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Atos pela Democracia de 21/09: pressão popular marca virada no cenário político nacional

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • 22 de set.
  • 6 min de leitura

Manfestação contra a anistia - Foto: Paullo Almeida/ Folha de Pernambuco
Manfestação contra a anistia - Foto: Paullo Almeida/ Folha de Pernambuco

Os protestos, organizados pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, reuniram movimentos sociais, centrais sindicais, partistas políticos e artistas em uma das maiores mobilizações da década. São Paulo liderou com 42.400 pessoas na Avenida Paulista, segundo cálculo da Universidade de São Paulo realizado pelo Monitor do Debate Político do Cebrap.


Em Salvador, milhares se concentraram na Barra com shows de Daniela Mercury e Wagner Moura, que declarou: "Bandidagem não é com a gente". No Rio de Janeiro, Copacabana recebeu um trio elétrico com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, que cantaram juntos contra a anistia. Brasília viu uma multidão ocupar as seis faixas do Eixo Monumental até o Congresso Nacional.


A amplitude geográfica surpreendeu analistas. Além das capitais, cidades como Juiz de Fora, Campinas e municípios do Triângulo Mineiro também registraram atos. O monitoramento das redes sociais mostrou que o engajamento superou os atos bolsonaristas do 7 de setembro, com 865 a cada 100 mil mensagens fazendo referência aos protestos contra 724 dos atos da direita.


Reação da bancada da oposição no Congresso


No Senado, a recepção aos atos foi imediata e transformadora. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Otto Alencar (PSD-BA), anunciou que pautará a PEC da Blindagem na próxima reunião para "sepultar de vez esse assunto". O relator Alessandro Vieira (MDB-SE) já sinalizou parecer pela rejeição.


A bancada do MDB, com 12 senadores, fechou questão contra a PEC. "É inconcebível transformar a imunidade parlamentar em impunidade universal e desmedida", declarou o líder Eduardo Braga (MDB-AM). Mesmo senadores do PL, partido que votou 100% a favor na Câmara, defendem mudanças. Jorge Seif (PL-SC) reconheceu "exageros" que precisam de correção, como o voto secreto.


Em uma das muitas bandeiras do Brasil exibidas no ato de São Paulo, o lema “Ordem e Progresso” foi substituído pelo brado “sem anistia” – Foto: Nelson Almeida/AF... Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/politica/em-resposta-a-bolsonaro-ato-contra-anistia-em-sao-paulo-tem-bandeira-gigante-do-brasil/. O conteúdo de CartaCapital está protegido pela legislação brasileira sobre direito autoral. Essa defesa é necessária para manter o jornalismo corajoso e transparente de CartaCapital vivo e acessível a todos
Em uma das muitas bandeiras do Brasil exibidas no ato de São Paulo, o lema “Ordem e Progresso” foi substituído pelo brado “sem anistia” – Foto: Nelson Almeida/AF

Na Câmara, deputados que votaram favoravelmente começaram a se desculpar publicamente. Pedro Campos (PSB-PE), Merlong Solano (PT-PI), Sylvie Alves (União-GO) e Thiago de Joaldo (PP-SE) pediram perdão aos eleitores e reconheceram ter escolhido "o caminho errado". O fenômeno evidenciou o impacto da pressão popular sobre parlamentares.


O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), emergiu como figura central da crise política. Suas decisões de pautar tanto a PEC da Blindagem quanto a urgência da anistia, cumprindo acordo com bolsonaristas e Centrão após o motim de agosto, geraram forte rejeição popular.


Motta virou alvo direto dos manifestantes, que carregaram cartazes como "Motta Capacho", "Centrão ladrão" e "PCC: Primeiro Comando do Congresso". A estratégia de atrelar as duas pautas foi classificada como "tiro no pé" por aliados de Bolsonaro, incluindo o ex-secretário Fabio Wajngarten.


O episódio representa "mais um teste de afirmação de uma autoridade que é minada pela sombra de seus padrinhos políticos", segundo análise da Folha, referindo-se à influência de Arthur Lira e à "trajetória pendular" entre Lula e Bolsonaro. A pressão das ruas colocou Motta em posição defensiva, com sua autoridade questionada tanto pela esquerda quanto pela direita.


Ofensiva da extrema-direita contra o movimento


Simultaneamente aos atos, deputados bolsonaristas lançaram campanhas coordenadas de desinformação. Nikolas Ferreira (PL-MG) liderou os ataques, compartilhando vídeo anterior ao início dos protestos em São Paulo para ironizar: "Nem com Rouanet vingou". A declaração contrariava dados da própria USP, que registraram participação superior aos atos de 7 de setembro.


Gustavo Gayer (PL-GO) publicou imagens de Brasília afirmando que "a esquerda está sempre passando vergonha". Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) atacou especificamente Caetano Veloso, chamando-o de "comunista hipócrita" em postagem com caricatura. O pastor Silas Malafaia classificou os protestos como obra de uma esquerda "cretina" que "engana o povo".


A estratégia se inseriu no padrão histórico de Ferreira de disseminar fake news, como documentado pelo Ministério Público de Minas Gerais em denúncia sobre as eleições de 2024. O ANDES-SN já havia repudiado declarações anteriores do deputado contra professores, consideradas "discurso de ódio fascista".


Protestos foram convocados durante a semana pelas redes de movimentos sociais - Foto: Evaristo Sa/AFP
Protestos foram convocados durante a semana pelas redes de movimentos sociais - Foto: Evaristo Sa/AFP

Em Santa Catarina, o governador Jorginho Mello (PL) implementou medidas explicitamente autoritárias para obstaculizar os atos. Determinou o fechamento da Ponte Hercílio Luz, tradicionalmente aberta aos domingos, e acionou a Polícia Militar para controlar o acesso.


Parlamentares denunciaram a "intervenção repugnante e indefensável" do governador. O deputado Pedro Uczai (PT-SC) questionou: "Por que essa decisão? De que lado o governo está?". O vereador Afrânio Boppré (PSOL) destacou que a ponte "fica aberta todo domingo" e cobrou explicações do comando da PM.


Manifestantes relataram que, além do fechamento da ponte, a água dos banheiros públicos foi desligada. A medida gerou efeito contrário ao pretendido, ampliando a repercussão nacional e reforçando o caráter democrático dos protestos diante das tentativas de repressão.


Na capital paulista, a Guarda Civil Metropolitana (GCM), comandada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), promoveu ações controversas contra manifestantes pacíficos. Viaturas e motocicletas avançaram com sirenes ligadas em meio à multidão, enquanto agentes usaram spray de pimenta.


O jornalista Chico Pinheiro do ICL denunciou em tempo real: "A GCM está jogando os carros e motos para tentar causar tumulto e tirar o brilho dessa festa democrática que a esquerda está fazendo". A ação ocorreu mesmo com ruas paralelas liberadas para o tráfego, caracterizando provocação desnecessária.


A Secretaria Municipal de Segurança Urbana justificou a ação alegando "princípio de tumulto envolvendo um ex-parlamentar", referindo-se ao ex-deputado Douglas Garcia (Republicanos), apoiador de Bolsonaro que foi hostilizado por manifestantes. Entretanto, testemunhas relataram desproporcionalidade na resposta da GCM.


Orlando Morando, secretário de Segurança Urbana, definiu como "deslocamento comum" a ação que atravessou a multidão. A explicação não convenceu manifestantes, que denunciaram tentativa de intimidação contra o protesto pacífico na Avenida Paulista.


Significado e transformações no cenário político


A repercussão dos atos alterou fundamentalmente as perspectivas de tramitação tanto da PEC da Blindagem quanto da anistia. No Senado, a PEC enfrenta rejeição praticamente certa, com senadores anteriormente indecisos sinalizando voto contrário. A estratégia de unir as duas pautas, criticada até por aliados de Bolsonaro, enfraqueceu ambas as propostas.


Para a anistia, o cenário também se complicou. O relator Paulinho da Força (Solidariedade-SP) tenta articular proposta "intermediária" de redução de penas ao invés de perdão total, mas enfrenta resistência crescente. A pressão popular demonstrou que a questão mobiliza setores amplos da sociedade, não se limitando à militância partidária.


O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), avaliou que "o impacto no Congresso será inevitável. O parlamento precisa ouvir a voz das ruas". A manifestação reforçou a posição do governo Lula contra ambas as propostas e forneceu respaldo popular para eventual veto presidencial.


Mulher com cartaz contra projeto que anistia pessoas condenadas pelo 8 de janeiro, durante manifestação em Brasília  • Todas do Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Mulher com cartaz contra projeto que anistia pessoas condenadas pelo 8 de janeiro, durante manifestação em Brasília  • Todas do Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Os atos de 21 de setembro representaram marco na resistência democrática brasileira, comparável às manifestações históricas contra retrocessos autoritários. A capacidade de mobilização em escala nacional, com participação massiva em cidades de diferentes regiões, demonstrou vitalidade das instituições democráticas.


O episódio evidenciou também as diferentes faces do autoritarismo contemporâneo: desde tentativas de desinformação digital até repressão física explícita por parte de governos subnacionais. A resposta popular mostrou que a sociedade brasileira mantém anticorpos contra ameaças à democracia, mesmo em contextos de polarização extrema.


Para o movimento progressista, os atos representaram retomada das ruas como espaço político legítimo. A articulação entre movimentos sociais, partidos, sindicatos e artistas criou frente ampla capaz de influenciar decisivamente o processo legislativo. O fenômeno sugere que a polarização não eliminou a capacidade de mobilização democrática.


A pressão continuará no Senado, onde a PEC da Blindagem deve ser rejeitada na CCJ já na próxima semana. Para a anistia, o cenário permanece em disputa, mas com correlação de forças alterada pela demonstração de força popular. Os atos de 21 de setembro consolidaram-se como ponto de inflexão no debate sobre os limites da democracia brasileira, reafirmando que a vontade popular permanece como instância superior de legitimação política.

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