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Defesa de Mauro Cid no STF: Estratégia fragilizada diante da gravidade das acusações

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • há 1 dia
  • 4 min de leitura

A sustentação oral da defesa do tenente-coronel Mauro Cid no primeiro dia de julgamento da ação penal 2668 no Supremo Tribunal Federal revelou uma estratégia defensiva que, embora tecnicamente elaborada, apresenta fragilidades significativas diante da robustez das provas e da gravidade das acusações de tentativa de golpe de Estado.


Tenente-coronel Mauro Cid - Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Tenente-coronel Mauro Cid - Foto: Lula Marques/Agência Brasil

A Dupla Estratégia da Defesa


Os advogados Jair Alves Ferreira e César Roberto Bitencourt dividiram a apresentação em duas frentes principais: a validação da colaboração premiada e a negativa de participação efetiva nos atos criminosos. Esta divisão, embora organizacionalmente coerente, expõe uma contradição fundamental que pode enfraquecer toda a argumentação.


Ferreira iniciou sua fala com uma tentativa de humanização do cliente, apresentando um extenso currículo militar:


"Mauro César Barbosa Cid é um tenente coronel com mais de 30 anos de exército, serviu na brigada paraquedista e nas operações especiais do exército brasileiro, foi instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras por 4 anos".

Esta estratégia de "construção de personagem" revela a percepção da defesa sobre a necessidade de desconstruir a imagem negativa associada à figura do delator.


O ponto central da argumentação defensiva reside na negativa de coação durante o acordo de colaboração premiada. Ferreira afirmou categoricamente:


"Isso aqui não é coação. O Mauro Cid está reclamando da posição do delegado, isso é direito".

Contudo, esta linha argumentativa apresenta uma vulnerabilidade crucial: ao mesmo tempo em que nega a coação, a defesa reconhece implicitamente a insatisfação do cliente com o processo investigativo, conforme revelado nos áudios vazados pela revista Veja. O advogado tentou minimizar essa contradição ao afirmar:


"Qual é o indiciado que concorda com o delegado e com o juiz?", mas esta justificativa genérica não resolve a questão específica das declarações de Cid questionando a condução das investigações.

A estratégia mais problemática da defesa reside na tentativa simultânea de validar a colaboração premiada e negar a participação efetiva nos crimes. Bitencourt declarou:


"Os autos revelam que Mauro Cid jamais elaborou, compartilhou e incitou qualquer conteúdo golpista".

Esta posição cria um paradoxo jurídico: se Cid não teve participação significativa nos fatos investigados, como pode sua colaboração ter o valor probatório que a própria defesa reivindica para justificar os benefícios acordados? A defesa não conseguiu resolver esta tensão fundamental.


Ao caracterizar a participação de Cid como meramente passiva - "o recebimento passivo de mensagens no seu WhatsApp" -, a defesa subestima a importância da função de ajudante de ordens presidencial. Esta estratégia ignora que a proximidade e o acesso privilegiado às informações são elementos centrais nas acusações, não apenas a participação ativa na elaboração de planos.


A defesa apresentou um argumento pragmático sobre a manutenção dos benefícios:


"Ou ele vale, ou ele não vale. Ou nós anulamos e não tem pedido acusatório de anulação".

Ferreira alertou que negar os benefícios após utilizar a colaboração "acabaria com o instituto da colaboração premiada".


Embora juridicamente válido, este argumento revela uma postura que prioriza os aspectos contratuais em detrimento da análise substantiva da qualidade e veracidade das informações prestadas. O próprio procurador-geral da República havia criticado nas alegações finais as "omissões e contradições" de Cid, sugerindo o descumprimento parcial do acordo.


Quando Bitencourt afirmou que Cid "não tinha conhecimento do Punhal Verde Amarelo" e "não fazia parte dos grupos de WhatsApp", a defesa adotou uma estratégia de negativas pontuais que podem ser facilmente confrontadas com as evidências dos autos. Esta abordagem fragmentada não oferece uma narrativa alternativa coesa sobre o papel de Cid nos eventos investigados.


Paradoxalmente, ao defender ardorosamente a validade da colaboração premiada, a defesa pode estar fornecendo munição à acusação. Se a delação é válida e confiável, como argumentam os advogados, então as informações nela contidas sobre a participação dos demais réus ganham ainda mais credibilidade para fins de condenação.


A estratégia defensiva demonstra particular fragilidade quando confrontada com alguns aspectos específicos:


  1. Primeiro, a tentativa de minimizar o papel de Cid como mero "receptor passivo" de informações ignora que, em crimes de organização criminosa, a participação pode se dar de múltiplas formas, incluindo a facilitação do fluxo de informações entre os participantes.

  2. Segundo, a ênfase no aspecto formal da colaboração (ausência de coação, cumprimento de procedimentos) desvia o foco da questão substantiva sobre a veracidade e completude das informações prestadas.

  3. Terceiro, a defesa não ofereceu explicação convincente para as contradições apontadas pelo Ministério Público entre diferentes momentos dos depoimentos de Cid.


O ministro Luiz Fux já havia sinalizado preocupação com a qualidade da colaboração ao questionar o número de depoimentos prestados por Cid. Durante a sustentação, o advogado tentou esclarecer que houve "uma colaboração e vários depoimentos", mas esta diferenciação técnica não resolve a questão de fundo sobre a consistência das informações.

Fragilidades estratégicas significativas


A defesa de Mauro Cid, embora tecnicamente competente em aspectos procedimentais, apresenta fragilidades estratégicas significativas que podem comprometer sua eficácia diante da gravidade das acusações. A tentativa de conciliar a validação da colaboração premiada com a negativa de participação efetiva nos crimes cria contradições que podem ser exploradas tanto pela acusação quanto pelos demais réus.


A estratégia revela uma posição defensiva complexa: Cid precisa que sua colaboração seja considerada válida para manter os benefícios, mas também precisa minimizar sua própria participação nos fatos para evitar condenação. Esta dualidade pode se mostrar insustentável durante o julgamento.


Mais importante, a defesa não conseguiu oferecer uma narrativa alternativa convincente sobre o papel de Cid nos eventos de 2022 e início de 2023, limitando-se a negativas pontuais que podem não resistir ao confronto com o conjunto probatório apresentado pela Procuradoria-Geral da República.


O sucesso ou fracasso desta estratégia dependerá, em última análise, de como os ministros do STF avaliarão o peso da colaboração premiada em comparação com as demais provas dos autos, em um julgamento que promete ser decisivo para o futuro da democracia brasileira.ez probatória de todo o processo que investiga a tentativa de golpe de Estado no Brasil.

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