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Atualizado: 31 de ago.

Na madrugada silenciosa de sábado, 30 de agosto de 2025, às 00h40, o Brasil perdeu uma de suas vozes literárias mais queridas e reconhecidas. Luis Fernando Veríssimo, o mestre da crônica brasileira, morreu aos 88 anos no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, vítima de complicações decorrentes de uma pneumonia. Estava internado na UTI desde 11 de agosto, travando sua última batalha contra uma doença que se iniciou como um simples princípio de pneumonia, mas que evoluiu gravemente devido às múltiplas fragilidades de saúde que enfrentava nos últimos anos.


Luis Fernando Verissimo é autor de mais de 70 livros publicados (Foto: TV Globo, Reprodução)
Luis Fernando Verissimo é autor de mais de 70 livros publicados (Foto: TV Globo, Reprodução)

O escritor partiu "tranquilo, como sempre viveu", segundo palavras de sua família, rodeado pelo amor incondicional de Lúcia Helena Massa, sua companheira por 61 anos de casamento, e dos três filhos: Pedro, Fernanda e Mariana Veríssimo. Sua partida marca o fim de uma era dourada da literatura nacional, deixando órfãos milhões de leitores que cresceram sorrindo e refletindo com suas crônicas geniais.


O menino que viveu entre dois mundos


Luis Fernando Lopes Veríssimo nasceu em 26 de setembro de 1936, em Porto Alegre, como herdeiro de um dos maiores legados literários do Brasil - era filho de Érico Veríssimo e Mafalda Halfen Volpe. Mas sua formação foi profundamente marcada por uma infância cosmopolita que moldaria para sempre sua visão de mundo e seu estilo único de escrever.


Entre 1941 e 1945, ainda criança, viveu nos Estados Unidos, onde seu pai lecionou literatura brasileira nas prestigiosas universidades de Berkeley e Oakland, na Califórnia. Ali, o pequeno Luis cursou o ensino primário em San Francisco e Los Angeles, absorvendo desde cedo a influência da cultura americana que deixaria marcas permanentes em sua personalidade e obra.


Em 1953, a família Veríssimo retornou à América quando Érico assumiu a direção do Departamento Cultural da União Pan-Americana, em Washington, só regressando definitivamente ao Brasil em 1956. Durante esses anos formativos nos Estados Unidos, Luis Fernando estudou no Roosevelt High School, em Washington, período crucial onde desenvolveu sua paixão inabalável pelo jazz e aprendeu a tocar saxofone - instrumento que se tornaria uma constante em sua vida, chegando a formar o grupo musical "Jazz 6" décadas depois.


Essa experiência bicultural foi fundamental para moldar sua sensibilidade literária única: Luis Fernando cresceu dominando perfeitamente o inglês - tanto que, ironicamente, nos seus últimos anos, após o AVC de 2021, as poucas palavras que conseguia pronunciar eram em inglês, como se a doença o tivesse reconectado com suas raízes americanas da juventude.


Os primeiros assos na literatura e no jornalismo


De volta a Porto Alegre, Luis Fernando inicialmente trabalhou na Editora Globo, no departamento de artes. Em 1960, revelando sua face musical, passou a integrar o conjunto "Renato e seu Sexteto", que se apresentava profissionalmente na capital gaúcha. Era um jovem em busca de sua identidade, dividido entre a música - sua verdadeira paixão - e a escrita, que parecia estar em seu DNA familiar.


Em 1962, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como tradutor e redator publicitário. Foi nesta fase que conheceu Lúcia Helena Massa, uma carioca por quem se apaixonou perdidamente e com quem se casou em 1963, construindo um dos relacionamentos mais sólidos e duradouros da literatura brasileira - união que duraria impressionantes 61 anos.


O ano de 1967 marcou um divisor de águas em sua carreira: retornou a Porto Alegre e ingressou no jornal Zero Hora como revisor de textos - função aparentemente modesta que se revelaria o pontapé inicial de uma trajetória extraordinária. A partir de 1969, conseguiu assinar sua própria coluna diária, inicialmente focada no Internacional, clube pelo qual nutria uma paixão fanática que duraria toda a vida.


Paralelamente, começou a trabalhar na agência de publicidade MPM Propaganda, desenvolvendo suas habilidades criativas em múltiplas frentes. Entre 1970 e 1975, expandiu sua atuação jornalística trabalhando no jornal Folha da Manhã, escrevendo sobre esporte, música, cinema, literatura e política - sempre com o humor bem-humorado que se tornaria sua marca registrada.


O nascimento de um fenômeno editorial


Em 1971, juntamente com um grupo de amigos da imprensa e da publicidade porto-alegrense, Luis Fernando criou o semanário alternativo "O Pato Macho", com textos de humor. Era uma publicação irreverente que já mostrava sinais do que viria a ser seu estilo inconfundível: crítica social envolvida em humor inteligente.


O ano de 1973 marcou oficialmente o nascimento do escritor Luis Fernando Veríssimo com a publicação de "O Popular", seu primeiro livro. A obra abriu caminho para uma produção literária consistente que se estenderia por mais de cinco décadas. Desde então, construiu uma marca literária indissociável do humor crítico e da ironia leve, características que sustentaram o interesse constante de editoras, jornais e do público leitor.


Sua capacidade de transformar o cotidiano banal em extraordinário logo se tornou evidente. Luis Fernando tinha o dom raro de fazer os leitores rirem de suas próprias fraquezas e absurdos, criando uma identificação profunda com a classe média brasileira. Suas crônicas publicadas no Zero Hora, O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, O Globo e na revista Veja transformaram-no no cronista mais lido do país.


Os personagens que conquistaram o brasil


O universo criativo de Veríssimo deu vida a personagens que transcenderam as páginas dos livros para se tornarem patrimônio cultural nacional. O Analista de Bagé, criado em 1981, foi um fenômeno editorial e cultural sem precedentes - um psicanalista de formação freudiana ortodoxa, mas com sotaque, linguajar e costumes típicos da fronteira gaúcha. O livro teve a primeira edição esgotada em apenas uma semana, revelando a fome do público por aquele tipo de humor inteligente.


O personagem inspirou histórias em quadrinhos desenhadas por Edgar Vasques e chegou até mesmo ao cinema, consolidando Veríssimo como um criador de personagens memoráveis. O Analista representava a genialidade do autor em combinar o erudito com o popular, o universal com o regional, criando algo genuinamente brasileiro e ao mesmo tempo universalmente compreensível.


A Velhinha de Taubaté, lançada em 1983, era "a única pessoa que ainda acreditava no governo" durante os estertores da ditadura militar. Com essa criação, Veríssimo demonstrou sua capacidade excepcional de usar o humor como instrumento de crítica social e política, sempre de forma sutil e inteligente, nunca panfletária ou agressiva.


Ed Mort, o detetive criado em 1979, tornou-se protagonista de tiras em quadrinhos e ganhou adaptação cinematográfica com Paulo Betti no papel-título. O personagem representava a versão brasileira e bem-humorada dos detetives noir americanos, mais uma demonstração da habilidade de Veríssimo em antropofagiar influências estrangeiras e criar algo genuinamente nacional.


A Família Brasil, criada em 1988 e publicada no Estadão por quase três décadas, tornou-se um retrato definitivo da classe média brasileira. Composta por personagens arquetípicos - o pai de profissão desconhecida, a mãe dona de casa, o filho adolescente, a filha e o namorado Boca - a tirinha acompanhou e comentou as transformações do país por quase 30 anos, até ser encerrada pelo próprio autor em agosto de 2017.


O império literário de um Mestre


Ao longo de sua carreira, Luis Fernando Veríssimo construiu um verdadeiro império editorial, publicando mais de 80 livros que somaram impressionantes 5,6 milhões de exemplares vendidos. Suas obras foram traduzidas para mais de 15 idiomas, levando o humor brasileiro para o mundo inteiro.


Entre suas obras mais significativas estão "Comédias da Vida Privada" (1994), que se tornou um marco da literatura brasileira e foi adaptada para a televisão pela Rede Globo entre 1995 e 1997. A série, com roteiros de Jorge Furtado e direção de Guel Arraes, foi um marco na televisão nacional, provando que era possível fazer entretenimento inteligente e de qualidade. O sucesso foi tão grande que gerou uma sequência: "Novas Comédias da Vida Privada" (1996).


Outras obras fundamentais incluem "O Gigolô das Palavras" (1982), "Peças Íntimas" (1990), "Ed Mort, Todas as Histórias" (1997), "Borges e os Orangotangos Eternos" (2000), "O Clube dos Anjos" (1998) e "Comédias para se Ler na Escola" (2000) - esta última particularmente importante por democratizar a literatura, introduzindo gerações de jovens ao prazer da leitura.


O reconhecimento de uma carreira brilhante


Luis Fernando Veríssimo acumulou ao longo da vida diversos prêmios e reconhecimentos que atestavam sua importância na cultura brasileira. Em 1989, recebeu o Prêmio Direitos Humanos da OAB. Em 1995, foi eleito "Homem de Ideias do ano" pelo caderno "Ideias" do Jornal do Brasil.


O ano de 1996 foi especialmente pródigo em homenagens: recebeu a "Medalha de Resistência Chico Mendes" da ONG Tortura Nunca Mais, a "Medalha do Mérito Pedro Ernesto" da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro e o "Prêmio Formador de Opinião" da Associação Brasileira de Empresas de Relações Públicas.


Em 1997, coroou essa sequência de reconhecimentos com o "Prêmio Juca Pato" da União Brasileira de Escritores como Intelectual do ano. Em 1999, recebeu ainda o Prêmio Multicultural Estadão. O ápice veio em 2013, quando conquistou o Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Ficção com "Diálogos Impossíveis", o mais prestigioso reconhecimento da literatura nacional.


A paixão musical que nunca se apagou


Paralelamente à carreira literária, Luis Fernando Veríssimo manteve sempre acesa sua paixão pela música, especialmente o jazz. Em 1995, por iniciativa do contrabaixista Jorge Gerhardt, foi criado o grupo "Jazz 6" - ironicamente "o menor sexteto do mundo", com apenas 5 integrantes. Além de Veríssimo no saxofone e Gerhardt no contrabaixo, faziam parte do grupo Luiz Fernando Rocha (trompete e flugelhorn), Adão Pinheiro (piano) e Gilberto Lima (bateria).


O grupo lançou quatro CDs: "Agora é a Hora" (1997), "Speak Low" (2000), "A Bossa do Jazz" (2003) e "Four" (2006). Como os demais membros eram "músicos em tempo integral", o grupo dependia da agenda de Veríssimo para se apresentar, mas manteve-se ativo por anos, revelando a face musical de um homem que sempre sonhou secretamente em viver apenas da música.


Em 2015, gravou um CD especial com a dupla Kleiton & Kledir, demonstrando que mesmo na velhice mantinha vivo seu amor pelos sons. O saxofone, que aprendeu aos 16 anos quando morava nos Estados Unidos, foi seu companheiro fiel por décadas, só sendo abandonado nos últimos anos devido às limitações impostas pela doença de Parkinson.


O homem por trás do escritor


Luis Fernando Veríssimo era conhecido por sua personalidade extremamente reservada e lacônica. "Nunca fui muito íntimo de mim mesmo, nunca examinei o que eu fiz, o que eu deixo de fazer", declarou quando completou 80 anos. Era um homem de poucas palavras na vida real, contrastando com a verborragia criativa de seus textos.


Lúcia Helena Massa, sua esposa, foi descrita como "sua voz" - ela "fazia as coisas da vida para ele": resolvia problemas, ia aos bancos, entregava as colunas nos jornais nos tempos pré-internet. Era "sua razão de fazer a vida andar com calma e amor", o alicerce que permitia que o gênio criativo de Luis Fernando florescesse sem as preocupações cotidianas.


O casal teve três filhos: Fernanda, a mais velha, que mora perto dos pais e se dedica atualmente à memória do avô Érico Veríssimo no ano em que se comemoram 120 anos de seu nascimento e 50 de sua morte. Fernanda deu ao casal a neta Lucinda, hoje com 17 anos. Mariana mora em São Paulo e presenteou-os com o neto Davi, de 12 anos. Pedro, o caçula, era publicitário e hoje canta e compõe, seguindo as inclinações musicais do pai.


Durante toda a vida, Luis Fernando viveu na mesma casa do bairro Petrópolis, em Porto Alegre, adquirida por seu pai Érico Veríssimo em 1941. A casa familiar foi o refúgio onde ele criou suas obras mais importantes e onde passou os últimos anos cercado pelo carinho da família.

As convicções políticas e sociais


Politicamente, Luis Fernando nunca escondeu suas convicções de esquerda, chegando a se definir como "um esquerdista desiludido". "Em um país com tanta desigualdade social, ser de esquerda não é uma opção, é decorrência", declarou, resumindo sua visão sobre o papel do intelectual na sociedade brasileira.


Durante a ditadura militar, usou seu humor como forma de resistência sutil mas efetiva. Personagens como A Velhinha de Taubaté eram claras críticas ao regime, mas apresentadas de forma tão inteligente e bem-humorada que escapavam da censura. Era um mestre da crítica social indireta, capaz de denunciar absurdos sem jamais cair no panfleto ou na agressividade gratuita.


Nos últimos anos, no entanto, desinteressou-se pelas questões políticas.


"Nos últimos tempos se desinteressou. Um sábio", comentou Lúcia, "certamente olhando o quadro caótico que vivemos nesta área".

Era como se, na sabedoria da velhice, tivesse compreendido que sua contribuição para o país já estava dada através de sua obra literária.


Os últimos anos: A luta contra as adversidades


Os anos finais da vida de Luis Fernando Veríssimo foram marcados por uma sucessão de problemas de saúde que gradualmente limitaram suas capacidades. Em 2016, foi necessário implantar um marca-passo após complicações cardíacas. Desenvolveu também a doença de Parkinson, que afetou progressivamente seus movimentos.


O golpe mais devastador veio em janeiro de 2021, quando sofreu um grave acidente vascular cerebral (AVC) que afetou sua capacidade cognitiva de ordenar pensamentos, forçando-o a se afastar definitivamente da escrita - atividade que exercera por mais de cinco décadas. "O escritor já não consegue mais escrever e tem dificuldades para falar", informou a família.


Paradoxalmente, uma das sequelas mais curiosas do AVC foi que Luis Fernando mantinha maior facilidade para se comunicar em inglês do que em português - como se a doença o tivesse reconectado com os anos de formação nos Estados Unidos.


"As poucas palavras que conseguia pronunciar eram em inglês", relatou Lúcia à Folha de S. Paulo.

Nos últimos anos, enfrentou ainda outros problemas: câncer na mandíbula (com cirurgia em novembro de 2020), câncer de pele, herpes zoster e diversas infecções. Em 2013, já havia passado por uma grave internação na UTI devido a uma gripe que evoluiu para infecção generalizada.


"Para quem passou a vida escrevendo, fazendo humor através das palavras, sendo escritor, cartunista, tradutor, roteirista, dramaturgo e romancista, os últimos tempos de LFV foram difíceis, complicados e de sofrimento, embora ele nunca se queixasse", relatou o jornal Brasil de Fato.

Os últimos dias: A pneumonia fatal


Em 11 de agosto de 2025, Luis Fernando Veríssimo deu entrada no Hospital Moinhos de Vento com o que inicialmente parecia ser um "princípio de pneumonia leve". Segundo informações divulgadas pela família em 17 de agosto, ele estava internado "desde a semana anterior por conta de uma pneumonia leve que foi piorando".


O quadro, que inicialmente não parecia grave, foi se complicando progressivamente. O boletim médico de 17 de agosto já classificava seu estado como "grave", informando que o paciente "encontra-se internado no Centro de Terapia Intensiva Adulto da instituição, em estado grave, recebendo todas as medidas de suporte necessárias".


Durante os 19 dias de internação, Luis Fernando lutou contra as complicações da pneumonia, agravadas por suas múltiplas comorbidades: Parkinson, problemas cardíacos, sequelas do AVC de 2021 e a idade avançada de 88 anos. Era uma batalha desigual contra um organismo já debilitado por anos de luta contra diversas enfermidades.


Na madrugada de sábado, 30 de agosto de 2025, às 00h40, o coração do grande cronista parou de bater.


"O Hospital Moinhos de Vento comunica o falecimento do escritor e cronista Luis Fernando Verissimo, às 00h40 deste sábado (30), devido a complicações decorrentes de uma pneumonia", informou a nota oficial da instituição.

A filosofia diante da morte


Ao longo de sua vida, Luis Fernando Veríssimo sempre encarou a morte com a mesma mistura de melancolia e ironia que caracterizava toda sua obra. Em 2011, declarou à Folha de S. Paulo:


"A morte é uma injustiça, essa é a melhor descrição. Mas temos que viver com ela". "Estamos nos tornando mais lentos de pensamento. Nesse aspecto, sinto a velhice. Mas o que resta é tentar aproveitar a vida da melhor forma. Enquanto eu puder aproveitar minha janela, ir ao cinema, viajar, vou levando".

Dois anos depois, em 2013, após uma grave internação na UTI, foi ainda mais contundente: "A morte é uma sacanagem. Estou cada vez mais contra". Era uma declaração típica de seu humor: transformar o drama existencial em uma frase ao mesmo tempo profunda e engraçada.


Em outra ocasião, demonstrou sua visão filosófica da existência:


"Uma vez me perguntaram o que eu achava da passagem do tempo, e eu disse: sou contra. Mas, no fim, é o tempo que nos controla".

E completava com sua sabedoria melancólica:


"No fim, pensando bem, a vida é uma grande piada. Acontece tudo isso com a gente, e a gente morre... que piada, né? Que piada de mau gosto. Mas acho que temos que encarar isso com uma certa resignação, uma certa bonomia [bondade]".

O legado imortal de um gênio


Luis Fernando Veríssimo deixa um legado literário inestimável: mais de 80 livros publicados, 5,6 milhões de exemplares vendidos, obras traduzidas para mais de 15 idiomas e uma influência que marca gerações de escritores brasileiros. Mais do que números, deixa a certeza de que a literatura pode ser, simultaneamente, profunda e acessível, crítica e amorosa, universal e intimamente brasileira.


Suas crônicas democratizaram o ato de ler no Brasil, especialmente através de livros como "Comédias Para Se Ler na Escola", que introduziram milhares de jovens ao prazer da literatura. Sua escrita fluida, despojada de preciosismos, conseguia abordar temas complexos - desde relacionamentos amorosos até críticas sociais - com uma leveza que nunca comprometia a profundidade.


Era capaz de fazer o leitor refletir enquanto sorria - uma combinação rara e preciosa na literatura mundial. Seus personagens - O Analista de Bagé, Ed Mort, A Velhinha de Taubaté, A Família Brasil - tornaram-se patrimônio cultural brasileiro, povoando o imaginário coletivo com a mesma força de personagens clássicos da literatura universal.


"Sábio é quem conhece os limites da própria ignorância... e ainda assim se arrisca" - uma de suas frases que resume perfeitamente a trajetória de quem nunca deixou de se surpreender com a vida e de nos surpreender com suas palavras.


A despedida de uma nação agradecida


A morte de Luis Fernando Veríssimo provocou uma comoção nacional raramente vista pela perda de um escritor. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou pesar pela perda de quem classificou como "dono de múltiplos talentos" e criador de "personagens inesquecíveis".


O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, decretou três dias de luto oficial no estado e declarou que "o Rio Grande do Sul se despede de um gênio da escrita, mas suas histórias seguirão entre nós, pois são imortais". O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, afirmou que "a cultura do Rio Grande do Sul e do Brasil tem um lugar reservado para Veríssimo".


O Sport Club Internacional, clube pelo qual Veríssimo declarou paixão durante toda a vida, relembrou um trecho da crônica "Não me acordem", sobre o título do Mundial de Clubes de 2006, chamando-o de "um dos maiores nomes da literatura nacional".


A escritora Martha Medeiros resumiu o sentimento de uma geração inteira:


"Obrigada, mestre, por todas as linhas, reflexões, epifanias, risadas, por toda a sua absoluta e inquestionável genialidade".

A eternidade do verbo


Luis Fernando Veríssimo morreu, mas sua palavra permanece viva e vibrante. Em cada página que escreveu, em cada personagem que criou, em cada sorriso que provocou, em cada reflexão que despertou, ele conquistou a única imortalidade possível para um escritor: viver eternamente na memória e no coração de seus leitores.


Hoje, quando se cala para sempre a voz que nos ensinou a rir de nós mesmos e a encontrar poesia no cotidiano mais prosaico, o Brasil perde não apenas um escritor, mas um intérprete sagaz de sua própria alma. Partiu o homem que transformou o ordinário em extraordinário, que fez do riso uma forma de resistência e da crônica uma arte maior.


Nas palavras que ele mesmo poderia ter escrito: partiu o cronista que soube, como poucos, capturar a essência do que significa ser brasileiro. Seu nome permanecerá eternamente ligado àqueles que compreenderam que a literatura não é um ornamento da cultura, mas sua própria essência.


Luis Fernando Veríssimo: 26 de setembro de 1936 - 30 de agosto de 2025.


O cronista da vida privada brasileira que se tornou patrimônio público de uma nação inteira. O gigante das letras que nos fez gigantes no riso e na reflexão. O mestre que nos ensinou que, mesmo diante dos absurdos da vida, sempre é possível encontrar uma razão para sorrir.


Descanse em paz, mestre. Suas palavras são eternas.

 
 
 

Episódio especial do "Teoria Literária" expõe o apagamento histórico de mulheres na literatura nacional e celebra Maria Firmina, Júlia Lopes, Carolina de Jesus e outras autoras geniais que desafiaram o silêncio.


Texto: Equipe Radar Literário | Edição: Raul Silva.


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A Literatura Brasileira Tem um Vazio — E Ele Tem Nome de Mulher


No Dia Internacional da Mulher, enquanto o mundo celebra conquistas femininas, o podcast Teoria Literária faz uma pergunta incômoda: quantas escritoras brasileiras você consegue citar além de Clarice Lispector e Cecília Meireles? A resposta, para a maioria, é poucas — ou nenhuma. Não por acaso, mas por um apagamento sistemático que excluiu mulheres, especialmente negras e pobres, da construção do cânone literário nacional.


No episódio "Vozes Apagadas: As Escritoras que o Brasil Esqueceu", disponível a partir de hoje no site do podcast, YouTube e principais plataformas de áudio, o apresentador Raul Silva mergulha em arquivos empoeirados, diários proibidos e romances censurados para resgatar cinco autoras cujas obras foram silenciadas por séculos.


Quem São Elas? Conheça as Escritoras que Desafiaram o Esquecimento


Maria Firmina
Maria Firmina
Maria Firmina dos Reis: A Mãe da Literatura Abolicionista

Nascida no Maranhão em 1822, Maria Firmina foi a primeira romancista negra do Brasil. Seu livro "Úrsula" (1859) é um marco: antecipou o abolicionismo literário em décadas, dando voz a personagens escravizados como Susana, uma africana idosa que narra o horror do navio negreiro. A obra, ignorada pela crítica da época, só foi redescoberta nos anos 1970. Firmina também fundou a primeira escola mista e racialmente inclusiva do país, em 1880.


"Enquanto José de Alencar idealizava indígenas românticos, Maria Firmina denunciava o tronco. Mas quem virou leitura obrigatória foi ele. Até quando?"



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Júlia Lopes de Almeida: A Excluída da Própria Academia

Uma das mentes por trás da criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1897, Júlia foi apagada da lista de fundadores por ser mulher. Seu lugar foi ocupado pelo marido, Filinto de Almeida. Autora de "A Falência" (1901), romance que critica o capitalismo e a hipocrisia burguesa, Júlia também defendeu o divórcio e a ecologia em artigos visionários. Sua obra, comparada a Machado de Assis, só começou a ser resgatada nos anos 2000.


Dado impactante: A ABL só elegeu uma mulher 80 anos depois: Rachel de Queiroz, em 1977.






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Carolina Maria de Jesus: A Catadora de Lixo que Chocou o Mundo

Autora de "Quarto de Despejo" (1960), diário escrito na favela do Canindé, Carolina expôs a fome e o racismo com uma crueza que a elite literária rejeitou. O livro vendeu 100 mil cópias em uma semana e foi traduzido para 14 idiomas, mas foi taxado de "literatura menor". Morreu na obscuridade em 1977, mas hoje é símbolo da resistência periférica.


"Enquanto a elite discutia tropicalismo, Carolina escrevia: ‘Vendi papel para comprar feijão’. Sua literatura era sobreviver."







Narcisa Amália e Auta de Souza: As Poetas que o Simbolismo Apagou


Narcisa Amália, jornalista pioneira e autora de "Nebulosas" (1872), foi ridicularizada como "histeria poética". Auta de Souza, poetisa mística do RN, teve cartas queimadas pela família para "preservar sua pureza". Ambas escreveram sobre dor e espiritualidade em versos comparados a Cruz e Sousa, mas foram apagadas por serem mulheres e nordestinas.


"Eu quero a luz que não se apaga, / A água que a sede não devora..."


O Episódio: Uma Jornada Sonora pela Memória


Dividido em sete atos, o episódio combina rigor histórico e emoção. Na Parte 2, Raul Silva detalha como a educação negada e os pseudônimos masculinos apagaram gerações de escritoras. Nas partes seguintes, biografias são entremeadas com:


  • Trechos dramáticos das obras, narrados por vozes femininas.

  • Trilha especial com musicas de Chiquinha Gonzaga outra mulher extremamente importante na cultura brasileira..

  • Trilha original com piano, cordas e tambores africanos, composta para refletir luta e esperança.


Chiquinha Gonzaga
Chiquinha Gonzaga

Chiquinha Gonzaga, reconhecida por suas composições de grande sucesso, especialmente impulsionadas pela popularidade nos teatros de revista, Chiquinha Gonzaga enfrentou graves abusos na exploração de suas obras. Diante dessa realidade, ela decidiu pioneiramente criar, em 1917, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), instituição pioneira na defesa e gestão de direitos autorais no Brasil.


"Essas mulheres não são ‘curiosidades’. São faróis. E o 8 de março nos lembra: quantas outras histórias ainda estão nas sombras?"










Por Que Ouvir Este Episódio no Dia 8 de Março?


  • Para reparar: Apenas 30% dos autores publicados no Brasil são mulheres, e só 4% são negras.

  • Para agir: O episódio indica projetos como "Escritoras Esquecidas" (UFMG) e editoras que resgatam obras femininas.

  • Para inspirar-se: Como diz Carolina Maria de Jesus, "enquanto a gente tem voz, a fome da alma não mata".


Como Acessar?


O episódio "Vozes Apagadas: As Escritoras que o Brasil Esqueceu" está disponível:



Neste 8 de março, o desafio do Teoria Literária é claro: ler mulheres esquecidas é revolucionário. Afinal, como Maria Firmina provou em 1859, a caneta pode ser mais afiada que o chicote. Ouça, compartilhe e deixe-se guiar por essas vozes que insistem em ecoar.


Clique aqui para ouvir agora e faça do Dia da Mulher um ato de memória.


 
 
 

Da redação do Radar Literário.


Nos últimos anos, os vestibulares das principais universidades brasileiras têm passado por uma transformação significativa, refletindo uma mudança cultural e social que busca valorizar a representatividade feminina na literatura. Autoras brasileiras, antes relegadas a um segundo plano, agora ocupam um espaço central nas listas de leituras obrigatórias, trazendo à tona narrativas que exploram temas como identidade, gênero, raça e desigualdade social. Essa tendência não apenas enriquece o repertório literário dos estudantes, mas também resgata vozes que foram historicamente silenciadas.


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A Fuvest, responsável pelo vestibular da Universidade de São Paulo (USP), deu um passo ousado ao anunciar que, a partir de 2026, sua lista de obras obrigatórias será composta exclusivamente por autoras mulheres. Essa decisão, que abrange os vestibulares de 2026 a 2028, inclui nomes como Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Rachel de Queiroz, Conceição Evaristo, Nísia Floresta, Narcisa Amália, Julia Lopes de Almeida, Paulina Chiziane e Djaimilia Pereira de Almeida. A iniciativa visa não apenas corrigir uma lacuna histórica, mas também destacar a importância das mulheres na construção do cânone literário brasileiro.


Clarice Lispector, uma das mais celebradas escritoras do século XX, está presente na lista com sua obra "A Paixão segundo G.H." (1964), um romance introspectivo que mergulha nas profundezas da psique humana. Já Lygia Fagundes Telles, conhecida por sua habilidade em retratar personagens complexos, é representada por "As Meninas" (1973), um livro que explora a vida de três jovens em meio à repressão política dos anos 1970. Rachel de Queiroz, pioneira na literatura regionalista, traz à lista "Caminho de Pedras" (1937) e "João Miguel" (1932), obras que refletem as lutas e desafios do Nordeste brasileiro.


Conceição Evaristo, uma das vozes mais importantes da literatura contemporânea, é destaque com "Canção para Ninar Menino Grande" (2018), uma obra que aborda as complexidades da masculinidade negra e suas interseções com gênero e raça. Sua presença nos vestibulares da USP, Unicamp e outras universidades reforça o papel da literatura como ferramenta de reflexão social.


Nísia Floresta, considerada a primeira feminista brasileira, é lembrada por suas obras "Opúsculo Humanitário" (1853) e "Conselhos à Minha Filha" (1842), que defendem os direitos das mulheres e a educação feminina. Narcisa Amália, por sua vez, é representada por "Nebulosas" (1872), uma coletânea de poemas que mescla temas íntimos com críticas sociais e políticas.


A Unicamp, outra instituição de prestígio, também tem ampliado a presença de autoras em suas listas de leituras obrigatórias. Para o vestibular de 2025, a universidade incluiu "Olhos D’Água" (2014), de Conceição Evaristo, e "Niketche: Uma História de Poligamia" (2002), da moçambicana Paulina Chiziane, que aborda questões de gênero e tradição em Moçambique. Em 2026, a lista ganha mais uma obra internacional: "No Seu Pescoço" (2017), da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que explora temas como migração, identidade e desigualdade.


Outras universidades, como a UFPR, UFSC, UFRGS e UESB, também têm seguido essa tendência, incluindo obras de autoras como Ruth Guimarães, Eliana Alves Cruz e Pagu (Patrícia Galvão) em suas listas. Ruth Guimarães, por exemplo, é destaque com "Água Funda" (1946), um romance que retrata a decadência das fazendas de café no Vale do Paraíba.


Essa mudança nos vestibulares reflete um movimento mais amplo de valorização da diversidade e da representatividade na literatura. Segundo Gustavo Monaco, diretor executivo da Fuvest, a escolha por autoras mulheres não nega a importância dos autores homens, mas busca trazer à luz obras que, por muito tempo, foram negligenciadas. "Trata-se de destacar a importância das mulheres no cânone literário, em diferentes períodos históricos e gêneros", afirma.


Além disso, a inclusão de obras que abordam temas contemporâneos e globais, como as de Chimamanda Ngozi Adichie e Paulina Chiziane, amplia o repertório cultural dos estudantes, incentivando uma leitura crítica e contextualizada. José Alves de Freitas Neto, diretor da Comvest, ressalta que o objetivo é "fugir da superficialidade e mergulhar no universo da literatura".


Essa transformação nos vestibulares não apenas prepara os estudantes para os desafios acadêmicos, mas também os convida a refletir sobre questões sociais e culturais que continuam relevantes hoje. Ao dar visibilidade a autoras brasileiras e estrangeiras, as universidades estão reescrevendo a história da literatura, mostrando que as mulheres sempre estiveram presentes, mesmo que suas vozes tenham sido silenciadas por séculos.


Em um país onde a desigualdade de gênero e raça ainda é uma realidade, essa mudança nos vestibulares é um passo importante para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. As autoras brasileiras, com suas narrativas poderosas e transformadoras, estão finalmente recebendo o reconhecimento que merecem, inspirando uma nova geração de leitores e escritores.

 
 
 
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