mencionada pelo advogado, pode até ter algum fundamento factual, mas não exime o acusado de eventual participação anterior nos atos preparatórios do crime.


O julgamento representa um teste importante para o sistema judicial brasileiro na análise de crimes contra o Estado Democrático de Direito. A robustez das provas documentais e testimoniais apresentadas pela PGR sugere que a estratégia defensiva, por mais eloquente que seja na construção de uma narrativa alternativa, enfrenta obstáculos significativos para desconstruir o conjunto probatório reunido durante a investigação.


A decisão final dos ministros do Supremo Tribunal Federal dependerá da avaliação sobre qual narrativa - a da acusação ou a da defesa - encontra maior respaldo no conjunto de provas dos autos.

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