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Opinião – A aprovação do requerimento de urgência do PL da Anistia na Câmara dos Deputados marca um momento vergonhoso na política brasileira, revelando o tamanho da chantagem orquestrada por figuras como Paulinho da Força, Eduardo Bolsonaro e os partidos do centrão contra as instituições democráticas.


Por Raul Silva, para O estopim | 26 de setembro de 2025


Arthur Lira (PP-SE) e políticos aliados do chamado Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Arthur Lira (PP-SE) e políticos aliados do chamado Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Com 70% de desaprovação ao trabalho da Câmara e clara rejeição popular à PEC da Blindagem, os parlamentares não apenas ignoram a vontade do povo, mas ainda ousam disfarçar seus crimes de anistia como "dosimetria" – um eufemismo covarde para perdoar golpistas. A manobra de Paulinho da Força deixa explícita a natureza chantagista da operação: se não aprovarem a "dosimetria", ele transformará tudo numa anistia ampla. O relator admite abertamente que "Bolsonaro vai ser beneficiado" e que o projeto "tem que beneficiar a todos", incluindo o ex-presidente condenado a 27 anos de prisão. Esta não é negociação – é extorsão pura contra a democracia brasileira.


Eduardo Bolsonaro, mesmo com o próprio partido rejeitando a PEC da Blindagem no Senado, continua atacando senadores que barraram a proposta, demonstrando o desespero da extrema-direita em blindar seus crimes. O deputado chama de "serviçais complacentes dos tiranos" justamente aqueles que defenderam as instituições democráticas contra suas investidas autoritárias.


A hipocrisia do centrão atinge níveis grotescos quando analisamos os votos na PEC da Blindagem e no PL da Anistia. O PP (Progressistas) teve 38 deputados votando a favor da PEC da Blindagem e 43 apoiando a urgência da anistia, com seu deputado Claudio Cajado sendo o próprio relator da blindagem. É um partido que se vende ao melhor ofertante, demonstrando absoluta falta de princípios democráticos. O União Brasil confirmou sua natureza oportunista com 54 votos pela blindagem e 49 pela anistia, mostrando coesão apenas na defesa dos interesses escusos. Mudaram de posição apenas quando sentiram a pressão das ruas, revelando oportunismo puro e total desrespeito pela coerência política.


O Republicanos manteve 42 votos pela blindagem e 40 pela anistia, sustentando fidelidade aos interesses anti-democráticos. Hugo Motta, do partido, escolheu Paulinho da Força como relator, demonstrando cumplicidade total com o projeto golpista. O PSD, partido da Governadora de Pernambuco Raquel Lyra, apareceu dividido na blindagem com 25 votos a favor e 18 contra, mas se unificou com 28 votos pela anistia, mostrando que a divisão interna não impediu o apoio majoritário aos golpistas quando realmente importava. O MDB, sempre fiel à tradição de apoiar qualquer medida que beneficie o poder estabelecido, contribuiu com 21 votos pela anistia.


A extrema-direita organizou-se de forma ainda mais disciplinada, com o PL sendo unânime em suas posições: 83 deputados votaram pela blindagem e 85 pela anistia. Zero votos contrários em ambas as ocasiões, demonstrando disciplina férrea na defesa dos interesses bolsonaristas. Mesmo quando seus próprios senadores recuaram no Senado por pressão popular, a bancada da Câmara manteve fidelidade absoluta ao projeto golpista. Outros partidos da extrema-direita como o PRD, com 5 votos pela anistia sem qualquer oposição interna, também se alinharam completamente aos interesses antidemocráticos.


Os números da pesquisa são cristalinos e reveladores da indignação popular: 70% de desaprovação ao trabalho da Câmara e clara rejeição à blindagem parlamentar. Mesmo assim, 311 deputados ignoraram solenemente a vontade popular para aprovar a urgência da anistia aos golpistas. A pesquisa Ipespe revela que a população brasileira não é ingênua: 58% dos eleitores rejeitam Bolsonaro entre eleitores de centro, 77% entre eleitores de Lula, e a avaliação é majoritariamente negativa entre pobres (52%) e classe média (51%). O povo sabe identificar quem são os verdadeiros inimigos da democracia, mas ainda precisa demonstrar essa consciência nas urnas.


Aqui reside a maior contradição brasileira: o mesmo eleitorado que desaprova essas medidas antidemocráticas continua votando nos mesmos partidos e políticos que as promovem. Não adianta se indignar hoje se amanhã voltaremos a eleger deputados do PP, União Brasil, Republicanos, PSD, MDB e PL. A população reclama da blindagem parlamentar mas elege os parlamentares que a aprovam. Protesta contra a anistia aos golpistas mas vota nos partidos que a defendem. Esta incoerência eleitoral é exatamente o que permite que a chantagem continue funcionando de forma eficaz.


A eleição de 2026 representa a oportunidade histórica de promover uma verdadeira limpeza no Congresso Nacional, mas isso exige consciência e coerência eleitoral do povo brasileiro. Cada voto dado aos partidos que apoiaram a blindagem e a anistia é, na prática, um voto contra a democracia brasileira. É preciso consciência eleitoral para não repetir os mesmos erros que nos trouxeram até este momento de chantagem institucional. Não se pode votar em candidatos do PL, partido que foi unânime na defesa da blindagem e da anistia, mantendo fidelidade absoluta aos interesses bolsonaristas mesmo com Bolsonaro condenado pela Justiça.


É necessário rejeitar completamente o Centrão: PP, União Brasil, Republicanos, PSD e MDB provaram ser absolutamente relativistas na defesa da democracia, mudando de posição apenas quando é conveniente politicamente. Deve-se identificar e rejeitar os políticos oportunistas que ora apoiam o governo, ora se alinham com golpistas, dependendo exclusivamente da conveniência do momento e dos interesses pessoais.


O Brasil não será verdadeiramente democratizado enquanto o eleitorado mantiver a esquizofrenia política de reprovar medidas antidemocráticas mas eleger sistematicamente seus promotores. A chantagem de Paulinho da Força, as investidas golpistas de Eduardo Bolsonaro e o oportunismo desenfreado do centrão só funcionam porque sabem que o povo brasileiro tem memória curta na hora do voto e não consegue estabelecer a necessária conexão entre indignação e ação eleitoral.


A verdadeira blindagem que o Brasil precisa não é a parlamentar – é a blindagem eleitoral contra políticos que atentam sistematicamente contra a democracia. Enquanto não tivermos a coragem coletiva de aplicar essa medicina amarga nas urnas, continuaremos eternamente prisioneiros do círculo vicioso que mantém no poder justamente aqueles que nos traem diariamente no Congresso Nacional. A responsabilidade é integralmente nossa: de cada eleitor que, indignado hoje com a chantagem parlamentar, precisa ser absolutamente coerente amanhã na urna eletrônica. Só assim quebraremos definitivamente a chantagem institucionalizada e começaremos a verdadeira limpeza democrática que o Brasil tanto necessita e merece para se tornar uma nação verdadeiramente livre e democrática.

 
 
 

Como surgiu a PEC da Blindagem e quem são seus verdadeiros beneficiários


Na madrugada de 16 de fevereiro de 2021, uma operação da Polícia Federal mudaria para sempre o curso da política brasileira. Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, agentes prenderam em flagrante o deputado federal Daniel Silveira (então PSL-RJ) em sua residência no Rio de Janeiro. O crime: ataques frontais, ameaças e incitação à violência contra ministros da mais alta Corte do país através de um vídeo publicado nas redes sociais.


Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, em Brasília, em 02/04/2025 — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, em Brasília, em 02/04/2025 — Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

O que Silveira não imaginava é que sua prisão se tornaria o estopim para a criação da mais audaciosa tentativa de blindagem parlamentar da história republicana brasileira: a PEC da Blindagem. Uma proposta que, quatro anos e sete meses depois, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em setembro de 2025, com o objetivo explícito de proteger parlamentares corruptos das investigações da Justiça.


O nascimento de um Projeto de Impunidade



Arthur Lira - Sergio Lima / AFP
Arthur Lira - Sergio Lima / AFP

Apenas nove dias após a prisão de Daniel Silveira, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já articulava nos bastidores a resposta que se tornaria conhecida como "PEC da Blindagem". Em conversas na residência oficial da presidência da Câmara e em seu gabinete, Lira reuniu o grupo que o ajudou a se eleger para comandar a Casa e decidiu que a PEC seria uma forma de dar um "basta" no Supremo, sob o risco de outros deputados acabarem presos por ordem de Alexandre de Moraes.


A proposta original foi apresentada por Celso Sabino, deputado que era do PSDB-PA em 2021 e hoje é ministro do Turismo pelo União Brasil. Mas desde o início ficou claro que o verdadeiro articulador e mentor intelectual da blindagem era Arthur Lira, que transformou a reação corporativista em sua principal bandeira política.


O estratagema era simples e revelador: criar uma barreira legal intransponível entre os parlamentares corruptos e as investigações do STF. Na prática, a PEC tornaria quase nulos os caminhos para punir judicialmente um congressista, alterando dispositivos fundamentais da Constituição de 1988.


A farsa do "retorno à Constituição Original"


Um dos pontos mais desonestos da narrativa construída pelos defensores da PEC é a afirmação de que ela apenas "retoma o texto original da Constituição de 1988". Esta é uma mentira deliberada que precisa ser desmascarada com fatos históricos irrefutáveis.


A Constituição promulgada em 1988 não previa votação secreta para autorizar processos contra parlamentares. Este mecanismo foi criado posteriormente e revogado pelo próprio Congresso em 2001, devido às críticas sobre a impunidade que gerava. Entre 1988 e 2001, período em que vigorou a regra da autorização prévia, apenas um parlamentar foi processado criminalmente de 254 pedidos encaminhados ao Congresso - uma taxa de impunidade de 99,6%.


A PEC aprovada em 2025 não apenas ressuscita essa blindagem histórica, mas a amplia significativamente. O texto atual inclui:


  • Votação secreta obrigatória para autorizar processos (inexistente no texto original de 1988)

  • Foro privilegiado para presidentes de partidos (nova proteção que beneficia figuras como Valdemar Costa Neto)

  • Restrições ainda maiores à prisão de parlamentares

  • Prazo de 90 dias para análise dos pedidos, com possibilidade de engavetamento indefinido


O Centrão e sua Máquina de Corrupção


A aprovação da PEC da Blindagem não foi um acidente ou uma reação espontânea. Foi o resultado de uma operação meticulosamente planejada pelo Centrão - bloco de partidos conservadores formado principalmente por PP, União Brasil, Republicanos e MDB - para proteger um sistema de corrupção bilionário centrado no desvio de emendas parlamentares.


Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Centrão - Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Arthur Lira, o principal arquiteto desta engenharia de impunidade, comandou a Câmara de 2021 a 2025 sob constante suspeita de irregularidades. Durante sua gestão, explodiram os escândalos das "emendas PIX" e do "orçamento secreto", esquemas que movimentaram dezenas de bilhões de reais sem transparência ou rastreabilidade.


Quando Hugo Motta (Republicanos-PB) assumiu a presidência da Câmara em 2025, herdou não apenas o cargo, mas também a missão de blindar o sistema criado por Lira. A escolha de Claudio Cajado (PP-BA) como relator da PEC não foi coincidência: Cajado é aliado histórico de Lira e representa os interesses do Centrão na proteção de seus esquemas.


O Motim de agosto: chantagem explícita


O episódio que precipitou a aprovação da PEC foi o motim organizado por deputados bolsonaristas nos dias 5 e 6 de agosto de 2025. Após a decisão de Alexandre de Moraes de manter Jair Bolsonaro em prisão domiciliar por obstrução da Justiça, parlamentares do PL e aliados ocuparam fisicamente a Mesa Diretora da Câmara, impedindo o funcionamento da Casa por dois dias consecutivos.


Deputados da oposição obstruindo os trabalhos do Congresso em Julho de 2025 - Foto: Reprodução de Redes Sociais
Deputados da oposição obstruindo os trabalhos do Congresso em Julho de 2025 - Foto: Reprodução de Redes Sociais

A lista dos 14 deputados denunciados pelo motim é um retrato fiel da base política que sustenta os esquemas de corrupção:


Deputados denunciados por quebra de decoro:

  • Marcos Pollon (PL-MS)

  • Zé Trovão (PL-SC)

  • Júlia Zanatta (PL-SC)

  • Marcel van Hattem (Novo-RS)

  • Paulo Bilynskyj (PL-SP)

  • Sóstenes Cavalcante (PL-RJ)

  • Nikolas Ferreira (PL-MG)

  • Zucco (PL-RS)

  • Allan Garcês (PP-TO)

  • Caroline de Toni (PL-SC)

  • Marco Feliciano (PL-SP)

  • Bia Kicis (PL-DF)

  • Domingos Sávio (PL-MG)

  • Carlos Jordy (PL-RJ)


Hugo Motta, em vez de punir exemplarmente os golpistas, usou o episódio como moeda de troca. O acordo foi explícito: em troca de não suspender os deputados do motim, o Centrão aceleraria a tramitação da PEC da Blindagem e, como contrapartida, barraria a tramitação de qualquer proposta de anistia para Bolsonaro.


Não foi coincidência que a PEC da Blindagem tenha sido aprovada exatamente no momento em que as investigações do STF sobre desvios em emendas parlamentares atingiram seu auge. Em setembro de 2025, véspera da votação, o ministro Flávio Dino suspendeu R$ 670 milhões em emendas com "indícios de crimes" e determinou que a Polícia Federal investigasse irregularidades em nove dos dez municípios que mais receberam emendas PIX.


Os dados são escandolosos: entre 2020 e 2024, mais de R$ 17,5 bilhões foram transferidos através das emendas PIX sem transparência adequada. A Controladoria-Geral da União identificou superfaturamento, contratação de empresas fantasmas, desvio de finalidade e uma série de crimes que beneficiaram diretamente os parlamentares que votaram a favor da blindagem.


Os verdadeiros beneficiários


A análise dos deputados que votaram favoravelmente à PEC revela um padrão cristalino: os partidos com mais investigados são exatamente aqueles que deram maior apoio à blindagem. O PL de Bolsonaro, com 94,3% de apoio (83 de 88 deputados), tem pelo menos quatro parlamentares réus por organização criminosa e corrupção passiva.

Entre os beneficiários diretos estão:


Eduardo Bolsonaro (PL-SP): Investigado por três crimes, incluindo coação e obstrução da Justiça. Votou a favor da PEC que pode protegê-lo de futuras condenações.


Josimar Maranhãozinho (PL-MA): Réu por organização criminosa e corrupção passiva, acusado de receber R$ 1,6 milhão em propina. Votou pela blindagem.


Pastor Gil (PL-MA) e Bosco Costa (PL-SE): Ambos réus no mesmo esquema de Maranhãozinho, também votaram a favor de sua própria proteção.


Juscelino Filho (União-MA): Ex-ministro das Comunicações denunciado por seis crimes, incluindo corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo R$ 10 milhões em emendas desviadas.


O texto final aprovado pela Câmara representa uma obra-prima da engenharia jurídica voltada para a impunidade. Sob a relatoria de Claudio Cajado, a PEC estabelece:


  1. Votação secreta obrigatória para autorizar qualquer processo contra parlamentar

  2. Prazo de 90 dias para análise, com possibilidade de engavetamento indefinido

  3. Maioria absoluta necessária para autorizar processos (257 deputados ou 41 senadores)

  4. Foro privilegiado estendido a presidentes de partidos

  5. Restrição extrema à prisão de parlamentares


Na prática, isso significa que parlamentares corruptos poderão barrar investigações contra si mesmos através do voto dos próprios pares, criando um sistema de proteção mútua que torna quase impossível a responsabilização criminal de congressistas.


Um aspecto particularmente revelador foi o comportamento de parlamentares que traíram as orientações de seus próprios partidos. Doze deputados do PT votaram a favor da PEC, contrariando frontalmente a orientação partidária e os princípios históricos de combate à corrupção.


Os 12 deputados do PT que votaram a favor da “PEC da Blindagem” na votação de 16/09/2025 (1º turno):


  • Airton Faleiro (PA)

  • Alfredinho (SP)

  • Dilvanda Faro (PA)

  • Francisco “Dr. Francisco” (PI)

  • Flávio Nogueira (PI)

  • Florentino Neto (PI)

  • Jilmar Tatto (SP)

  • Kiko Celeguim (SP)

  • Leonardo Monteiro (MG)

  • Merlong Solano (PI)

  • Odair Cunha (MG)

  • Paulo Guedes (MG)


Obs.: no 2º turno (ainda em 16/09), Airton Faleiro e Leonardo Monteiro mudaram o voto para “não”.


Estes deputados, cujos nomes devem ser lembrados pela história como colaboradores da impunidade, incluem parlamentares que se beneficiam diretamente de emendas parlamentares e temem futuras investigações sobre o uso desses recursos.


A reação do sistema de justiça


A aprovação da PEC representa uma declaração de guerra explícita ao sistema de Justiça brasileiro. Alexandre de Moraes e Flávio Dino, os dois ministros do STF mais ativos no combate à corrupção parlamentar, viram suas investigações serem frontalmente atacadas por uma maioria corrupta que legisla em causa própria.


O timing da aprovação - um dia após Dino suspender centenas de milhões em emendas suspeitas - não poderia ser mais revelador sobre as verdadeiras motivações dos parlamentares. Não se trata de defender "prerrogativas parlamentares", mas sim de blindar esquemas bilionários de corrupção.


A PEC da Blindagem não nasceu de uma preocupação legítima com o equilíbrio entre os poderes ou com as prerrogativas parlamentares. Ela é o produto de uma elite política corrupta que, acuada pelas investigações da Justiça, decidiu usar seu poder legislativo para se colocar acima da lei.


O que vimos em setembro de 2025 não foi o Parlamento defendendo a democracia, mas sim 353 deputados votando pela institucionalização da impunidade. Uma mancha que marca para sempre a história da Câmara dos Deputados e que deve ser lembrada por cada eleitor em 2026.


A próxima reportagem desta série revelará em detalhes quem são os deputados investigados que se beneficiarão diretamente desta blindagem, expondo os crimes pelos quais respondem e os valores envolvidos em seus esquemas de corrupção.


 
 
 

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Instituto Nacional do Seguro Social (CPMI do INSS), instalada em agosto de 2025, emerge em um contexto de fraudes bilionárias que atravessaram três governos e expõem uma teia complexa de interesses políticos, empresariais e corporativos. Longe de ser apenas uma investigação técnica, a CPMI revela-se como um teatro político onde alguns dos próprios protagonistas das irregularidades tentam controlar a narrativa e encobrir suas responsabilidades históricas.


Evolução dos descontos fraudulentos no INSS de 2016 a 2024, mostrando como o esquema cresceu durante diferentes governos
Evolução dos descontos fraudulentos no INSS de 2016 a 2024, mostrando como o esquema cresceu durante diferentes governos

A anatomia de um esquema bilionário


O esquema de fraudes no INSS representa uma das maiores sangrias de recursos públicos da história recente do Brasil. Entre 2019 e 2024, estima-se que R$ 6,3 bilhões foram desviados através de descontos irregulares nas aposentadorias e pensões de milhões de brasileiros. O prejuízo potencial pode chegar a R$ 10 bilhões considerando todo o período investigado.


A operação criminosa funcionava através de um sistema aparentemente legítimo de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) entre o INSS e entidades associativas. Essas organizações, muitas delas de fachada, descontavam mensalidades diretamente dos benefícios previdenciários sob o pretexto de oferecer serviços como assistência jurídica, odontológica e descontos comerciais.


A realidade, porém, era bem diferente. Investigações da Controladoria-Geral da União (CGU) revelaram que 97,6% dos beneficiários entrevistados afirmaram não ter autorizado os descontos. A falsificação de assinaturas era sistemática, com "fábricas" dedicadas exclusivamente à produção de documentos fraudulentos.


No centro do escândalo encontra-se a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), presidida pelo empresário mineiro Carlos Roberto Ferreira Lopes. A entidade, que se apresenta como defensora de indígenas e pequenos agricultores, é na verdade controlada por um proeminente pecuarista do agronegócio com extensos negócios pessoais.


Conafer - Foto: Reprodução
Conafer - Foto: Reprodução

A Conafer recebeu R$ 688 milhões em repasses do INSS até o começo de 2025, tornando-se a entidade que mais arrecadou através dos descontos fraudulentos. O crescimento da organização foi explosivo: passou de 231 mil associados em 2021 para 641 mil em 2023, representando um aumento de quase 180% em dois anos.


Durante a pandemia de COVID-19, quando os brasileiros enfrentavam suas maiores dificuldades, a Conafer promoveu a inclusão de descontos em 73.108 benefícios em apenas quatro meses (abril a julho de 2020), equivalente a aproximadamente 610 novos "filiados" por dia. Esse crescimento anômalo ocorreu justamente quando as agências do INSS estavam fechadas e os idosos tinham menor capacidade de detectar as fraudes.


A evolução histórica das fraudes


Governo Temer (2016-2018): As sementes da corrupção


Michel Temer - Getty Images
Michel Temer - Getty Images

As fraudes no INSS não surgiram do nada. Suas raízes remontam ao governo de Michel Temer, quando as bases legais e operacionais foram criadas ou flexibilizadas para permitir o esquema. Durante esse período, os descontos fraudulentos saltaram de R$ 413 milhões em 2016 para R$ 617 milhões em 2018.


Um marco crucial foi a implementação da "transformação digital" em 2017, que suspendeu o envio de extratos em papel e transferiu tudo para o aplicativo Meu INSS. Embora apresentada como modernização, essa medida deixou milhões de idosos sem meios eficazes de acompanhar seus descontos, criando um ambiente propício para as fraudes.


Já em 2016, servidores do INSS denunciavam repasses suspeitos a associações, mas essas denúncias foram sistematicamente abafadas. Um servidor responsável por contratos denunciou à Polícia Federal repasses irregulares a uma associação de peritos médicos, mas não apenas não houve investigação como o próprio denunciante foi transferido para um setor conhecido como "cemitério de elefantes brancos".


Governo Bolsonaro (2019-2022): A consolidação criminal


O ex-presidente Jair Bolsonaro  • 09/06/2025 - Ton Molina
O ex-presidente Jair Bolsonaro  • 09/06/2025 - Ton Molina

Se o governo Temer plantou as sementes, foi durante o mandato de Jair Bolsonaro que o esquema floresceu e se consolidou em escala industrial. Os números são eloquentes: os descontos fraudulentos mantiveram-se relativamente estáveis entre R$ 604 milhões em 2019 e R$ 706 milhões em 2022.


O período foi marcado por mudanças legislativas que facilitaram ainda mais as fraudes. A Medida Provisória 871/2019 inicialmente exigia renovação anual das autorizações de desconto, mas a Lei 14.438/2022, sancionada por Bolsonaro sem vetos, eliminou esse requisito de segurança. Como resumiu o ministro Wolney Queiroz: "Entre 2019 e 2022 é que o ladrão entra na casa".


Durante esse período, 10 das 11 entidades hoje investigadas pela Polícia Federal assinaram acordos de cooperação técnica com o INSS entre 2021 e 2022. Essa concentração não é coincidência, mas resultado de uma política deliberada de afrouxamento dos controles.


Governo Lula (2023-2025): A descoberta e o enfrentamento


Lula - Reprodução YouTube
Lula - Reprodução YouTube

Paradoxalmente, foi durante o terceiro governo Lula que tanto ocorreu a explosão final das fraudes quanto sua definitiva exposição e combate. Os números mostram um crescimento vertiginoso: de R$ 706 milhões em 2022 para R$ 1,2 bilhão em 2023 e impressionantes R$ 2,8 bilhões em 2024.


Esse crescimento aparentemente paradoxal explica-se pelo fato de que o governo Lula herdou um sistema completamente comprometido, com acordos fraudulentos já estabelecidos e mecanismos de controle destruídos pelos governos anteriores. As entidades continuaram operando com base nos contratos firmados anteriormente, mas agora em escala exponencial.


A diferença fundamental foi a resposta governamental. Enquanto os governos anteriores ignoraram ou facilitaram as fraudes, o governo Lula desencadeou a Operação Sem Desconto em abril de 2025, suspendeu todos os acordos suspeitos, bloqueou R$ 2,8 bilhões em bens dos fraudadores e já devolveu mais de R$ 1 bilhão aos aposentados lesados.


A rede de proteção interna


Uma das revelações mais chocantes das investigações é o nível de infiltração do esquema criminoso dentro do próprio INSS. A operação contava com uma rede de servidores estrategicamente posicionados que garantiam proteção e continuidade às fraudes.


Alessando Roosevelt
Alessando Roosevelt

Alessandro Roosevelt, diretor de benefícios do INSS, descobriu as irregularidades da Conafer em 2020 e tentou suspender os repasses. Ele identificou que a entidade havia incluído descontos em mais de 95 mil benefícios em apenas quatro meses, exigindo na prática a coleta de mais de 600 autorizações por dia. Roosevelt chegou a alertar o Ministério Público Federal sobre as irregularidades.


No entanto, sua investigação foi sabotada internamente. Em outubro de 2020, uma portaria assinada pelo então presidente do INSS Leonardo José Rolim retirou de Roosevelt a atribuição de fiscalizar a Conafer, transferindo-a para outra diretoria. A nova diretoria, chefiada por Jobson de Paiva Silveira Sales, rapidamente produziu uma nota técnica favorável à Conafer.


Os operadores da Fraude
Os operadores da Fraude

O papel de Jucimar Fonseca da Silva foi particularmente relevante. Conhecido como "Soldado do Proerd", Jucimar era ex-policial militar e ex-vereador pelo PR (atual PL) em Manacapuru, Amazonas. Como Chefe da Divisão de Consignação em Benefícios do INSS, ele liderou um comitê interno que "investigou" as suspeitas sobre a Conafer em 2022.


O relatório final de Jucimar, baseado apenas em documentos fornecidos pela própria Conafer, concluiu não haver "nem grave e nem iminente risco" nos descontos da entidade. Essa "investigação" ocorreu quando já havia um inquérito da Polícia Federal em andamento e múltiplos alertas internos sobre fraudes.


Ingrid Ambrozi, servidora da diretoria de Jobson de Paiva, produziu uma nota técnica defendendo a "presunção da boa-fé" em relação à Conafer. Sua análise, que não tinha poder de decisão mas influenciou fortemente o processo, baseou-se exclusivamente em documentos apresentados pela própria entidade investigada, considerando o "contexto da pandemia" como justificativa para as irregularidades.


A presença de Ingrid Ambrozi nos quadros do INSS desde pelo menos 2003 e sua ascensão a posições-chave coincidindo com o período de maior crescimento das fraudes levanta questões sobre a penetração de longo prazo do esquema na estrutura do órgão.


A CPMI como Cortina de Fumaça


A análise da composição e dos primeiros movimentos da CPMI revela sinais claros de que ela pode servir mais para encobrir responsabilidades do que para esclarecê-las. O senador Carlos Viana (Podemos-MG), eleito presidente da comissão, foi figura central na onda bolsonarista de 2018 e mantém posições críticas ao governo Lula.


Viana, que teve pouco protagonismo durante seu mandato, subitamente ganhou destaque ao assumir a presidência da CPMI. Suas declarações iniciais, embora prometendo "isenção", revelam um foco narrativo específico: concentrar as investigações no período mais recente (governo Lula) quando as fraudes se tornaram visíveis, evitando aprofundar as responsabilidades históricas dos governos que criaram e consolidaram o esquema.


Carlos Viana preside a CPMI, ao lado do vice-presidente, Duarte Jr., e do relator, Alfredo Gaspar - Fonte: Agência Senado
Carlos Viana preside a CPMI, ao lado do vice-presidente, Duarte Jr., e do relator, Alfredo Gaspar - Fonte: Agência Senado

Uma das principais estratégias da "cortina de fumaça" é inverter a narrativa temporal. Embora os dados mostrem claramente que as fraudes começaram no governo Temer e se consolidaram sob Bolsonaro, parte da comissão tenta focar exclusivamente no período 2023-2024, quando os números explodiam devido aos contratos fraudulentos já estabelecidos.


Como observou o deputado Pedro Campos (PSB-PE), líder do PSB na Câmara: "Vê-se um escândalo de corrupção que começou num governo e continuou no seguinte [...] Achar que o melhor lugar para investigar isso é dentro de uma CPI, no próprio Congresso Federal, não me parece inteligente. O que a gente vê, na verdade, é uma tentativa de criar uma cortina de fumaça".


A própria dinâmica da CPMI favorece essa inversão narrativa. Com mais de 800 requerimentos já apresentados, muitos focam exclusivamente em figuras do atual governo, como o irmão do presidente Lula, José Ferreira da Silva (Frei Chico), que é vice-presidente do Sindnapi, uma das entidades investigadas.


Analistas políticos alertam que a CPMI será marcada por "forte debate e tentativas de politização das investigações". Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP) chegou a alertar explicitamente para o risco de o governo usar a CPMI como "cortina de fumaça" para desviar a atenção das pautas da oposição.


O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) já sinalizou que usará a comissão para "cobrar investigações rigorosas", mas sem mencionar as responsabilidades históricas dos governos de direita que criaram as condições para o esquema.


As conexões políticas obscuras


Carlos Lopes
Carlos Lopes

A figura de Carlos Roberto Ferreira Lopes, presidente da Conafer, revela conexões profundas com o sistema político brasileiro. Além de ser um proeminente pecuarista do agronegócio, Lopes construiu uma rede de influência que atravessa diferentes espectros políticos.


Um de seus principais aliados é o senador Francisco Rodrigues (PSB-RR), a quem Lopes chama de "amigo e orientador". Rodrigues já foi flagrado com dinheiro na cueca em operação da Polícia Federal e defendeu o garimpo em terras indígenas. Seu avião foi flagrado circulando em garimpo ilegal em terra Yanomami em 2018.


Lopes também manteve relações próximas com diferentes governos. Em novembro de 2024, cinco meses antes da Operação Sem Desconto, ele assinou um Protocolo de Intenções com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A Conafer conseguiu 31 reuniões oficiais com representantes do governo federal só em 2024, a maioria com os ministérios da Agricultura e das Comunicações.


Enquanto a Conafer recebia centenas de milhões em repasses fraudulentos do INSS, Carlos Lopes diversificava agressivamente seus negócios pessoais. Entre 2020 e 2024, ele abriu empresas de genética bovina, uma loja de arte indígena, uma mineradora e até uma holding nos Estados Unidos chamada Farmlands.


Terra Bank logo
Terra Bank logo

Mas o mais revelador foi a criação do Terra Bank em outubro de 2021, no auge do aumento dos repasses do INSS à Conafer. Embora oficialmente pertencesse ao empresário Cícero Santos, documentos obtidos pelo Intercept mostram que o verdadeiro dono do banco digital é o próprio Lopes através de sua holding americana.


A Polícia Federal identificou transferências diretas entre a Conafer, Carlos Lopes, Cícero Santos e sua esposa no valor de R$ 812 mil entre 2021 e julho de 2023. O Terra Bank opera como fintech sem autorização do Banco Central, oferecendo serviços bancários voltados para o agronegócio e utilizando a imagem de indígenas em sua propaganda.


Nelson Wilians
Nelson Wilians

Uma das revelações mais explosivas das investigações é o envolvimento do escritório do advogado Nelson Wilians, um dos mais famosos do país. Relatórios do Coaf apontam movimentações suspeitas na ordem de R$ 4,3 bilhões entre 2019 e 2023 envolvendo o escritório.


O montante bilionário justificou pedidos de convocação de Wilians na CPMI, especialmente devido à sua relação com o empresário Maurício Camisotti, um dos principais alvos da Operação Sem Desconto. Investigadores suspeitam de lavagem de dinheiro através de transações aparentemente legítimas, como a compra de imóveis e "adiantamentos de honorários" de valores astronômicos.


A blindagem institucional


Leonardo Rolim, que presidiu o INSS durante período crucial das fraudes (2020-2021), desempenhou papel fundamental na proteção do esquema criminoso. Foi ele quem assinou a portaria que retirou de Alessandro Roosevelt a atribuição de fiscalizar a Conafer, transferindo-a para uma diretoria mais "amigável".


Rolim justificou sua decisão como parte de uma "reestruturação" organizacional, mas a cronologia sugere motivação bem diferente. A mudança ocorreu exatamente quando Roosevelt estava descobrindo e documentando as fraudes da Conafer. Dois meses depois, a nova diretoria liberou os repasses que Roosevelt havia bloqueado.


Posteriormente, Rolim foi promovido novamente à Secretaria de Previdência, demonstrando que sua proteção ao esquema fraudulento não apenas não foi punida como foi recompensada com ascensão na carreira.


José Carlos Oliveira representa talvez o caso mais emblemático de como o esquema de fraudes foi protegido e premiado institucionalmente. Como diretor de benefícios do INSS, ele criou o comitê que "investigou" e absolveu a Conafer em 2022.


A investigação comandada por Oliveira foi uma farsa completa. Liderada por Jucimar Fonseca da Silva (o ex-vereador do PL), baseou-se exclusivamente em documentos fornecidos pela própria entidade investigada e ignorou completamente os inquéritos policiais e alertas técnicos já existentes.


O resultado da "investigação" foi usado pelo próprio Carlos Lopes para tentar escapar de intimação da Polícia Federal, alegando já ter sido "inocentado" pelo INSS. Longe de ser punido por essa farsa, Oliveira foi posteriormente promovido a presidente do INSS e depois a ministro do Trabalho e Previdência no governo Bolsonaro.


O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou transações suspeitas entre um sócio de Oliveira e sócios de Carlos Lopes, sugerindo benefícios financeiros pela proteção oferecida.


As vítimas silenciadas


Por trás dos números bilionários estão milhões de brasileiros idosos que tiveram seus parcos recursos subtraídos por organizações criminosas. A auditoria da CGU revelou que 97,6% dos beneficiários entrevistados não autorizaram os descontos, demonstrando a natureza massivamente fraudulenta do esquema.


Muitos aposentados vivem com apenas um salário mínimo e viram descontos de até R$ 79 mensais sendo retirados de suas aposentadorias. Para uma pessoa que recebe R$ 1.412 (salário mínimo), isso representa mais de 5% de sua renda mensal sendo desviada para enriquecer organizações criminosas.


O perfil das vítimas torna o crime ainda mais hediondo: idosos, muitos com baixa escolaridade e dificuldades com tecnologia, que foram deliberadamente escolhidos como alvos por sua vulnerabilidade. A suspensão dos extratos em papel durante a "transformação digital" de 2017 deixou milhões deles sem meios de acompanhar seus benefícios.


Uma das facetas mais perversas do esquema foi o uso de comunidades indígenas como fachada para legitimar as operações da Conafer. Carlos Lopes se apresenta como "liderança indígena" e usa cocares e adereços em eventos públicos, embora não tenha reconhecimento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).


Líderes indígenas relataram ao Intercept que o "modo operante" da Conafer é "oferecer caminhonete locada e salário para as lideranças" em troca de apoio e legitimidade. A organização bancava atividades sociais, campeonatos de futebol e assembleias nas comunidades, criando uma rede de dependência e cooptação.


A Conafer chegou ao ponto de organizar mutirões previdenciários com Unidades Móveis Flutuantes da Previdência Social, criando a impressão de que ajudava indígenas a acessar benefícios quando na verdade estava preparando o terreno para descontos fraudulentos.


A resposta governamental


A diferença fundamental entre os governos anteriores e o atual foi a resposta às fraudes descobertas. Enquanto Temer e Bolsonaro ignoraram, facilitaram ou protegeram o esquema, o governo Lula desencadeou uma resposta imediata e eficaz.


A Operação Sem Desconto, deflagrada em abril de 2025, foi resultado de dois anos de investigações coordenadas entre a Polícia Federal, a CGU e outros órgãos de controle. A operação resultou em:


  • Suspensão imediata de todos os acordos suspeitos

  • Bloqueio de R$ 2,8 bilhões em bens dos fraudadores

  • Prisão de 8 pessoas ligadas ao esquema

  • Afastamento de 5 dirigentes do INSS

  • Devolução de mais de R$ 1 bilhão aos aposentados em tempo recorde


Uma das ações mais significativas foi o acordo firmado pela Advocacia-Geral da União (AGU) no Supremo Tribunal Federal para ressarcimento imediato das vítimas. Em menos de um mês, mais de 1,6 milhão de beneficiários receberam R$ 1,084 bilhão em suas contas, valores corrigidos pela inflação.


Essa solução evitou que cada vítima tivesse de entrar com ação individual na Justiça, processo que levaria anos e deixaria milhões de idosos sem reparação. A transparência foi assegurada por auditorias internas e acompanhamento dos órgãos de controle.


O governo também implementou medidas preventivas para evitar novos golpes:

  • Biometria obrigatória para toda autorização de desconto

  • Redução drástica no número de servidores com acesso a senhas críticas (de mais de 3.000 para apenas 6 pessoas)

  • Novos sistemas de monitoramento em tempo real

  • Campanhas de orientação para aposentados e pensionistas


Por que a CPMI é uma Farça: A inversão da responsabilidade temporal


A análise detalhada das evidências revela que a CPMI do INSS corre o risco de se tornar exatamente aquilo que seus críticos denunciam: uma cortina de fumaça para proteger os verdadeiros responsáveis pelas fraudes. A tentativa de focar as investigações no período 2023-2025, quando as fraudes se tornaram visíveis devido aos contratos estabelecidos anteriormente, representa uma inversão deliberada da responsabilidade temporal.


Os dados são inequívocos: as fraudes começaram no governo Temer, consolidaram-se sob Bolsonaro e foram descobertas e combatidas no governo Lula. Qualquer investigação séria deveria concentrar-se nos períodos de 2016-2018 e 2019-2022, quando as bases legais foram flexibilizadas e os mecanismos de proteção foram destruídos.


A composição da CPMI e seus primeiros movimentos sugerem uma estratégia deliberada de proteger figuras-chave que facilitaram ou protegeram o esquema. Nomes como Leonardo Rolim, José Carlos Oliveira, e os próprios ex-presidentes que criaram as condições para as fraudes parecem estar sendo poupados do escrutínio mais rigoroso.


Ao mesmo tempo, há uma concentração desproporcional de atenção em figuras marginais ou simbólicas, como o irmão do presidente Lula, que embora deva ser investigado se houver indícios, representa uma fração mínima do problema real.


O timing da criação da CPMI também levanta suspeitas. A comissão foi instalada exatamente quando as investigações da Polícia Federal e da CGU estavam avançando rapidamente e produzindo resultados concretos. Em vez de fortalecer esses órgãos técnicos, optou-se por criar uma arena política onde a narrativa pode ser mais facilmente manipulada.


Como observaram diversos analistas, a própria existência da CPMI pode prejudicar as investigações em curso, criando conflitos de competência e dando aos investigados múltiplas instâncias para protelar ou confundir os processos.


A verdadeira agenda por trás da CPMI parece ser tripla:

  1. Desviar a atenção das responsabilidades históricas dos governos Temer e Bolsonaro

  2. Criar narrativas alternativas que responsabilizem o governo que descobriu e combateu as fraudes

  3. Proteger a rede de interesses políticos e empresariais que se beneficiou do esquema


Para que a CPMI cumpra seu papel constitucional de esclarecer a verdade, seria necessário:


  1. Foco temporal correto: Concentrar as investigações nos períodos 2016-2018 e 2019-2022

  2. Convocação dos verdadeiros responsáveis: Leonardo Rolim, José Carlos Oliveira, e outros que protegeram o esquema

  3. Análise das mudanças legislativas: Investigar quem promoveu e aprovou as flexibilizações que facilitaram as fraudes

  4. Rastreamento completo dos recursos: Seguir o dinheiro até seus beneficiários finais, incluindo as redes de lavagem

  5. Responsabilização política: Identificar quais autoridades tinham conhecimento das fraudes e optaram por não agir


A atual configuração da CPMI, com sua composição política e agenda aparente, sugere que nada disso acontecerá de forma adequada. O que se vislumbra é mais um capítulo da longa tradição brasileira de investigações que servem mais para encobrir do que para esclarecer, protegendo os poderosos enquanto punem os subalternos.


A farça está montada. Resta saber se o público brasileiro se deixará enganar novamente por essa cortina de fumaça ou se exigirá uma investigação verdadeiramente séria sobre uma das maiores sangrias de recursos públicos da história recente do país.

 
 
 
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