Defesa de Ramagem aposta em questões processuais diante de evidências robustas da PGR
- Raul Silva
- há 1 dia
- 5 min de leitura
A sustentação oral apresentada pelo advogado Dr. Paulo Renato Garcia Cintra Pinto em defesa de Alexandre Ramagem revela uma estratégia defensiva centrada principalmente em aspectos processuais e na tentativa de desqualificar provas, em contraste com o robusto conjunto probatório apresentado pela Procuradoria-Geral da República. A análise dos argumentos expostos no julgamento do núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado evidencia as fragilidades de uma defesa que enfrenta acusações lastreadas em documentos, mensagens e depoimentos detalhados.

A estratégia do contraditório insuficiente
O cerne da defesa de Ramagem concentrou-se em duas linhas principais: questionar a validade de provas constantes do relatório da PET 11108 e negar a transmissão de documentos ao então presidente Jair Bolsonaro.
"Os fatos, os elementos de informação que dão suporte a esses fatos, segundo a descrição apresentada pela autoridade policial, não foram objeto de contraditório nesta ação penal", argumentou Dr. Paulo Renato, alegando que "não houve assim momento hábil para que a defesa produzisse contraprova em relação a esses fatos".
Essa estratégia, contudo, esbarra na solidez das evidências apresentadas pela PGR. A denúncia detalha minuciosamente como Ramagem construiu e direcionou mensagens que foram sistematicamente replicadas por Bolsonaro a partir de 29 de julho de 2021. O documento "Presidente TSE informa.docx", encontrado em posse de Ramagem, continha metadados de criação em 10.7.2021 e modificação final em 27.7.2021, exatos dois dias antes da live presidencial que deflagrou os ataques sistemáticos ao sistema eleitoral.

Documentos que falam por si
A defesa sustentou que
"não há elementos nos autos, elementos de informação, elementos de prova que demonstrem que esses documentos tenham sido transmitidos ou entregues ao então presidente da República".
No entanto, a PGR apresenta evidências contundentes do contrário. A convergência entre o arquivo de Ramagem e mensagens encontradas em diálogo com interlocutor identificado como "JB 01 8" - claramente o presidente Bolsonaro - desmonta essa linha argumentativa.
O próprio conteúdo dos documentos revela orientações diretas ao presidente.
"Por tudo que tenho pesquisado, mantenho total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018", escrevia Ramagem em primeira pessoa, acrescentando: "Resta somente trazê-la novamente e constantemente. A exposição do advogado dos peritos e técnicos já espanca qualquer credibilidade da urna."

A questão do voto auditável como cortina de fumaça
Dr. Paulo Renato tentou legitimar as ações de Ramagem argumentando que:
"até então essa questão estava sendo discutida legitimamente no âmbito do Congresso Nacional e havia várias postagens públicas de Alexandre Ramagem em defesa do voto auditável".
O ministro Luiz Fux, durante a sessão, ofereceu uma perspectiva histórica valiosa, revelando ter sido ele próprio quem "sepultou o voto impresso no Brasil" como relator, demonstrando conhecimento técnico sobre as falhas do sistema.
A contextualização do ministro Fux expôs a fragilidade desse argumento defensivo:
"Eu era promotor na minha primeira cidade e aí naquela votação que marca, não era bem um voto impresso, mas apareceu uma pessoa dizendo para mim: 'Promotor, eu vou matar minha família. Por quê? Eu só tive um voto na urna'".
A experiência prática do magistrado evidencia que a defesa do voto impresso por Ramagem transcendia questões técnicas legítimas.
A "ABIN paralela" e suas implicações
A defesa tentou minimizar o papel de Ramagem na estruturação do que a PGR denomina "ABIN paralela", argumentando sobre a legitimidade de atividades de inteligência. Contudo, as evidências apresentadas na denúncia revelam um sistema coordenado de monitoramento ilegal e produção de desinformação. A PGR detalha como "o grupo se valia indevidamente da estrutura de inteligência do Estado" e que "os mesmos alvos apontados publicamente pelo então Presidente da República eram simultaneamente atingidos de forma virtual, com a criação e multiplicação de notícias falsas".
O sistema FIRST MILE, mencionado pela defesa como ferramenta legítima, era utilizado para "obter a localização dos personagens-alvo que, de alguma forma, contrariavam os interesses da organização criminosa", segundo a PGR. O usuário GCL, utilizado por subordinado de Ramagem, foi responsável por 887 pesquisas no sistema, muitas claramente sem justificativa de Estado.

O equívoco estratégico da procuradoria
A defesa tentou capitalizar sobre um erro da PGR nas alegações finais, quando esta confundiu log de acesso ao sistema com acesso às dependências físicas da ABIN. Dr. Paulo Renato destacou que:
"o próprio Ministério Público Federal teve dificuldade em analisá-los", referindo-se aos elementos do relatório da PET 11108.
Embora o erro seja factual, representa estratégia arriscada, pois evidencia a vastidão das provas contra seu cliente - tanto que até a acusação teve dificuldades para processar todo o material probatório no tempo disponível.
Fragilidades estruturais da defesa
A estratégia defensiva de Ramagem revela fragilidades fundamentais quando confrontada com as evidências da PGR. Primeiro, concentra-se excessivamente em aspectos processuais enquanto as provas materiais permanecem sem refutação consistente. Segundo, a tentativa de negar a transmissão de documentos contrasta com evidências técnicas e rastros digitais detalhados na denúncia.
Terceiro, e mais importante, a defesa não oferece explicação plausível para a coincidência temporal entre a criação/modificação dos documentos de Ramagem e os pronunciamentos públicos de Bolsonaro. A PGR demonstra que o arquivo "Presidente TSE informa.docx" foi modificado pela última vez em 27.7.2021, exatos dois dias antes da live presidencial de 29.7.2021 que inaugurou os ataques sistemáticos ao sistema eleitoral.
As anotações encontradas com Augusto Heleno corroboram o papel central de Ramagem na articulação da estratégia. A agenda apreendida registra "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações" e "é válido continuar a criticar a urna eletrônica", demonstrando planejamento coordenado que transcende coincidências ou ações isoladas.
A convergência entre os documentos de Heleno e Ramagem, detalhada pela PGR,
"confirmam que os múltiplos ataques disseminados por JAIR MESSIAS BOLSONARO ao processo eleitoral e às instituições democráticas, a partir do dia 29.7.2021, não foram aleatórios e representavam a primeira etapa de um plano de permanência no poder com desprezo das estruturas constitucionais".

Estratégia defensiva insuficiente
A defesa de Alexandre Ramagem, embora tecnicamente estruturada, mostra-se insuficiente diante da robustez probatória apresentada pela PGR. A tentativa de desqualificar provas por questões processuais não responde adequadamente às evidências materiais que demonstram participação ativa na construção de narrativas falsas contra o sistema eleitoral e na estruturação de aparato paralelo de inteligência para fins político-partidários.
A estratégia defensiva falha ao não oferecer explicações consistentes para as coincidências temporais, os metadados dos arquivos, os diálogos interceptados e a convergência documental com outros membros da organização criminosa. Diante de acusações de tamanha gravidade - tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito - argumentos centrados em aspectos processuais revelam-se manifestamente desproporcionais ao conjunto probatório apresentado.
O julgamento prossegue, mas as sustentações do primeiro dia evidenciam o desafio enfrentado pelas defesas: como refutar evidências documentais detalhadas, convergentes e cronologicamente organizadas que demonstram participação consciente em projeto de ruptura democrática. A resposta oferecida pela defesa de Ramagem sugere que essa tarefa pode ser mais árdua do que se antecipava.
Comentários