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Tarcísio de Freitas: o candidato de Faria Lima em xeque

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • 20 de ago.
  • 7 min de leitura

Eleito governador de São Paulo em 2022 com apoio do bolsonarismo, Tarcísio de Freitas se projeta agora como possível candidato da centro-direita em 2026. Ele próprio não esconde suas convicções: “sou bolsonarista e vou continuar sendo bolsonarista”. Ao mesmo tempo, vem cultivando encontros frequentes com o mercado financeiro – como almoços com executivos de grandes bancos e reuniões com lideranças de fundos – o que lhe conferiu a alcunha de “candidato de Faria Lima”. Porém, essa imagem de gestor técnico com trânsito no capital financeiro é maculada por suspeitas e omissões que não podem ser ignoradas.


Tarcísio de Freitas, governador de SP - Foto: Sérgio Lima
Tarcísio de Freitas, governador de SP - Foto: Sérgio Lima

O caso ICMS e a responsabilidade política


A maior sombra sobre sua gestão é o “propinoduto” do ICMS paulista. A Operação Ícaro expôs um esquema bilionário de fraudes na devolução de créditos tributários. Só no caso da Ultrafarma fala-se em cifras na casa do bilhão. Embora não haja provas de envolvimento direto do governador, a estrutura que permitiu a fraude ocorreu sob seu governo e envolve auditores da Secretaria da Fazenda, com prisões, afastamentos e suspeitas sobre a cadeia de controle interno. O desenho de regras que aceleraram a apropriação de créditos, posteriormente revogadas, abriu brechas exploradas por agentes públicos e empresas.


A reação do Palácio dos Bandeirantes veio com declarações duras e medidas corretivas: revogação de normas, promessa de digitalização de processos, sindicâncias e cooperação com o Ministério Público. Ainda assim, paira a percepção de que houve resistência política a um escrutínio mais amplo – com tentativas de postergar convocações e blindar integrantes do primeiro escalão. É legítimo perguntar:


Se a máquina era “analógica” e vulnerável, por que se manteve e até se acelerou procedimentos sensíveis sem cercá-los de camadas robustas de auditoria independente? Se a prioridade era eficiência, por que o aparato de compliance e de avaliação de risco não acompanhou o mesmo ritmo?

O núcleo do problema não é apenas jurídico; é de governança. Estados que mexem em fluxos de crédito tributário bilionários precisam de trilhas de auditoria, segregação de funções, dupla checagem e transparência ativa. O governo prometeu tudo isso após o escândalo. A pergunta é por que não antes. Em uma gestão que se apresenta como técnica, a prevenção deveria vir antes da correção. O custo político dessa inversão recai, inevitavelmente, sobre o governador.


Perguntas que seguem sem resposta suficiente:

  1. Quem modelou e aprovou a aceleração dos ressarcimentos e quais pareceres de risco embasaram a decisão?

  2. Quais alertas internos foram emitidos e ignorados antes da deflagração do caso?

  3. Qual foi o papel de consultorias e escritórios externos no fluxo de pedidos e validações?

  4. Que mecanismos independentes de verificação – auditoria externa, controle social, publicação em dados abertos – existiam e por que falharam?

  5. Quais serão as responsabilidades administrativas e políticas, para além das penais, se ficar provado que houve negligência na governança?


Tarcísio com boné do MAGA - Fonte: Instagram @tarcisiogdf
Tarcísio com boné do MAGA - Fonte: Instagram @tarcisiogdf

Soberania e política externa: a postura diante do “tarifaço”


No mesmo período, o Brasil enfrentou uma ofensiva tarifária dos Estados Unidos. A discussão pública exigia firmeza diplomática e defesa da indústria nacional. Em vez de defender uma resposta dura e coordenada, Tarcísio sinalizou que o Brasil deveria “entregar uma vitória” ao governo americano para aliviar as sanções – sugerindo gestos unilaterais, como rever importações sensíveis ou ampliar concessões de interesse dos EUA. A mensagem política é clara: diante de pressões externas, a preferência recaiu sobre acomodação, não sobre resistência.


Há quem argumente tratar-se de pragmatismo: preservar investimentos, reduzir incertezas e evitar escaladas. Mas pragmatismo não precisa significar concessão sem contrapartida. Líderes estaduais que aspiram à Presidência precisam mostrar capacidade de articular coalizões internas e externas, defender cadeias produtivas e negociar com firmeza em nome do interesse nacional. O sinal emitido por Tarcísio, nesse episódio, reforçou a imagem de um candidato mais sensível à aprovação de atores financeiros internacionais do que às prioridades estratégicas da política industrial brasileira.


Sob Tarcísio, SP registra alta de 65% nas mortes provocadas pela PM em 2024 - Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil.
Sob Tarcísio, SP registra alta de 65% nas mortes provocadas pela PM em 2024 - Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil.

Segurança pública e letalidade: o custo de uma doutrina


Outro flanco vulnerável é a segurança pública. São Paulo registrou patamares elevados de mortes decorrentes de intervenção policial. Operações de grande visibilidade, sobretudo no litoral e na Região Metropolitana, geraram críticas de entidades de direitos humanos e repercussão internacional. A primeira resposta do governador foi de confronto retórico com organismos multilaterais e com a imprensa. Só depois vieram anúncios de corregedorias mais atuantes, promessas de apuração e, pontualmente, revisões de protocolo.


O problema é estrutural. Uma política de segurança que concentra sua comunicação em “tolerância zero”, sem equilibrar com metas claras de redução de letalidade, responsabilização rápida e investimentos em inteligência e prevenção, tende a produzir números elevados de mortes sem, necessariamente, reduzir o crime organizado no médio prazo. A retórica de “lei e ordem” rende manchetes; resultados sustentáveis exigem gestão, dados e política pública sofisticada. Quando a vitrine é letalidade, o ônus político também é do chefe do Executivo.


O que falta ver com nitidez nessa agenda:

  • Metas públicas e mensuráveis de redução de mortes em intervenções policiais, com prazos e responsabilização por descumprimento.

  • Protocolos padronizados de uso progressivo da força, câmeras corporais com cadeia de custódia intocável e publicação proativa de relatórios.

  • Expansão de inteligência, investigação financeira e desarticulação de fluxos logísticos do crime, para além de operações midiáticas.

  • Governança intersetorial: cultura, esporte, escola em tempo integral, saúde mental e urbanismo, integrados à prevenção da violência.


Baleia, na Faria Lima: região foi menos disputada do que o esperado pelo mercado no leilão realizado pela prefeitura — Foto: Divulgação
Baleia, na Faria Lima: região foi menos disputada do que o esperado pelo mercado no leilão realizado pela prefeitura — Foto: Divulgação

Faria Lima, projeto de país e a promessa do “gestor técnico”


Tarcísio construiu sua imagem nacional como executor, sobretudo quando ocupou cargos federais e defendeu uma agenda de concessões e PPPs. Em São Paulo, busca reproduzir esse roteiro: atração de capital, privatizações e obras de infraestrutura. O diálogo com investidores é legítimo e necessário. O ponto sensível é quando essa relação parece assimétrica: muita escuta ao mercado, pouca escuta às redes de controle social, aos servidores de carreira e à sociedade civil organizada.


A candidatura apoiada pela Faria Lima tende a propor um Estado mais enxuto, concessões amplas e disciplina fiscal rígida. Nada disso é, por si, negativo. O problema surge quando eficiência é confundida com afrouxamento de controles. O caso ICMS expõe a contradição: acelerar sem blindar o processo foi a receita para o desastre. Se a promessa central é “competência técnica”, o padrão esperado é o inverso – controles robustos antes de qualquer aceleração.


Além disso, um presidenciável precisa apresentar um projeto de país que dialogue com desigualdades, reindustrialização verde, inovação tecnológica e educação básica de qualidade. Não basta atrair capital; é preciso direcioná-lo. Falta clareza, até aqui, sobre como Tarcísio pretende equilibrar ajuste fiscal com investimento social, concorrência com proteção a setores estratégicos, e produtividade com direitos trabalhistas.


2026: viabilidade, alianças e governabilidade


O marketing de Tarcísio sustenta que ele seria “menos ideológico” e “mais executor”. A prática recente mostra o contrário: alinhou-se publicamente ao bolsonarismo, travou embates simbólicos e, quando surgiram crises, recorreu a respostas ensaiadas – dureza na fala, promessa de apuração, troca de normas. O padrão não basta para o salto à Presidência. A cadeira exige antecipar riscos, construir coalizões amplas e comunicar rumos com transparência – antes, durante e depois da crise.


No escândalo tributário, respostas vieram após a explosão do caso. Na política externa, a palavra escolhida foi concessão a potências, não defesa irredutível do interesse nacional. Na segurança, a vitrine foi a letalidade, não a redução sustentada de homicídios e a responsabilização célere por abusos. Em todos os fronts, a pergunta é se o método de gestão é reação ou planejamento.


Como presidenciável, Tarcísio tenta ocupar o espaço de uma direita pró-mercado, mantendo a base bolsonarista. Essa engenharia política enfrenta dilemas. O núcleo duro do bolsonarismo cobra lealdade ideológica plena; o mercado cobra previsibilidade e governabilidade; o eleitor mediano cobra serviços públicos que funcionem. Para unir essas três demandas, é preciso apresentar um projeto claro e uma equipe com credibilidade transversal.


A Operação Ícaro é mais do que um escândalo conjuntural: funciona como teste de estresse de governança. Se a campanha de 2026 tiver de dedicar meses para explicar o básico – quem decide, quem controla, quem responde – o custo eleitoral cresce. E, no Planalto, custos de governança viram custos de país. O eleitor precisa saber se, diante de pressões reais (mercado, corporações, potências estrangeiras), o candidato cede, negocia com contrapartidas ou resiste.


O que Tarcísio precisa explicar, ponto a ponto

  1. Governança tributária: quais controles preventivos existem hoje para impedir repetição do caso ICMS? Quem audita o auditor? Que dados serão publicados para escrutínio público?

  2. Integridade e compliance: haverá comitês independentes, com participação social, para acompanhar concessões, PPPs e fluxos fiscais sensíveis?

  3. Política industrial e comércio exterior: qual a estratégia para defender setores nacionais sob pressão tarifária sem capitular? Como alinhar cadeias produtivas às metas de transição energética?

  4. Segurança pública: quais metas de redução de letalidade e de homicídios comuns? Como garantir responsabilização rápida por abusos e proteger policiais que cumprem a lei?

  5. Investimento social: qual o plano para ensino básico, formação técnica e saúde em um cenário de disciplina fiscal? Onde se corta, onde se investe e por quê?

  6. Coalizão política: com quem governará? Como pretende compatibilizar a base bolsonarista com uma agenda capaz de aprovar reformas sem paralisar o país?


Frente às incertezas, a pergunta permanece: é Tarcísio de Freitas a melhor escolha para o Brasil em 2026? Até aqui, sobram dúvidas. A combinação de passado bolsonarista declarado, proximidade com o mercado financeiro e uma sucessão de controvérsias – de corrupção tributária a violência policial e sinais de acomodação externa – sugere cautela.


Antes de considerar Tarcísio um candidato inevitável, o eleitorado tem o direito de obter respostas precisas às perguntas acima. A soberania e a segurança pública do país não podem ser moeda de troca; a política fiscal não pode ser laboratório de atalhos; e a promessa de “gestão técnica” precisa ser comprovada, não apenas anunciada.


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