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Defesa de Augusto Heleno aposta em nulidades processuais e distanciamento político, mas enfrenta robusto conjunto probatório

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • há 3 dias
  • 5 min de leitura

A sustentação oral apresentada pelo advogado Mateus Meer Milanês em defesa do General Augusto Heleno Ribeiro Pereira no julgamento da ação penal sobre os atos golpistas de 8 de janeiro revelou uma estratégia defensiva que se concentra em três eixos principais: questionamento da validade das provas coletadas, alegação de violação ao sistema acusatório e a tese do afastamento político do general da cúpula decisória do governo Bolsonaro.


Augusto Heleno - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Augusto Heleno - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Estratégia das nulidades: Um argumento técnico com limitações


O advogado iniciou sua sustentação atacando o que chamou de "impossibilidade de análise das provas colhidas durante a investigação", argumentando que a Polícia Federal disponibilizou material em formato que tornava inviável o exame pela defesa.


"128 GB de material compactado. Todo material constante nesses SharePoints ultrapassa a marca de 20 TB compactados", afirmou Milanês, questionando como seria possível analisar tal volume em tempo hábil.

Este argumento, embora tecnicamente válido quanto ao volume de dados, encontra fragilidade diante da natureza das investigações modernas e da complexidade inerente aos crimes contra o Estado Democrático de Direito. A própria Procuradoria-Geral da República reconhece em sua denúncia que:


"foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagem reveladores da marcha de ruptura da ordem democrática", indicando que a organização criminosa "descera ao cuidado de documentar o seu projeto de retenção heterodoxa do Poder".

A defesa também questionou a forma como surgiram documentos específicos, como a chamada "agenda" do general, que apareceu "dois dias antes do interrogatório". Contudo, esse argumento perde força quando confrontado com o conteúdo efetivo dos documentos, que a PGR descreve como contendo:


"anotações manuscritas sobre o planejamento prévio da organização criminosa de fabricar um discurso contrário às urnas eletrônicas".

O questionamento do sistema acusatório: Entre técnica e substância


A segunda linha defensiva concentrou-se na alegação de violação ao sistema acusatório, criticando o número de perguntas feitas pelo ministro relator Alexandre de Moraes durante os interrogatórios.


"Nós temos 302 perguntas do ministro relator contra 59 da Procuradoria Geral da República", destacou o advogado, questionando se isso não caracterizaria uma postura ativa incompatível com a imparcialidade judicial.

Este argumento, embora tecnicamente relevante, deve ser analisado no contexto da complexidade e gravidade das acusações. A denúncia da PGR revela uma trama que:


"envolvia assestar palavras de ódio, sobretudo em ambiente da internet, contra personagens da vida institucional do país identificados como inimigos do grupo", sugerindo que o esclarecimento dos fatos demandaria mesmo um interrogatório mais aprofundado.

A tese do afastamento: Estratégia central com contradições


O núcleo da defesa de Augusto Heleno concentrou-se na tese de que o general teria se afastado politicamente da cúpula do poder após a aproximação de Bolsonaro com o Centrão e sua filiação ao PL.


"Quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos de centrão e tem sua filiação ao PL, inicia-se sim um afastamento no sentido da cúpula do poder", argumentou Milanês.

Para sustentar essa tese, a defesa apresentou depoimentos de diversos assessores, incluindo Alex Minuscio, que confirmou:


"esse afastamento em função ali do relacionamento entre eles", e o coronel Ibsen, que observou "uma menor frequência do general Heleno no gabinete".

Contudo, essa estratégia defensiva encontra contradições significativas no próprio material probatório. A PGR demonstra que os:


"documentos apreendidos em poder de AUGUSTO HELENO confirmaram o alinhamento ideológico" com outros membros da organização criminosa e a "existência de uma ação conjunta para a preparação da narrativa difundida por JAIR MESSIAS BOLSONARO".

Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

Mais problemático para a defesa é o fato de que, mesmo defendendo o afastamento, o próprio General Heleno admitiu em interrogatório que mantinha:


"acesso assegurado ao gabinete presidencial", conforme transcrito pelo advogado: "Se eu precisasse ir, eu não precisava ligar pro ajudante de ordens. Eu dizia: 'Olha, eu vou ir'. [...] Eu não tinha problema nenhum de ir ao gabinete."

A "Caderneta Golpista": O calcanhar de aquiles da defesa


Um dos momentos mais críticos da sustentação foi a tentativa de desqualificar o que o Ministério Público chamou de "caderneta golpista". O advogado argumentou que se tratava de:


"material de apoio do próprio general, não vinculada e não compartilhada com ninguém", tentando apresentar as anotações como reflexões pessoais desconexas.

Milanês chegou a criticar a Polícia Federal por apresentar os documentos de forma que sugerisse:


"um encadeamento lógico de ideias" quando "as páginas onde está esse ré de diretrizes estratégicas e aquela questão de se o MJ acionar a GU estão 100 páginas de distância uma da outra".

Esta linha defensiva, contudo, colide frontalmente com a análise da PGR, que identificou na agenda:


"anotações manuscritas, em uma agenda com logomarca da Caixa Econômica Federal, sobre o planejamento prévio da organização criminosa".

Especificamente, a anotação intitulada "REU DIRETRIZES ESTRATÉGICAS" que:


"enumerou quatro ações que deveriam ser adotadas pelo grupo criminoso", incluindo "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações".

Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024
Trecho do Arguivo da Denúncia da PGR - ASSCRIM/PGR N. 212310/2024

As limitações da estratégia defensiva


A análise das estratégias apresentadas pela defesa de Augusto Heleno revela limitações significativas quando confrontadas com o conjunto probatório reunido pela investigação.


  1. Primeiro, o foco excessivo em questões processuais e técnicas pode desviar a atenção do mérito das acusações, mas não as neutraliza efetivamente.

  2. Segundo, a tese do afastamento político, embora sustentada por testemunhas, esbarra na própria admissão do réu de que mantinha acesso ao Palácio do Planalto e nas evidências documentais que demonstram sua participação ativa na formulação de estratégias da organização criminosa.

  3. Terceiro, a tentativa de desqualificar a "caderneta" como anotações pessoais desconexas perde credibilidade diante da especificidade e coerência das anotações com o plano geral descrito pela acusação.


O caso de Augusto Heleno deve ser analisado também à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre crimes contra o Estado Democrático de Direito. Como observado no julgamento do Recurso Extraordinário 1.516.984, o STF tem reconhecido que:


"os direitos fundamentais não são absolutos" e que é necessário "ponderar, no caso concreto" diferentes valores constitucionais.

No contexto dos crimes contra a democracia, a Corte tem adotado uma postura rigorosa, reconhecendo que "não há direito no abuso de direito", como enfatizou o ministro Edson Fachin em precedente citado nos autos.


Perspectivas e desafios


A sustentação oral da defesa de Augusto Heleno, embora tecnicamente competente em vários aspectos, enfrenta o desafio de superar um conjunto probatório robusto que inclui não apenas documentos físicos, mas também um padrão de comportamento consistente com as acusações da PGR.


A tentativa de apresentar o general como uma figura periférica nos eventos que culminaram em 8 de janeiro contrasta com sua posição institucional como Chefe do Gabinete de Segurança Institucional e com as evidências de sua participação ativa na formulação das estratégias da organização criminosa.


Ao final de sua sustentação, o advogado fez um apelo emocional para que se evitasse "uma injustiça" contra um "militar de referência, honrado e dedicado". Contudo, como a própria PGR observa em sua denúncia, "num regime republicano, todos são aptos a serem responsabilizados por condutas penalmente tipificadas", incluindo autoridades militares de alta patente.


O julgamento de Augusto Heleno representa, assim, um teste crucial para o sistema de justiça brasileiro na apuração de crimes contra a democracia, onde as estratégias defensivas baseadas em questões técnicas e argumentos de autoridade moral devem ser pesadas contra um conjunto probatório que, segundo a acusação, documenta uma tentativa sistemática de subversão da ordem constitucional.

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