Análise Política | O Início Histórico do Julgamento da AP 2668 no STF
- Raul Silva

- 2 de set.
- 4 min de leitura
O julgamento da Ação Penal 2668 iniciado nesta terça-feira, 2 de setembro de 2025, representa um marco histórico na democracia brasileira. Com Jair Bolsonaro e outros sete aliados no banco dos réus por tentativa de golpe de Estado, as falas matinais de Alexandre de Moraes e Paulo Gonet estabeleceram o tom de um processo que pode redefinir os limites da responsabilização política no país.

O Discurso de Soberania de Alexandre de Moraes

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, abriu o julgamento com um discurso que transcendeu os aspectos técnico-jurídicos para assumir uma dimensão claramente política.
Ao afirmar que o STF não aceitará "coação de um Estado estrangeiro" e que será "imparcial e ignorará pressões ao julgar Bolsonaro". Moraes estabeleceu uma narrativa de resistência institucional que ecoa muito além da sala de audiências.
A referência implícita às pressões externas - particularmente dos Estados Unidos sob a administração Trump - revela a consciência do STF sobre a dimensão geopolítica do julgamento. Moraes construiu um discurso de soberania judicial que busca blindar o processo contra interferências diplomáticas, sinalizando que a Corte não recuará diante de pressões internacionais.
O relator também enfatizou que os réus foram submetidos ao devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, prometendo condenação caso haja provas de culpabilidade, mas absolvição se houver "qualquer dúvida razoável".
Esta declaração busca antecipar críticas sobre parcialidade, construindo uma narrativa de lisura processual.
A Estratégia Acusatória de Paulo Gonet

O procurador-geral Paulo Gonet, com até duas horas para apresentar a acusação, centrou sua argumentação na caracterização de uma:
"trama conspiratória armada executada contra as instituições democráticas".
A PGR apresentou uma narrativa cronológica que situa o início do plano golpista em julho de 2021, durante reunião ministerial onde Bolsonaro teria conclamado auxiliares a atacarem o sistema eletrônico de votação.
A estratégia de Gonet revela sofisticação jurídica ao enquadrar os acusados como "núcleo crucial" de uma organização criminosa armada, utilizando a Lei 12.850/2013 que prevê penas mais severas para líderes de organizações criminosas. O procurador-geral conectou os eventos de 8 de janeiro aos planos anteriores, construindo uma linha narrativa de continuidade conspiratória.
Particularmente relevante foi a menção ao "Plano Punhal Verde Amarelo", que visava eliminar Lula, Alckmin e o próprio Alexandre de Moraes. Esta revelação amplifica a gravidade das acusações, transformando o caso de tentativa de golpe em conspiração para assassinato de autoridades.
Dimensão Política e Institucional
O julgamento ocorre em um contexto político complexo, onde a democracia brasileira busca demonstrar sua capacidade de autorregeneração através das instituições. A presença de apenas um réu na sessão inicial - contrastando com a ausência de Bolsonaro e demais acusados - simboliza a distância entre os investigados e o processo que pode determinar seus destinos políticos.
A transmissão ao vivo pela TV e Rádio Justiça demonstra a estratégia de transparência do STF, buscando legitimidade através da publicidade dos atos. Esta escolha política visa neutralizar narrativas de "julgamento às escuras" que poderiam alimentar teorias conspiratórias.

A composição da Primeira Turma - com Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino - sugere um colegiado com maioria favorável à condenação, baseando-se nas posições públicas anteriores destes ministros sobre os eventos investigados.
Expectativas para as Defesas
A tarde reserva o momento mais delicado do processo: as sustentações das defesas, com uma hora para cada advogado. As estratégias defensivas provavelmente se concentrarão em três eixos principais:
Questionamento da Materialidade
As defesas devem atacar a caracterização dos atos como tentativa efetiva de golpe, argumentando que se trataram de manifestações políticas legítimas ou exercício do direito de petição. A ausência de uso efetivo da força será provavelmente explorada para descaracterizar a tentativa de "abolição violenta do Estado Democrático de Direito".
Negativa de Organização Criminosa
Espera-se argumentação sobre a inexistência de estrutura hierárquica permanente para práticas criminosas, tentando descaracterizar a organização criminosa armada. As defesas podem alegar que reuniões e conversas constituíram exercício normal de funções governamentais.
Nulidades Processuais
Provável questionamento sobre a imparcialidade de Alexandre de Moraes, dado seu papel anterior como vítima dos supostos planos de assassinato. As defesas podem arguir suspeição ou impedimento do relator.
Cenários Políticos Futuros
A previsão de conclusão do julgamento até 12 de setembro cria uma janela temporal que pode influenciar a dinâmica política nacional. Uma eventual condenação de Bolsonaro consolidaria sua inelegibilidade e redefinira o campo político conservador, fortalecendo candidaturas alternativas dentro da direita.
Por outro lado, uma absolvição - cenário considerado menos provável pelos analistas - poderia fortalecer narrativas de perseguição política e revitalizar o bolsonarismo para 2026.
O julgamento representa, fundamentalmente, um teste de resistência das instituições democráticas brasileiras. O STF busca demonstrar que nem mesmo ex-presidentes estão acima da lei, estabelecendo precedente crucial para a consolidação democrática.
A reação da comunidade internacional, particularmente dos Estados Unidos, será determinante para avaliar o sucesso da estratégia de soberania judicial adotada por Moraes. O Brasil testa sua capacidade de conduzir processos políticos sensíveis sem subordinação a pressões externas.
Este julgamento histórico marca, assim, não apenas o destino judicial de oito acusados, mas o próprio futuro da democracia brasileira e sua capacidade de se defender através das instituições republicanas.




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