A Farça da CPMI do INSS: Uma cortina de fumaça criada por quem está envolvido até o pescoço nas fraudes
- Raul Silva 
- 29 de ago.
- 13 min de leitura
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Instituto Nacional do Seguro Social (CPMI do INSS), instalada em agosto de 2025, emerge em um contexto de fraudes bilionárias que atravessaram três governos e expõem uma teia complexa de interesses políticos, empresariais e corporativos. Longe de ser apenas uma investigação técnica, a CPMI revela-se como um teatro político onde alguns dos próprios protagonistas das irregularidades tentam controlar a narrativa e encobrir suas responsabilidades históricas.

A anatomia de um esquema bilionário
O esquema de fraudes no INSS representa uma das maiores sangrias de recursos públicos da história recente do Brasil. Entre 2019 e 2024, estima-se que R$ 6,3 bilhões foram desviados através de descontos irregulares nas aposentadorias e pensões de milhões de brasileiros. O prejuízo potencial pode chegar a R$ 10 bilhões considerando todo o período investigado.
A operação criminosa funcionava através de um sistema aparentemente legítimo de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) entre o INSS e entidades associativas. Essas organizações, muitas delas de fachada, descontavam mensalidades diretamente dos benefícios previdenciários sob o pretexto de oferecer serviços como assistência jurídica, odontológica e descontos comerciais.
A realidade, porém, era bem diferente. Investigações da Controladoria-Geral da União (CGU) revelaram que 97,6% dos beneficiários entrevistados afirmaram não ter autorizado os descontos. A falsificação de assinaturas era sistemática, com "fábricas" dedicadas exclusivamente à produção de documentos fraudulentos.
No centro do escândalo encontra-se a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), presidida pelo empresário mineiro Carlos Roberto Ferreira Lopes. A entidade, que se apresenta como defensora de indígenas e pequenos agricultores, é na verdade controlada por um proeminente pecuarista do agronegócio com extensos negócios pessoais.

A Conafer recebeu R$ 688 milhões em repasses do INSS até o começo de 2025, tornando-se a entidade que mais arrecadou através dos descontos fraudulentos. O crescimento da organização foi explosivo: passou de 231 mil associados em 2021 para 641 mil em 2023, representando um aumento de quase 180% em dois anos.
Durante a pandemia de COVID-19, quando os brasileiros enfrentavam suas maiores dificuldades, a Conafer promoveu a inclusão de descontos em 73.108 benefícios em apenas quatro meses (abril a julho de 2020), equivalente a aproximadamente 610 novos "filiados" por dia. Esse crescimento anômalo ocorreu justamente quando as agências do INSS estavam fechadas e os idosos tinham menor capacidade de detectar as fraudes.
A evolução histórica das fraudes
Governo Temer (2016-2018): As sementes da corrupção

As fraudes no INSS não surgiram do nada. Suas raízes remontam ao governo de Michel Temer, quando as bases legais e operacionais foram criadas ou flexibilizadas para permitir o esquema. Durante esse período, os descontos fraudulentos saltaram de R$ 413 milhões em 2016 para R$ 617 milhões em 2018.
Um marco crucial foi a implementação da "transformação digital" em 2017, que suspendeu o envio de extratos em papel e transferiu tudo para o aplicativo Meu INSS. Embora apresentada como modernização, essa medida deixou milhões de idosos sem meios eficazes de acompanhar seus descontos, criando um ambiente propício para as fraudes.
Já em 2016, servidores do INSS denunciavam repasses suspeitos a associações, mas essas denúncias foram sistematicamente abafadas. Um servidor responsável por contratos denunciou à Polícia Federal repasses irregulares a uma associação de peritos médicos, mas não apenas não houve investigação como o próprio denunciante foi transferido para um setor conhecido como "cemitério de elefantes brancos".
Governo Bolsonaro (2019-2022): A consolidação criminal

Se o governo Temer plantou as sementes, foi durante o mandato de Jair Bolsonaro que o esquema floresceu e se consolidou em escala industrial. Os números são eloquentes: os descontos fraudulentos mantiveram-se relativamente estáveis entre R$ 604 milhões em 2019 e R$ 706 milhões em 2022.
O período foi marcado por mudanças legislativas que facilitaram ainda mais as fraudes. A Medida Provisória 871/2019 inicialmente exigia renovação anual das autorizações de desconto, mas a Lei 14.438/2022, sancionada por Bolsonaro sem vetos, eliminou esse requisito de segurança. Como resumiu o ministro Wolney Queiroz: "Entre 2019 e 2022 é que o ladrão entra na casa".
Durante esse período, 10 das 11 entidades hoje investigadas pela Polícia Federal assinaram acordos de cooperação técnica com o INSS entre 2021 e 2022. Essa concentração não é coincidência, mas resultado de uma política deliberada de afrouxamento dos controles.
Governo Lula (2023-2025): A descoberta e o enfrentamento

Paradoxalmente, foi durante o terceiro governo Lula que tanto ocorreu a explosão final das fraudes quanto sua definitiva exposição e combate. Os números mostram um crescimento vertiginoso: de R$ 706 milhões em 2022 para R$ 1,2 bilhão em 2023 e impressionantes R$ 2,8 bilhões em 2024.
Esse crescimento aparentemente paradoxal explica-se pelo fato de que o governo Lula herdou um sistema completamente comprometido, com acordos fraudulentos já estabelecidos e mecanismos de controle destruídos pelos governos anteriores. As entidades continuaram operando com base nos contratos firmados anteriormente, mas agora em escala exponencial.
A diferença fundamental foi a resposta governamental. Enquanto os governos anteriores ignoraram ou facilitaram as fraudes, o governo Lula desencadeou a Operação Sem Desconto em abril de 2025, suspendeu todos os acordos suspeitos, bloqueou R$ 2,8 bilhões em bens dos fraudadores e já devolveu mais de R$ 1 bilhão aos aposentados lesados.
A rede de proteção interna
Uma das revelações mais chocantes das investigações é o nível de infiltração do esquema criminoso dentro do próprio INSS. A operação contava com uma rede de servidores estrategicamente posicionados que garantiam proteção e continuidade às fraudes.

Alessandro Roosevelt, diretor de benefícios do INSS, descobriu as irregularidades da Conafer em 2020 e tentou suspender os repasses. Ele identificou que a entidade havia incluído descontos em mais de 95 mil benefícios em apenas quatro meses, exigindo na prática a coleta de mais de 600 autorizações por dia. Roosevelt chegou a alertar o Ministério Público Federal sobre as irregularidades.
No entanto, sua investigação foi sabotada internamente. Em outubro de 2020, uma portaria assinada pelo então presidente do INSS Leonardo José Rolim retirou de Roosevelt a atribuição de fiscalizar a Conafer, transferindo-a para outra diretoria. A nova diretoria, chefiada por Jobson de Paiva Silveira Sales, rapidamente produziu uma nota técnica favorável à Conafer.

O papel de Jucimar Fonseca da Silva foi particularmente relevante. Conhecido como "Soldado do Proerd", Jucimar era ex-policial militar e ex-vereador pelo PR (atual PL) em Manacapuru, Amazonas. Como Chefe da Divisão de Consignação em Benefícios do INSS, ele liderou um comitê interno que "investigou" as suspeitas sobre a Conafer em 2022.
O relatório final de Jucimar, baseado apenas em documentos fornecidos pela própria Conafer, concluiu não haver "nem grave e nem iminente risco" nos descontos da entidade. Essa "investigação" ocorreu quando já havia um inquérito da Polícia Federal em andamento e múltiplos alertas internos sobre fraudes.
Ingrid Ambrozi, servidora da diretoria de Jobson de Paiva, produziu uma nota técnica defendendo a "presunção da boa-fé" em relação à Conafer. Sua análise, que não tinha poder de decisão mas influenciou fortemente o processo, baseou-se exclusivamente em documentos apresentados pela própria entidade investigada, considerando o "contexto da pandemia" como justificativa para as irregularidades.
A presença de Ingrid Ambrozi nos quadros do INSS desde pelo menos 2003 e sua ascensão a posições-chave coincidindo com o período de maior crescimento das fraudes levanta questões sobre a penetração de longo prazo do esquema na estrutura do órgão.
A CPMI como Cortina de Fumaça
A análise da composição e dos primeiros movimentos da CPMI revela sinais claros de que ela pode servir mais para encobrir responsabilidades do que para esclarecê-las. O senador Carlos Viana (Podemos-MG), eleito presidente da comissão, foi figura central na onda bolsonarista de 2018 e mantém posições críticas ao governo Lula.
Viana, que teve pouco protagonismo durante seu mandato, subitamente ganhou destaque ao assumir a presidência da CPMI. Suas declarações iniciais, embora prometendo "isenção", revelam um foco narrativo específico: concentrar as investigações no período mais recente (governo Lula) quando as fraudes se tornaram visíveis, evitando aprofundar as responsabilidades históricas dos governos que criaram e consolidaram o esquema.

Uma das principais estratégias da "cortina de fumaça" é inverter a narrativa temporal. Embora os dados mostrem claramente que as fraudes começaram no governo Temer e se consolidaram sob Bolsonaro, parte da comissão tenta focar exclusivamente no período 2023-2024, quando os números explodiam devido aos contratos fraudulentos já estabelecidos.
Como observou o deputado Pedro Campos (PSB-PE), líder do PSB na Câmara: "Vê-se um escândalo de corrupção que começou num governo e continuou no seguinte [...] Achar que o melhor lugar para investigar isso é dentro de uma CPI, no próprio Congresso Federal, não me parece inteligente. O que a gente vê, na verdade, é uma tentativa de criar uma cortina de fumaça".
A própria dinâmica da CPMI favorece essa inversão narrativa. Com mais de 800 requerimentos já apresentados, muitos focam exclusivamente em figuras do atual governo, como o irmão do presidente Lula, José Ferreira da Silva (Frei Chico), que é vice-presidente do Sindnapi, uma das entidades investigadas.
Analistas políticos alertam que a CPMI será marcada por "forte debate e tentativas de politização das investigações". Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP) chegou a alertar explicitamente para o risco de o governo usar a CPMI como "cortina de fumaça" para desviar a atenção das pautas da oposição.
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) já sinalizou que usará a comissão para "cobrar investigações rigorosas", mas sem mencionar as responsabilidades históricas dos governos de direita que criaram as condições para o esquema.
As conexões políticas obscuras

A figura de Carlos Roberto Ferreira Lopes, presidente da Conafer, revela conexões profundas com o sistema político brasileiro. Além de ser um proeminente pecuarista do agronegócio, Lopes construiu uma rede de influência que atravessa diferentes espectros políticos.
Um de seus principais aliados é o senador Francisco Rodrigues (PSB-RR), a quem Lopes chama de "amigo e orientador". Rodrigues já foi flagrado com dinheiro na cueca em operação da Polícia Federal e defendeu o garimpo em terras indígenas. Seu avião foi flagrado circulando em garimpo ilegal em terra Yanomami em 2018.
Lopes também manteve relações próximas com diferentes governos. Em novembro de 2024, cinco meses antes da Operação Sem Desconto, ele assinou um Protocolo de Intenções com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A Conafer conseguiu 31 reuniões oficiais com representantes do governo federal só em 2024, a maioria com os ministérios da Agricultura e das Comunicações.
Enquanto a Conafer recebia centenas de milhões em repasses fraudulentos do INSS, Carlos Lopes diversificava agressivamente seus negócios pessoais. Entre 2020 e 2024, ele abriu empresas de genética bovina, uma loja de arte indígena, uma mineradora e até uma holding nos Estados Unidos chamada Farmlands.

Mas o mais revelador foi a criação do Terra Bank em outubro de 2021, no auge do aumento dos repasses do INSS à Conafer. Embora oficialmente pertencesse ao empresário Cícero Santos, documentos obtidos pelo Intercept mostram que o verdadeiro dono do banco digital é o próprio Lopes através de sua holding americana.
A Polícia Federal identificou transferências diretas entre a Conafer, Carlos Lopes, Cícero Santos e sua esposa no valor de R$ 812 mil entre 2021 e julho de 2023. O Terra Bank opera como fintech sem autorização do Banco Central, oferecendo serviços bancários voltados para o agronegócio e utilizando a imagem de indígenas em sua propaganda.

Uma das revelações mais explosivas das investigações é o envolvimento do escritório do advogado Nelson Wilians, um dos mais famosos do país. Relatórios do Coaf apontam movimentações suspeitas na ordem de R$ 4,3 bilhões entre 2019 e 2023 envolvendo o escritório.
O montante bilionário justificou pedidos de convocação de Wilians na CPMI, especialmente devido à sua relação com o empresário Maurício Camisotti, um dos principais alvos da Operação Sem Desconto. Investigadores suspeitam de lavagem de dinheiro através de transações aparentemente legítimas, como a compra de imóveis e "adiantamentos de honorários" de valores astronômicos.
A blindagem institucional
Leonardo Rolim, que presidiu o INSS durante período crucial das fraudes (2020-2021), desempenhou papel fundamental na proteção do esquema criminoso. Foi ele quem assinou a portaria que retirou de Alessandro Roosevelt a atribuição de fiscalizar a Conafer, transferindo-a para uma diretoria mais "amigável".
Rolim justificou sua decisão como parte de uma "reestruturação" organizacional, mas a cronologia sugere motivação bem diferente. A mudança ocorreu exatamente quando Roosevelt estava descobrindo e documentando as fraudes da Conafer. Dois meses depois, a nova diretoria liberou os repasses que Roosevelt havia bloqueado.
Posteriormente, Rolim foi promovido novamente à Secretaria de Previdência, demonstrando que sua proteção ao esquema fraudulento não apenas não foi punida como foi recompensada com ascensão na carreira.
José Carlos Oliveira representa talvez o caso mais emblemático de como o esquema de fraudes foi protegido e premiado institucionalmente. Como diretor de benefícios do INSS, ele criou o comitê que "investigou" e absolveu a Conafer em 2022.
A investigação comandada por Oliveira foi uma farsa completa. Liderada por Jucimar Fonseca da Silva (o ex-vereador do PL), baseou-se exclusivamente em documentos fornecidos pela própria entidade investigada e ignorou completamente os inquéritos policiais e alertas técnicos já existentes.
O resultado da "investigação" foi usado pelo próprio Carlos Lopes para tentar escapar de intimação da Polícia Federal, alegando já ter sido "inocentado" pelo INSS. Longe de ser punido por essa farsa, Oliveira foi posteriormente promovido a presidente do INSS e depois a ministro do Trabalho e Previdência no governo Bolsonaro.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou transações suspeitas entre um sócio de Oliveira e sócios de Carlos Lopes, sugerindo benefícios financeiros pela proteção oferecida.
As vítimas silenciadas
Por trás dos números bilionários estão milhões de brasileiros idosos que tiveram seus parcos recursos subtraídos por organizações criminosas. A auditoria da CGU revelou que 97,6% dos beneficiários entrevistados não autorizaram os descontos, demonstrando a natureza massivamente fraudulenta do esquema.
Muitos aposentados vivem com apenas um salário mínimo e viram descontos de até R$ 79 mensais sendo retirados de suas aposentadorias. Para uma pessoa que recebe R$ 1.412 (salário mínimo), isso representa mais de 5% de sua renda mensal sendo desviada para enriquecer organizações criminosas.
O perfil das vítimas torna o crime ainda mais hediondo: idosos, muitos com baixa escolaridade e dificuldades com tecnologia, que foram deliberadamente escolhidos como alvos por sua vulnerabilidade. A suspensão dos extratos em papel durante a "transformação digital" de 2017 deixou milhões deles sem meios de acompanhar seus benefícios.
Uma das facetas mais perversas do esquema foi o uso de comunidades indígenas como fachada para legitimar as operações da Conafer. Carlos Lopes se apresenta como "liderança indígena" e usa cocares e adereços em eventos públicos, embora não tenha reconhecimento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Líderes indígenas relataram ao Intercept que o "modo operante" da Conafer é "oferecer caminhonete locada e salário para as lideranças" em troca de apoio e legitimidade. A organização bancava atividades sociais, campeonatos de futebol e assembleias nas comunidades, criando uma rede de dependência e cooptação.
A Conafer chegou ao ponto de organizar mutirões previdenciários com Unidades Móveis Flutuantes da Previdência Social, criando a impressão de que ajudava indígenas a acessar benefícios quando na verdade estava preparando o terreno para descontos fraudulentos.
A resposta governamental
A diferença fundamental entre os governos anteriores e o atual foi a resposta às fraudes descobertas. Enquanto Temer e Bolsonaro ignoraram, facilitaram ou protegeram o esquema, o governo Lula desencadeou uma resposta imediata e eficaz.
A Operação Sem Desconto, deflagrada em abril de 2025, foi resultado de dois anos de investigações coordenadas entre a Polícia Federal, a CGU e outros órgãos de controle. A operação resultou em:
- Suspensão imediata de todos os acordos suspeitos 
- Bloqueio de R$ 2,8 bilhões em bens dos fraudadores 
- Prisão de 8 pessoas ligadas ao esquema 
- Afastamento de 5 dirigentes do INSS 
- Devolução de mais de R$ 1 bilhão aos aposentados em tempo recorde 
Uma das ações mais significativas foi o acordo firmado pela Advocacia-Geral da União (AGU) no Supremo Tribunal Federal para ressarcimento imediato das vítimas. Em menos de um mês, mais de 1,6 milhão de beneficiários receberam R$ 1,084 bilhão em suas contas, valores corrigidos pela inflação.
Essa solução evitou que cada vítima tivesse de entrar com ação individual na Justiça, processo que levaria anos e deixaria milhões de idosos sem reparação. A transparência foi assegurada por auditorias internas e acompanhamento dos órgãos de controle.
O governo também implementou medidas preventivas para evitar novos golpes:
- Biometria obrigatória para toda autorização de desconto 
- Redução drástica no número de servidores com acesso a senhas críticas (de mais de 3.000 para apenas 6 pessoas) 
- Novos sistemas de monitoramento em tempo real 
- Campanhas de orientação para aposentados e pensionistas 
Por que a CPMI é uma Farça: A inversão da responsabilidade temporal
A análise detalhada das evidências revela que a CPMI do INSS corre o risco de se tornar exatamente aquilo que seus críticos denunciam: uma cortina de fumaça para proteger os verdadeiros responsáveis pelas fraudes. A tentativa de focar as investigações no período 2023-2025, quando as fraudes se tornaram visíveis devido aos contratos estabelecidos anteriormente, representa uma inversão deliberada da responsabilidade temporal.
Os dados são inequívocos: as fraudes começaram no governo Temer, consolidaram-se sob Bolsonaro e foram descobertas e combatidas no governo Lula. Qualquer investigação séria deveria concentrar-se nos períodos de 2016-2018 e 2019-2022, quando as bases legais foram flexibilizadas e os mecanismos de proteção foram destruídos.
A composição da CPMI e seus primeiros movimentos sugerem uma estratégia deliberada de proteger figuras-chave que facilitaram ou protegeram o esquema. Nomes como Leonardo Rolim, José Carlos Oliveira, e os próprios ex-presidentes que criaram as condições para as fraudes parecem estar sendo poupados do escrutínio mais rigoroso.
Ao mesmo tempo, há uma concentração desproporcional de atenção em figuras marginais ou simbólicas, como o irmão do presidente Lula, que embora deva ser investigado se houver indícios, representa uma fração mínima do problema real.
O timing da criação da CPMI também levanta suspeitas. A comissão foi instalada exatamente quando as investigações da Polícia Federal e da CGU estavam avançando rapidamente e produzindo resultados concretos. Em vez de fortalecer esses órgãos técnicos, optou-se por criar uma arena política onde a narrativa pode ser mais facilmente manipulada.
Como observaram diversos analistas, a própria existência da CPMI pode prejudicar as investigações em curso, criando conflitos de competência e dando aos investigados múltiplas instâncias para protelar ou confundir os processos.
A verdadeira agenda por trás da CPMI parece ser tripla:
- Desviar a atenção das responsabilidades históricas dos governos Temer e Bolsonaro 
- Criar narrativas alternativas que responsabilizem o governo que descobriu e combateu as fraudes 
- Proteger a rede de interesses políticos e empresariais que se beneficiou do esquema 
Para que a CPMI cumpra seu papel constitucional de esclarecer a verdade, seria necessário:
- Foco temporal correto: Concentrar as investigações nos períodos 2016-2018 e 2019-2022 
- Convocação dos verdadeiros responsáveis: Leonardo Rolim, José Carlos Oliveira, e outros que protegeram o esquema 
- Análise das mudanças legislativas: Investigar quem promoveu e aprovou as flexibilizações que facilitaram as fraudes 
- Rastreamento completo dos recursos: Seguir o dinheiro até seus beneficiários finais, incluindo as redes de lavagem 
- Responsabilização política: Identificar quais autoridades tinham conhecimento das fraudes e optaram por não agir 
A atual configuração da CPMI, com sua composição política e agenda aparente, sugere que nada disso acontecerá de forma adequada. O que se vislumbra é mais um capítulo da longa tradição brasileira de investigações que servem mais para encobrir do que para esclarecer, protegendo os poderosos enquanto punem os subalternos.
A farça está montada. Resta saber se o público brasileiro se deixará enganar novamente por essa cortina de fumaça ou se exigirá uma investigação verdadeiramente séria sobre uma das maiores sangrias de recursos públicos da história recente do país.




Comentários