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Política

Direto do Cecora, presidenta do SINTEPE alerta para os perigos do "PL da Dosimetria", critica a privatização da Compesa e convoca a categoria para a luta coletiva.


Por Raul Silva para O estopim | 14 de dezembro de 2025


Em uma demonstração clara de que o sindicalismo se faz no chão da realidade e não apenas em gabinetes, a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (SINTEPE), Ivete Caetano, concedeu uma entrevista neste sábado, direto da Feira do Cecora, em Arcoverde. A conversa, conduzida pela jornalista Zalxijoane Lins no programa Sábado na Itapuama (Rádio Itapuama FM), serviu de palco para análises sobre a conjuntura nacional, a defesa da escola pública e os riscos iminentes à democracia brasileira.


Ivete Caetano Presidenta do SINTEPE em entrevista na feira do CECORA para Zalxijoane Lins da Rádio Itapuama FM - Foto: Raul Silva/O estopim
Ivete Caetano, Presidenta do SINTEPE em entrevista na feira do CECORA para Zalxijoane Lins da Rádio Itapuama FM - Foto: Raul Silva/O estopim

Ivete, que estava na cidade para uma confraternização com o núcleo regional do sindicato (evento que reuniu mais de 200 trabalhadores da educação), elogiou a iniciativa da rádio de se instalar no meio da feira, destacando a simbologia de estar onde a população está. "É ouvir o povo, é ser parte do povo, é ajudar o povo", definiu a líder sindical, reforçando a filosofia de sua gestão: "A gente luta não por vocês, mas a gente luta com vocês".


A contradição da água: Lei Federal x Privatização Estadual Ivete Caetano


Um dos pontos altos da entrevista foi a discussão sobre a recém-sancionada lei federal que obriga todas as escolas do Brasil a terem acesso à água potável. Questionada sobre como fiscalizar o cumprimento da lei em um país continental, Ivete foi enfática ao apontar uma contradição perigosa no estado de Pernambuco: a intenção do Governo Raquel Lyra de privatizar a Compesa.


Para a presidenta do SINTEPE, transformar a gestão da água em negócio privado fere o direito básico de acesso, o que impactará diretamente às escolas públicas.


"O governo estadual quer privatizar a Compesa, e quando você privatiza, o produto ali é uma mercadoria, que vai ter quem pode pagar. Deixa de ser um direito", alertou Ivete.

Ela convocou a sociedade, pais e estudantes a utilizarem a comunicação como ferramenta de denúncia. "Botar a boca no mundo", disse ela, sugerindo que a falta de água nas escolas seja denunciada nas rádios locais como forma de pressão popular e fiscalização ativa.


Quem é Ivete Caetano e qual sua relevância na educação pernambucana?

Ivete Caetano é a atual presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (SINTEPE). Ela lidera a luta pelos direitos de mais de 35 mil profissionais da educação no estado, negociando pautas como o piso salarial, plano de carreira e melhorias na infraestrutura escolar.

Qual a relação entre a falta de água nas escolas e a privatização da Compesa citada na entrevista?

Ivete aponta uma contradição crítica: enquanto uma nova lei federal obriga o fornecimento de água potável em todas as escolas, o Governo de Pernambuco avança com a privatização da Compesa. Segundo a sindicalista, tratar a água como mercadoria dificultará o acesso e o cumprimento da lei nas escolas públicas.

Por que o "PL da Dosimetria" é considerado perigoso pelo SINTEPE?

Embora apelidado de "PL da Anistia" por visar beneficiar o ex-presidente Bolsonaro e envolvidos nos atos de 8 de janeiro, Ivete alerta que a mudança na dosimetria das penas beneficiará também estupradores e membros de facções criminosas organizadas, gerando impunidade generalizada.

O que foi o evento em Arcoverde mencionado na reportagem?

A entrevista ocorreu durante a visita de Ivete Caetano à Feira do Cecora em Arcoverde, aproveitando uma confraternização regional do SINTEPE que reuniu mais de 200 trabalhadores da educação do Sertão do Moxotó.


O "PL da Dosimetria": Um cheque em branco para o crime


Com a precisão política que lhe é característica, Ivete Caetano desconstruiu a narrativa em torno do Projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional, popularmente conhecido como "PL da Dosimetria”, mas que tecnicamente trata-se de uma Anistia disfarçada às penas dos condenados pelo 08 de janeiro de 2023 e que pode causar um verdadeiro caos na atual legislação penal e no Judiciário no país inteiro.


A jornalista Zalxijoane Lins levantou a questão sobre o Congresso, classificado por muitos analistas como o pior da história, e a tentativa de perdoar os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Ivete explicou que a manobra legislativa, desenhada sob medida para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e os golpistas de 8 de janeiro, abre precedente gravíssimos para a segurança pública.


"Porque esse PL foi pensado para livrar a cara de Bolsonaro, mas ele livra estupradores, ele livra membros das facções criminosas do crime organizado. Gente que inclusive já foi julgada e está presa, pode pedir a redução da pena", denunciou Ivete.

A presidenta do SINTEPE enfatizou a gravidade da situação, sintetizando o absurdo da proposta legislativa:


"Para livrar Bolsonaro da cadeia, você vai livrar estupradores e as facções criminosas do crime organizado."

Além do conteúdo do projeto, a forma como ele foi conduzido também foi alvo de duras críticas. Ivete lembrou a natureza sorrateira da votação, típica de medidas impopulares que não resistem à luz do dia.


"O povo precisa saber o que foi feito na calada da noite, Zalxijoane. Foram duas horas da madrugada que esse PL foi votado, quando o povo brasileiro estava dormindo. Qual é a intenção de quem faz as coisas escondido, na calada da noite?"

Educação e Futuro


Apesar do cenário adverso no legislativo federal, Ivete trouxe perspectivas de luta para a categoria. Ela citou o destravamento das progressões do plano de carreira, uma vitória após 20 anos de espera, e a continuidade das negociações com a Secretaria de Administração do Estado.


No âmbito nacional, a defesa é pelo novo Plano Nacional de Educação (PNE), que garanta 10% do PIB para a área. "Basta tirar dos ricos e dar para os pobres", resumiu, ao defender que os recursos existem, mas precisam ser redirecionados para garantir escolas de "primeiro mundo", com climatização, bibliotecas e estrutura digna.


Profª. Sueli Maria, Coordenadora do Núcleo Regional do SINTEPE; Ivete Caetano, Presidenta do SINTEPE; Zalxijoane Lins, Rádio Itapuama FM - Foto: Raul Silva/O estopim
Profª. Sueli Maria, Coordenadora do Núcleo Regional do SINTEPE; Ivete Caetano, Presidenta do SINTEPE; Zalxijoane Lins, Rádio Itapuama FM - Foto: Raul Silva/O estopim

Ao final, ao lado da professora Sueli Maria, liderança local que reforçou o convite para um ato público neste domingo na Feira de São Cristóvão, das 9h às 11h da manhã, contra o "PL da Dosimetria", Ivete deixou um recado sobre a consciência de classe para 2026. Ela alertou sobre o voto de cabresto moderno e a compra de votos que, no final, custa os direitos do trabalhador.


"O dinheiro que ele dá para você no dia da votação, ele tira naquilo que ele faz no Congresso: tirando a sua vida, tirando o seu emprego, tirando o seu direito, tirando o SUS, tirando a escola pública."

A passagem de Ivete Caetano por Arcoverde reafirma que O Estopim tem alertado: a luta sindical e a luta política são indissociáveis, e a vigilância contra o retrocesso deve ser diária, seja nos corredores de Brasília ou nas feiras do interior de Pernambuco.


Palavras-chave: SINTEPE; PL da Anistia; Privatização da Compesa; Educação Pública Pernambuco; Ivete Caetano.

 
 
 

Por: Raul Silva para O estopim | 12 de dezembro de 2025


Presidente da Câmara utiliza máquina legislativa para reprimir imprensa, perseguir oposição e blindar golpistas em sequência de abusos que preocupa efensores da Democracia


Em apenas quatro meses como presidente eleito da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) transformou a principal Casa legislativa do Brasil em plataforma de autoritarismo institucional. Através de uma escalada progressiva de violência contra jornalistas, censura de parlamentares, manipulação regimental e aprovação de leis que beneficiam conspiradores de golpe, Motta construiu método coerente de concentração de poder que viola direitos fundamentais consagrados na Constituição de 1988 e viola normas democráticas estabelecidas nas últimas décadas. A investigação aqui apresentada documenta cada passo dessa progressão, identifica possíveis crimes cometidos e analisa os impactos corrosivos para as instituições brasileiras.


Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Quem é Hugo Motta e qual seu cargo hoje?

Hugo Motta é deputado federal pela Paraíba, filiado ao Republicanos, e atualmente presidente da Câmara dos Deputados em Brasília, posição que lhe dá enorme controle sobre a pauta e o funcionamento do Legislativo.

Quais são os principais atos de autoritarismo atribuídos a Hugo Motta?

Incluem agressões e expulsão de jornalistas do plenário, restrições à circulação da imprensa na Câmara, corte da transmissão da TV Câmara, corte de microfones de deputadas da oposição e uso da Polícia Legislativa contra parlamentares críticos.​​

O que aconteceu na Câmara em 9 de dezembro de 2025?

Houve confronto após Motta pautar de surpresa o projeto que reduz penas de condenados pelo 8 de janeiro e cassações de deputados; Glauber Braga ocupou a cadeira da Presidência, foi retirado à força, jornalistas foram agredidos e a TV Câmara teve a transmissão interrompida.

Como a imprensa foi afetada pelas decisões de Motta?

Jornalistas relataram empurrões, puxões, impedimento de circulação e expulsão violenta do plenário, além de barreiras físicas e restrições crescentes ao acesso, criando um ambiente de medo e autocensura na cobertura política em Brasília.

Que ligação existe entre Hugo Motta e o bolsonarismo?

Motta tem apoiado pautas de interesse do bolsonarismo, como a redução de penas de condenados pelo 8 de janeiro e negociações em torno de anistia, ao mesmo tempo em que demonstra tolerância maior com atos de obstrução realizados por deputados bolsonaristas.

O que é o projeto de dosimetria que beneficia golpistas?

É uma proposta aprovada na Câmara que altera o cálculo das penas dos condenados pelo 8 de janeiro, reduzindo o tempo de prisão de envolvidos, inclusive de Jair Bolsonaro, e sendo vista por especialistas como uma anistia disfarçada.​

Quais possíveis crimes podem estar configurados nas ações de Motta?

Juristas apontam indícios de abuso de autoridade, coação no exercício da liberdade de imprensa, violação de direitos constitucionais, desrespeito ao princípio da publicidade dos atos legislativos e, em tese, crimes de responsabilidade como presidente da Câmara.

Há impacto institucional e político além dos casos de violência?

Analistas destacam erosão da confiança na Câmara, normalização de práticas autoritárias, enfraquecimento da transparência, maior polarização e sensação de impunidade para grupos ligados ao golpismo.

Já existem reações formais contra esses abusos?

Entidades de imprensa, parlamentares da oposição e setores da sociedade civil pediram investigação e responsabilização, e o tema foi objeto de debate no Senado, mas, até agora, Motta permanece no cargo respaldado por sua base política.

Por que essa reportagem é relevante para o público?

Porque revela como o uso autoritário da presidência da Câmara impacta diretamente a liberdade de imprensa, o equilíbrio entre os poderes e o futuro da democracia no Brasil, em um contexto de avanço de práticas neofascistas e desinformação.​


Hugo Motta do silêncio cúmplice à cascata de denúncias: como a Mídia finalmente expôs o segredo de Brasília


Até setembro de 2025, a violência de Hugo Motta contra jornalistas era segredo de Brasília compartilhado em grupos de WhatsApp de repórteres que não ousavam publicar. O repórter Manuel Marçal, do site Metrópoles, foi violentamente empurrado por seguranças de Motta em agosto quando questionou o presidente sobre esquema de "rachadinha" funcionando dentro de seu gabinete — caso investigado pela Polícia Federal. Semanas depois, novos episódios se acumulavam: repórteres impedidos de fazer perguntas, cercadinhos de separação instalados, jornalistas segurados violentamente pelo pulso para impedir filmagem, um "paredão" de seguranças criando barreira intransponível entre Motta e a imprensa.​


A assessoria de Motta, em comunicados internos, lamou os episódios, mas culpabilizou as vítimas, sugerindo que jornalistas "se excederam na forma de se aproximar". Enquanto isso, reuniões entre representantes de Motta, policiais legislativos e jornalistas ocorriam a portas fechadas, tentando conter o escândalo sem visibilidade pública. Nenhum grande veículo tradicional havia denunciado sistematicamente. Apenas o Intercept Brasil, em setembro, finalmente expôs a realidade através de investigação publicada na newsletter Cartas Marcadas.​


A escalada, porém, continuou — agora com o próprio presidente ciente de que jornalistas e defesa da democracia estavam atentos. Motta não recuou. Acelerou.​


A noite em que a Democracia tremeu: 9 de dezembro de 2025


Na terça-feira 9 de dezembro, entre 17 horas e madrugada adentro, a Câmara dos Deputados viveu episódio que historiadores democráticos compararam aos piores momentos da ditadura militar. Tudo começou com um anúncio feito sem aviso.


No dia anterior, 8 de dezembro, Hugo Motta havia reunido com o ministro da Fazenda Fernando Haddad e líderes de partidos, sinalizando que a pauta do dia seguinte seria dedicada à agenda econômica do governo. Esperava-se transparência, consenso, diálogo. Contudo, no dia 9, Motta surpreendeu o Congresso inteiro anunciando simultaneamente dois projetos explosivos: o PL da Dosimetria (que reduz penas de condenados pelo golpe de 8 de janeiro) e a cassação de quatro deputados (Glauber Braga, Carla Zambelli, Alexandre Ramagem e Eduardo Bolsonaro).​


Líderes de partidos explodiram em raiva. Não houve consenso. Não houve mediação. O presidente da Câmara havia transformado sua posição em arbítrio pessoal que impõe pautas sem consideração institucional. O relator do projeto de dosimetria, Paulinho da Força (Republicanos-SP), não havia sido informado da votação. Motta criou, deliberadamente, condições para conflito.​


O deputado Glauer Braga (PSOL-RJ) foi até a cadeira presidencial em protesto. Permaneceu ali aproximadamente uma hora, denunciando a discriminação: bolsonaristas que haviam ocupado a mesma Mesa Diretora por 48 horas em agosto foram tratados com docilidade, sem força policial, sem violência. Com ele, deputado eleito de esquerda, a resposta foi brutalmente diferente.​


"Só pedi ao presidente Hugo Motta que tivesse 1% do tratamento comigo que teve com aqueles que sequestraram a Mesa Diretora por 48h", protestou Glauber.

A resposta que recebeu foi agressão física. Policiais legislativos o arrastaram pela Câmara, rasgando seu paletó, agredindo seu corpo. O contraste não poderia ser mais claro: tolerância seletiva com a direita, repressão brutal com a esquerda.​


O ataque à imprensa: violência, agressões e censura ao vivo


Enquanto Glauber era arrastado, jornalistas que aguardavam em plenário para relatar os acontecimentos enfrentaram seu próprio calvário. A Polícia Legislativa, atuando sob ordens de Hugo Motta, avançou contra repórteres, cinegrafistas e fotógrafos que cumpriam seu trabalho constitucional.​


As cenas foram de violência pura: repórteres empurrados, uma jornalista tendo o cabelo puxado violentamente por policiais. A repórter Carolina Nogueira, do UOL, foi empurrada pelo pescoço enquanto tentava cobrir os acontecimentos. Produtores de TV levaram socos na barriga. Profissionais precisaram de atendimento médico por conta das agressões que incluíram puxões, cotoveladas, empurrões e intimidação.​


Um policial gritava:


"Pega aí porra! Você tem que sair! É uma ordem", evidenciando que as agressões não eram acidentais, mas operação coordenada de censura.

Uma das jornalistas agredidas relatou posteriormente:


"Eu fui empurrada quatro vezes. Puxaram o cabelo de uma colega que estava do meu lado, uma produtora de uma TV levou um soco na barriga. Foi uma situação totalmente desproporcional. Eu nem consegui ver as imagens depois de tão horrível que foi".​

Motta justificou a expulsão da imprensa com alegação de "segurança", invocando o Ato da Mesa nº 145/2020. Porém, a justificativa é fraudulenta. Não houve necessidade de expulsão violenta e agressiva. Tinha sido possível dialogar minimamente com os profissionais. A brutaalidade foi escolha deliberada. Samira Castro, presidente da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), rejeitou a narrativa de Motta:


"A questão de segurança não nos convence porque era possível dialogar, minimamente, com aqueles trabalhadores que estavam ali fazendo o seu trabalho. Sobretudo porque eles não foram só retirados, eles foram retirados com truculência, eles foram agredidos e isso é muito grave".​

Paralelamente, a TV Câmara teve sua transmissão ao vivo cortada às 17h34, precisamente quando o conflito se ampliava, bloqueando acesso do povo brasileiro aos trabalhos legislativos. Motta justificou que a interrupção era "procedimento técnico de praxe" porque a sessão foi suspensa. Novamente, é mentira. Há múltiplas maneiras de gerenciar transmissões em crises. O corte foi deliberado, censura de Estado.​


A silenciamento da crítica: corte de microfones e supressão da fala parlamentar


Enquanto a polícia agredia jornalistas e Glauber era arrastado, deputadas que tentaram denunciar os abusos tiveram suas vozes literalmente cortadas. Durante a votação do PL da Dosimetria na madrugada, a deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS) iniciou discurso criticando as agressões contra jornalistas que ocorriam sob ordens de Hugo Motta.​


Motta cortou seu microfone e riu enquanto ela falava. Momentos depois, a deputada Benedita da Silva também teve seu microfone desligado. Hugo Motta permaneceu mudo diante dos abusos de força, mas tornou-se censor ativo de críticas dirigidas contra ele.​


Tal conduta viola direito constitucional fundamental. O artigo 53 da Constituição garante aos deputados e senadores "imunidade material", significando que não podem ser responsabilizados por palavras, votos e atos praticados no exercício do mandato. Ao cortar microfone de deputadas críticas, Motta usurpou essa garantia. Transformou-se em censor arbitrário.​


A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) resumiu o clima:


"Hugo Motta atacou de morte a democracia".​

O projeto que beneficia Golpistas: impunidade estruturada e seletiva


No coração da operação de 9 de dezembro estava o PL da Dosimetria — legislação aparentemente técnica que, na realidade, funciona como anistia disfarçada para condenados pela tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.​


O projeto não oferece anistia formal — tal ato seria politicamente custoso demais. Em vez disso, manipula regras de dosimetria de penas (redução por absorção de crimes, redução por participação em multidão) para atingir resultado idêntico: reduzir penas de modo que conspiradores golpistas saiam mais rapidamente da cadeia.​


A matemática é clara: Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão. Com a redução de dosimetria, sua pena cai para 20 anos e 8 meses. Com sistemas de remissão de penas (1 dia de remissão a cada 3 dias de trabalho cumprido, por exemplo), o tempo efetivo poderia reduzir para apenas 2 anos e 4 meses. Bolsonaro, que orquestrou tentativa de golpe contra a democracia, poderia estar livre antes de 2027.​


Outros condenados pelos atos golpistas também se beneficiariam. Todos os que ainda aguardavam julgamento poderiam ter suas sentenças futuras reduzidas ante limine.​


A votação ocorreu durante madrugada, procedimento que reduz escrutínio público e cobertura jornalística. Motta, que havia prometido à direita antes de sua eleição como presidente que votaria sobre anistia aos golpistas, havia recuado. Porém, após consolidar poder como presidente da Câmara, usou essa posição para fazer aquilo que havia negado: beneficiar, de fato, os conspiradores.​


A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), esposa de Glauber, denunciou a operação em plenário horas antes de ser agredida:


"É um absurdo, há uma ofensiva golpista em curso. Bolsonaro acumula condenações. Eduardo Bolsonaro é réu no STF e enfrenta cassação por faltas. Mas o foco do Centrão tem sido acelerar cassação de Glauber".​

A dupla medida: autoritarismo estratificado e seletivo


A operação de 9 de dezembro revelou dupla medida cristalina. Bolsonaristas que ocuparam a Mesa Diretora por 48 horas em agosto foram tratados com diplomacia, negociação, zero força policial. Glauber Braga, que ocupou a presidência por aproximadamente uma hora em protesto legítimo, foi arrastado à força.​


Carla Zambelli, deputada PL condenada criminalmente pelo STF por participação em golpe, permanece com mandato protegido através de procedimento mais lento, mais político, mais imprevisível que a Lei determina. Glauer, deputado eleito cuja "agressão" a militante do MBL ocorreu quando defendia sua mãe que viria a falecer dias depois, enfrenta cassação acelerada.​


Eduardo Bolsonaro, filho de Bolsonaro, réu no STF por crime de coação contra autoridades americanas, consegue questionar cassação através de procedimento que a Constituição não autoriza, pois trata-se de condenação ao regime fechado que deveria resultar em cassação automática. Contudo, Motta oferece possibilidade de julgamento mais lento em plenário.​


O padrão é transparente: aliados bolsonaristas e de direita recebem proteção processual, dilatação de prazos, procedimentos flexíveis. Opositores de esquerda e progressistas recebem aceleração, força policial, violência. A justiça legislativa tornou-se instrumento de poder partidário, não de imparcialidade ou aplicação de regras.​


Os Possíveis Crimes: Abuso de Autoridade, Censura e Violência Institucional


As ações de Hugo Motta e seus subordinados durante a noite de 9 de dezembro podem configurar múltiplos crimes sob a legislação brasileira:


1. Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019)


A Lei de Abuso de Autoridade criminaliza condutas de servidores públicos que excedem seus poderes ou os usam para fins não autorizados por lei. Hugo Motta, como presidente da Câmara, possui autoridade legítima para manter segurança do plenário. Porém, não possui autoridade de:​


  • Expulsar jornalistas de forma violenta e agressiva​

  • Cortar transmissões de TV Câmara para censura​

  • Cortar microfones de deputados durante discursos críticos​

  • Autorizar violência policial contra profissionais de imprensa cumprindo trabalho constitucional​


Cada uma dessas ações constitui potencial abuso de autoridade. A Lei 13.869 estabelece penas de 1 a 4 anos de prisão.​


2. Violação de Direito Constitucional da Liberdade de Imprensa


A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IX, garante a:


"livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

O artigo 220 reafirma:


"A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição".​

As ações de Motta contra jornalistas violam esses direitos fundamentais. Sua equipe admitiu lamentar os episódios, mas negou intenção de "limitar o exercício da atividade jornalística". Contudo, os vídeos e relatos de vítimas demonstram que precisamente isso ocorreu: limitação deliberada do exercício jornalístico através de violência e intimidação.​


3. Coação (Código Penal, art. 146)


A coação ocorre quando alguém, "mediante violência ou grave ameaça, constrange alguém a fazer, tolerar ou deixar de fazer alguma coisa". Ao autorizar violência policial contra jornalistas e deputados que denunciavam abusos, Motta constrangeu-os a abandonar suas funções constitucionais sob ameaça de agressão física.​


4. Abuso de Poder (Regimento Interno da Câmara)


Independentemente de crimes penais, o Regimento Interno da Câmara estabelece procedimentos para ação de presidente. Motta violou regimento ao:


  • Pautar projetos sem aviso aos líderes de partidos​

  • Cortar microfones de deputados sem justificativa regimental​

  • Autorizar expulsão violenta de jornalistas sem procedimento adequado​

  • Cortar transmissão de TV Câmara durante sessão plenária​


Tais violações podem resultar em processo de destituição da presidência.​


5. Crimes de Responsabilidade


Hugo Motta, como presidente da Câmara, é sujeito passivo de responsabilização por crimes de responsabilidade definidos na Lei 1.079/1950. Sua conduta de:


  • Violar direitos constitucionais de expressão e informação​

  • Usar aparato de Estado (Polícia Legislativa) para fins ilegítimos​

  • Comprometer legitimidade de instituições legislativas​


Pode configurar crimes contra a Constituição Federal.​


Os impactos: erosão institucional, risco democrático e autoritarismo normalizado


As consequências das ações de Hugo Motta extrapolam os crimes imediatos. Impactam estrutura institucional e confiança democrática:


Erosão do Princípio de Publicidade dos Atos Legislativos


A Constituição determina que todos os atos legislativos devem ser públicos. O povo brasileiro tem direito de acompanhar em tempo real como seus representantes votam. Ao cortar transmissão de TV Câmara, Motta violou esse direito. Cidadãos não puderam acompanhar a votação que beneficiava golpistas.​


Fragilização da Divisão de Poderes


A Câmara dos Deputados deveria ser câmara deliberativa, onde maiorias constroem consensos através de debate. Motta transformou a Casa em instrumento de poder pessoal, onde pautas são impostas sem mediação. A divisão entre Executivo e Legislativo enfraquece quando o Legislativo abandona autocontrole.​


Normalização do Autoritarismo


Ao sair impune de abusos óbvios, Motta normaliza autoridade violenta. Outras figuras políticas aprendem que autoritarismo, se praticado com suficiente força de coalizão, não resulta em responsabilização. Estamos presenciando normalização de práticas que deveriam ser intoleráveis em democracia.​


Medo Entre Jornalistas e Parlamentares da Oposição


A violência contra imprensa cria chilling effect — efeito de resfriamento. Jornalistas passam a autocensurar-se, sabendo que cobrir crítica ao poder resulta em agressão. Deputados da oposição hesitam em falar, temendo represálias. A própria voz democrática enfraquece-se.​


Desconfiança de Instituições e Legitimidade da Câmara


Pesquisas demonstram que confiança em instituições democráticas caiu drasticamente após os eventos de dezembro. Cidadãos questionam se a Câmara ainda representa o povo ou se tornou instrumento de poder concentrado. A legitimidade da Casa é corroída.​


A tentativa de contenção: reunião desmarcada, notas fraudulentas e falta de responsabilidade


Após as agressões e censura do dia 9, Motta tentou contenção de danos. Marcou reunião com representantes de imprensa indicados pelo Comitê de Imprensa da Câmara para quarta-feira 10 de dezembro. Porém, cancelou a agenda alegando "falta de tempo".


Dois dias após os eventos, Motta publicou nota afirmando que:


"lamentava transtornos causados" e reafirmava não haver "intenção de limitar o exercício da atividade jornalística".

Contudo, vídeos documentam precisamente o oposto: expulsão violenta, agressões, intimidação.​ A nota também prometia que:


"informações apresentadas pelos jornalistas serão incorporadas à apuração em andamento a fim de identificar eventuais excessos nas providências adotadas".

Mas, ainda não há evidência de responsabilidade, punição de policiais legislativos, ou alteração de conduta.​


A Associação Brasileira de Imprensa informou que entraria com ações judiciais contra Motta pelas "violências cometidas pela Polícia Legislativa". A Federação Nacional de Jornalistas classificou os eventos como "extremamente graves" e "cerceamento ao trabalho da imprensa". O Senado realizou debates sobre agressões a jornalistas, com relatórios indicando 144 agressões em 2025, uma média de uma a cada dois dias, muitas sob comando de Motta.​


Contudo, Motta permanece presidente da Câmara. Suas bases de apoio (Centrão, PL, bolsonarismo organizado) sustentam seu autoritarismo porque são beneficiários dele. A impunidade é recurso, não bug. É projeto político deliberado.​


A Câmara sequestrada, a Democracia em risco


Hugo Motta utilizou a posição de presidente da Câmara dos Deputados para construir sistema de autoritarismo institucional que combina: supressão violenta da imprensa, censura de deputados críticos, aplicação seletiva de punições, aprovação de leis que beneficiam conspiradores golpistas. Suas ações violam múltiplas disposições constitucionais, podem configurar crimes penais e crimes de responsabilidade, e corroem fundamentos da democracia brasileira.


A escalada começou em agosto com violência contra jornalistas. Evoluiu para censura sistemática em setembro-novembro. Culminou em dezembro com episódio de brutalidade coordenada contra imprensa, oposição e parlamentares críticos.


O mais preocupante é que Motta não governa sozinho. Representa coalizão mais ampla de elites que lucra com seu autoritarismo. Bolsonaristas são blindados pela redução de penas. Aliados são protegidos pela PEC da Blindagem. Oligarquias locais se beneficiam do enfraquecimento da Polícia Federal. Seu autoritarismo é consensual entre elites que temem responsabilidade.


Enquanto vítimas multiplicam-se — jornalistas agredidos, deputados censurados, comunidades cujos representantes são silenciados, povo privado de acesso a informação transparente — a Câmara dos Deputados deixa de ser "Casa do Povo" para tornar-se instrumento de poder concentrado a serviço de interesses privados.


Restaurar democracia exigirá não apenas remover Motta, mas enfrentar estruturas de corrupção, nepotismo e patrimonialismo que o sustentam. Exigirá investigação, responsabilização criminal, vontade política de processar. Sem isso, novos "Mottas" emergirão, replicando o mesmo padrão de autoritarismo travestido de governança legítima.


A noite de 9 de dezembro de 2025 permanecerá como marco de quando a democracia brasileira tremeu sob o peso do autoritarismo travestido de legalidade. Que sirva como chamado à mobilização, investigação e responsabilização daqueles que ousam transformar Casa da Democracia em instrumento de repressão.


Palavras-chave: Hugo Motta; Autoritarismo na Câmara; Agressões a jornalistas; PL da dosimetria; Presidente da Câmara; Censura à imprensa no Brasil;

 
 
 

Da Redação de O estopim | 11 de dezembro de 2025



O "Projeto de Lei n.º 2.162/2023", apresentado como uma solução de "pacificação", esconde uma armadilha perigosa. Sob o pretexto de corrigir "excessos" judiciais, o texto altera o cálculo das penas (Art. 359-M-A e Art. 359-V), criando uma matemática que pode reduzir condenações de 17 anos para menos de 4, livrando golpistas da cadeia. Mais grave ainda, a "regra de 1/6" para progressão de regime, alterada no Art. 112 da LEP, silencia sobre crimes contra a administração pública, abrindo as portas para a impunidade de corruptos e lavadores de dinheiro. É um ataque ao STF e à justiça.


LEIA A INTEGRA DO DOCUMENTO


Enquanto os holofotes de Brasília e a atenção da mídia tradicional estão voltados, quase que hipnotizados, para o barulhento debate ideológico sobre a anistia do 8 de janeiro, algo muito mais obscuro e silencioso se urde nos bastidores da Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei nº 2.162/2023, que foi aprovada na calada da noite quinta-feira (10), em regime de urgência sob a relatoria do Deputado Paulo Pereira da Silva, apresenta-se ao mundo com vestes de pacificação e a promessa de um "meio-termo" virtuoso. No entanto, para aqueles que ousam olhar além da superfície e encarar a verdade nas entrelinhas, revela-se uma "engenharia da impunidade" que extrapola a política: é uma armadilha, um verdadeiro artefato de destruição que ameaça romper o equilíbrio do sistema penal brasileiro e lançar a Suprema Corte em um abismo de descrédito.


Presidente da Câmara, Hugo Motta, colocou em pauta o PL da Dosimetria | Imagem: Ton Molina/Estadão Conteúdo
Presidente da Câmara, Hugo Motta, colocou em pauta o PL da Dosimetria | Imagem: Ton Molina/Estadão Conteúdo

O texto do Substitutivo, que nossa reportagem dissecou como quem desvenda um pergaminho antigo e perigoso, não opera apenas como um perdão velado a um grupo específico; ele promove uma reestruturação profunda, quase mágica e oportunista, do Código Penal e da Lei de Execução Penal. O resultado prático é a abertura de portais para a liberdade que beneficiarão não apenas os que clamavam nas ruas, mas uma casta de criaturas de alta periculosidade social: lavadores de dinheiro, estelionatários e os senhores da corrupção que, até então, sentiam o cerco da justiça se fechar.


O "Liberou Geral": o fruto proibido que a Corrupção cobiça com o PL da Dosimetria


O aspecto mais terrível e menos visível deste projeto esconde-se onde poucos têm a curiosidade de olhar: na matemática fria da progressão de regime. Sob a justificativa aparentemente inofensiva de "adequar sanções", o texto altera drasticamente o Artigo 112 da Lei de Execução Penal, trazendo de volta uma regra antiga e sedutora: o cumprimento de apenas 1/6 (um sexto) da pena para a progressão. O ardil, a verdadeira maldição legislativa, reside no fato de que o projeto deixa de fora das regras mais rígidas qualquer crime que não envolva, explicitamente, "violência ou grave ameaça".


Foto: Reprodução
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Eis que surge o detalhe sombrio que transforma essa lei em um salvo-conduto para a elite: os crimes de colarinho branco (a corrupção que drena a vida da nação, o peculato e a lavagem de dinheiro) são cometidos no silêncio dos gabinetes, através de canetas e transações invisíveis, sem o derramamento de sangue físico. Pela nova regra, esses criminosos, que causam dor e sofrimento a milhares, teriam acesso a um dom negado ao ladrão comum.


O texto do substitutivo é cristalino, como uma sentença de destino, ao definir a regra geral benéfica:


"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão, observadas as seguintes exceções..."

Ao listar as exceções que exigiriam um sacrifício maior de tempo (25%, 30% ou mais), o texto amarra o rigor à violência física, excluindo intencionalmente os crimes financeiros, como quem protege os seus:


"I- Se o apenado for primário e for condenado pela prática de crimes previstos nos Títulos I e II da Parte Especial do Código Penal mediante exercício de violência ou grave ameaça, deverá ser cumprido ao menos 25% (vinte e cinco por cento) da pena;"

A conta da injustiça é amarga:


Imagine um cenário onde um político influente, condenado a 12 anos por desviar recursos vitais, se vê diante dessa nova realidade. Como seu crime foi cometido sem violência física, ele cairia na regra suave de 1/6. Isso significa que, após cumprir apenas 2 anos isolado do mundo, ele já estaria livre para caminhar sob o sol do regime semiaberto.


Em contraste, um jovem condenado à mesma pena por um assalto com faca, teria que provar do amargor da prisão por, no mínimo, 3 anos (25%). Sob o pretexto de anistiar manifestantes, o Congresso está prestes a aprovar uma distorção moral onde o crime financeiro compensa, incentivado pela certeza de que a punição será breve, como um pesadelo passageiro.


O que realmente esconde o PL da Dosimetria sob sua máscara de pacificação?

Trata-se de uma manobra legislativa que, embora se venda como uma busca pela harmonia e pelo "meio-termo", oculta um mecanismo matemático desenhado para destroçar as penas já aplicadas pela justiça e abrir as portas da liberdade para crimes graves.

A mudança na regra de 1/6 beneficia apenas os envolvidos no 8 de janeiro?

Não. Este é o efeito colateral mais perverso. A nova regra, ao excluir crimes sem violência física do rigor da lei, estende um tapete vermelho para corruptos, lavadores de dinheiro e estelionatários, permitindo que deixem a prisão muito antes de um ladrão comum.

Como o projeto desafia a autoridade do Supremo Tribunal Federal?

O projeto se ergue como um "senhor do tempo", utilizando o princípio da retroatividade para anular e reescrever decisões passadas da Suprema Corte. O Congresso, na prática, assume o papel de uma instância superior, julgando os juízes e alterando a realidade conforme sua vontade política.

A redução de pena é significativa ou apenas simbólica?

É drástica e assustadora. A combinação do fim da soma das penas com o desconto para atos em "multidão" pode reduzir uma condenação de 18 anos para menos de 5 anos, transformando a punição severa em uma breve estadia carcerária.


O que acontece com a justiça se esse projeto for aprovado?

O equilíbrio se rompe. A mensagem enviada é a de que a lei é flexível para os poderosos e que decisões judiciais podem ser desfeitas pela caneta legislativa, mergulhando o país em uma era de insegurança jurídica e descrédito institucional.


Ataque à Democracia: o Legislativo como o Senhor do Destino


O segundo pilar desta trama é um ataque frontal ao equilíbrio dos poderes, algo que deveria ser sagrado. O relatório não esconde seu desejo: revisar, corrigir e, na prática, anular as decisões já tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como se o Parlamento pudesse voltar no tempo e desfazer o que foi feito. O texto classifica as condenações da Corte como "desproporcionais", colocando-se na posição de juiz supremo, acima do bem e do mal.


Hugo Motta - (crédito: Julio Dutra/Republicanos)
Hugo Motta - (crédito: Julio Dutra/Republicanos)

O Relator justifica essa intervenção extraordinária, desafiando a autoridade estabelecida com o seguinte argumento:


"O Substitutivo ora proposto tem seu foco na redução do cálculo das penas, pois é papel do Congresso Nacional definir os fatos que constituem crimes por violarem bens jurídicos relevantes, calibrar a pena mínima e a pena máxima de cada tipo penal, bem como a forma geral de cálculo das penas. Fazemos isso o tempo todo, sempre conectados com os anseios e as pressões da sociedade civil por nós representada."

Para garantir que essa "calibragem" atinja o passado,  algo que a natureza das coisas geralmente proíbe, o projeto invoca um poder antigo da Constituição: a retroatividade da lei penal. Assim, força o Judiciário a reabrir os livros do destino e refazer os cálculos:


"Com base nas leis que aprovamos, o Judiciário posteriormente fará a dosimetria adequada, aplicando os limites e critérios legais em cada caso concreto. E, claro, a lei penal posterior mais favorável ao réu deverá ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência, por força do princípio da retroatividade da lei penal benéfica, agasalhado no art. 5º, inciso XL, da Constituição de 1988."

Na prática, o Congresso se arvora como uma "Quarta Instância". A mensagem que ecoa é aterrorizante para a segurança jurídica: se a Justiça condenar quem possui aliados poderosos, a lei será mudada para apagar a condenação, como se ela nunca tivesse existido. Não buscam um futuro melhor, mas manipular o passado, ferindo a autonomia do Judiciário e gerando uma crise institucional de proporções épicas.


A mentira revelada: A Ilusão da "Anistia Disfarçada"


Por fim, o projeto tenta ludibriar a todos, evitando a palavra "anistia total". A estratégia é vender a ideia de que ainda haverá punição, porém de forma "equilibrada". Contudo, a curiosidade humana, ao analisar a matemática embutida nos novos artigos, descobre que o "equilíbrio" é uma falácia, uma ilusão criada para garantir a impunidade.


O projeto introduz dois novos artigos (359-M-A e 359-V) desenhados cirurgicamente para triturar as penas, reduzindo-as a pó.


Primeiro, o texto proíbe a soma das penas, obrigando o uso de uma regra onde se aplica apenas a pena do crime mais grave com um pequeno aumento, vedando o acúmulo:


"Art. 359-M-A. Quando os delitos deste Capítulo estão inseridos no mesmo contexto, a pena deverá ser aplicada, ainda que existente desígnio autônomo, na forma do concurso formal próprio de que trata a primeira parte do art. 70, vedando-se a aplicação do cômputo cumulativo previsto na segunda parte desse dispositivo e no art. 69 deste Código."

Não satisfeito, o projeto cria um desconto massivo para quem agiu em "multidão", reduzindo a pena restante entre um terço e dois terços, sob a premissa de que a culpa se dilui no meio de muitos:


"Art. 359-V. Quando os crimes previstos neste capítulo forem praticados em contexto de multidão, a pena será reduzida de um terço a dois terços, desde que o agente não tenha praticado ato de financiamento ou exercido papel de liderança."

O milagre sombrio da multiplicação do perdão:


Para entender a gravidade, tomemos o exemplo de um réu condenado hoje a 17 ou 18 anos de prisão.


  1. Fase 1 (O fim da soma): Com a aplicação obrigatória da nova regra, a pena não seria mais a soma, mas sim a maior pena acrescida de uma fração mínima. Isso derrubaria a condenação inicial para cerca de 14 anos.

  2. Fase 2 (O desconto da multidão): Sobre esses anos restantes, aplicaria-se a redução drástica. Sendo conservadores, a pena cairia para algo em torno de 9 anos. Se o juiz aplicar a redução máxima, a pena poderia cair para menos de 5 anos.


Na prática, o projeto corta a punição pela metade ou mais. O discurso filosófico citado no relatório — "a virtude consiste em saber encontrar o meio-termo entre dois extremos" — serve apenas como um verniz erudito para camuflar uma operação de desmonte da responsabilidade.


O PL da Dosimetria não é uma correção de rumos; é um manifesto contra a autoridade e um convite aberto à impunidade, escrito nas entrelinhas de cálculos complexos para que a sociedade não perceba, até que seja tarde demais, que os portões foram abertos — não só para os extremistas, mas para os corruptos que sempre apostaram que poderiam fazer o que bem quisessem e entendessem.



 
 
 
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