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PEC da Blindagem institucionalizada: Câmara faz história ao votar por um Brasil onde corruptos são inatingíveis e a Justiça, refém do Congresso

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • 17 de set.
  • 6 min de leitura

Como surgiu a PEC da Blindagem e quem são seus verdadeiros beneficiários


Na madrugada de 16 de fevereiro de 2021, uma operação da Polícia Federal mudaria para sempre o curso da política brasileira. Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, agentes prenderam em flagrante o deputado federal Daniel Silveira (então PSL-RJ) em sua residência no Rio de Janeiro. O crime: ataques frontais, ameaças e incitação à violência contra ministros da mais alta Corte do país através de um vídeo publicado nas redes sociais.


Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, em Brasília, em 02/04/2025 — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, em Brasília, em 02/04/2025 — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

O que Silveira não imaginava é que sua prisão se tornaria o estopim para a criação da mais audaciosa tentativa de blindagem parlamentar da história republicana brasileira: a PEC da Blindagem. Uma proposta que, quatro anos e sete meses depois, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em setembro de 2025, com o objetivo explícito de proteger parlamentares corruptos das investigações da Justiça.


O nascimento de um Projeto de Impunidade



Arthur Lira - Sergio Lima / AFP
Arthur Lira - Sergio Lima / AFP

Apenas nove dias após a prisão de Daniel Silveira, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já articulava nos bastidores a resposta que se tornaria conhecida como "PEC da Blindagem". Em conversas na residência oficial da presidência da Câmara e em seu gabinete, Lira reuniu o grupo que o ajudou a se eleger para comandar a Casa e decidiu que a PEC seria uma forma de dar um "basta" no Supremo, sob o risco de outros deputados acabarem presos por ordem de Alexandre de Moraes.


A proposta original foi apresentada por Celso Sabino, deputado que era do PSDB-PA em 2021 e hoje é ministro do Turismo pelo União Brasil. Mas desde o início ficou claro que o verdadeiro articulador e mentor intelectual da blindagem era Arthur Lira, que transformou a reação corporativista em sua principal bandeira política.


O estratagema era simples e revelador: criar uma barreira legal intransponível entre os parlamentares corruptos e as investigações do STF. Na prática, a PEC tornaria quase nulos os caminhos para punir judicialmente um congressista, alterando dispositivos fundamentais da Constituição de 1988.


A farsa do "retorno à Constituição Original"


Um dos pontos mais desonestos da narrativa construída pelos defensores da PEC é a afirmação de que ela apenas "retoma o texto original da Constituição de 1988". Esta é uma mentira deliberada que precisa ser desmascarada com fatos históricos irrefutáveis.


A Constituição promulgada em 1988 não previa votação secreta para autorizar processos contra parlamentares. Este mecanismo foi criado posteriormente e revogado pelo próprio Congresso em 2001, devido às críticas sobre a impunidade que gerava. Entre 1988 e 2001, período em que vigorou a regra da autorização prévia, apenas um parlamentar foi processado criminalmente de 254 pedidos encaminhados ao Congresso - uma taxa de impunidade de 99,6%.


A PEC aprovada em 2025 não apenas ressuscita essa blindagem histórica, mas a amplia significativamente. O texto atual inclui:


  • Votação secreta obrigatória para autorizar processos (inexistente no texto original de 1988)

  • Foro privilegiado para presidentes de partidos (nova proteção que beneficia figuras como Valdemar Costa Neto)

  • Restrições ainda maiores à prisão de parlamentares

  • Prazo de 90 dias para análise dos pedidos, com possibilidade de engavetamento indefinido


O Centrão e sua Máquina de Corrupção


A aprovação da PEC da Blindagem não foi um acidente ou uma reação espontânea. Foi o resultado de uma operação meticulosamente planejada pelo Centrão - bloco de partidos conservadores formado principalmente por PP, União Brasil, Republicanos e MDB - para proteger um sistema de corrupção bilionário centrado no desvio de emendas parlamentares.


Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Arthur Lira, o principal arquiteto desta engenharia de impunidade, comandou a Câmara de 2021 a 2025 sob constante suspeita de irregularidades. Durante sua gestão, explodiram os escândalos das "emendas PIX" e do "orçamento secreto", esquemas que movimentaram dezenas de bilhões de reais sem transparência ou rastreabilidade.


Quando Hugo Motta (Republicanos-PB) assumiu a presidência da Câmara em 2025, herdou não apenas o cargo, mas também a missão de blindar o sistema criado por Lira. A escolha de Claudio Cajado (PP-BA) como relator da PEC não foi coincidência: Cajado é aliado histórico de Lira e representa os interesses do Centrão na proteção de seus esquemas.


O Motim de agosto: chantagem explícita


O episódio que precipitou a aprovação da PEC foi o motim organizado por deputados bolsonaristas nos dias 5 e 6 de agosto de 2025. Após a decisão de Alexandre de Moraes de manter Jair Bolsonaro em prisão domiciliar por obstrução da Justiça, parlamentares do PL e aliados ocuparam fisicamente a Mesa Diretora da Câmara, impedindo o funcionamento da Casa por dois dias consecutivos.


Deputados da oposição obstruindo os trabalhos do Congresso em Julho de 2025 - Foto: Reprodução de Redes Sociais
Deputados da oposição obstruindo os trabalhos do Congresso em Julho de 2025 - Foto: Reprodução de Redes Sociais

A lista dos 14 deputados denunciados pelo motim é um retrato fiel da base política que sustenta os esquemas de corrupção:


Deputados denunciados por quebra de decoro:

  • Marcos Pollon (PL-MS)

  • Zé Trovão (PL-SC)

  • Júlia Zanatta (PL-SC)

  • Marcel van Hattem (Novo-RS)

  • Paulo Bilynskyj (PL-SP)

  • Sóstenes Cavalcante (PL-RJ)

  • Nikolas Ferreira (PL-MG)

  • Zucco (PL-RS)

  • Allan Garcês (PP-TO)

  • Caroline de Toni (PL-SC)

  • Marco Feliciano (PL-SP)

  • Bia Kicis (PL-DF)

  • Domingos Sávio (PL-MG)

  • Carlos Jordy (PL-RJ)


Hugo Motta, em vez de punir exemplarmente os golpistas, usou o episódio como moeda de troca. O acordo foi explícito: em troca de não suspender os deputados do motim, o Centrão aceleraria a tramitação da PEC da Blindagem e, como contrapartida, barraria a tramitação de qualquer proposta de anistia para Bolsonaro.


Não foi coincidência que a PEC da Blindagem tenha sido aprovada exatamente no momento em que as investigações do STF sobre desvios em emendas parlamentares atingiram seu auge. Em setembro de 2025, véspera da votação, o ministro Flávio Dino suspendeu R$ 670 milhões em emendas com "indícios de crimes" e determinou que a Polícia Federal investigasse irregularidades em nove dos dez municípios que mais receberam emendas PIX.


Os dados são escandolosos: entre 2020 e 2024, mais de R$ 17,5 bilhões foram transferidos através das emendas PIX sem transparência adequada. A Controladoria-Geral da União identificou superfaturamento, contratação de empresas fantasmas, desvio de finalidade e uma série de crimes que beneficiaram diretamente os parlamentares que votaram a favor da blindagem.


Os verdadeiros beneficiários


A análise dos deputados que votaram favoravelmente à PEC revela um padrão cristalino: os partidos com mais investigados são exatamente aqueles que deram maior apoio à blindagem. O PL de Bolsonaro, com 94,3% de apoio (83 de 88 deputados), tem pelo menos quatro parlamentares réus por organização criminosa e corrupção passiva.

Entre os beneficiários diretos estão:


Eduardo Bolsonaro (PL-SP): Investigado por três crimes, incluindo coação e obstrução da Justiça. Votou a favor da PEC que pode protegê-lo de futuras condenações.


Josimar Maranhãozinho (PL-MA): Réu por organização criminosa e corrupção passiva, acusado de receber R$ 1,6 milhão em propina. Votou pela blindagem.


Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE): Ambos réus no mesmo esquema de Maranhãozinho, também votaram a favor de sua própria proteção.


Juscelino Filho (União-MA): Ex-ministro das Comunicações denunciado por seis crimes, incluindo corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo R$ 10 milhões em emendas desviadas.


O texto final aprovado pela Câmara representa uma obra-prima da engenharia jurídica voltada para a impunidade. Sob a relatoria de Claudio Cajado, a PEC estabelece:


  1. Votação secreta obrigatória para autorizar qualquer processo contra parlamentar

  2. Prazo de 90 dias para análise, com possibilidade de engavetamento indefinido

  3. Maioria absoluta necessária para autorizar processos (257 deputados ou 41 senadores)

  4. Foro privilegiado estendido a presidentes de partidos

  5. Restrição extrema à prisão de parlamentares


Na prática, isso significa que parlamentares corruptos poderão barrar investigações contra si mesmos através do voto dos próprios pares, criando um sistema de proteção mútua que torna quase impossível a responsabilização criminal de congressistas.


Um aspecto particularmente revelador foi o comportamento de parlamentares que traíram as orientações de seus próprios partidos. Doze deputados do PT votaram a favor da PEC, contrariando frontalmente a orientação partidária e os princípios históricos de combate à corrupção.


Os 12 deputados do PT que votaram a favor da “PEC da Blindagem” na votação de 16/09/2025 (1º turno):


  • Airton Faleiro (PA)

  • Alfredinho (SP)

  • Dilvanda Faro (PA)

  • Francisco “Dr. Francisco” (PI)

  • Flávio Nogueira (PI)

  • Florentino Neto (PI)

  • Jilmar Tatto (SP)

  • Kiko Celeguim (SP)

  • Leonardo Monteiro (MG)

  • Merlong Solano (PI)

  • Odair Cunha (MG)

  • Paulo Guedes (MG)


Obs.: no 2º turno (ainda em 16/09), Airton Faleiro e Leonardo Monteiro mudaram o voto para “não”.


Estes deputados, cujos nomes devem ser lembrados pela história como colaboradores da impunidade, incluem parlamentares que se beneficiam diretamente de emendas parlamentares e temem futuras investigações sobre o uso desses recursos.


A reação do sistema de justiça


A aprovação da PEC representa uma declaração de guerra explícita ao sistema de Justiça brasileiro. Alexandre de Moraes e Flávio Dino, os dois ministros do STF mais ativos no combate à corrupção parlamentar, viram suas investigações serem frontalmente atacadas por uma maioria corrupta que legisla em causa própria.


O timing da aprovação - um dia após Dino suspender centenas de milhões em emendas suspeitas - não poderia ser mais revelador sobre as verdadeiras motivações dos parlamentares. Não se trata de defender "prerrogativas parlamentares", mas sim de blindar esquemas bilionários de corrupção.


A PEC da Blindagem não nasceu de uma preocupação legítima com o equilíbrio entre os poderes ou com as prerrogativas parlamentares. Ela é o produto de uma elite política corrupta que, acuada pelas investigações da Justiça, decidiu usar seu poder legislativo para se colocar acima da lei.


O que vimos em setembro de 2025 não foi o Parlamento defendendo a democracia, mas sim 353 deputados votando pela institucionalização da impunidade. Uma mancha que marca para sempre a história da Câmara dos Deputados e que deve ser lembrada por cada eleitor em 2026.


A próxima reportagem desta série revelará em detalhes quem são os deputados investigados que se beneficiarão diretamente desta blindagem, expondo os crimes pelos quais respondem e os valores envolvidos em seus esquemas de corrupção.


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