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Por Raul Silva - Especialista em Literatura para o Radar Literário.


Fonte: GettyImages

É comum ouvirmos que a língua portuguesa apresenta desafios significativos para seu domínio. De fato, como herdeira do latim — assim como o espanhol e o italiano —, ela carrega em sua história transformações fonéticas, morfológicas e sintáticas que justificam parte de sua complexidade. Contudo, as dificuldades enfrentadas por estudantes e falantes não se restringem apenas às nuances estruturais. Elas estão entrelaçadas a fatores sociais, educacionais e até afetivos, que refletem a relação entre identidade, cultura e educação em nosso país.


Muitos alunos destacam a gramática normativa como um obstáculo intransponível, associando-a à incapacidade de escrever ou falar "corretamente". No entanto, a linguística contemporânea nos lembra que não há "erro" na fala espontânea, mas variações linguísticas legítimas, marcadas por contextos regionais, sociais e históricos. A escola, nesse sentido, tem o duplo papel de valorizar a diversidade linguística do aluno e introduzi-lo à norma padrão, mostrando que ambas coexistem em diferentes esferas: enquanto a linguagem informal permeia relações cotidianas, a norma culta abre portas em ambientes acadêmicos, profissionais e jurídicos.


Entretanto, reduzir o domínio da língua ao conhecimento gramatical é um equívoco. Basta observarmos falantes eloquentes que desconhecem regras formais, ou escritores que transcendem normas para criar obras-primas. Isso revela que a fluência linguística está menos vinculada à decoreba de regras e mais à imersão em práticas sociais de comunicação. Nesse contexto, emerge um problema estrutural: a crise de leitura no Brasil.


Apesar de vivermos na era da informação, com acesso gratuito a bibliotecas digitais, e-books e plataformas educacionais, o hábito de ler ainda é negligenciado. Livros físicos, embora mais acessíveis que no passado, continuam caros para muitos, mas a resistência à leitura vai além do fator econômico. Há uma cultura que prioriza o consumo imediatista — de redes sociais a entretenimento rápido — em detrimento do investimento no intelecto. Enquanto isso, famílias e escolas muitas vezes reproduzem a ideia de que ler é "entediante" ou "perda de tempo", ignorando seu potencial transformador.


O resultado é evidente: alunos com vocabulário limitado, dificuldade de interpretação de textos e pouca familiaridade com estruturas linguísticas complexas. A leitura, no entanto, é a chave para romper esse ciclo. Quando um jovem lê — seja um romance, uma notícia ou até posts bem elaborados —, ele internaliza naturalmente construções gramaticais, amplia seu repertório lexical e desenvolve a capacidade de articular ideias. Além disso, a leitura estimula o pensamento crítico, permitindo que ele compreenda nuances de diferentes discursos, identifique fake news e posicione-se de maneira consciente na sociedade.


Não se trata de romantizar a leitura como solução mágica, mas de reconhecer seu papel na formação integral. O aluno leitor não apenas domina melhor a língua: ele se torna capaz de transitar entre registros formais e informais, adaptando sua comunicação a cada contexto. Essa habilidade é crucial em um mundo onde a escrita ganhou novas dimensões — de e-mails profissionais a debates em redes sociais.


Portanto, o ensino de português precisa ir além da gramática descontextualizada. É urgente que as escolas integrem a leitura como eixo central, promovendo acesso a obras diversas (da literatura clássica à contemporânea), incentivando rodas de discussão e conectando textos à realidade dos alunos. Projetos interdisciplinares, por exemplo, podem mostrar como a língua dialoga com história, ciências e até com as artes. Paralelamente, é preciso combater estereótipos que associam livros a uma elite, destacando iniciativas públicas como bibliotecas comunitárias e acervos digitais gratuitos.


Em um país marcado por desigualdades, a leitura é mais que um instrumento linguístico: é uma ferramenta de emancipação. Ela permite que jovens compreendam seus direitos, questionem estruturas de poder e reescrevam suas próprias histórias. Ensinar português, portanto, é também ensinar cidadania — e isso só se concretiza quando as palavras saltam das páginas para ganhar significado na vida real.

 
 
 

Por: Raul Silva - Jornalista do Radar Literário


O fenômeno da ascensão da apologia ao nazismo no Brasil, evidenciado por um aumento de 242% nos últimos cinco anos, reflete um complexo conjunto de fatores sociopolíticos e culturais que demandam uma análise aprofundada. Dados da Polícia Federal e de organizações como a SaferNet indicam uma escalada preocupante no volume de ocorrências, predominantemente concentradas em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro. O crescimento desse fenômeno não ocorre de maneira isolada, mas sim inserido em um contexto global de recrudescimento de movimentos ultraconservadores, impulsionados por discursos revisionistas e pela reinterpretação da liberdade de expressão como um salvo-conduto para a propagação do ódio.


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A Lei nº 7.716/89, criada para coibir manifestações que incitam o racismo e o neonazismo, enfrenta desafios imensos na contemporaneidade, especialmente no cenário digital. A multiplicação de conteúdos extremistas em plataformas como Twitter, Instagram e TikTok evidencia a ineficácia dos mecanismos de controle, exacerbada pela lógica algorítmica que privilegia o engajamento em detrimento da responsabilidade ética. Estudos da SaferNet demonstram que mais de 20 mil denúncias anuais envolvem crimes de ódio, dos quais uma parcela significativa está vinculada à difusão de símbolos e ideologias neonazistas. A fragilidade das regulações e a ambiguidade das diretrizes de moderação dessas plataformas contribuem para a consolidação desse cenário.


O crescimento exponencial das ocorrências, que saltaram de um patamar residual em 2020 para mais de 80 casos registrados formalmente em 2023, ilustra uma perigosa banalização de discursos racistas e antidemocráticos. O fenômeno apresenta variações regionais relevantes, com grandes centros urbanos despontando como epicentros da radicalização, exigindo políticas públicas que sejam tanto nacionais quanto localmente calibradas. Além disso, investigações apontam para a existência de redes organizadas que promovem encontros clandestinos e disseminam propaganda extremista em ambientes digitais subterrâneos, como fóruns na deep web e grupos de mensagens criptografadas.


A vulnerabilidade da juventude nesse processo é um dos aspectos mais alarmantes. Estudos indicam que jovens, em busca de pertencimento e identidade, são alvos preferenciais de grupos neonazistas que operam por meio de estratégias sofisticadas de recrutamento digital. Esses espaços promovem uma construção narrativa que mescla revisionismo histórico, teorias conspiratórias e um discurso de exclusividade, prometendo aos adeptos uma posição de distinção dentro de uma suposta elite racial e ideológica. O acesso precoce a essas comunidades, muitas vezes facilitado pela negligência institucional na educação digital, acelera processos de radicalização e dificulta intervenções preventivas.


No âmbito político, a ascensão de discursos extremistas reflete uma deterioração do debate público. Pesquisas da Fundação Getulio Vargas (FGV) indicam que, em anos eleitorais, há um aumento na circulação de simbologia nazista e discursos de ódio nas redes sociais, muitas vezes instrumentalizados por candidatos e grupos políticos que buscam deslegitimar adversários e amplificar divisões sociais. Essa instrumentalização revela a insuficiência da regulação digital e a necessidade de mecanismos mais eficazes de responsabilização de agentes públicos que, de forma deliberada ou negligente, fomentam discursos que relativizam ou normalizam manifestações neonazistas.


O enfrentamento dessa tendência requer um esforço multidimensional, que perpassa desde o fortalecimento das políticas de regulação digital até a implementação de estratégias educativas robustas, focadas no letramento crítico e na cidadania digital. A desconstrução do discurso neonazista deve ser conduzida por meio de uma abordagem interdisciplinar, que envolva historiadores, sociólogos, educadores e especialistas em segurança digital. Além disso, a cooperação entre organismos governamentais, instituições acadêmicas e sociedade civil se torna imprescindível para a criação de programas eficazes de monitoramento e intervenção.


O Brasil, ao longo de sua história, consolidou-se como uma nação plural e marcada por uma rica diversidade cultural. Entretanto, a crescente presença do neonazismo e a normalização do discurso de ódio representam um desafio crítico para a manutenção dos princípios democráticos. O combate a essa ameaça exige não apenas a repressão jurídica e o endurecimento das penalidades legais, mas também um compromisso coletivo com a educação para a cidadania, a preservação da memória histórica e a valorização da diversidade como fundamento de uma sociedade justa e equitativa.


A escalada da apologia ao nazismo no Brasil não pode ser subestimada. Cada ocorrência registrada deve ser compreendida não apenas como um evento isolado, mas como parte de uma conjuntura que, se não contida, pode corroer as bases democráticas do país. A sociedade brasileira precisa transformar cada dado alarmante em um chamado à ação, convertendo o enfrentamento ao extremismo em uma prioridade nacional, sustentada por políticas públicas eficazes, regulação digital responsável e um compromisso inegociável com os valores humanistas e democráticos.


Fontes:



 
 
 
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