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Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal consolida decisão sem precedentes na história brasileira com votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin pela condenação integral do ex-presidente e sete aliados


O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou nesta quinta-feira (11) uma decisão sem precedentes na história brasileira: a formação de maioria para condenar um ex-presidente da República por crimes contra a democracia. Com os votos das ministras Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, a Primeira Turma fechou o placar em 4 votos a 1 pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e três crimes adicionais relacionados à trama golpista que culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023.


A sessão desta quinta-feira marcou um momento histórico na jurisprudência brasileira, com citações literárias, análises jurídicas aprofundadas e reflexões sobre os fundamentos do Estado Democrático de Direito que ecoaram pelos corredores do Palácio da Justiça.


Jair Bolsonaro primeiro ex-presidente condenado por tentativa de Golpe de Estado - Foto: Reprodução
Jair Bolsonaro primeiro ex-presidente condenado por tentativa de Golpe de Estado - Foto: Reprodução

O voto decisivo de Cármen Lúcia: literatura, autoritarismo e defesa da democracia


A ministra Cármen Lúcia abriu sua manifestação com uma referência que definiria o tom de todo seu voto. Citando Victor Hugo e sua obra "História de um Crime", sobre a oposição do escritor francês ao golpe de Napoleão III, a magistrada reproduziu a frase que se tornaria emblemática do julgamento: "O mal feito para o bem continua sendo mal".


"Principalmente quando ele tem sucesso. Porque então ele se torna um exemplo e vai se repetir", disse a ministra, utilizando a citação para contextualizar os ataques de 8 de janeiro de 2023. Para Cármen Lúcia, os réus da trama golpista buscaram enfraquecer o Estado de Direito sob o argumento de defender o país, mas "a Constituição não abriga atalhos autoritários, mesmo quando travestidos de bem".


Em uma das passagens mais contundentes de seu voto, a ministra rejeitou qualquer tentativa de minimizar a gravidade dos eventos que levaram aos ataques às sedes dos Três Poderes. "O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram para passear", declarou enfaticamente.


A magistrada destacou que o episódio foi resultado de um "conjunto inédito e infame" de acontecimentos que se estendeu por meses, com estratégias diversas e prolongadas que visavam enfraquecer as instituições democráticas. "Todos os empreendimentos que espalham os seus tentáculos de objetivos autoritários são ações plurais, pensadas, executadas com racionalidade", afirmou.


Em um momento que gerou risos na sessão e quebrou a tensão do julgamento, Cármen Lúcia fez uma observação que transcendeu o aspecto puramente jurídico. Quando interrompida pelo ministro Flávio Dino, que pediu para fazer um comentário, ela respondeu de forma bem-humorada: "Desde que rápidos, porque nós mulheres ficamos 2.000 anos caladas e queremos ter o direito de falar".


A frase, que provocou risos na sessão, foi uma mensagem sobre representatividade feminina nos espaços de poder, lembrando que a voz das mulheres foi historicamente silenciada.


Um dos aspectos mais técnicos, mas politicamente relevantes do voto de Cármen Lúcia, foi sua defesa da competência do STF para julgar o caso. Em resposta direta à posição divergente de Luiz Fux, que defendeu a "incompetência absoluta" da Corte, a ministra foi categórica: "Sempre votei do mesmo jeito. Sempre entendi que a competência era do STF. Não há de novo para mim".


A magistrada alertou para o risco de casuísmo caso houvesse mudança repentina no entendimento consolidado desde 2018. "Acho que seria casuísmo, gravíssimo, que alguns fossem julgados depois da mudança e fixação das competências que já exercemos inúmeras vezes e voltar atrás nessa matéria", afirmou.


Ao analisar o conjunto probatório, Cármen Lúcia foi incisiva ao afirmar que a Procuradoria-Geral da República havia demonstrado inequivocamente a existência da trama golpista. "Para mim, a PGR fez prova cabal de que um grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras-chaves do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas".


A ministra destacou o uso de "milícias digitais" como instrumento central da estratégia para minar o exercício dos demais poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário.


O voto final de Cristiano Zanin: análise técnica e confirmação da condenação


O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, encerrou a votação confirmando a maioria pela condenação. Em seu voto técnico e detalhado, Zanin rejeitou sistematicamente todas as preliminares apresentadas pelas defesas e confirmou sua posição pela condenação integral dos réus.


Zanin afastou categoricamente a alegação de cerceamento de defesa em razão do grande volume de provas, observando que todo o material produzido pela Polícia Federal foi disponibilizado às defesas por meio de links eletrônicos. "Em processos complexos, os chamados 'megaprocessos', é natural lidar com grandes acervos, cabendo às defesas utilizar os recursos técnicos necessários", argumentou.


O ministro também rejeitou a tese de suspeição do relator Alexandre de Moraes, lembrando que o plenário já havia decidido pela improcedência dessas arguições.


No mérito, Zanin foi categórico ao afirmar que "a prova dos autos confirma a existência de uma organização criminosa armada, estruturada e hierarquizada, cujo objetivo central era assegurar a permanência de Jair Bolsonaro no poder a qualquer custo, mesmo à revelia do processo eleitoral e da vontade popular".


O ministro descreveu detalhadamente os papéis de cada réu na estrutura criminosa, destacando que "havia clara divisão de tarefas, todas voltadas a fragilizar as instituições e a pavimentar a ruptura democrática".


Zanin analisou minuciosamente os crimes previstos nos artigos 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de Estado) do Código Penal, incluídos em 2021. Para o ministro, os fatos demonstram tentativa concreta de vulnerar as instituições democráticas.


"O bem jurídico é vulnerado quando o poder destinatário da ameaça sofre interferência concreta em razão dos atos praticados, como ocorreu com as ameaças reiteradas ao Supremo Tribunal Federal e à Justiça Eleitoral", destacou.


O ministro frisou que a violência e grave ameaça devem ser interpretadas em chave institucional. "Não se exige que a violência recaia sobre uma pessoa determinada. A grave ameaça pode se materializar no constrangimento institucional, como a retórica de decretação de medidas de exceção em descompasso com a Constituição", afirmou.


Zanin encerrou seu voto com uma síntese que se tornou uma das frases mais marcantes do julgamento: "Não se trata de atos isolados, mas de uma cadeia de condutas coordenadas que visavam vulnerar o Estado Democrático de Direito".


A decisão final da Primeira Turma ficou definida em 4 votos a 1 pela condenação. Alexandre de Moraes, como relator, abriu a votação pedindo a condenação integral de todos os réus, tratando Bolsonaro como líder de uma organização criminosa hierarquizada. Flávio Dino acompanhou integralmente o relator, mas defendeu penas diferenciadas conforme o grau de participação de cada réu.


O único voto divergente veio de Luiz Fux, que em uma análise de mais de 14 horas absolveu Bolsonaro de todos os crimes e também livrou Augusto Heleno, Almir Garnier, Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira, reconhecendo apenas a responsabilidade de Mauro Cid e Walter Braga Netto.


As consequências imediatas: q que acontece agora com Bolsonaro


A condenação criminal terá consequências imediatas para os direitos políticos de Bolsonaro. Segundo especialistas, a Constituição Federal prevê automaticamente a perda de direitos políticos de um condenado durante o cumprimento da pena. Como Bolsonaro já está inelegível até 2030 por decisão do TSE, a nova condenação pode estender esse prazo até o final do cumprimento da pena criminal.


As penas máximas somadas podem chegar a 46 anos de prisão para Bolsonaro, considerando os cinco crimes pelos quais foi denunciado:


  • Organização criminosa armada: até 20 anos de reclusão

  • Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: até 8 anos

  • Golpe de Estado: até 12 anos

  • Dano qualificado: até 3 anos

  • Deterioração de patrimônio tombado: até 3 anos


Contudo, o Código Penal brasileiro limita o cumprimento efetivo da pena a 40 anos. A dosimetria será definida em sessão posterior, considerando o grau de participação de cada réu e eventuais atenuantes ou agravantes.


Apesar da condenação, Bolsonaro não será preso imediatamente. A execução da pena só ocorrerá após o trânsito em julgado da decisão, quando não houver mais possibilidade de recursos. Como a decisão não foi unânime, as defesas podem apresentar embargos infringentes, submetendo o caso ao plenário do STF.


Caso a pena seja efetivamente cumprida, especialistas indicam que Bolsonaro teria que cumprir a condenação por organização criminosa armada em regime inicialmente fechado, podendo progredir para regimes menos rigorosos conforme previsto na legislação.


O Contexto Histórico e Político


A decisão marca um precedente inédito na história brasileira: pela primeira vez um ex-presidente é condenado criminalmente por crimes contra a democracia. O julgamento ocorre em um momento simbólico, próximo aos 40 anos da redemocratização e do aniversário da Constituição de 1988.


A condenação torna ainda mais improvável qualquer possibilidade de Bolsonaro disputar as eleições de 2026. Além da inelegibilidade já imposta pelo TSE, a nova condenação criminal criará um obstáculo adicional quase intransponível para uma eventual candidatura.


A decisão repercutiu imediatamente no cenário político nacional e internacional, sendo considerada um marco na defesa das instituições democráticas brasileiras. O julgamento foi acompanhado de perto por juristas, políticos e observadores internacionais, sendo visto como um teste da solidez do sistema judiciário brasileiro.


Além de Bolsonaro, foram condenados pelos mesmos crimes outros sete aliados que compunham o chamado "núcleo crucial" da trama golpista:


  • Mauro Cid: ex-ajudante de ordens de Bolsonaro

  • Walter Braga Netto: ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente em 2022

  • Alexandre Ramagem: deputado federal e ex-diretor da Abin

  • Anderson Torres: ex-ministro da Justiça

  • Augusto Heleno: ex-ministro do GSI

  • Paulo Sérgio Nogueira: ex-ministro da Defesa

  • Almir Garnier: ex-comandante da Marinha


Cada um deles desempenhava funções específicas na estrutura da organização criminosa, desde a difusão de desinformação até a mobilização de estruturas policiais e militares.


Próximos Passos Processuais


As defesas ainda podem apresentar diversos tipos de recursos. Em caso de decisão não unânime, como ocorreu, é possível a interposição de embargos infringentes, que levariam a questão ao plenário do STF para nova análise. Também cabem embargos de declaração para esclarecer possíveis obscuridades ou contradições na decisão.


A dosimetria das penas será definida ainda na sessão de hoje, onde os ministros determinarão a pena específica para cada réu, considerando fatores como grau de participação, antecedentes criminais e demais circunstâncias judiciais.


Apenas após o esgotamento de todos os recursos e o trânsito em julgado da decisão é que as penas poderão ser efetivamente executadas. Especialistas estimam que esse processo pode levar ainda alguns anos, considerando a complexidade do caso e as instâncias recursais disponíveis.


A decisão histórica desta quinta-feira representa um marco na consolidação do Estado Democrático de Direito brasileiro, estabelecendo que mesmo as mais altas autoridades não estão acima da lei quando atentam contra as instituições democráticas. Como concluiu a ministra Cármen Lúcia em seu voto: "O Brasil só vale a pena porque nós estamos conseguindo ainda manter o Estado Democrático de Direito".

 
 
 

O julgamento da Ação Penal 2668 iniciado nesta terça-feira, 2 de setembro de 2025, representa um marco histórico na democracia brasileira. Com Jair Bolsonaro e outros sete aliados no banco dos réus por tentativa de golpe de Estado, as falas matinais de Alexandre de Moraes e Paulo Gonet estabeleceram o tom de um processo que pode redefinir os limites da responsabilização política no país.


Plenário da 1ª turma do STF - Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Plenário da 1ª turma do STF - Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O Discurso de Soberania de Alexandre de Moraes



Min. Alexandre de Moraes - Foto: Rosinei Coutinho/STF
Min. Alexandre de Moraes - Foto: Rosinei Coutinho/STF

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, abriu o julgamento com um discurso que transcendeu os aspectos técnico-jurídicos para assumir uma dimensão claramente política.


Ao afirmar que o STF não aceitará "coação de um Estado estrangeiro" e que será "imparcial e ignorará pressões ao julgar Bolsonaro". Moraes estabeleceu uma narrativa de resistência institucional que ecoa muito além da sala de audiências.

A referência implícita às pressões externas - particularmente dos Estados Unidos sob a administração Trump - revela a consciência do STF sobre a dimensão geopolítica do julgamento. Moraes construiu um discurso de soberania judicial que busca blindar o processo contra interferências diplomáticas, sinalizando que a Corte não recuará diante de pressões internacionais.


O relator também enfatizou que os réus foram submetidos ao devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, prometendo condenação caso haja provas de culpabilidade, mas absolvição se houver "qualquer dúvida razoável".

Esta declaração busca antecipar críticas sobre parcialidade, construindo uma narrativa de lisura processual.


A Estratégia Acusatória de Paulo Gonet



Gonet durante julgamentos da suposta trama golpista - Antonio Augusto/STF
Gonet durante julgamentos da suposta trama golpista - Antonio Augusto/STF

O procurador-geral Paulo Gonet, com até duas horas para apresentar a acusação, centrou sua argumentação na caracterização de uma:


"trama conspiratória armada executada contra as instituições democráticas".

A PGR apresentou uma narrativa cronológica que situa o início do plano golpista em julho de 2021, durante reunião ministerial onde Bolsonaro teria conclamado auxiliares a atacarem o sistema eletrônico de votação.


A estratégia de Gonet revela sofisticação jurídica ao enquadrar os acusados como "núcleo crucial" de uma organização criminosa armada, utilizando a Lei 12.850/2013 que prevê penas mais severas para líderes de organizações criminosas. O procurador-geral conectou os eventos de 8 de janeiro aos planos anteriores, construindo uma linha narrativa de continuidade conspiratória.


Particularmente relevante foi a menção ao "Plano Punhal Verde Amarelo", que visava eliminar Lula, Alckmin e o próprio Alexandre de Moraes. Esta revelação amplifica a gravidade das acusações, transformando o caso de tentativa de golpe em conspiração para assassinato de autoridades.


Dimensão Política e Institucional


O julgamento ocorre em um contexto político complexo, onde a democracia brasileira busca demonstrar sua capacidade de autorregeneração através das instituições. A presença de apenas um réu na sessão inicial - contrastando com a ausência de Bolsonaro e demais acusados - simboliza a distância entre os investigados e o processo que pode determinar seus destinos políticos.


A transmissão ao vivo pela TV e Rádio Justiça demonstra a estratégia de transparência do STF, buscando legitimidade através da publicidade dos atos. Esta escolha política visa neutralizar narrativas de "julgamento às escuras" que poderiam alimentar teorias conspiratórias.


Ministros da 1ª Turma do STF - Montagem - Gustavo Moreno/STF, Antonio Augusto/STF, Fellipe Sampaio/STF, Gustavo Moreno/STF e Gustavo Moreno/STF
Ministros da 1ª Turma do STF - Montagem - Gustavo Moreno/STF, Antonio Augusto/STF, Fellipe Sampaio/STF, Gustavo Moreno/STF e Gustavo Moreno/STF

A composição da Primeira Turma - com Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino - sugere um colegiado com maioria favorável à condenação, baseando-se nas posições públicas anteriores destes ministros sobre os eventos investigados.


Expectativas para as Defesas


A tarde reserva o momento mais delicado do processo: as sustentações das defesas, com uma hora para cada advogado. As estratégias defensivas provavelmente se concentrarão em três eixos principais:


  1. Questionamento da Materialidade

    As defesas devem atacar a caracterização dos atos como tentativa efetiva de golpe, argumentando que se trataram de manifestações políticas legítimas ou exercício do direito de petição. A ausência de uso efetivo da força será provavelmente explorada para descaracterizar a tentativa de "abolição violenta do Estado Democrático de Direito".

  2. Negativa de Organização Criminosa

    Espera-se argumentação sobre a inexistência de estrutura hierárquica permanente para práticas criminosas, tentando descaracterizar a organização criminosa armada. As defesas podem alegar que reuniões e conversas constituíram exercício normal de funções governamentais.

  3. Nulidades Processuais

    Provável questionamento sobre a imparcialidade de Alexandre de Moraes, dado seu papel anterior como vítima dos supostos planos de assassinato. As defesas podem arguir suspeição ou impedimento do relator.


Cenários Políticos Futuros


A previsão de conclusão do julgamento até 12 de setembro cria uma janela temporal que pode influenciar a dinâmica política nacional. Uma eventual condenação de Bolsonaro consolidaria sua inelegibilidade e redefinira o campo político conservador, fortalecendo candidaturas alternativas dentro da direita.


Por outro lado, uma absolvição - cenário considerado menos provável pelos analistas - poderia fortalecer narrativas de perseguição política e revitalizar o bolsonarismo para 2026.

O julgamento representa, fundamentalmente, um teste de resistência das instituições democráticas brasileiras. O STF busca demonstrar que nem mesmo ex-presidentes estão acima da lei, estabelecendo precedente crucial para a consolidação democrática.


A reação da comunidade internacional, particularmente dos Estados Unidos, será determinante para avaliar o sucesso da estratégia de soberania judicial adotada por Moraes. O Brasil testa sua capacidade de conduzir processos políticos sensíveis sem subordinação a pressões externas.


Este julgamento histórico marca, assim, não apenas o destino judicial de oito acusados, mas o próprio futuro da democracia brasileira e sua capacidade de se defender através das instituições republicanas.

 
 
 
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