- Raul Silva
- há 4 dias
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As estratégias apresentadas pelos advogados de Jair Messias Bolsonaro no julgamento histórico do Supremo Tribunal Federal revelam uma defesa construída principalmente sobre a negação de participação direta nos eventos que culminaram nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Contudo, ao confrontar os argumentos defensivos com o volumoso material probatório reunido pela Procuradoria-Geral da República, emergem fragilidades significativas que podem comprometer a eficácia da estratégia adotada.

A estratégia da ausência de provas diretas
O advogado Celso Sanchez Vilardi, representando o ex-presidente, centrou sua defesa na alegação de inexistência de "uma única prova" que conecte Bolsonaro aos planos golpistas.
"Não há uma única prova que atrele o presidente a punhal verde e amarelo, a operação luneta e ao 8 de janeiro", declarou na tribuna do STF, referindo-se aos principais elementos investigativos do caso.
Esta linha argumentativa, entretanto, contrasta frontalmente com o detalhado relatório da PGR, que documenta uma:
"trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas", onde "a conjuração tem antecedentes que a explicam e se desenvolve em fases, momentos e ações ao longo de um tempo considerável".
A denúncia ministerial apresenta evidências de que "os membros da organização criminosa estruturaram, no âmbito do Palácio do Planalto, plano de ataque às instituições", incluindo o sinistro "Punhal Verde Amarelo", que previa até mesmo "a morte por envenenamento de Luiz Inácio Lula da Silva" e o uso de "armas bélicas contra o Ministro Alexandre de Moraes".
Principais estratégias de defesa de Jair Bolsonaro
Estratégia de Defesa | Fundamentos e Sustentações | Pontos-Fracos / Vulnerabilidades |
Ausência de participação em reuniões de golpe | – Nega ter articulado qualquer plano de exceção ou golpe com generais – Testemunhas militares afirmam não terem sido convocadas por ele | – Vários registros (“Operação Luneta”, “Punhal Verde Amarelo”) indicam planejamento detalhado – Presença em live de 29/7/21 incentivando força militar |
Não envolvimento em “caderneta golpista” | – Alega manipulação parcial de arquivo de anotações (“agenda”) de Gen. Heleno – Testemunhas reforçam desconhecimento da “caderneta” | – Agenda continha diretrizes estratégicas claras de deslegitimação das urnas e plano de abolição do processo democrático |
Defesa da legalidade das Forças Armadas | – Sustenta ter sido aconselhado por generais contra o golpe – Destaca permanência de ministros da ativa fiel à Constituição | – Provas de pressão interna sobre Comandantes do Exército e de reuniões para induzir adesão ao golpe |
Ataques meramente discursivos às urnas | – Alega expor apenas suspeitas infundadas, sem pretensão de golpe – Rivais do TSE não teriam prova de fraude | – Discursos gravados convocam “uso da força” se necessário e ameaçam ministros do STF e TSE |
Falha probatória da PGR | – Questiona credibilidade dos delatores (Mauro Cid) – Destaca contradições e omissões em depoimentos | – Depoimentos corroborados por documentos encontradas em ABIN e GSI; – Metadados de arquivos provam planejamento conjunto |
Separação de poderes e “iniciativa de fontes” | – Alega atuação independente de órgãos (PF, AGU) sem ingerência pessoal | – Planilhas e minutas foram elaboradas dentro do Palácio do Planalto e compartilhadas diretamente com Bolsonaro |
O questionamento sobre cerceamento de defesa
Outro pilar da estratégia defensiva foi o alegado cerceamento de defesa, particularmente em relação ao acesso às provas digitais. Vilardi argumentou que receberam "70 teras" de material compactado, questionando a possibilidade de análise adequada no tempo disponível.
"Todo material constante nesses SharePoints ultrapassa a marca de 20 TB compactados", declarou.
Contudo, este argumento encontra limitações quando confrontado com a própria admissão de que:
"as provas eleitas pela Polícia Federal, as provas eleitas pela denúncia foram colocadas nos autos e estão à disposição desta defesa e de todas as defesas", segundo o próprio advogado.
Um dos momentos mais reveladores da defesa foi a tentativa de desvinculação de Bolsonaro da chamada "minuta golpista". O advogado sustentou que:
"a tal minuta é uma peça encontrada no celular do colaborador, que em seus depoimentos disse que não transmitiu a ninguém".
Porém, a PGR apresenta evidências contundentes de que:
"foram concebidas minutas de atos de formalização de quebra da ordem constitucional" e que "o Presidente da República à época chegou a apresentar uma delas, em que se cogitava da prisão de dois Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Presidente do Senado Federal".
A defesa tentou questionar a tipificação dos crimes alegando ausência de "violência ou grave ameaça". Vilardi argumentou que:
"não é possível se falar em início da execução numa live do TSE, aonde está a violência ou grave ameaça?"
Esta linha argumentativa ignora o entendimento jurisprudencial de que os crimes tipificados nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal "referem-se a crimes de atentado, que prescindem do resultado naturalístico para se consumar", conforme estabelece a própria denúncia da PGR.
Talvez o mais frágil dos argumentos apresentados foi a tentativa de invocar o artigo 15 do Código Penal, alegando desistência voluntária. O advogado Paulo Amador sustentou que:
"quem desiste voluntariamente do início da execução do delito responderá apenas pelos atos já praticados".
Esta tese esbarra na robusta documentação apresentada pela PGR de que a organização criminosa:
"não desistiu da tomada violenta do poder nem mesmo depois da posse do Presidente da República eleito", culminando nos eventos de 8 de janeiro, onde "a última esperança da organização estava na manifestação".
As evidências documentais da PGR
O conjunto probatório reunido pela Procuradoria-Geral da República inclui documentos que revelam planejamento sistemático. As anotações encontradas na agenda de Augusto Heleno, por exemplo, incluíam "estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações" e "é válido continuar a criticar a urna eletrônica", demonstrando coordenação prévia dos ataques ao sistema eleitoral.
Particularmente significativo é o documento encontrado com Alexandre Ramagem, criado dois dias antes da live presidencial de 29 de julho de 2021, contendo orientações detalhadas:
"A credibilidade da urna já se esvaiu, assim como a reputação de ministros do STF. (...) Estas questões que devem ser massificadas".
A defesa tentou desqualificar as colaborações premiadas, mas o depoimento de Mauro César Barbosa Cid, confirmado em múltiplas ocasiões, oferece detalhes precisos sobre o funcionamento da organização criminosa, incluindo a confirmação de que:
"o então Presidente sempre dava esperanças que algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe".
Principais argumentos e teses da PGR
Eixo Temático | Tese Central da PGR | Evidências Chave |
Organização Criminosa | Jair Bolsonaro liderou grupo que estruturou “Punhal Verde Amarelo” para golpe; foi mantido “gabinete central de crise” | – Planilhas “Operação Luneta” e “Op. 142” (ABIN, GSI) – Arquivos “Presidente TSE informa.docx” (ABIN) |
Ataques ao Sistema Eleitoral | Sustentou campanha de deslegitimação das urnas e das decisões do TSE, aprofundando ódio e desconfiança | – Live de 29.7.2021 com menção a “uso da força” – Planilha “REU DIRETRIZES ESTRATÉGICAS” (GSI) |
Coação do Poder Judiciário | Planejava prisão de ministros do STF e do TSE e descumprimento de decisões judiciais | – Minuta de decreto de Estado de Sítio e Operação GLO; – Anotações sobre “neutralizar a capacidade do Min. AM” |
Conivência Militar | Reuniões ministeriais convocadas por Bolsonaro continham falas de generais a favor de golpe | – Gravação 5.7.2022 (computador de Mauro Cid): “o que tiver que ser feito é antes das eleições” |
Violência em 08/01/2023 | Grupo auxiliou mobilização e escolta policial para invasão do STF e Congresso | – Depoimentos e documentos sobre coordenação de trânsito de ônibus e escolta por PMDF |
A questão da liberdade de expressão versus direitos da personalidade, abordada no Recurso Extraordinário com Agravo 1.516.984, oferece paralelos relevantes. O Ministro Alexandre de Moraes, relator tanto deste caso quanto do processo dos atos golpistas, estabeleceu que "não há direito absoluto à liberdade de expressão" e que é necessário "ponderar, no caso concreto" os direitos em conflito.
As estratégias de defesa apresentadas pelos advogados de Bolsonaro, embora tecnicamente elaboradas, enfrentam o desafio de confrontar um conjunto probatório extenso e diversificado. A tentativa de negar participação direta nos eventos esbarra em documentos, mensagens e depoimentos que sugerem coordenação e conhecimento dos planos golpistas.
A alegação de cerceamento de defesa, comum em processos complexos, não parece suficiente para invalidar provas que foram regularmente colhidas e disponibilizadas. O argumento sobre ausência de violência física ignora a evolução doutrinária sobre crimes de atentado contra as instituições democráticas.
O julgamento representa um marco na história judicial brasileira, testando não apenas a responsabilização de um ex-presidente, mas a capacidade das instituições democráticas de se protegerem contra ameaças internas. As estratégias defensivas, diante da robustez das evidências apresentadas pela PGR, sugerem que o caminho para a absolvição será íngreme, exigindo dos ministros do STF uma análise criteriosa entre garantias processuais e proteção da ordem democrática.