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Enquanto o mundo celebra sua atuação brilhante em Ainda Estou Aqui (2024), filme que lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama, Fernanda Torres consolida outro legado: o de escritora. Desde 2013, quando lançou seu primeiro romance, Fim, a artista carioca expandiu sua voz para além dos palcos e telas, conquistando leitores com narrativas que exploram a fragilidade humana, o tempo e as contradições da vida moderna. Sua trajetória literária, composta por três obras até o momento, revela uma autora que domina tanto a ironia afiada quanto a profundidade emocional, tecendo histórias que dialogam com a alma brasileira e universal.


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A estreia literária: Fim (2013), um retrato cru do envelhecer

Publicado pela Companhia das Letras, Fim é um marco na carreira de Torres. O romance acompanha cinco amigos cariocas — Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro — em suas últimas décadas de vida, entrelaçando memórias de festas, casamentos fracassados e frustrações. Cada personagem carrega uma carga existencial única: Álvaro, hipocondríaco e solitário; Sílvio, viciado em drogas e sexo; Ribeiro, que prolonga sua virilidade com Viagra; Neto, o marido fiel; e Ciro, o Don Juan que sucumbe ao câncer. A trama, ambientada no Rio de Janeiro entre 1968 e 2012, não apenas critica o machismo enraizado nas relações sociais, mas também expõe a melancolia de quem enfrenta a finitude sem encontrar redenção.


O livro, aclamado por sua maturidade narrativa, vendeu mais de 150 mil cópias e foi indicado ao Prêmio Jabuti em 2014. Em 2018, ganhou o Jabuti de Livro Brasileiro Publicado no Exterior, consolidando Torres como uma voz relevante na literatura contemporânea. Uma década após seu lançamento, Fim ganhou vida nova como série do Globoplay (2023), adaptada com ajustes que ampliaram o protagonismo feminino, reflexo das transformações sociais que a própria autora observou ao revisitar a obra.


Crônicas e confissões: Sete Anos (2014), o humor como espelho social

Se Fim é um mergulho na ficção, Sete Anos revela a Fernanda Torres cronista. A coletânea reúne textos publicados em veículos como a revista Piauí, a Folha de S.Paulo e a Veja Rio entre 2007 e 2014. Com humor ácido e olhar perspicaz, a autora discute cinema, teatro, política e cotidiano, como em No Dorso Instável de um Tigre, crônica sobre o medo de subir ao palco, ou Dercy, perfil irreverente da atriz Dercy Gonçalves. O livro inclui ainda Despedida, texto inédito e comovente sobre a morte do pai, onde Torres equilibra luto e ironia, mostrando sua capacidade de transitar entre o pessoal e o universal.


O teatro como metáfora da vida: A Glória e seu Cortejo de Horrores (2017)

Em seu segundo romance, Torres constrói uma alegoria sobre a fugacidade da fama através de Mário Cardoso, ator sessentão que tenta ressuscitar a carreira encenando Rei Lear. A narrativa percorre décadas da cultura brasileira — do Cinema Novo às telenovelas dos anos 1980 — enquanto expõe a decadência de um artista que vê seus ideais artísticos serem engolidos pela superficialidade do mercado. A obra é tanto uma crítica ao culto à juventude quanto uma homenagem ao teatro, com referências a Tchékhov e ao movimento hippie. A prosa de Torres brilha na ironia com que descreve as trapalhadas de Mário, transformando sua queda em um espelho das ilusões de toda uma geração.


Literatura como extensão da arte: uma autora multifacetada

Fernanda Torres não separa suas facetas de atriz e escritora. Em entrevistas, ela afirma que a escrita a ajuda a compreender melhor os personagens que interpreta, numa simbiose entre palavra e ação. Seus livros, assim como seus papéis no cinema, são marcados por personagens complexos e diálogos precisos, herança de sua formação nas artes cênicas. Essa conexão fica evidente em A Glória..., onde o protagonista Mário Cardoso parece ecoar suas próprias reflexões sobre o envelhecimento no meio artístico.


Além disso, a autora mantém um canal literário no TikTok com mais de 260 mil seguidores, onde discute obras clássicas e compartilha dicas de leitura — prova de que sua relação com a literatura é tão dinâmica quanto sua carreira.


Reconhecimento e legado: além das fronteiras do Brasil

A trajetória literária de Torres transcende prêmios. Seus livros são estudados em universidades e adaptados para outras mídias, como o teatro — caso de A Casa dos Budas Ditosos, monólogo que interpretou por mais de uma década, baseado na obra de João Ubaldo Ribeiro. Internacionalmente, Fim foi traduzido para o francês, espanhol e italiano, levando a literatura brasileira a novos públicos. Para críticos, seu maior mérito está em humanizar temas como a velhice e o fracasso, transformando-os em narrativas que ressoam em qualquer latitude.


Enquanto aguardamos seu próximo projeto literário, Fernanda Torres segue provando que a arte não conhece limites. Seja nas telas ou nas páginas, ela continua a desafiar expectativas, unindo a força da interpretação à delicadeza da escrita — uma verdadeira mestra das emoções humanas.

 
 
 

Por: Raul G. M. Silva, Teoria Literária.


A noite do Globo de Ouro 2025 ficará marcada para sempre na história da dramaturgia brasileira. Foi uma ocasião em que o talento, a memória e a verdade triunfaram em um dos maiores palcos da arte cinematográfica mundial. Fernanda Torres, uma das mais icônicas e versáteis atrizes brasileiras, conquistou o prêmio de Melhor Atriz em Filme Dramático por sua interpretação monumental em Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. A vitória de Torres, em uma categoria tradicionalmente dominada por nomes consagrados de Hollywood, como Cate Blanchett e Saoirse Ronan, simboliza um marco não apenas para sua carreira brilhante, mas para o reconhecimento internacional do cinema brasileiro e de sua capacidade de contar histórias universais com raízes profundamente locais.


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Fernanda Torres é uma artista que transcende as barreiras do tempo e dos gêneros. Desde seu papel premiado no Festival de Cannes em 1986, com Eu Sei que Vou te Amar, até suas interpretações memoráveis em séries como Tapas & Beijos e peças teatrais que desafiam convenções, sua trajetória é marcada por escolhas ousadas e pela profundidade de seus personagens. Com Ainda Estou Aqui, Torres alcançou um novo ápice artístico. No filme, ela interpreta Eunice Paiva, uma mulher que revisita seu passado e enfrenta os traumas de uma história familiar entrelaçada aos horrores da ditadura militar brasileira. A interpretação de Torres é visceral, marcada por um realismo emocional que transcende a tela, conectando o público às dores e às verdades de um período que ainda reverbera na sociedade brasileira.


Dirigido por Walter Salles, cineasta de renome internacional conhecido por obras como Central do Brasil e Diários de Motocicleta, Ainda Estou Aqui adapta com maestria o livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva. O texto original é uma mistura pungente de memória e investigação histórica, expondo com detalhes pessoais e políticos o desaparecimento do pai do autor, Rubens Paiva, vítima das atrocidades cometidas pela ditadura militar brasileira. Salles, com sua sensibilidade e talento para transformar narrativas íntimas em reflexões universais, amplia a dimensão emocional e visual da obra literária, sem perder a essência de denúncia que permeia o livro. Sua direção cria uma atmosfera em que o íntimo e o histórico coexistem de forma poderosa, dando a Fernanda Torres a base ideal para entregar uma das atuações mais impactantes de sua carreira.


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A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro é carregada de significados. Em um contexto político e social em que a extrema-direita brasileira, impulsionada pelo bolsonarismo, tentou reescrever a história, negando crimes da ditadura militar e glorificando torturadores, o reconhecimento internacional de uma obra que confronta diretamente esses revisionismos é um ato de resistência. Nos últimos anos, vimos um esforço deliberado para descredibilizar narrativas como as de Marcelo Rubens Paiva, taxando-as de mentiras ou exageros. Nesse cenário, a aclamação de Ainda Estou Aqui e a premiação de Torres representam não apenas uma vitória artística, mas também um posicionamento político, reafirmando o compromisso do cinema como ferramenta de memória e verdade.


Esse prêmio coloca o cinema brasileiro novamente em destaque no cenário global, consolidando uma trajetória de conquistas recentes que inclui produções como Bacurau e Que Horas Ela Volta?. No entanto, a vitória de Fernanda Torres em uma categoria tão prestigiada como Melhor Atriz em Filme Dramático eleva essa presença a um novo patamar. Ela demonstra que nossas histórias, por mais locais que sejam, têm o poder de ressoar universalmente, tocando plateias ao redor do mundo e abrindo portas para futuras gerações de cineastas e artistas brasileiros.


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A performance de Fernanda Torres em Ainda Estou Aqui não é apenas tecnicamente impecável; é profundamente simbólica. Sua Eunice não é apenas uma personagem, mas um veículo para as dores, os traumas e as injustiças de toda uma geração. Torres consegue transmitir, em cada olhar, gesto e silêncio, a angústia de quem perdeu e de quem busca incessantemente por respostas. Sua entrega emocional é tamanha que torna impossível para o espectador não ser impactado. Não à toa, sua vitória no Globo de Ouro foi recebida com aplausos calorosos e emocionados, sinalizando um reconhecimento global de sua arte e de sua importância para o cinema contemporâneo.


Com essa conquista, as expectativas para o Oscar 2025 aumentam consideravelmente. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas tem mostrado, nos últimos anos, maior abertura para narrativas globais e diversificadas, e Ainda Estou Aqui possui todos os elementos para se destacar. Além de Fernanda Torres ser uma forte candidata na categoria de Melhor Atriz, o filme de Walter Salles pode ser indicado em outras categorias, como Melhor Filme Internacional, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado. A temática do filme, que aborda a luta pela memória e pela justiça, é mais relevante do que nunca, especialmente em um momento global de crescente autoritarismo e polarização política. A mensagem de Ainda Estou Aqui transcende fronteiras, conectando-se com plateias de diferentes países e contextos.


A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro e o reconhecimento de Ainda Estou Aqui são mais do que celebrações artísticas; são afirmações da importância de preservar a história, de confrontar verdades dolorosas e de usar a arte como uma ferramenta de transformação social. Para o Brasil, é uma oportunidade de reafirmar sua posição no mapa do cinema mundial, mostrando que temos histórias urgentes e talentos extraordinários. Para Fernanda Torres, é a coroação de uma carreira brilhante e a prova de que sua arte continua tão relevante e impactante quanto sempre foi. Em fevereiro, no Oscar, o Brasil pode escrever mais um capítulo dessa história. Mas, independentemente do que acontecer, a vitória de Torres já é um marco que ficará para sempre na memória do cinema brasileiro e mundial.



 
 
 
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