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Da Redação de O estopim | 11 de dezembro de 2025



O "Projeto de Lei n.º 2.162/2023", apresentado como uma solução de "pacificação", esconde uma armadilha perigosa. Sob o pretexto de corrigir "excessos" judiciais, o texto altera o cálculo das penas (Art. 359-M-A e Art. 359-V), criando uma matemática que pode reduzir condenações de 17 anos para menos de 4, livrando golpistas da cadeia. Mais grave ainda, a "regra de 1/6" para progressão de regime, alterada no Art. 112 da LEP, silencia sobre crimes contra a administração pública, abrindo as portas para a impunidade de corruptos e lavadores de dinheiro. É um ataque ao STF e à justiça.


LEIA A INTEGRA DO DOCUMENTO


Enquanto os holofotes de Brasília e a atenção da mídia tradicional estão voltados, quase que hipnotizados, para o barulhento debate ideológico sobre a anistia do 8 de janeiro, algo muito mais obscuro e silencioso se urde nos bastidores da Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei nº 2.162/2023, que foi aprovada na calada da noite quinta-feira (10), em regime de urgência sob a relatoria do Deputado Paulo Pereira da Silva, apresenta-se ao mundo com vestes de pacificação e a promessa de um "meio-termo" virtuoso. No entanto, para aqueles que ousam olhar além da superfície e encarar a verdade nas entrelinhas, revela-se uma "engenharia da impunidade" que extrapola a política: é uma armadilha, um verdadeiro artefato de destruição que ameaça romper o equilíbrio do sistema penal brasileiro e lançar a Suprema Corte em um abismo de descrédito.


Presidente da Câmara, Hugo Motta, colocou em pauta o PL da Dosimetria | Imagem: Ton Molina/Estadão Conteúdo
Presidente da Câmara, Hugo Motta, colocou em pauta o PL da Dosimetria | Imagem: Ton Molina/Estadão Conteúdo

O texto do Substitutivo, que nossa reportagem dissecou como quem desvenda um pergaminho antigo e perigoso, não opera apenas como um perdão velado a um grupo específico; ele promove uma reestruturação profunda, quase mágica e oportunista, do Código Penal e da Lei de Execução Penal. O resultado prático é a abertura de portais para a liberdade que beneficiarão não apenas os que clamavam nas ruas, mas uma casta de criaturas de alta periculosidade social: lavadores de dinheiro, estelionatários e os senhores da corrupção que, até então, sentiam o cerco da justiça se fechar.


O "Liberou Geral": o fruto proibido que a Corrupção cobiça com o PL da Dosimetria


O aspecto mais terrível e menos visível deste projeto esconde-se onde poucos têm a curiosidade de olhar: na matemática fria da progressão de regime. Sob a justificativa aparentemente inofensiva de "adequar sanções", o texto altera drasticamente o Artigo 112 da Lei de Execução Penal, trazendo de volta uma regra antiga e sedutora: o cumprimento de apenas 1/6 (um sexto) da pena para a progressão. O ardil, a verdadeira maldição legislativa, reside no fato de que o projeto deixa de fora das regras mais rígidas qualquer crime que não envolva, explicitamente, "violência ou grave ameaça".


Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Eis que surge o detalhe sombrio que transforma essa lei em um salvo-conduto para a elite: os crimes de colarinho branco (a corrupção que drena a vida da nação, o peculato e a lavagem de dinheiro) são cometidos no silêncio dos gabinetes, através de canetas e transações invisíveis, sem o derramamento de sangue físico. Pela nova regra, esses criminosos, que causam dor e sofrimento a milhares, teriam acesso a um dom negado ao ladrão comum.


O texto do substitutivo é cristalino, como uma sentença de destino, ao definir a regra geral benéfica:


"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão, observadas as seguintes exceções..."

Ao listar as exceções que exigiriam um sacrifício maior de tempo (25%, 30% ou mais), o texto amarra o rigor à violência física, excluindo intencionalmente os crimes financeiros, como quem protege os seus:


"I- Se o apenado for primário e for condenado pela prática de crimes previstos nos Títulos I e II da Parte Especial do Código Penal mediante exercício de violência ou grave ameaça, deverá ser cumprido ao menos 25% (vinte e cinco por cento) da pena;"

A conta da injustiça é amarga:


Imagine um cenário onde um político influente, condenado a 12 anos por desviar recursos vitais, se vê diante dessa nova realidade. Como seu crime foi cometido sem violência física, ele cairia na regra suave de 1/6. Isso significa que, após cumprir apenas 2 anos isolado do mundo, ele já estaria livre para caminhar sob o sol do regime semiaberto.


Em contraste, um jovem condenado à mesma pena por um assalto com faca, teria que provar do amargor da prisão por, no mínimo, 3 anos (25%). Sob o pretexto de anistiar manifestantes, o Congresso está prestes a aprovar uma distorção moral onde o crime financeiro compensa, incentivado pela certeza de que a punição será breve, como um pesadelo passageiro.


O que realmente esconde o PL da Dosimetria sob sua máscara de pacificação?

Trata-se de uma manobra legislativa que, embora se venda como uma busca pela harmonia e pelo "meio-termo", oculta um mecanismo matemático desenhado para destroçar as penas já aplicadas pela justiça e abrir as portas da liberdade para crimes graves.

A mudança na regra de 1/6 beneficia apenas os envolvidos no 8 de janeiro?

Não. Este é o efeito colateral mais perverso. A nova regra, ao excluir crimes sem violência física do rigor da lei, estende um tapete vermelho para corruptos, lavadores de dinheiro e estelionatários, permitindo que deixem a prisão muito antes de um ladrão comum.

Como o projeto desafia a autoridade do Supremo Tribunal Federal?

O projeto se ergue como um "senhor do tempo", utilizando o princípio da retroatividade para anular e reescrever decisões passadas da Suprema Corte. O Congresso, na prática, assume o papel de uma instância superior, julgando os juízes e alterando a realidade conforme sua vontade política.

A redução de pena é significativa ou apenas simbólica?

É drástica e assustadora. A combinação do fim da soma das penas com o desconto para atos em "multidão" pode reduzir uma condenação de 18 anos para menos de 5 anos, transformando a punição severa em uma breve estadia carcerária.


O que acontece com a justiça se esse projeto for aprovado?

O equilíbrio se rompe. A mensagem enviada é a de que a lei é flexível para os poderosos e que decisões judiciais podem ser desfeitas pela caneta legislativa, mergulhando o país em uma era de insegurança jurídica e descrédito institucional.


Ataque à Democracia: o Legislativo como o Senhor do Destino


O segundo pilar desta trama é um ataque frontal ao equilíbrio dos poderes, algo que deveria ser sagrado. O relatório não esconde seu desejo: revisar, corrigir e, na prática, anular as decisões já tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como se o Parlamento pudesse voltar no tempo e desfazer o que foi feito. O texto classifica as condenações da Corte como "desproporcionais", colocando-se na posição de juiz supremo, acima do bem e do mal.


Hugo Motta - (crédito: Julio Dutra/Republicanos)
Hugo Motta - (crédito: Julio Dutra/Republicanos)

O Relator justifica essa intervenção extraordinária, desafiando a autoridade estabelecida com o seguinte argumento:


"O Substitutivo ora proposto tem seu foco na redução do cálculo das penas, pois é papel do Congresso Nacional definir os fatos que constituem crimes por violarem bens jurídicos relevantes, calibrar a pena mínima e a pena máxima de cada tipo penal, bem como a forma geral de cálculo das penas. Fazemos isso o tempo todo, sempre conectados com os anseios e as pressões da sociedade civil por nós representada."

Para garantir que essa "calibragem" atinja o passado,  algo que a natureza das coisas geralmente proíbe, o projeto invoca um poder antigo da Constituição: a retroatividade da lei penal. Assim, força o Judiciário a reabrir os livros do destino e refazer os cálculos:


"Com base nas leis que aprovamos, o Judiciário posteriormente fará a dosimetria adequada, aplicando os limites e critérios legais em cada caso concreto. E, claro, a lei penal posterior mais favorável ao réu deverá ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência, por força do princípio da retroatividade da lei penal benéfica, agasalhado no art. 5º, inciso XL, da Constituição de 1988."

Na prática, o Congresso se arvora como uma "Quarta Instância". A mensagem que ecoa é aterrorizante para a segurança jurídica: se a Justiça condenar quem possui aliados poderosos, a lei será mudada para apagar a condenação, como se ela nunca tivesse existido. Não buscam um futuro melhor, mas manipular o passado, ferindo a autonomia do Judiciário e gerando uma crise institucional de proporções épicas.


A mentira revelada: A Ilusão da "Anistia Disfarçada"


Por fim, o projeto tenta ludibriar a todos, evitando a palavra "anistia total". A estratégia é vender a ideia de que ainda haverá punição, porém de forma "equilibrada". Contudo, a curiosidade humana, ao analisar a matemática embutida nos novos artigos, descobre que o "equilíbrio" é uma falácia, uma ilusão criada para garantir a impunidade.


O projeto introduz dois novos artigos (359-M-A e 359-V) desenhados cirurgicamente para triturar as penas, reduzindo-as a pó.


Primeiro, o texto proíbe a soma das penas, obrigando o uso de uma regra onde se aplica apenas a pena do crime mais grave com um pequeno aumento, vedando o acúmulo:


"Art. 359-M-A. Quando os delitos deste Capítulo estão inseridos no mesmo contexto, a pena deverá ser aplicada, ainda que existente desígnio autônomo, na forma do concurso formal próprio de que trata a primeira parte do art. 70, vedando-se a aplicação do cômputo cumulativo previsto na segunda parte desse dispositivo e no art. 69 deste Código."

Não satisfeito, o projeto cria um desconto massivo para quem agiu em "multidão", reduzindo a pena restante entre um terço e dois terços, sob a premissa de que a culpa se dilui no meio de muitos:


"Art. 359-V. Quando os crimes previstos neste capítulo forem praticados em contexto de multidão, a pena será reduzida de um terço a dois terços, desde que o agente não tenha praticado ato de financiamento ou exercido papel de liderança."

O milagre sombrio da multiplicação do perdão:


Para entender a gravidade, tomemos o exemplo de um réu condenado hoje a 17 ou 18 anos de prisão.


  1. Fase 1 (O fim da soma): Com a aplicação obrigatória da nova regra, a pena não seria mais a soma, mas sim a maior pena acrescida de uma fração mínima. Isso derrubaria a condenação inicial para cerca de 14 anos.

  2. Fase 2 (O desconto da multidão): Sobre esses anos restantes, aplicaria-se a redução drástica. Sendo conservadores, a pena cairia para algo em torno de 9 anos. Se o juiz aplicar a redução máxima, a pena poderia cair para menos de 5 anos.


Na prática, o projeto corta a punição pela metade ou mais. O discurso filosófico citado no relatório — "a virtude consiste em saber encontrar o meio-termo entre dois extremos" — serve apenas como um verniz erudito para camuflar uma operação de desmonte da responsabilidade.


O PL da Dosimetria não é uma correção de rumos; é um manifesto contra a autoridade e um convite aberto à impunidade, escrito nas entrelinhas de cálculos complexos para que a sociedade não perceba, até que seja tarde demais, que os portões foram abertos — não só para os extremistas, mas para os corruptos que sempre apostaram que poderiam fazer o que bem quisessem e entendessem.



 
 
 
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