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O voto de Alexandre de Moraes: O Supremo confronta a extrema-direita e suas ameaças internacionais

  • Foto do escritor: Raul Silva
    Raul Silva
  • 9 de set.
  • 6 min de leitura

Em uma sessão histórica que durou mais de cinco horas, o ministro Alexandre de Moraes proferiu nesta terça-feira (9) um voto devastador no julgamento da tentativa de golpe de estado liderada por Jair Messias Bolsonaro. O relator da ação penal 2668 não apenas condenou todos os oito réus do "núcleo 1" da organização criminosa golpista, mas também enviou recados duros para a extrema direita brasileira e internacional que vem atacando sistematicamente as instituições democráticas do país.


Ministro Alexandre de Moraes - Foto: Rosinei Coutinho/STF
Ministro Alexandre de Moraes - Foto: Rosinei Coutinho/STF

A anatomia do Golpe: 13 atos executórios de uma organização criminosa


Alexandre de Moraes construiu seu voto como um meticuloso relatório forense, dividindo em 13 momentos cronológicos os atos executórios da tentativa de golpe. Desde junho de 2021, segundo o ministro, a organização criminosa liderada por Bolsonaro executou um plano sistemático para se perpetuar no poder, utilizando órgãos públicos como a Abin e o GSI para produzir desinformação sobre as urnas eletrônicas e deslegitimar a Justiça Eleitoral.


"Não é possível normalizar todo esse intercrime de meados de junho de 2021 até esse momento", declarou Moraes ao descrever como a organização criminosa planejou desde ataques cibernéticos até o assassinato de autoridades.

O ministro foi particularmente duro ao revelar que o "Plano Punhal Verde Amarelo" previa o assassinato do então presidente eleito Lula, do vice Geraldo Alckmin e dele próprio.


A cronologia apresentada pelo relator demonstrou uma escalada de violência que culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023, mas que teve início muito antes, com a utilização sistemática de "milícias digitais" e robôs para espalhar desinformação.


"Era realizado, a partir de um complexo sistema de financiamento, produção e divulgação, utilização de inúmeros robôs, inclusive se divulgar essa desinformação de forma massiva", afirmou o ministro.

Recados diretos à extrema-direita: O fim da impunidade


O voto de Moraes transcendeu o aspecto jurídico para se tornar um manifesto contra o autoritarismo. Suas palavras soaram como um recado direto para figuras como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que nos últimos dias intensificou seus ataques ao STF e especificamente ao ministro.


Tarcísio de Freitas - Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo
Tarcísio de Freitas - Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Durante o ato de 7 de setembro na Paulista, Tarcísio chegou a chamar Moraes de "ditador" e "tirano", afirmando que "ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes". O governador paulista ainda questionou a legitimidade do julgamento, dizendo que o STF poderia condenar Bolsonaro "sem nenhuma prova".


A resposta de Moraes veio na forma de uma aula de direito constitucional. O ministro foi categórico ao afirmar que"

"qualquer juiz que seja ameaçado, coagido, até agredido no curso do processo, por quem está sendo investigado, ele não se torna suspeito ou impedido, porque seria muito fácil pra organização criminosa".

Mais do que isso, Moraes fez questão de contextualizar historicamente a importância do julgamento:


"O Brasil demorou para atingir a sua democracia, para concretizar sua democracia. Nós tivemos 20 anos de ditadura, torturas, desrespeito à independência do poder judiciário, do poder legislativo. As pessoas sumiam, as pessoas eram mortas".

A pressão internacional: Trump, sanções e ameaças militares


O voto de Moraes ocorreu sob uma pressão internacional sem precedentes. O governo Trump intensificou dramaticamente sua campanha contra o Brasil nas últimas semanas, culminando com a aplicação da Lei Magnitsky contra o próprio Alexandre de Moraes.


Poucas horas antes do julgamento, o subsecretário de Diplomacia Pública dos EUA, Darren Beattie, fez uma advertência direta:


"Para o ministro Alexandre de Moraes e os indivíduos cujos abusos de autoridade têm minado as liberdades fundamentais, continuaremos a tomar as medidas cabíveis".


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump/AFP
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump/AFP

As sanções americanas incluem o bloqueio de bens nos EUA, cancelamento de vistos e até mesmo restrições a cartões de crédito internacionais. Trump chegou a ameaçar o Brasil com tarifas de 50% e, em declarações mais recentes, sinalizou possível uso de força militar, segundo fontes diplomáticas.


A embaixada americana no Brasil chegou ao ponto de republicar mensagens defendendo as sanções contra Moraes no exato momento em que o julgamento estava sendo retomado. Uma escalada diplomática que não encontra paralelos na história recente das relações Brasil-EUA.


A reação da imprensa internacional: entre admiração e preocupação


A cobertura internacional do julgamento revelou uma divisão clara entre a imprensa europeia, que elogiou a maturidade democrática brasileira, e a pressão política americana.


O Washington Post foi direto:


"No julgamento de Bolsonaro, o Brasil confronta Trump — e seu passado autoritário".

O jornal destacou que, ao contrário de outros países latino-americanos, o Brasil historicamente optou pela impunidade em casos de crimes contra o Estado democrático.


O The Guardian classificou o processo como "um divisor de águas para a democracia brasileira", enfatizando que:


"pela primeira vez na história brasileira, figuras tão poderosas enfrentam a Justiça por tentarem derrubar a democracia do país."

Particularmente reveladora foi a análise da revista The Economist, que dedicou sua capa ao caso com o título "O que o Brasil pode ensinar à América", sugerindo que o país "dá um exemplo de maturidade democrática aos Estados Unidos".


O Financial Times, por sua vez, observou que o julgamento:


"ocorre em meio à deterioração das relações com os Estados Unidos e pode acelerar mudanças na política externa brasileira".

A máquina de desinformação: robôs, milícias digitais e narrativas falsas


Uma das partes mais reveladoras do voto de Moraes foi a descrição detalhada da máquina de desinformação montada pela organização criminosa. O ministro demonstrou como as lives de Bolsonaro eram "imediatamente massivamente disseminadas pelas milícias digitais" usando "inúmeros robôs".


Nos últimos dias, essa mesma máquina foi reativada para deslegitimar o julgamento. Grupos bolsonaristas espalharam nas redes sociais a tese de que se tratava de um "golpe imaginário" sem provas. A estratégia incluiu a mobilização coordenada de parlamentares para tentar invadir o STF e criar tumulto.


A extrema direita organizou uma ofensiva digital focada em três narrativas principais: a tese da perseguição política, o questionamento da legitimidade das provas (especialmente a delação de Mauro Cid) e a internacionalização do conflito através do apoio de Trump.


O contexto histórico: Rompendo o pacto de silêncio


Moraes fez questão de situar o julgamento no contexto da história republicana brasileira. Como observou a historiadora Lilia Schwarcz ao Washington Post, o processo é "simbólico" por romper um "pacto de silêncio" sobre os militares que perdurou desde a redemocratização.


O ministro foi didático ao explicar as diferenças entre os crimes de abolição violenta do Estado democrático de direito (artigo 359L) e golpe de Estado (359M), usando exemplos históricos como a "Noite da Agonia" de 1823 e o golpe de 1930. Sua mensagem foi clara: não haverá mais impunidade para crimes contra a democracia.


"A história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação, pois o caminho aparentemente mais fácil [...] deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia", declarou Moraes.

O voto de Alexandre de Moraes enviou um recado inequívoco para figuras como Tarcísio de Freitas, que vem se posicionando como herdeiro político de Bolsonaro e possível candidato presidencial em 2026. Ao descrever detalhadamente os crimes cometidos pela organização golpista, o ministro estabeleceu precedentes jurídicos claros sobre o que constitui atentado à democracia.


Tarcísio, que chegou a afirmar que resistirá à "ditadura de um Poder sobre o outro" e prometeu "lutar para que a arbitrariedade tenha fim", agora precisa lidar com a realidade de que o STF demonstrou não hesitará em punir crimes contra as instituições democráticas.


O governador paulista, que tem usado uma retórica cada vez mais agressiva contra o Supremo, viu sua estratégia política confrontada pela demonstração de força institucional de Moraes. O ministro deixou claro que ameaças e tentativas de intimidação não alterarão o curso da justiça.


O caso também demonstrou a capacidade de resistência das instituições brasileiras diante de pressões externas sem precedentes. Mesmo com Trump aplicando sanções econômicas e ameaças diplomáticas, o STF manteve o julgamento e seus ministros se mantiveram unidos.


A reação de outros ministros foi imediata. Gilmar Mendes rebateu indiretamente Tarcísio: "O que o Brasil não aguenta mais são tentativas de golpe contra a democracia". Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, também criticou as declarações do governador paulista, defendendo o devido processo legal.


Um marco na história democrática brasileira


O voto de Alexandre de Moraes representa um marco na consolidação democrática brasileira. Pela primeira vez na história republicana do país, figuras do mais alto escalão político e militar são responsabilizadas por crimes contra a democracia.


Mais do que isso, o julgamento ocorreu em um contexto de pressão internacional inédita, com uma potência estrangeira tentando interferir diretamente no Poder Judiciário brasileiro. A resistência demonstrada pelas instituições nacionais estabelece um precedente importante para a defesa da soberania democrática.


Para a extrema direita brasileira e internacional, o recado foi claro: a era da impunidade para crimes contra a democracia chegou ao fim. Figuras como Tarcísio de Freitas, que apostaram na radicalização do discurso antiinstitucional, agora precisam recalcular suas estratégias diante da demonstração de que o Estado de Direito brasileiro não cederá a pressões autoritárias, venham elas de dentro ou de fora do país.


O Brasil, como observou a revista The Economist, está dando uma lição de maturidade democrática para o mundo, incluindo para os próprios Estados Unidos, onde os crimes de 6 de janeiro de 2021 ainda aguardam julgamento definitivo. O voto de Moraes ficará para a história como o momento em que a democracia brasileira disse "não" ao autoritarismo, independentemente da pressão que viesse a sofrer.


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