- Raul Silva

- 24 de set.
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Brasília – Em um discurso que mesclou com maestria análise política, referências à cultura popular e um apelo literário de profundo significado, a senadora Teresa Leitão (PT-PE) consolidou-se como uma das vozes centrais na articulação pela rejeição da controversa "PEC da Blindagem" na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Mesmo não sendo membro titular da comissão, a senadora fez questão de comparecer para o que previu ser um "Grand final", entregando uma fala cirúrgica que dissecou ponto a ponto as fragilidades da proposta, não apenas em seu mérito questionável, mas em sua própria e viciada concepção.
Por Raul Silva, para O estopim | 24 de setembro de 2025
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A análise do pronunciamento de Leitão revela uma estratégia argumentativa, que atacou a Proposta de Emenda à Constituição em quatro frentes principais: a ilegitimidade congênita de sua origem, a força irrefreável da pressão popular, o risco de ser um catalisador para um mal-estar social mais profundo e, por fim, a exaltação da coragem política como um dever ético e uma resposta à altura do momento histórico. A fala foi um microcosmo da tensão que dominava o Congresso, transformando uma votação em comissão num ato de afirmação institucional.
O "Pecado Original" da Proposta
O primeiro e mais contundente argumento da senadora visou deslegitimar a PEC antes mesmo de debater seu conteúdo. Para ela, a proposta já "nasceu errada", carregando um vício de origem insanável. Com uma crítica direta e afiada ao processo que a originou, Leitão afirmou:
"um processo de tanta abrangência não pode ser fruto de pequenos grupos ou de grupos que querem chantagear ou de grupos que querem mostrar uma força momentânea de acordo com a conjuntura".
A crítica, embora não nominal, era um recado claro sobre os perigos da "pauta-bomba" e da legislação reativa, concebida não para o bem público, mas como demonstração de poder ou moeda de troca.
Neste ponto, a senadora ecoa posicionamentos passados onde defendeu a primazia do debate público sobre os arranjos de bastidores. Em uma audiência na Comissão de Direitos Humanos em 2024, sobre a reforma do sistema eleitoral, Leitão declarou que:
"a democracia se fortalece com a luz do sol, não com sussurros em corredores escuros. Qualquer mudança estrutural precisa ser parida pelo debate amplo, ou nasce natimorta".
A crítica de hoje na CCJ é uma aplicação direta dessa filosofia, enquadrando a PEC não como uma iniciativa legislativa genuína, mas como um instrumento de pressão que, em suas palavras, "desabona o processo e o mérito". Ela sugere que qualquer benefício que a proposta pudesse conter foi irremediavelmente contaminado por sua gênese, tornando-a indefensável.
A "Voz Rouca das Ruas" e a Legitimidade
Em um segundo momento, a senadora trouxe para o centro do debate a reação da sociedade, o ator externo que redefiniu os rumos da votação. Citando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ela invocou a "voz rouca das ruas" como o elemento que conferiu ao Senado a legitimidade e, talvez, a força necessária para barrar a proposta. Segundo ela, essa voz:
"dá a esse momento de hoje um corte de legitimidade muito forte e a sintonia que precisa existir entre o poder legislativo [...] e o próprio povo".
Era o reconhecimento de que a política não se faz apenas dentro do palácio, e que a soberania popular, quando manifesta, não pode ser ignorada.
Ao fazê-lo, Leitão não apenas reconheceu a pressão externa, mas a transformou em um pilar de sua argumentação. Ela validou os protestos como uma manifestação democrática essencial, um termômetro que o Parlamento não poderia ignorar. A mensagem era clara: a rejeição à PEC não seria uma derrota de um grupo político, mas uma vitória da sintonia entre representantes e representados.
Usando um dito popular, a senadora aprofundou a análise da insatisfação pública: "quem não pode com a formiga não atice o formigueiro". Ela alertou que, embora parte da mobilização tenha sido organizada por entidades, houve uma grande parcela "espontânea, se revelando contra nós". Para Leitão, a PEC pode ter sido apenas o "desaguador de um inconformismo, de uma negação da política que atrapalha a democracia". Foi um aviso severo aos seus pares de que a crise de representatividade é real e que esta proposta, vista como um ato de autoproteção corporativista, era o combustível perfeito para incendiar a desconfiança popular.
Veja a fala da Senadora Teresa Leitão (PT-PE) na integra
Imunidade não é impunidade: a defesa da ética
Ao elogiar o relatório do senador Otto Alencar, que recomendou a rejeição da PEC, Teresa Leitão destacou o que considerou seu aspecto mais crucial: a distinção clara, didática e fundamental entre prerrogativas republicanas e privilégios inaceitáveis.
"Imunidade não é impunidade. As palavras até se parecem, mas tem um significado absolutamente diverso", frisou, elogiando a precisão técnica e jurídica do parecer.
Ela fez questão de martelar esse ponto, ciente de que, para o público externo, a discussão poderia soar como uma tentativa de parlamentares garantirem privilégios.
Esta tem sido uma bandeira constante da senadora. Em discursos anteriores sobre o decoro parlamentar, Leitão já havia sido enfática ao afirmar que:
"a imunidade parlamentar é uma ferramenta da democracia para garantir a liberdade de expressão e voto, não um escudo para proteger indivíduos de suas responsabilidades civis e criminais".
Ao destacar este ponto no relatório de Vieira, ela reforçou que a rejeição da PEC era também um ato de fortalecimento da ética no Parlamento, alinhando os aspectos jurídicos aos princípios morais que, segundo ela, devem reger a vida pública. O voto, portanto, não era apenas técnico, mas um posicionamento sobre o tipo de República que se desejava construir: uma em que a lei vale para todos, inclusive para quem as faz.
O apelo final: "O que a vida quer da gente é Coragem"
O clímax do discurso, foi seu parágrafo final. Em um gesto de deferência ao relator e de reverência à cultura brasileira, a senadora releu a citação de João Guimarães Rosa, presente no relatório, extraída da obra-prima "Grande Sertão: Veredas". A passagem, na voz do personagem Riobaldo, serviu como uma convocação à responsabilidade histórica dos senadores presentes, um chamado que transcendia a política cotidiana.
"O querer da vida embrulha tudo. A vida é assim. Esquenta e esfria aperta e daí afrouxa sossega e depois das inquieta O que ela quer da gente é coragem."
Ao trazer a sabedoria árida e profunda do sertão para o ambiente formal da CCJ, Leitão universalizou o dilema. Não se tratava mais de uma emenda constitucional, mas de um teste de fibra. Ao concluir com um direto e sonoro "Tenhamos coragem de rejeitar essa PEC", ela elevou o debate do campo puramente político para o da ética e da virtude cívica. A mensagem final não era apenas sobre votar contra uma proposta, mas sobre demonstrar a coragem que o momento exigia, reafirmando o valor e a dignidade da própria política.
Em poucos, mas densos minutos, o discurso de Teresa Leitão conseguiu tecer uma narrativa coesa e poderosa, transformando a votação de um item polêmico em um momento pedagógico sobre o papel do Legislativo, sua relação com a sociedade e a integridade de seus membros. Foi uma aula de como a retórica, quando embasada em convicção e conectada ao sentimento popular, ainda é a ferramenta mais potente da democracia.






















