top of page

O estímulo pedagógico Neoliberal e a lógica da Política do Pior

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • 27 de ago.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 28 de ago.

Uma análise crítica das "Reformas Educacionais" no Brasil


O Brasil testemunha uma transformação significativa em suas políticas educacionais, marcada pela implementação de mecanismos neoliberais que priorizam a lógica de mercado em detrimento da educação como direito social.


O Programa de Reconhecimento da Educação Gaúcha, anunciado pelo governador Eduardo Leite em agosto de 2025, representa um exemplo paradigmático desta tendência, reproduzindo modelos de estímulos pedagógicos baseados em metas quantitativas e premiações individuais que, segundo críticos, configuram uma "política do pior". O problema é que esse tipo de política educacional vêm se espalhando como um vírus no país inteiro e os impactos nacionais destas políticas já podem ser sentidos nas salas de aula.


Capa de livro ilustrando o impacto do neoliberalismo na crise educacional e nas ocupações de escolas no Brasil
Capa de livro ilustrando o impacto do neoliberalismo na crise educacional e nas ocupações de escolas no Brasil

A arquitetura do estímulo pedagógico Neoliberal

Fundamentos conceituais e implementação prática


O estímulo pedagógico neoliberal fundamenta-se na aplicação da psicologia comportamental transportada para o espaço escolar, funcionando como "máquina de aniquilar cidadania e de ampliar a acumulação de capital". O programa gaúcho exemplifica esta lógica ao estabelecer um sistema de premiações que reproduz "a lógica dos programas televisivos de domingo que, no afã de aumentar a audiência, espetacularizam a desgraça dos pobres com a competição de todos contra todos".


A estrutura do programa prevê o 14º salário completo como prêmio máximo aos docentes e funcionários que alcançarem 100% das metas estabelecidas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), além de premiação aos três alunos de melhor rendimento por sala de aula. Esta configuração transforma as escolas em espaços de "desempenho e gamificação", adotando uma "pedagogia da resiliência" onde os mais aptos são premiados individualmente enquanto o restante é contemplado apenas com "a liberação de dopamina do jogo".


O Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS) manifestou forte oposição ao programa, classificando-o como lógica meritocrática discriminatória e excludente. A entidade argumenta que "não é admissível remuneração diferenciada, como se sucesso ou insucesso fossem resultado apenas de qualidades e ações individuais", denunciando que esta política "não apenas ignora as condições reais de trabalho, como também tenta dividir a categoria".


A resistência sindical evidencia-se na crítica de que o programa desconsidera a realidade das escolas e impõe "uma pressão desmedida" sobre professores e funcionários, ignorando que "a melhoria da educação exige investimentos estruturais, condições dignas de trabalho, redução da sobrecarga e apoio efetivo no ensino-aprendizagem".


Desenho animado ilustrando a abordagem mecanizada e meritocrática da educação moderna, criticando as políticas neoliberais que tratam os alunos como produtos
Desenho animado ilustrando a abordagem mecanizada e meritocrática da educação moderna, criticando as políticas neoliberais que tratam os alunos como produtos 

Expansão nacional das Políticas Neoliberais na Educação

Mapeamento das iniciativas por Estado


A análise das políticas implementadas em diferentes estados brasileiros revela um padrão sistemático de neoliberalização da educação pública. São Paulo, sob o governo de Tarcísio de Freitas, implementou o "Programa Novas Escolas", uma parceria público-privada que transfere a gestão de 33 unidades educacionais para empresas privadas por 25 anos. Embora o Tribunal de Justiça tenha suspenso parcialmente o projeto em março de 2025, a iniciativa demonstra a persistência governamental em aplicar modelos de terceirização.


O Paraná, governado por Ratinho Jr., sancionou em junho de 2024 o programa "Parceiro da Escola", prevendo a terceirização da gestão administrativa de 204 escolas estaduais. O projeto enfrentou forte oposição sindical, mas foi aprovado após tramitação em regime de urgência, demonstrando a priorização política destas reformas.


Mapa das políticas neoliberais na educação por estado brasileiro (2024-2025)
Mapa das políticas neoliberais na educação por estado brasileiro (2024-2025)

A implementação destas políticas tem gerado significativa resistência social, manifestando-se em protestos, ocupações de escolas e mobilizações sindicais. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) aprovou moção em sua 77ª Reunião Anual, realizada em Pernambuco, repudiando "as iniciativas em curso no Estado do Paraná que visam à privatização da gestão das escolas públicas".


A moção da SBPC destaca que "privatizar escolas significa transformar um direito social em mercadoria, submetendo o acesso à educação à lógica do lucro", alertando que isto "inevitavelmente aprofundará desigualdades, excluindo os mais vulneráveis". A entidade também critica a "imposição de plataformas digitais privadas" que "desumaniza a educação substituindo o vínculo pedagógico entre professor e aluno por algoritmos".


Manifestantes dentro de um prédio do governo exibem faixas contra a privatização e venda de escolas públicas no Brasil
Manifestantes dentro de um prédio do governo exibem faixas contra a privatização e venda de escolas públicas no Brasil

O caso paradigmático de Pernambuco

Contexto político e antecedentes na Saúde


O estado de Pernambuco apresenta um caso particularmente relevante para compreender a lógica da terceirização de serviços públicos. Durante o governo de Paulo Câmara (PSB, 2015-2022), o estado implementou extensivamente a terceirização na área da saúde, estabelecendo contratos com organizações sociais para gestão de hospitais e UPAs. Esta experiência criou precedentes e know-how administrativo que podem ser replicados na educação.


A transição para o governo de Raquel Lyra (PSD, 2023-atual) trouxe continuidade na abordagem neoliberal, com sinais claros de intenção de terceirizar a educação. Documentos da Secretaria de Educação já incluem conteúdos curriculares sobre "Privatização, Concessão e Parcerias Público-Privadas" para estudantes do 3º ano do Ensino Médio, sugerindo uma preparação conceitual para futuras implementações.


A experiência pernambucana com terceirização revela os problemas estruturais deste modelo. Já no início do governo Raquel Lyra, cerca de 20 mil trabalhadores terceirizados da educação ficaram sem receber salários por dois meses, incluindo merendeiras, porteiros, vigilantes e auxiliares de serviços gerais. Esta situação forçou os trabalhadores "à situação de penúria", demonstrando como a terceirização precariza as condições laborais.


O Sindicato dos Terceirizados chegou a pedir reunião com a governadora devido aos atrasos salariais sistemáticos, evidenciando que o modelo de terceirização, longe de trazer eficiência, gera instabilidade e vulnerabilidade para os trabalhadores. A situação é agravada pelo fato de que:


"os valores pagos com essas terceirizadas são uma máfia porque os donos dessas empresas recebem do governo duas ou três vezes mais pelo custo da mão de obra e pagam salários muito menores às terceirizadas".

Investigações e corrupção no Modelo Terceirizado


A Polícia Federal deflagrou em 2024 a Operação Clã, investigando desvios de recursos públicos e irregularidades nos contratos entre a Secretaria Estadual de Saúde e organizações sociais durante o governo Paulo Câmara. Os crimes investigados incluem "superfaturamento, ocultação de valores, execução fictícia de serviços e contratação direcionada de prestadores de serviços", com contratos superiores a R$ 89 milhões.


Estas investigações revelam que o modelo de terceirização, apresentado como mais eficiente e transparente, na prática pode facilitar esquemas de corrupção e má gestão de recursos públicos. A opacidade dos contratos e a complexidade das relações entre entes públicos e privados criam condições propícias para irregularidades.


Raquel Lyra, governadora de Pernambuco, durante evento de oratória relacionado a políticas educacionais
Raquel Lyra, governadora de Pernambuco, durante evento de oratória relacionado a políticas educacionais 

Impactos nacionais e tendências de expansão

Fragmentação do Sistema Educacional


A implementação de políticas neoliberais na educação tem gerado uma crescente fragmentação do sistema educacional brasileiro. Estados como Goiás, embora tenham descartado oficialmente a terceirização de escolas, já implementaram organizações sociais na saúde, criando precedentes institucionais que podem ser expandidos. O Ceará, sob governo petista, também desenvolve "regime de colaboração" com elementos de incentivos por reultados.


Esta fragmentação manifesta-se na diversidade de modelos aplicados simultaneamente: enquanto o Rio Grande do Sul foca em estímulos monetários individuais, São Paulo e Paraná privilegiam a terceirização da gestão, e outros estados experimentam parcerias público-privadas em setores correlatos. Esta variedade dificulta a construção de resistências nacionais coordenadas e permite que experiências "bem-sucedidas" sejam replicadas em outros contextos.


O impacto nacional mais significativo reside na sistemática precarização do trabalho docente. As políticas de meritocracia criam divisões internas nas categorias profissionais, estabelecendo remunerações diferenciadas que fragmentam a solidariedade coletiva. Professores são submetidos a pressões por resultados quantitativos que desconsideram as condições materiais e sociais de trabalho.


A terceirização amplia esta precarização ao transferir a gestão de recursos humanos para empresas privadas que, motivadas pelo lucro, tendem a reduzir custos trabalhistas. A experiência pernambucana demonstra como este modelo gera atrasos salariais, redução de benefícios e instabilidade contratual.


Manifestantes no Brasil marcham com uma faixa exigindo o fim da injustiça contra professores convocados e defendendo a igualdade salarial
Manifestantes no Brasil marcham com uma faixa exigindo o fim da injustiça contra professores convocados e defendendo a igualdade salarial 

As reformas neoliberais transformam gradualmente a educação de direito social em mercadoria. O estímulo pedagógico baseado em premiações individuais reproduz lógicas empresariais de produtividade que são inadequadas ao processo educativo. Esta mercantilização manifesta-se na imposição de metas padronizadas que desconsideram diversidades regionais, culturais e socioeconômicas.


A transferência de recursos públicos para o setor privado através de contratos de terceirização e parcerias público-privadas representa uma forma indireta de privatização que mantém o discurso de educação pública enquanto direciona fundos para a acumulação privada de capital. Esta dinâmica é particularmente problemática em um país com enormes desigualdades educacionais que demandam investimento público massivo e direcionado.


A lógica da Política do Pior

Contradições Sistêmicas


A análise crítica revela que as políticas neoliberais na educação operam segundo uma lógica paradoxal onde:


"o que envenena correntemente a sociedade gaúcha se compõe, de igual modo, como o remédio para a cura das feridas abertas por sua própria ação nefasta".

Esta dinâmica corresponde ao que Nancy Fraser denomina "capitalismo canibal", um sistema que:


"devora a sociedade civil como uma cobra comendo o próprio rabo".

O estímulo pedagógico neoliberal configura-se como política de gerenciamento do caos resultante de décadas de desinvestimento na educação pública. Em vez de atacar as causas estruturais dos problemas educacionais - subfinanciamento, infraestrutura precária, desvalorização profissional -, estas políticas oferecem soluções cosméticas que individualizam responsabilidades e naturalizam desigualdades.


A implementação de lógicas empresariais no espaço escolar tem consequências profundas na formação cidadã dos estudantes. A gamificação e as premiações seletivas reproduzem desde a infância a naturalização da competição e da desigualdade como elementos normais da vida social. Este processo contraria os objetivos constitucionais da educação de formar cidadãos críticos e participativos.


A "pedagogia da resiliência" promovida por estas políticas responsabiliza individualmente estudantes e professores por resultados que dependem de fatores estruturais amplos. Esta abordagem obscurece as determinações sociais do processo educativo e promove conformidade com condições precárias apresentadas como desafios a serem superados através de esforço individual.


Um grande protesto no Brasil contra as políticas neoliberais de educação e terceirização, com manifestantes sob um balão dizendo "Eu tô na luta!"
Um grande protesto no Brasil contra as políticas neoliberais de educação e terceirização, com manifestantes sob um balão dizendo "Eu tô na luta!"

Perspectivas e Resistências

Alternativas Democráticas


A construção de alternativas democráticas às políticas neoliberais demanda investimento estrutural massivo na educação pública. Isto inclui valorização salarial integral dos profissionais, melhoria da infraestrutura escolar, redução do número de alunos por turma e criação de condições adequadas de trabalho pedagógico.


A resistência organizada pelos sindicatos docentes, movimentos sociais e entidades científicas como a SBPC demonstra que existem forças sociais mobilizadas contra estas reformas. A efetividade desta resistência depende da capacidade de articulação nacional e da construção de propostas alternativas que reconectem a educação com seu papel transformador.


O enfrentamento das políticas neoliberais na educação requer mobilização social que transcenda os limites corporativos e conecte a luta educacional com outras lutas sociais. A experiência de ocupações de escolas, protestos de rua e campanhas de conscientização pública demonstra potencial de resistência que precisa ser ampliado e sistematizado.


A articulação entre diferentes estados que enfrentam processos similares pode criar massa crítica suficiente para reverter estas tendências. O intercâmbio de experiências de resistência e a construção de estratégias comuns fortalecem as possibilidades de sucesso na defesa da educação pública, gratuita e de qualidade.


IMPACTOS DO NEOLIBERALISMO NA EDUCAÇÃO

Aspecto

Impacto Neoliberal

Consequências

Estados Afetados

Professores

Pressão por metas individuais, competição

Adoecimento, divisão da categoria

RS, PR, SP principalmente

Estudantes

Gamificação, premiações seletivas

Desigualdade, exclusão dos ""não premiados""

Todos com sistema de metas

Infraestrutura

Responsabilidade transferida ao privado

Redução investimento público direto

SP, PR, PE (planejado)

Gestão Pedagógica

Autonomia reduzida, padronização

Perda de diversidade curricular

RS, SP, PR

Financiamento

Recursos públicos para lucro privado

Menor transparência, superfaturamento

VAI, PE, RS, SP, PR

Sindicalização

Fragmentação, enfraquecimento coletivo

Redução poder de negociação

Todos os estados citados


Neoliberalismo: Uma ameaça ao ensino público no Brasil


O estímulo pedagógico neoliberal representa uma ameaça sistêmica à educação pública brasileira, promovendo a mercantilização de um direito fundamental e a precarização das condições de trabalho e aprendizagem. A experiência de estados como Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e as tendências observadas em Pernambuco demonstram que estas políticas não são episódios isolados, mas parte de um projeto nacional de reestruturação do Estado segundo princípios neoliberais.


A "política do pior" manifesta-se na responsabilização individual por problemas estruturais, na fragmentação das categorias profissionais através da meritocracia e na transferência de recursos públicos para o setor privado sob o discurso da eficiência. Esta lógica contraria fundamentalmente os princípios constitucionais da educação como direito social e instrumento de transformação social.


A resistência organizada por sindicatos, movimentos sociais e entidades científicas demonstra que alternativas democráticas são possíveis e necessárias. O fortalecimento da educação pública demanda investimento estrutural, valorização profissional e reconhecimento da educação como bem comum indispensável para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O futuro da educação brasileira depende da capacidade social de resistir a estas reformas e construir alternativas que priorizem o direito à educação sobre os interesses do mercado.

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page