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BRASÍLIA | A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou por unanimidade nesta quarta-feira, 24 de setembro, o parecer do relator Alessandro Vieira (MDB-SE) pela rejeição da PEC da Blindagem. Com 26 votos contrários e nenhum favorável, a decisão arquiva definitivamente a controversa proposta que pretendia ampliar a proteção judicial para parlamentares, representando uma vitória da pressão popular exercida nas manifestações realizadas em todas as capitais no último domingo.


Por Raul Silva, para O estopim | 24 de setembro de 2025


Confira nossa análise em áudio – E agora? O que vem por aí?

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PEC da Blindagem: rejeição unânime no Senado, graças a pressão popular

CCJ no Senado - Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
CCJ no Senado - Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Em uma decisão histórica nesta quarta-feira, 24 de setembro de 2025, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou por unanimidade o parecer do relator Alessandro Vieira (MDB-SE) contrário à PEC da Blindagem, sepultando definitivamente a proposta que havia gerado uma das maiores ondas de indignação popular dos últimos anos. Com 26 votos favoráveis à rejeição e nenhum contrário, os senadores enterraram a controversa Proposta de Emenda à Constituição nº 3 de 2021, que pretendia ampliar a proteção judicial para parlamentares.


A votação unânime pela rejeição da PEC marca um momento decisivo no cenário político brasileiro, representando uma vitória da pressão popular exercida nas manifestações realizadas em todas as 27 capitais do país no último domingo, 21 de setembro. A decisão da CCJ encerra definitivamente qualquer possibilidade de tramitação da proposta no Senado, uma vez que, segundo o regimento interno, quando há unanimidade na rejeição por inconstitucionalidade, a matéria é considerada arquivada sem necessidade de recurso ao plenário.


Voto histórico de Alessandro Vieira


Durante a sessão da CCJ, que começou às 9h conforme programado, Alessandro Vieira leu integralmente seu parecer pela "inconstitucionalidade, injuridicidade e rejeição" da PEC da Blindagem. Em um dos momentos mais contundentes de sua fala, o senador sergipano declarou que:


"essa é uma PEC que definitivamente abre as portas do Congresso Nacional para o crime organizado".

O relator fundamentou sua posição em três pilares principais: desvio de finalidade, inconstitucionalidade e atentado à moralidade pública. Segundo Vieira, embora a PEC se apresentasse como um instrumento de defesa das prerrogativas parlamentares, seu:


"real objetivo não é o interesse público, mas sim os anseios escusos de figuras públicas que pretendem impedir ou, ao menos, retardar, investigações criminais".

O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) - Imagem_ Edilson Rodrigues - 28.fev.2024_Agência Senado
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) - Imagem_ Edilson Rodrigues - 28.fev.2024_Agência Senado

O parecer de Alessandro Vieira detalhou minuciosamente os problemas constitucionais da proposta. Ele argumentou que a PEC violava princípios fundamentais como os da publicidade, moralidade e republicano, além de representar um "gigantesco passo atrás" no tocante à transparência. O relator também criticou duramente a reintrodução do voto secreto para deliberações sobre processos criminais contra parlamentares, classificando a medida como uma "agressão ao princípio constitucional da publicidade".


Vieira apresentou dados históricos para sustentar seu argumento: entre 1988 e 2001, quando vigorava regra similar à proposta pela PEC, de quase 300 pedidos de investigação enviados ao Congresso, apenas um foi autorizado pela Câmara dos Deputados - o caso do deputado Jabes Rabelo, acusado de receptação de veículo roubado.


"Retornar à imunidade processual existente anteriormente à Emenda Constitucional nº 35, de 2001, representa permitir a impunidade", afirmou o relator.

Unanimidade inédita marca decisão


A unanimidade da votação surpreendeu até mesmo os observadores mais otimistas quanto à rejeição da PEC. Todos os 26 senadores presentes na sessão da CCJ votaram favoravelmente ao parecer de Alessandro Vieira, sem qualquer voto em separado ou pedido de vista que pudesse adiar a decisão. O resultado demonstrou o impacto das manifestações populares e da pressão da sociedade civil organizada sobre os parlamentares.


Segundo relatos da sessão, mesmo senadores que inicialmente haviam manifestado posições mais favoráveis à proposta mudaram de posicionamento. O senador Jorge Seif (PL-SC), que havia apresentado voto separado favorável, retirou seu apoio à PEC durante a própria reunião, reconhecendo ter sido influenciado pelas manifestações populares.


"Eu preciso reconhecer que a população, não falo de esquerda, falo direita, esquerda e centro, que entrou em contato conosco e nós precisamos estar sensíveis às vozes das ruas", declarou Seif.

A aprovação unânime do parecer contrário representou uma vitória direta da pressão popular exercida nas ruas. As manifestações de domingo, que reuniram milhares de pessoas em todas as capitais brasileiras, foram decisivas para consolidar a posição contrária dos senadores. Otto Alencar, presidente da CCJ, havia afirmado previamente ter "costurado um número significativo de votos contrários à matéria", citando 18 na CCJ e cerca de 50 no plenário, atribuindo essa mobilização às manifestações.


O próprio Alessandro Vieira reconheceu em seu parecer a importância da pressão popular, citando que "a sociedade brasileira grita em sentido diametralmente oposto" ao que propunha a PEC, "ou seja, ela almeja o fim da impunidade". O senador concluiu seu voto com uma citação de Guimarães Rosa, fazendo uma homenagem ao presidente da CCJ e um apelo para que o Senado tivesse "coragem" de rejeitar a proposta.


Veja como foi o parecer do Senador Alesandro Vieira (MDB - SE) na íntegra


Consequências políticas e institucionais


A decisão unânime da CCJ representa um marco no enfrentamento entre os poderes e na luta contra a impunidade no Brasil. A PEC da Blindagem havia sido aprovada na Câmara dos Deputados com 353 votos favoráveis e 134 contrários em setembro de 2025, mas encontrou resistência absoluta no Senado Federal.


Segundo levantamentos anteriores à votação, mais de 60 senadores já haviam manifestado publicamente posição contrária à proposta. O MDB, partido do relator, foi um dos primeiros a fechar questão contra o texto, seguido por diversas outras bancadas. Até mesmo senadores da oposição e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro manifestaram-se contra a proposta, demonstrando que a rejeição atravessou linhas partidárias.


Com a aprovação unânime do parecer pela rejeição na CCJ, a PEC da Blindagem está definitivamente arquivada. O regimento interno do Senado prevê que, quando há unanimidade na rejeição por inconstitucionalidade, não há possibilidade de recurso ao plenário. Isso significa que a proposta não poderá mais tramitar em nenhuma das Casas do Congresso Nacional, encerrando um capítulo controverso da política brasileira.


Alessandro Vieira destacou durante a sessão que não fazia:


"sentido deixar esse texto rodando pelas Casas esperando uma oportunidade, uma janela para aprovação da blindagem".

Para o relator, a proteção ao mandato parlamentar já é suficientemente garantida pela Constituição atual, sem necessidade de criar novos mecanismos que poderiam favorecer a impunidade.


A decisão da CCJ representa uma vitória da democracia brasileira e da pressão popular organizada, demonstrando que a sociedade civil continua vigilante contra tentativas de retrocesso institucional. O resultado unânime enviou uma mensagem clara de que o Senado Federal não compactuará com propostas que possam favorecer a impunidade ou enfraquecer o combate à corrupção no país.


Argumentos Centrais da Rejeição


Em seu relatório, Vieira foi incisivo ao caracterizar a PEC como um caso flagrante de desvio de finalidade.


"A PEC que formalmente aponta ser um instrumento de defesa do Parlamento é na verdade um golpe fatal na sua legitimidade, posto que configura portas abertas para a transformação do Legislativo em abrigo seguro para criminosos de todos os tipos", declarou o senador em seu parecer.

O relator baseou sua argumentação no conceito jurídico de desvio de finalidade, citando a doutrina de Caio Tácito, que sustenta que "toda e qualquer competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe é própria". Segundo Vieira, o objetivo real da proposta não é proteger o exercício da atividade parlamentar, mas sim atender:


"os anseios escusos de figuras públicas que pretendem impedir ou, ao menos, retardar, investigações criminais que possam vir a prejudicá-los".

Vieira sustentou seus argumentos com dados históricos contundentes. O senador lembrou que, entre 1988 e 2001, quando vigorava regra similar à proposta pela PEC:


"apenas 1, entre quase 300 pedidos de investigação, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, contra o Deputado Jabes Rabelo, acusado de receptação de veículo roubado".

"Não à toa, aquele estado de coisas absolutamente inconstitucional exigiu a promulgação de referida emenda à Carta Maior, como medida urgente de moralização", afirmou o relator

Referindo-se à Emenda Constitucional nº 35, de 2001, que extinguiu a necessidade de autorização prévia para processar parlamentares.


O senador destacou que atualmente há mais de duas centenas de parlamentares investigados ou processados, demonstrando que a Emenda Constitucional de 2001 "teve sucesso em reduzir a impunidade, ainda tão presente em nosso País".


Leia o parecer completo do Senador Alessando Vieira (MDB - SE)


Críticas Específicas aos Dispositivos da PEC


Alessandro Vieira criticou duramente o retorno ao voto secreto previsto na PEC, considerando-o um "gigantesco passo atrás no tocante à transparência". O relator argumentou que essa previsão anula decisões importantes anteriores do Congresso, especialmente a Emenda Constitucional nº 76, de 2013, que aboliu a votação secreta em casos de perda de mandato e apreciação de vetos.


"Prever, assim, o voto secreto em deliberações parlamentares, como faz a PEC nº 3, de 2021, se traduz não apenas em agressão ao princípio constitucional da publicidade, assegurado no caput do art. 37 da Carta Magna, como em violação da própria ideia da democracia representativa", sustentou Vieira.

O relator também criticou a ampliação do foro privilegiado aos presidentes de partidos políticos, qualificando a medida como "providência totalmente desarrazoada". Segundo Vieira, trata-se de:


"verdadeira distorção do instituto, que, doutrinariamente, se destina a ocupantes de elevados cargos públicos".

Durante sua fala na CCJ, Vieira fez referência direta às manifestações populares do domingo anterior (21), afirmando que:


"a sociedade brasileira grita em sentido diametralmente oposto, ou seja, ela almeja o fim da impunidade, como as amplas manifestações públicas sinalizaram no último domingo".

O senador foi categórico ao afirmar que a PEC "definitivamente abre as portas do Congresso Nacional para o crime organizado". Em entrevistas anteriores, Vieira já havia caracterizado a proposta como "imprestável" e alertado que ela poderia proteger "autores de crimes graves, como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa".


Refutação de Argumentos Favoráveis


Vieira rejeitou especificamente as emendas apresentadas pelos senadores Sérgio Moro e Carlos Portinho, que pretendiam limitar a "blindagem" apenas aos crimes contra a honra. O relator argumentou que:


"existe jurisprudência farta e antiga sobre a matéria, estabelecendo a não aplicabilidade da imunidade material a pronunciamentos difamantes, injuriosos ou caluniosos sem vínculo com a atividade parlamentar".

Para ilustrar sua posição, Vieira citou casos concretos de parlamentares processados por crimes contra a honra, incluindo André Janones (que chamou Bolsonaro de "assassino, miliciano, ladrão de joias e bandido fujão") e deputados da oposição que fizeram declarações sobre Gleisi Hoffman. O relator considerou "absolutamente impossível atrelar tais agressões ao legítimo exercício do mandato parlamentar".


O senador rejeitou enfaticamente a narrativa de que parlamentares estariam sendo perseguidos por suas opiniões.


"A narrativa segundo a qual a atividade parlamentar se encontra cerceada no Brasil não se sustenta em fatos", afirmou Vieira.

Durante sua fala na CCJ, o relator foi direto:


"Aqui, nesta fileira, seguramente todos já proferiram discursos duríssimos com relação a decisões de ministros [do STF], a condutas de ministros, e nenhum dos que está aqui sentado responde a processo por isso. Nenhum! Nem aqui, nem na outra Casa".

Em suas declarações, Vieira demonstrou preocupação específica com a proteção que a PEC ofereceria ao crime organizado. O senador alertou que a proposta abriria espaço para proteção de "homicídio, corrupção passiva, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro".


Esta preocupação ecoa investigações recentes que revelaram conexões entre emendas parlamentares e facções criminosas, evidenciando como o crime organizado tem tentado infiltrar-se na política através de licitações fraudulentas em municípios.


Consequências políticas e institucionais


Ao concluir seu parecer, Alessandro Vieira foi enfático: "votamos pela inconstitucionalidade, injuridicidade e rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 3, de 2021". O relator encerrou sua análise citando Guimarães Rosa:


"O que ela [a vida] quer da gente é coragem", elogiando o presidente da CCJ, Otto Alencar, "pela coragem de pautar com a urgência devida essa matéria absurda".

A posição de Vieira reflete um consenso crescente no Senado contra a PEC. Levantamentos jornalísticos indicam que pelo menos 55 dos 81 senadores já se manifestaram contrários à proposta, sinalizando sua provável rejeição tanto na CCJ quanto no plenário.


O caso da "PEC da Blindagem" representa mais um momento de tensão institucional no Brasil, onde questões de prerrogativas parlamentares, transparência democrática e combate à impunidade se entrelaçam. A análise técnica e contundente de Alessandro Vieira estabelece parâmetros jurídicos claros para o debate, fundamentando a oposição à proposta em princípios constitucionais sólidos e precedentes históricos que demonstram os riscos de retrocesso institucional.

 
 
 

A recente aprovação do voto impresso pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, por 14 votos a 12, em agosto de 2025, revela um padrão preocupante na política brasileira: o Congresso Nacional tem priorizado a legislação em causa própria em detrimento de questões fundamentais para a sociedade, chegando ao ponto de ignorar decisões unânimes do Supremo Tribunal Federal. Este episódio expõe uma crise institucional profunda, onde a CCJ – ironicamente responsável por zelar pela constitucionalidade das leis – aprova medidas que contrariam frontalmente a Constituição Federal.


Cronologia das Decisões sobre Voto Impresso no Brasil (2013-2025)
Cronologia das Decisões sobre Voto Impresso no Brasil (2013-2025)

A insistência em uma medida declarada Inconstitucional


A aprovação do voto impresso pela CCJ representa mais um capítulo de uma saga que deveria ter se encerrado há anos. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou duas vezes sobre o tema, sendo categórico em suas decisões. Em 2013, a Corte declarou pela primeira vez a inconstitucionalidade do voto impresso, e em 2020, por unanimidade, reafirmou este entendimento na ADI 5889, relatada pelo ministro Gilmar Mendes.


O relator foi claro ao explicar os fundamentos técnicos e constitucionais que tornam o voto impresso incompatível com a Carta Magna: "A impressora precisa ser um equipamento inexpugnável, à prova de intervenções humanas, que jogue o registro do voto em um compartimento inviolável. Se assim não for, em vez de aumentar a segurança das votações, a impressão do registro será frágil como meio de confirmação do resultado e, pior, poderá servir a fraudes e a violação do sigilo das votações".


A decisão de 2020 destacou que o voto impresso "viola o sigilo e a liberdade do voto", princípios fundamentais do sistema democrático brasileiro. Mesmo assim, em 2025, a CCJ do Senado optou por ignorar esta jurisprudência consolidada, aprovando uma medida praticamente idêntica à que foi declarada inconstitucional.


Contrariando o discurso dos defensores do voto impresso, o sistema eletrônico brasileiro possui um histórico de segurança invejável. Desde 1996, quando foram implementadas, as urnas eletrônicas processaram mais de 15 eleições gerais e municipais sem um único caso comprovado de fraude.


O Tribunal Superior Eleitoral oferece múltiplas oportunidades de auditoria, incluindo testes públicos de segurança, fiscalização do código-fonte por mais de 100 entidades habilitadas, auditorias de funcionamento e verificações antes, durante e depois de cada eleição. Especialistas que participaram desses testes conseguiram identificar vulnerabilidades pontuais, que foram prontamente corrigidas, mas nunca comprometeram o sigilo do voto ou a integridade dos resultados.


A tecnologia da urna eletrônica evoluiu constantemente, incorporando camadas adicionais de segurança. O sistema atual utiliza mais de 30 barreiras de proteção, incluindo criptografia avançada, hardware de segurança dedicado, lacres físicos especiais produzidos pela Casa da Moeda e isolamento completo de redes externas.


As verdadeiras prioridades do Congresso Nacional


Enquanto a CCJ se ocupava em ressuscitar uma medida inconstitucional, o Congresso Nacional demonstrou onde realmente estão suas prioridades. Nos últimos anos, os parlamentares aprovaram uma série de medidas que beneficiam diretamente a classe política, configurando claros casos de legislação em causa própria.


Benefícios para a Classe Política


A lista de medidas aprovadas em benefício próprio é extensa. O Congresso aumentou o número de deputados federais de 513 para 531, ampliou em quase R$ 165 milhões os recursos dos fundos partidários para 2025 e tramita um projeto que permite aos parlamentares acumularem aposentadoria de ex-deputados com salário de qualquer mandato eletivo.


Essas medidas vão na contramão do discurso de austeridade fiscal que os mesmos parlamentares adotam quando se trata de políticas sociais. Como observou o presidente da OAB, Cláudio Lamachia, em situação semelhante: "Os deputados federais, representantes da sociedade, devem respeitar os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade em suas ações. Não podem legislar em causa própria".


Enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa


O novo Código Eleitoral aprovado pela CCJ também promove retrocessos significativos na Lei da Ficha Limpa. A proposta altera prazos de inelegibilidade, favorecendo políticos condenados. Em alguns crimes, a inelegibilidade passa a ser de apenas 8 anos após condenação em órgão colegiado, e políticos cassados terão a inelegibilidade contada apenas a partir da decisão de cassação, não mais pelo período restante do mandato mais 8 anos.


O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) foi enfático ao classificar essas mudanças como "grave retrocesso" que "fragiliza a Lei da Ficha Limpa" e demonstra "mais uma vez, a classe política legislando em causa própria".

Cópia oficial da Constituição Federal Brasileira de 1988, fundamento da democracia e dos direitos legais do Brasil
Cópia oficial da Constituição Federal Brasileira de 1988, fundamento da democracia e dos direitos legais do Brasil 

O papel controverso da CCJ


A Comissão de Constituição e Justiça deveria ser a guarda da constitucionalidade no processo legislativo. Suas competências incluem "opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das matérias que as primeiras condenações" e "propor, por projeto de resolução, a suspensão, no todo ou em parte, de leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal".


É paradoxal que a mesma comissão responsável por zelar pela Constituição aprove medidas que contrariam frontalmente decisões unânimes do STF. Existe uma inversão de papéis quando a CCJ, em vez de garantir o cumprimento das decisões constitucionais, como ignoramos deliberadamente.


A retórica da transparência como Cortina de Fumaça


Os defensores do voto impresso utilizam constantemente a retórica da "transparência" e da "segurança" para explicação de sua posição. O senador Esperidião Amin, autor da emenda, argumentou que "não basta a urna ser segura, ela precisa parecer segura e transparente para o cidadão comum".


Contudo, essa argumentação ignora dados concretos. Segundo o TSE, desde 1996, não há registros de casos de fraudes eleitorais envolvendo a captura ou totalização de votos. O sistema brasileiro é reconhecido internacionalmente como um dos mais seguros e eficientes do mundo, com o código-fonte aberto à fiscalização de bolsas de valores.


A verdadeira questão não é técnica, mas política. Como demonstrado pelas mensagens em grupos de Telegram e WhatsApp provas pela mídia, a aprovação do voto impresso foi vista como "vitória da transparência" por grupos que questionam a legitimidade das eleições brasileiras sem apresentar evidências concretas.


Urna eletrônica brasileira mostrando teclado e botão de confirmação sob uma mão
Urna eletrônica brasileira mostrando teclado e botão de confirmação sob uma mão

A separação de Poderes em crise


A insistência do Congresso em aprovar medidas declaradas inconstitucionais pelo STF revela uma crise no sistema de separação de poderes. Quando o Legislativo ignora sistematicamente as decisões do Judiciário sobre questões constitucionais, estabelece-se um precedente perigoso para a democracia.


O conflito entre os Poderes


Recentemente, diversos episódios foram marcados em debate entre STF e Congresso, desde a questão das emendas parlamentares até a derrubada do decreto presidencial sobre a IOF. Parlamentares da oposição defendem a necessidade de limites ao STF, com pelo menos 20 PECs tramitando com esse objetivo, mas essas iniciativas estão paralisadas pela falta de articulações políticas.


O senador Oriovisto Guimarães, autor da PEC que visa acabar com decisões monocráticas, observou que "um homem sozinho, ministro Alexandre de Moraes, em uma decisão monocrática, disse à nação brasileira: eu sozinho posso mais que 513 deputados, que 81 senadores e que a presidência da Repúblicas".


Por outro lado, a Advocacia-Geral da União tem reagido, argumentando que algumas medidas do Congresso "violam o princípio da separação entre os Poderes" e representam "riscos fiscais graves ao Estado brasileiro".


Infográfico explicando os papéis e representantes dos poderes executivo, legislativo e judiciário do Brasil sob a separação de poderes
Infográfico explicando os papéis e representantes dos poderes executivo, legislativo e judiciário do Brasil sob a separação de poderes 

O impacto nas Eleições de 2026


A aprovação do voto impresso pela CCJ cria incertezas para as eleições de 2026. Mesmo que a medida seja aprovada pelo plenário do Senado e retorne à Câmara dos Deputados, especialistas discutiram sua implementação ao longo do tempo.


Custos e complexidade operacional


O ministro Gilmar Mendes, em sua decisão de 2020, destacou que a implementação do voto impresso traria “enorme dificuldade operacional, exigindo a instalação de impressoras, que são equipamentos altamente suscetíveis a problemas mecânicos, em todas as urnas, além de ampliar, significativamente, o custo das eleições”.


Estudos anteriores do TSE estimaram que a implementação custaria cerca de R$ 2 bilhões, valor que seria ainda maior considerando a inflação e as atualizações tecnológicas. Esses recursos poderiam ser mais bem utilizados em áreas prioritárias como saúde, educação e segurança pública.


A questão do Prazo Legal


Para que as mudanças no Código Eleitoral entrem em vigor nas eleições de 2026, o texto precisa ser aprovado até outubro de 2025, conforme determina o artigo 16 da Constituição Federal. Este prazo extremamente apertado torna praticamente impossível a implementação adequada do voto impresso, mesmo que aprovado.


O próprio relator do projeto, o senador Marcelo Castro, demonstrou ceticismo quanto às previsões: "Pela lógica, o plenário vai votar contra. Mas como vivemos tempos estranhos, tudo é possível".


Sessão plenária do Congresso Nacional Brasileiro com parlamentares reunidos no plenário legislativo
Sessão plenária do Congresso Nacional Brasileiro com parlamentares reunidos no plenário legislativo

A desinformação como pano de fundo


O debate sobre o voto impresso não pode ser dissociado do contexto de desinformação que tem marcado como eleições brasileiras nos últimos anos. Grupos organizados utilizam aplicativos de mensagens para propagar informações falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas, criando um ambiente de desconfiança infundado no sistema eleitoral.


O combate às Fake News


O TSE tem se empenhado em combater a desinformação através de diversas iniciativas. A Resolução TSE nº 23.610/2019 estabelece regras claras para o uso de inteligência artificial na propaganda eleitoral, proíbe deepfakes e responsabilizamos plataformas digitais que não removam conteúdos falsos imediatamente.


Contudo, mensagens como a identificada nos aplicativos – “De tanto o Lula gastar que se para candidato no ano que vem ele ganharia a eleição facilmente, o senado tomou vergonha na cara pra tentar passar o voto impresso” – demonstram como o debate técnico é distorcido por narrativas políticas.


A responsabilidade das Instituições


As instituições têm papel fundamental no combate à desinformação. Como comentou o ministro André Ramos Tavares, do TSE: "É impossível impedir a divulgação de informações falsas sem o uso da Inteligência Artificial... Esse não é apenas um problema eleitoral, é um problema generalizado da sociedade".


O TSE criou diversos canais de verificação de informações e programas educativos para esclarecer o funcionamento do sistema eleitoral. Mesmo assim, persiste a desinformação, alimentada por interesses políticos específicos.


O retrocesso nas Políticas de Gênero


Além do voto impresso, o novo Código Eleitoral aprovado pela CCJ também promove retrocessos nas políticas de inclusão de gênero na política. Embora tenha suspendido a reserva de 30% para candidaturas femininas nas chapas, a proposta de destinar apenas 20% das cadeiras do Legislativo para mulheres foi vista pela bancada feminina como insuficiente.


A senadora Zenaide Maia foi enfática: "É tirar um direito conquistado com muita luta, dado pelo poder judiciário. Não foi dessa Casa. E sabe o que vai acontecer? Não vão ser aprovados os 20% e a gente vai ficar sem as candidaturas".


O Brasil ocupa a constrangedora 137ª posição mundial em representatividade feminina na política. Em vez de criar mecanismos mais eficazes para reverter esse quadro, o Congresso se concentra em debates sobre votos impressos que não agregam valor algum ao sistema democrático.


Plenário do Congresso Nacional Brasileiro durante sessão mostrando assentos legislativos e telas digitais com conteúdo oficial
Plenário do Congresso Nacional Brasileiro durante sessão mostrando assentos legislativos e telas digitais com conteúdo oficial

Perspectivas e Consequências futuras


As ações da CCJ e do Congresso Nacional têm consequências que transcendem o debate imediato sobre o voto impresso. Elas estabelecem princípios perigosos sobre o desrespeito às decisões constitucionais e criam um ambiente de instabilidade institucional.


O risco de Judicialização


O próprio relator Marcelo Castro alertou que a aprovação do voto impresso pode resultar em maior judicialização: "O voto impresso é um retrocesso. Só vai trazer mais insegurança, mais problema e judicialização". Esta previsão baseia-se na experiência internacional, onde sistemas híbridos de votação geram frequentemente mais controvérsias e contestações judiciais.


O impacto na Confiança Institucional


A insistência em medidas declaradas inconstitucionais corrói a confiança nas instituições democráticas. Quando o Congresso ignora sistematicamente as decisões do STF, estabelece um precedente de que as decisões constitucionais podem ser simplesmente desconsideradas quando não contemplam os interesses políticos momentâneos.


As verdadeiras urgências nacionais


Enquanto o debate da CCJ voto impresso, questões urgentes permanecem sem solução adequada. A lista de prioridades do governo para 2025-2026 inclui 25 iniciativas na área econômica, mas o Congresso parece mais interessado em debates que beneficiem a própria classe política.


Constituição Federal Brasileira, essencial para entender as prioridades legislativas e questões constitucionais
Constituição Federal Brasileira, essencial para entender as prioridades legislativas e questões constitucionais 

O Dilema democrático


O caso da aprovação do voto impresso pela CCJ do Senado representa um microcosmo dos problemas estruturais da política brasileira contemporânea. A comissão responsável por zelar pela constitucionalidade das leis aprova medidas que contrariam frontalmente a Constituição Federal. O Congresso prioriza questões que beneficiam a classe política em detrimento de demandas sociais urgentes. As instituições criadas para defender a democracia são utilizadas para fragilizar os próprios fundamentos do sistema democrático.


Este episódio revela que o problema não está na tecnologia das urnas eletrônicas – exaustivamente testada, auditada e reconhecida internacionalmente por sua segurança. O problema está na postura de uma classe política que, quando não consegue vencer no jogo democrático, tenta mudar as regras do jogo.


A democracia brasileira enfrenta um momento delicado. As instituições estão sendo testadas por forças que evitam a instabilidade à transparência, a desinformação aos fatos, e aos interesses corporativos ao bem comum. A resposta a esses desafios não veio de medidas técnicas como o voto impresso, mas do fortalecimento das instituições democráticas, do respeito à Constituição e do compromisso com a verdade.


O Congresso Nacional precisa urgentemente reorientar suas prioridades. Em vez de insistir em medidas declaradas inconstitucionais pelo STF, deveria se concentrar nas demandas reais da população: saúde, educação, segurança, emprego e desenvolvimento econômico sustentável. A CCJ, por sua vez, deve retomar seu papel constitucional de guarda da legalidade, e não de promotora de retrocessos.


A democracia brasileira já provou sua resiliência em diversos momentos históricos. Mas ela depende do compromisso de todos os atores políticos com os princípios constitucionais. Quando uma comissão chamada “de Constituição e Justiça” promove medidas que contrariam tanto a Constituição quanto a Justiça, algo está fundamentalmente errado no sistema. Cabe à sociedade civil, à imprensa livre e às demais instituições democráticas concordarem com esses desvios antes que causem danos irreversíveis à nossa jovem democracia.


O voto impresso pode até parecer uma questão técnica menor, mas representa algo muito maior: a escolha entre uma democracia baseada em fatos, transparência e respeito às instituições, ou uma democracia frágil, baseada em desconfianças infundadas e interesses corporativos. A escolha é clara, e a hora de fazer essa escolha é agora.

 
 
 
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